Projeto Memórias do Comércio de Bauru
Entrevista de Mayara Reis Lopes
Entrevistada por Luís Paulo Domingues e Claudia Leonor Oliveira
Bauru, 22 de março de 2021
Entrevista MC_HV019
Transcrita por Selma Paiva
P2 - Para começar, eu gostaria que você me dissesse seu nome completo - a gente sabe, mas para ficar gravado - data de nascimento e cidade.
R1 – Então, meu nome é Mayara Reis Lopes, eu sou do dia sete do dois de 1990, e eu falo de Bauru.
P1 - Então pra gente não perder, né? Então, você falou seu nome completo, local, e nasceu em Bauru mesmo, né, Mayara?
R1 – Nasci em Bauru mesmo.
P1 – Eu queria que você falasse o nome dos seus pais e o que eles trabalhavam.
R1 – No que eles trabalham, a função deles agora?
P1 – Isso, isso, pode falar o nome dos seus pais.
R1 – Tá. O meu pai se chama Gilson, é arquiteto, trabalha na prefeitura de Bauru. A minha mãe chama Maya e é professora também da rede municipal, hoje ela é diretora do Ceeja aqui de Bauru.
P1 – Maravilha. E Mayara, o nome dos seus avós, assim, você lembra deles, conheceu?
R1 – Os meus avós são, na verdade, as pessoas que comandam a sorveteria, né? Eles são, ainda, até hoje, que a minha avó, na verdade, meus avós paternos que são daqui da sorveteria, que é o meu avô Hélio, que desde sempre ele nasceu aqui, viveu aqui na sorveteria e minha avó Hilda, que trabalhou na prefeitura também por muitos anos, na Finanças e aí, quando ela aposentou, ela veio para a sorveteria também, junto com meu avô, para continuar, aí foi que a sorveteria cresceu e é o que é hoje.
P1 – Maravilha! Conta para nós um pouco, assim, que bairro que você cresceu, quais são as suas lembranças de infância, Mayara?
R1 – Tá. Eu nasci na Vila Falcão, né, lá para aqueles lados e eu cresci por lá também, desde sempre eu morei para lá. Agora que eu mudei mais para cá, mas a minha infância toda é mais lá na Vila Falcão, onde moram meus avós maternos, onde eu morei com meus pais, sempre foi para lá.
P1 – Fala o nome dos seus avós maternos, por favor.
R1 – Meus avós maternos: a Dona Romana e o meu avô é o Valter.
P1 – Então fala assim: descreve para a gente como é a Vila Falcão da sua infância, assim, o que você se recorda, assim, de brincadeira na rua, como é que é isso?
R1 – É, na verdade, assim, eu nasci numa rua lá que, na verdade, eles chamam de Alto Paraíso, mas daí minha infância, que eu tenho toda lembrança, é na casa dos meus avós maternos, que eu morei por muito tempo com eles e que é na Vila Falcão. Não tão longe, mas é por ali também. E aí, na época, a gente conseguia brincar na rua, de esconde-esconde, de pega-pega. Vixi, eu era criança de brincar na rua com os meninos lá e tudo mais, uma época que é distante, né? Hoje não consegue mais, mas as minhas brincadeiras sempre foram na rua e minha vizinha da casa que morei com os meus pais é a minha madrinha. Então, também a minha infância é muito ligada à casa dela, que também é Vila Falcão e a gente brincava muito por lá também com os meus primos, era uma coisa mais serelepe na época, né?
P1 – (risos). Como era essa convivência? Era muita criança, como que era isso?
R1 – Não era tanta criança, mas era o suficiente (risos) para a gente conseguir fazer uma brincadeira bem animada, assim. Nós somos em... naquela época eram dois primos, eu e minha irmã. Minha irmã tem seis anos de diferença, mas ainda assim ela pegou essa parte de brincar na rua com a gente, um pouco. E aí era mais a gente mesmo. Aí tinha outros primos que moravam ao redor. Na verdade, a gente tem uma família quase que completa na Vila Falcão, vai mudando um pouquinho de rua, mas é todo mundo por ali. E aí era mais a gente, as meninas que brincavam, da rua mesmo, que a gente fez amizade, tem aí para toda a vida e era mais essas brincadeiras.
P1 – Descreve a Vila Falcão, assim, para quem não conhece. Como você descreveria, assim, as ruas, as casas, os moradores.
R1 – A Vila Falcão, para mim, é tão tradicional, né, acho que vem da história dela ter começado tudo. Quando eu penso na Vila Falcão, as casas, é tudo muito tradicional, muito alinhado, né? O pessoal sempre foi muito de ficar na calçada naquela época, cadeira, calçada, as ruas muito parecidas, o pessoal sempre... a minha lembrança é que não importava o horário, tinha alguém na calçada, sentado em uma cadeira, que trocava uma ideia, os senhores da época, né? Para mim a Vila Falcão é muito isso: muito familiar, assim, as pessoas lá estão sempre muito em família, é muito reunido, é muito na calçada, muito conversando. Não sei se as pessoas veem uma Vila Falcão diferente disso, mas para mim ela é muito inicial, muito tradicional mesmo da cidade.
P1 – E as lojas ali, assim, mercearia, padaria?
R1 – É verdade, real. Nossa, na rua que eu morava com meus avós a gente tinha uma... a gente chamava de mercadinho, né, mas ela era uma mercearia muito pequena e era tipo: todo dia eu tinha que estar lá, para poder comprar os doces do dia e tudo mais. Na rua da minha casa também tinha, a gente tinha uma lojinha que a gente chamava pelo nome da dona, acho que era Dona Cida. E lá vendia tudo, tipo: a gente comprava pipa, comprava bombinha, comprava linha, comprava qualquer coisa, a gente conseguia comprar. Acho que essas lojinhas, né, do bairro, na Vila Falcão inclusive, era tudo, né? Não importava no que ela dizia que era e no final ela era de tudo. Ela vendia de tudo um pouco: roupa, brinquedo, sempre teve de tudo isso. E a gente, tradicionalmente assim, a minha família sempre foi de comprar em lojinha pequena e sempre compra lá. Uma lojinha de roupa, a gente sempre comprava na lojinha de roupas; sapato, sempre na lojinha de sapato do bairro. Até hoje, na verdade, a gente consome das lojinhas do bairro, assim.
P1 – Maravilha! E você falou de pipa, né? Dá para soltar bem pipa, na Vila Falcão, né?
R1 – É. Nossa, a gente soltava pipa na Vila Falcão muito, assim, era um prazer. Pipa e peão, nossa, que época boa! Pipa e peão essa lojinha vendia, a gente comprava direto. Nunca tinha, sempre tinha que comprar, impressionante, a gente comprava e comprava mais, era a brincadeira da época da Vila Falcão também. Acho que hoje ainda eles brincam bastante, mas naquela época pipa era uma febre.
P1 – Mayara e escola, que escola você frequentou, assim, com quantos anos você começou?
R1 – Eu, a minha primeira escola foi a Emei Pezzatto, que é ali na Vila Falcão, perto da Bernardino de Campos. Eu estudei lá, eu fiz o Maternal e o Jardim I, depois ela foi para uma reforma e eu fui estudar no Brandão. Aí, no Brandão, que é um pouquinho mais para cima também, ali na Vila Falcão. Aí estudei lá, fiz todo o ensino fundamental lá. Fundamental não. É, o Fundamental I, né, que antes era Infantil. E aí depois eu fui para o Xavier de Mendonça, que aí é um pouco mais para cima, não sei qual é a região daquele bairro. Aí estudei no Xavier até a quarta série. E aí, quando eu saí do Xavier, eu fui para uma escola particular, que hoje é o Colégio Alfa, que também é tudo ali por volta e eu estudei lá até a oitava série, na época era série ainda e depois eu fui para o Stela, eu me formei, o ensino médio no Stela.
P1 – Maravilha! É, você falou, assim, que as escolas foram subindo, assim. A Vila Falcão tem essas ruas que são ruas, assim, corredores dessas casas, que foram se transformando também, né?
R1 – Sim, eu acho que tem vários bairros que compõem, na verdade, mas que todo mundo acaba chamando de Vila Falcão ali, né? Se você for parar para reparar, é Alto Paraíso, Paraíso, Vila Pacífico, mas no final tudo é Vila Falcão, a gente sempre entende como Vila Falcão aquela região, né?
P1 – É, passou o viaduto, é Vila Falcão.
R1 – É Vila Falcão, verdade, exatamente. Passou o viaduto, chegou na Bernadino de Campos, é tudo Vila Falcão, ninguém mais consegue separar.
P1 – É. Mayara, assim: você chegou a frequentar igreja? Tem muitas igrejas ali também, né?
R1 – Tem muitas igrejas. Na minha época de ensino fundamental, as minhas amigas iam muito na igreja, na São Benedito, né, que essa sim é na Vila Falcão, tudo é na Vila Falcão. (risos) Elas iam muita lá e eu acabava frequentando, apesar da minha família não ter uma base católica, como era das meninas e elas iam, eu acabava indo com elas, né? Mas eu fui batizada na igreja católica, mas aí não foi na Vila Falcão, (risos) mas na minha infância, assim, a lembrança que eu tenho de igreja era da São Benedito e da São José dos Trabalhadores também. Elas iam muito, que era mais pertinho ali da escola e é tudo... tem várias igrejas por lá, né?
P1 – É, tem, né? E tinha festa no bairro, festa, quermesse? Como é que...
R1 – Cara, na rua da casa da minha avó a gente fazia uma festa junina que era nossa. Tipo: (risos), ninguém mais resolvia aquilo, era o pessoal da rua mesmo que fazia uma festa junina muito animada, muito gostosa, a gente fez por muitos anos. Era muito organizada e era só a galera do bairro que organizava. A gente passava o dia buscando as coisas para poder fazer, poder organizar. E tinha a dança, né, o pessoal casava, fazia cerimônia, era muito legal mesmo, assim. E sem... a gente achava muito legal, porque não tinha iniciativa de ninguém, não era uma igreja, não era... era só a gente mesmo, a galera do bairro que organizava e fazia uma baita de uma festa gostosa lá e as quermesses também, né, tradicionais de lá, a de São Benedito, a dos Trabalhadores, fazem muita quermesse, né? Então, também uma memória muito boa da infância, são as quermesses.
P1 – Maravilha! E voltando um pouco no universo da escola, assim, teve alguma, algum professor que foi especial, marcante assim, alguma disciplina?
R1 – Nossa, eu sou suspeita, porque uma coisa que eu gostava era de ir para a escola. Sempre fui a animada de ir para a escola. (risos) Eu ia para a escola com muito carinho, mas a minha lembrança do meu fundamental, que foi nessa escola menor, no Colégio Alfa, é uma lembrança muito gostosa. Eu era apaixonada pela escola, eu era muito pequena, né? Então, a minha sala tinha, no máximo, dezesseis alunos. Então, era muito pessoal, a gente tinha um contato muito bom. E eu fiz amigos lá que eu tenho até hoje, as pessoas que trabalham lá, a diretora, nossa, sou apaixonada por ela, a gente se fala bastante assim, é muito gostoso. A lembrança de lá, sempre que eu vou falar, acho que é a parte mais saudosa que eu tenho. Eu tinha professores e é engraçado que eu não era uma pessoa muito ligada à História naquela época, eu gostava mais de Português, de fazer redação. Então, eu tenho uma memória muito boa das minhas professoras de Português, que era a Marcela. Nossa, tenho um carinho enorme. E eu também tinha um carinho muito grande pela professora de Ciências e, no final, (risos) eu nem sou da área dela. Mas são coisas que me marcaram muito dessa escola, são essas professoras, as duas chamavam Marcela, das duas disciplinas, são as minhas memórias mais interessantes, assim, dessa época.
R1 – Que bacana! E falando um pouco já da Pinguim, assim, as suas lembranças mais de infância, assim, de conviver com seus avós paternos, como é que é?
R1 – Eu costumo brincar sempre que me perguntam: “Mas quanto tempo você trabalha aqui?” eu falo: “Desde que eu nasci (risos) eu estou aqui dentro”. Eu não tenho outra lembrança que não seja da Pinguim porque, quando a gente, quando mudou para cá, né, para a localização que ela tem hoje, foi logo que eu nasci, assim. Na verdade, meu avô acredita que foi em 1988,1989 e eu nasci em 1990. Então, eu nasci já nessa região. Ela já tinha feito parte de outros dois bairros, né? Bairros não, né, porque é bem pertinho. E aí, quando ela veio para cá, foi quando eu nasci. Então, eu tenho bastante memória de quando eu era menorzinha aqui do lado e eu cresci nisso, eu vinha para cá sempre, eu era sempre muito ligada à minha avó. Então, tipo eu passava o final de semana com ela e, para isso acontecer, eu tinha que primeiro vir para cá, para depois ir para a casa dela. Então, eu lembro daqui sendo muito pequena, mas sempre muita gente vindo e eles aqui dentro e eu, desde pequena, já tentava ajudar, caixa e fazer bola de sorvete. E aí, eu acho que o meu contato mais próximo com responsabilidade sempre foi a sorveteria, mesmo que eu não tenha trabalhado aqui desde que comecei a trabalhar e tudo mais, sempre foi uma memória muito boa, assim, daqui.
P1 – Cheiros, sabores, como que é isso?
R1 – É, o cheiro. Na verdade, é muito engraçado, porque por mais que seja a mesma coisa, o prédio antigo tem um cheiro diferente. Então, lá é o cheiro daquele lugar. A produção era menor, era muito mais manual, né? Eu me lembro das meninas produzindo, embalando sorvete por sorvete e o cheiro que tinha lá era totalmente diferente do que a gente tem aqui hoje, mesmo sendo o mesmo produto, as mesmas pessoas, porque a gente tem um quadro de funcionário que é desde sempre, né, quem faz o sorvete e tudo mais e a memória de cheiro e de barulho que fazia lá das máquinas, da maneira como elas trabalhavam, assim, eu tenho uma memória bem forte delas também, nesse movimento de lá.
P1 – Você consegue descrever esse cheiro, porque eu acho que é tão peculiar da Pinguim.
R1 – Nossa, eu não sei porque ele mistura doce com leite, eu não consigo ter noção, mas é um cheiro de leite com doce e seja o que for o que está produzindo, ele sempre parece um açúcarzinho, assim, no final. É um cheirinho de açúcar que não tem jeito.
P1 – É, é. Lu, quer fazer alguma pergunta? Oi? Desculpa.
R1 – Acho que no final é tudo com açúcar, o cheirinho final é açúcar, assim.
P1 – Quer fazer alguma pergunta, Lu?
P2 – Você chupou muito sorvete quando era criança ou seus pais não liberavam muito?
R1 – Ah, eu sempre chupei muito sorvete. Hoje em dia chupo muito menos, mas quando eu era criança não tinha jeito, né, chupava pra caramba. E eu sempre vivi aqui com eles. Na verdade, a minha avó, acho que ela tem mais memória minha, né, do que qualquer coisa. Então, ela que resolvia tudo isso, se eu tomava sorvete, se eu ficava para cá. Minha avó e meu avô são muito maternais, então eu podia querer qualquer coisa, não importava se era hora do almoço, se não era, tomava sorvete à vontade e nunca teve problema com isso. Então, eu chupava sorvete para caramba.
P2 – Mayara.
P1 – Desculpa. Pode falar, Lu.
P2 – No meio da sua vida na escola, você já começou a trabalhar aí ou você começou mais tarde? Quando que você começou a entrar para trabalhar?
R1 – Então, na verdade, assim: eu trabalho aqui... quando eu estava na escola ainda, no colegial, tinha uns quinze, dezesseis anos, já comecei a vir para cá, porque era a maneira, né, de ter a minha vida. Então, eu vinha para cá, ficava final de semana, trabalhava para ganhar um dinheiro, para poder continuar a vida de adolescente. Então, normalmente, eu ficava aqui nos finais de semana, eu vinha depois da escola. E sempre fiquei para fazer bola mesmo, ficar no balcão, eu nunca deixei de estar diretamente no balcão com os clientes. Só que, naquela época, era muito pequeno. Então, era tipo um funcionário e eu e as minhas avós. Então, eu estava aqui de verdade, a gente tinha que fazer toda a parte, não tinha... hoje é mais dividido, né, tem muito mais funcionário e tudo mais. Mas desde que eu tenho quinze anos, mais ou menos, eu comecei já trabalhar aqui. Só que a minha avó nunca achava que eu deveria trabalhar aqui definitivamente, né, que eu tinha que aprender, ir para fora, trabalhar em outros lugares, ser funcionária em outros lugares, para aprender como é que é trabalhar dentro do comércio da família. Aí eu saí, quando eu terminei a escola, eu comecei a trabalhar, fui trabalhar com cobrança, trabalhar normal, assim e aí, depois, quando eu tinha uns vinte e dois anos, mais ou menos, foi quando ela percebeu que não dava, que ela precisava muito de mim e acabava vindo para cá fazer algumas coisas e meu trabalho acabava atrapalhando, não dava o tempo que ela precisava, porque aí começou a modernizar, né: nota fiscal, computador, tudo automatizado e para ela era mais difícil. Meu pai, como trabalha também, tem um emprego fora daqui, era comigo e aí a gente acabou cedendo e ela acabou aceitando que eu devia vir para cá direto. Aí, depois disso, nunca mais eu saí. (risos) Já tentei também sair para trabalhar em outro lugar, mas no final não dá, acabo voltando para cá, porque eu falo que eu posso sair da sorveteria, mas a sorveteria não sai de mim, então não tem como fugir, é aqui mesmo.
P1 – Você falou uma coisa interessante, né? Então, tem esse momento nos anos 80, né, que ela está uma sorveteria pequena, né, assim, com você, sua avó, seu avô e um ou dois funcionários. Como é esse período de expansão, assim, vocês pegam o prédio do lado, né? Eu lembro de uma expansão, de uma reforma muito grande. Queria que você falasse um pouquinho disso.
R1 – Na verdade, essa, para mim, é a melhor história da sorveteria, porque os meus avós são muito tradicionais, né? Então, o medo da mudança sempre foi gigante para eles. Por mais que eles quisessem expandir, quisessem uma coisa maior, eles tinham muito medo. A sorveteria do lado não comportava a quantidade de cliente que a gente tinha. Então, acabava sendo mais uma coisa de ir buscar, né? Eles vinham, buscavam o sorvete e levava para casa, porque não tinha nem como se servir aqui, a gente tinha duas mesas, no máximo. No final de semana era muita gente e a gente não tinha como atender todo mundo, então eles acabavam indo para casa. E aí meus avós começaram - aí meu pai, depois de muito insistir - a construir o prédio que a gente está hoje. E aí começou a construir. Lá para mais ou menos 2007, 2006, começou a construir. Aí construiu o prédio do jeito que eles queriam, com a produção maior, porque lá era tudo muito pequeno: a produção era pequena, o espaço era pequeno, não fazia, não tinha como comportar o que a sorveteria era. E aí meu pai conseguiu, aí a gente veio para cá, porque o prédio aqui é nosso, o outro não era e aí começou a construir, fez a fábrica do jeito que queria fazer, depósito, a parte do atendimento, perfeito, maravilha. Ficou pronto e eles não mudaram. Tipo assim: a gente passou mais de cinco anos com a sorveteria pronta, sem mudar. Mudava as leis, mudava regra, mudava como tinha que ser acessibilidade e a sorveteria continuava fechada. A gente tentava adaptar e não abria de jeito nenhum. Só que meus avós vão para a fazenda, eles têm uma fazenda e eles passam metade do mês, mais ou menos, para lá. Então, toda vez que eles iam para lá, meu pai e eu, a gente abria aqui e eles chegavam e fechavam e voltavam para lá. (risos) Era bizarro, porque eles não conseguiam aceitar que tinha crescido e que dava para comportar. Aí, mais ou menos em 2014, meu pai falou: “Não, agora chega, a gente vai abrir lá, vai fechar aqui, vai encher de coisa, para não ter como eles chegarem e abrir”. E aí foi surpresa, a gente mudou para cá correndo, abriu aqui, a sorveteria funcionou, todo mundo adorou, porque aqui dá para consumir, dá para fazer tudo aqui, não era como lá. Meu pai encheu lá, fez um depósito para não ter como eles voltarem atrás. Daí, quando eles chegam de viagem, eles levam um baque, um susto enorme (risos) com a gente funcionando aqui, normal. A gente teve que contratar funcionário e eles nem sabiam. A gente contratou funcionário, mudou cardápio, adicionou mais coisas. Eles chegaram, tipo, com muito medo da mudança, demoraram, nossa, brigaram com a gente, não queriam de jeito nenhum aceitar que era isso, porque para eles, eles tinham o controle lá, né, eles controlavam pagamento no papel, não tinha caixa, não tinha sistema. E quando a gente mudou para cá tem sistema, nota fiscal, cupom fiscal. Pra eles isso era muita novidade, que eles não queriam, eles não queriam largar isso de mão, mas aí não teve jeito, a gente mudou para cá com tudo, contratou funcionário, não tinha mais como voltar atrás. Aí eles foram aceitando que era aqui, que eles não tinham mais como ter esse controle, né, manual das coisas, porque não dá, a gente está sendo engolido pela tecnologia, não tinha como. Aí hoje eles aceitam, mas é difícil ainda, direto eles querem: “Não, porque não precisa de tudo isso e tudo mais”. Para eles é muito difícil sair do tradicional.
P1 – Agora, é, a primeira unidade que eu me recordo era ali na frente da Praça das Cerejeiras, é isso? Antes de você nascer, né?
R1 – Antes de eu nascer, quando a sorveteria abre, que foi em 1958, era na Rodrigues Alves, na esquina da Rodrigues com a Rio Branco, era lá embaixo, mas em 1958, faz (risos) bastante tempo. E aí, mais ou menos em 1970... não, é, meu vô fala que foi mais ou menos em 1970, eles mudaram aqui para a Rio Branco, aqui onde era, na frente da prefeitura. E aí eles ficaram lá mais ou menos, assim, até 1978, por aí, para vir aqui para a Agenor e aí aqui ficou, né? Mais ou menos, que a gente veio pra cá.
P1 – Mas quando você fala ‘abriu aqui, abriu ali’, explica esse ‘abriu aqui’, são duas lojas diferentes?
R1 – É. Na Agenor Meira, onde é, tem uma mercearia na esquina e aí era o prédio da sorveteria, que era onde era bem pequeno, que aí ali, mais ou menos, meu avô mudou mais ou menos em 1978 e a gente ficou... não, em 1988, mais ou menos, 1988, 1989 e a gente ficou lá, a gente ainda está lá, porque a gente não abriu mão do prédio, eles não conseguem, eles são apegados, a gente continua tendo o prédio, mesmo sem utilizar para venda. E aí quando é mais ou menos... aí a gente construiu exatamente do lado, que onde é hoje, na Agenor Meira e aí a gente veio para cá em 2014 e aí a gente tem, então, os dois prédios, que fazem parte da sorveteria. Lá a gente estoca as coisas, guarda e tudo mais. Então, a tradição continua, ele continua com o prédio, meu avô pode ir lá, ele sente o mesmo prazer que ele sentia e aí, aqui é onde a gente atende agora, onde é mais antigo.
P1 – Mayara, mas acho que faz parte de toda criança que cresceu em Bauru nos anos 70 pra 80, os carrinhos da Pinguim. Da Espumoni também, mas o da Pinguim. Então, assim, é uma produção muito grande, né?
R1 – É, os carrinhos a gente fala também, na rua o pessoal fala muito dos carrinhos, os carrinheiros aqui sempre tem uma galera que é muito antiga de sair para a rua com o carrinho e eles continuam. Então, é uma tradição muito grande e é uma parte muito forte para gente também, a gente tem uma parte com os carrinheiros que é bem forte, porque eles fazem uma venda muito bacana, é muito legal, porque eles chegam nos bairros, né, eles vão mais para a frente e tudo mais, coisa que a gente não consegue atingir daqui, eles atingem, né?
P1 – Fala como é esse relacionamento. Eles procuram vocês, vocês fornecem o carrinho, guarda o carrinho aí, abastece o carrinho? Como é que é essa dinâmica, assim, do carrinheiro?
R1 – É, na verdade é assim: eles procuram, eles vêm até aqui pedindo, né, para poder sair com o carrinho, o carrinho é nosso. Então, eles passam, o meu avô conversa com eles e tudo, mas é uma coisa muito básica, não é nada muito organizado, porque o carrinheiro é tão tradicional que, tipo, parece que é uma parte muito separada da gente. Então, eu nem mexo com isso, quem mexe é meu avô, era o meu padrinho que trabalhou aqui por muitos e muitos anos cuidando dos carrinheiros, ele sempre trabalhou com os carrinheiros diretamente. Eles vêm, eles pegam o carrinho, a gente fornece o carrinho e o sorvete, aí eles saem e retornam à tarde para acertar, né? Daí eles veem o que eles venderam e o que não vendeu a gente volta para guardar e guarda o sorvete.
P1 – E como é, assim, normalmente vende tudo? Quantos sorvetes cabem em um carrinho? Vende tudo, como que é?
R1 – Nossa! É por que assim: cabe bastante, é que normalmente eles saem com tudo. O que eles mais gostam de vender é o picolé mesmo, o Ituzinho e o copinho de duas bolas, são os mais famosos, não tem jeito. Então, eles normalmente saem com oitenta, sessenta picolés, aí coloca mais do Ituzinho mesmo e dos copinhos de duas bolas, né? Tem vezes que os caras ligam aqui, o cliente liga perguntando se o carrinheiro não vai passar na rua deles: “Ah, o carrinheiro fulano de tal, a gente está esperando-o aqui, ele não vem?” (risos) É muito engraçado, o pessoal já está muito habituado com eles, né?
P1 – E eles fazem o ponto deles, assim, né, você falou, eles têm o ponto deles?
R1 – É, não, eles que decidem para onde eles vão. Aí tem tradição: tem uns que ficam no Bosque, ficam lá muito tempo, ponto de ônibus que vai para bairro mais afastado. Quem consegue, né, os que têm mais pique para ir para bairro mais afastado, vão, mas eles têm, eles fazem do jeito que eles acharem melhor mesmo, tipo, eles que encaixam. Agora, se tiver, por exemplo, festa da cidade, aí o meu avô leva, o carrinheiro vai, leva o carrinho, fica lá e tudo mais. Jogo no Noroeste também, aí meu avô também faz essa... os leva lá, para abastecer o sorvete e tudo mais.
P1 – Ah, participa também desses outros eventos?
R1 – É, participa.
P1 – Que bacana! E eles acabam tendo uma... eles têm aquela buzina, né, que é bem tradicional, né?
R1 – A buzina acho que é a melhor memória do carrinheiro, né e dos bairros, é o barulho da buzina. Eles ainda têm a buzina, a gente ainda tem as buzinas aqui, não fica sem, eles não saem sem a buzina, parece que eles estão saindo sem metade das coisas dele quando não tem a buzina ou quando a buzina para de funcionar, eles ficam bravos, mas a buzina é tradicional, né, é o que eles conseguem chamar as crianças, porque acho que não existe uma criança que não escuta a buzina e não pensa que é um picolé, né? (riso).
P1 – Então, a buzina já é fornecida por vocês, junto com o carrinho?
R1 – Isso: o carrinho, a buzina, tudo o que eles usam, na verdade.
P1 – Tem o lixinho também né, o lixinho, a sacolinha.
R1 – Lixinho, isso. O lixinho, é tudo fornecido pela gente mesmo.
P1 – E tem cliente, assim, que compra um e compra vinte? Você sabe dessas coisas?
R1 – O que você diz, do carrinheiro ou daqui?
P1 – Do carrinheiro, do carrinheiro.
R1 – Tem, tem cliente... esses dias mesmo uma moça comprou o carrinho todo. Tipo, ela ligou aqui e falou: “Quero comprar todo, tudo o que ele tem no carrinho, mas eu quero pagar, ele não tem maquininha de cartão, posso depositar?” “Pode”. Então, tem muito lugar que faz isso, empresa, né? Quando tinha a Primo Fiat aqui em cima, eles iam lá e ia o carrinho todo também. Chegava lá, o gerente comprava todo o carrinho deles e tudo mais. Então, tem essas coisas também de casa que vai e compra trinta, quarenta picolés de uma vez, do carrinheiro. Eles adoram.
P1 – Maravilha! O Luis Paulo quer fazer uma pergunta, né Lu?
P2 – Desculpa. Como é que você foi para o lado da faculdade de História, no meio?
P1 – Da faculdade de História.
R1 – Pois é! (risos) É uma pergunta que eu nem sei te dizer direito porque, desde que eu vim para cá para trabalhar aqui, eu não consegui imaginar que eu pudesse fazer outra coisa que não fosse estar aqui, né? Mas aí, com o passar do tempo, na verdade eu comecei logo que eu saí do colegial, eu fiz Publicidade e Propaganda, eu fiz faculdade logo que eu saí, minha avó não queria que eu ficasse sem estudar e eu fui fazer Publicidade e Propaganda, para fazer alguma coisa. E aí, depois que eu me formei, pensei: “Nossa, não tem nada a ver comigo, não é algo que eu queira fazer. Então, eu vou esquecer isso agora e depois eu vejo se eu quero fazer alguma coisa”. Isso foi em 2012, que eu me formei na faculdade, é, 2012 me formei. E aí vim para cá e foi logo que comecei a trabalhar aqui. E aí fiquei para cá e não pensava em fazer outra coisa. Só que ah, o movimento da vida né, o movimento político das coisas que a gente vem vivendo, tudo isso, eu sempre fui muito inquieta com tudo isso. Aí eu pensei: “Não, preciso voltar a estudar, escolher alguma coisa que eu queira fazer”. Aí eu comecei a pesquisar, ir atrás do que eu podia fazer. Eu queria dar aula, a minha mãe é professora, né e a gente nunca nem pensou em dar aula e eu não conseguia imagina o porquê que eu demorei tanto para perceber que eu queria fazer História. Quando eu lembro da minha vida na escola, eu: “Meu Deus, porque eu não percebi isso antes, né?”. E aí eu comecei a pesquisar, ler e falei: “Não, eu vou fazer História”. E minha avó, lógico, primeiro ela ficou: “Meu Deus, por quê? A gente tem que terminar a sorveteria, a sorveteria precisa ser levada adiante”. A minha irmã já faz Fisioterapia, tipo, na verdade nenhum de nós faz nada próximo do que a gente precisaria fazer, para estar diretamente à frente da sorveteria. Aí eu falei: “Não, mas eu quero fazer História e vou fazer e depois a gente vê”. E aí eu fui, só que sou apaixonada, eu sou nossa, costumo falar que sou obcecada pelo curso, pela faculdade em si. Eu não consigo imaginar mais outra coisa que não seja fazer História. Então, vou ter que levar a minha vida com a História e com a sorveteria, (risos) de alguma maneira.
P1 – Vai ter que conciliar, né?
R1 – Como eu disse: a sorveteria não sai de mim.
P1 – É. Na História, tem alguma disciplina, algum, alguma área que você gosta mais, assim? Medieval, contemporâneo?
R1 – Olha, assim, é muito engraçado. Quando eu comecei a fazer História eu só pensava na parte política, eu queria ter todo esse aparato, né? E aí eu me apaixonei muito pelo curso, assim, costumo falar que eu sou puxa saco mesmo deles, porque eu adoro a faculdade, adoro o curso, em si. E os professores são bons demais e a gente acaba ficando perdido com o que a gente gosta mais lá. Porque você entra achando que vai gostar mais de uma coisa e quando vê está totalmente gostando mais de outra coisa. Não sou muito da parte mais antiga, História Antiga, Medieval, não gosto muito, eu gosto mais das coisas mais atuais, mas eu gosto muito da História da África, da disciplina História da África, para mim é muito maravilhosa. Assim, esse ano a gente está mais empolgado, pensando nas disciplinas que vão vir, que agora já começa mais a parte Moderna e Contemporânea, né? Mas eu acho que História Social ainda é o meu caminho.
P1 – (risos). Sob suspeita. (risos)
R1 – É.
P1 – Mayara e, nesse tempo, pensando nessa transformação, nesse crescimento da Pinguim, né, como você vê, assim, da sua experiência esse olhar para o crescimento da cidade, a expansão dos bairros? Assim, a Pinguim está super bem localizada, assim, para quem vai para os altos, mas também para perto dos bairros, né, dos corredores, né, da Duque, né?
R1 - Isso para o meu avô é o ideal, é o essencial. Para ele é muito difícil pensar que ele está localizado numa região, que não vai atingir os bairros. E eu digo para ele, que por mais que a gente atinja, a gente está no Centro, a gente não está próximo dos bairros, mas ele não, meu avô não se vê desta maneira, ele se vê mais como uma sorveteria que tem que atingir a galera do bairro, até mesmo para tabelar preço e tudo o mais, ele não consegue se comparar a sorveteria de altos, ele consegue pensar mais que ele quer atingir preços que fazem nos bairros e tudo o mais. Então, por mais que a gente veja o crescimento, porque a cidade, né, cresceu de uma maneira maluca, a gente vê aí, eu falo que, aqui, a gente ficou meio parado, porque os negócios são muito tradicionais, então as coisas aqui não mudam, tipo, as pessoas perguntam: “Ah, vocês não vão fazer, sei lá, self service?”, por exemplo. E os meus avós: “Não, não. A gente mantém a tradição e a tradição é bola do sorvete de copinho e não vai mudar e vai ser sempre assim e tudo o mais”. E aí tem uma galera que reclama, já tem uma galera que fala: “É isso aí, é tradição né, nasceu assim, por que vai mudar?” E eles não querem nem saber, não vai mudar e acabou, esse é o nosso sorvete e quem quiser é assim, né? Eu acho muito legal esta parte deles, de não mudarem o que é deles, o que é a raiz. Minha avó fala: “Self service não tem nada a ver com a gente” E não tem mesmo, nós somos sorveteria de bola de sorvete, de copinho, de picolé, cascão, casquinha, mas a expansão da cidade, dos bairros, que aconteceu de uma maneira que a gente piscou e parece que a cidade ficou do jeito que ela é hoje, para gente aqui, parece que a gente está num universo meio que paralelo, porque a gente fica numa bolha da Pinguim e as coisas aqui parecem que são exatamente iguais como elas eram quando era menorzinho e quando era em outro lugar e tudo mais.
P1 – Mas, assim, eu também já tive a experiência de chegar na Pinguim e, assim, encontrar um monte de amigos, de adolescente, tudo pegando potes e mais potes, assim que eu vejo, para levar para os condomínios, para estas casas. Essas pessoas que têm uma fidelidade, não é?
R1 - É, eu acho isso muito legal daqui porque, às vezes, quando estou aqui, quando fico no caixa e tudo o mais, é muita história deste tipo. Tipo: “Ah, eu vim de São Paulo, mas a minha infância foi aqui em Bauru, então a Pinguim é a minha memória. Então, eu vim atrás do Skimo”. Tipo, tem, nossa! “Eu quero Skimo”. E estes tempos atrás não tinha, foi final de ano, a gente teve problema da pandemia, teve falta de energia, a gente não conseguiu produzir tudo, daí veio um cara e ele falou: “Mas eu vim de São Paulo, só para tomar um Skimo” e eu: “Meu Deus, vou ficar devendo o Skimo” e ele não se conformava. Então, tem muito disso aqui, a galera vem e é isso, a galera vem para pegar em quantidade, isso é uma coisa muito forte, né? A galera dificilmente vem para tomar um picolé, uma casquinha, isso acontece muito, mas a maioria é de vinte picolés, trinta picolés, leva para casa, pega pote grande, e é sempre nisso: “Não, mas eu moro lá no Mary Dota, mas eu vim aqui, porque é do sorvete daqui que eu gosto. A minha mãe tem recordação daqui, porque ela trabalhava aqui perto”. Então, são sempre estas histórias que a gente escuta, da tradição mesmo.
P1 - E que vocês têm até uma caixinha especial, para os picolés e para os... né? Vocês fornecem, né?
R1 - É, a gente teve que se adaptar, né? Então, o pessoal leva o picolé e às vezes é difícil o transporte. Então, a gente põe na caixinha, só para poder levar para casa, para fica mais fácil e aí virou tradição, eles já chegam e já falam: “Eu quero aquela caixinha cheia de picolé, não importa qual, só a enche de picolé, que eu vou levar”. E aí a gente já sabe, né? Teve que se adaptar com essa parte de levar para viagem, que é uma das coisas mais fortes que a gente tem aqui, que é a viagem mesmo.
P1 - Que quer levar para viagem, né?
R1 - Tem gente que leva para São Paulo. Eles querem, a gente tem que embalar bastante para eles levarem para São Paulo e já teve gente que levou para o Mato Grosso, para Salvador. A gente vai se virando, né? Eles querem levar de qualquer jeito, fazer a viagem e a gente ajuda.
P1 - Que maravilha! E este, quando a pessoa escolhe na caixinha, a pessoa tem acesso aos diferentes sabores, né? Assim, a pessoa vai lá, pega cinco de laranja... eu queria que você falasse assim... você falou do Skimo, né, que é o carro-chefe?
R1 - É, o pessoal gosta bastante.
P1 - Mas eu queria que você falasse dos sabores, assim, quais saem mais?
R1 - Uma coisa que é daqui também, é o sabor... a gente não tem nenhum sabor mirabolante, assim, que nem tem por aí, sei lá: um picolé super diferente. Não, os nossos sabores são simples, são clássicos, é tipo: maracujá, abacaxi, tangerina, limão, groselha, uva, é sabor de infância mesmo. Às vezes a pessoa: “Ah, tem picolé recheado?” “Não”. Porque o nosso é tradicional mesmo, é o picolé do jeito que ele é, sem muito... às vezes a gente até faz o Skimo, o Ituzinho recheado, faz uma coisa mais diferente, um sorvete com sabor de mousse de maracujá, limão suíço, mas assim, ainda os que mais saem são os tradicionais: é uva, groselha, morango, chocolate, milho verde, leite condensado, coco branco e coco queimado, que o pessoal gosta muito, porque o coco tem os pedacinhos de coco. Então, é tudo muito tradicional, estes dos picolés, agora massa, não dá nem para discutir, o Ninho trufado é há muito tempo o predileto e eu nem tento mais convencer ninguém a tomar outro, porque o Ninho trufado não tem jeito, assim, ele sai de uma maneira absurda, sem brincadeira, assim, sei lá, 80% dos sorvetes que a gente vende aqui, ele tem Ninho trufado, o pessoal é apaixonado, mas também tem os tradicionais de passas ao rum, Romeu e Julieta, que a galera: “Não, eu só consigo encontrar aqui, do jeito que eu gosto”. Pistache, um dos sabores que o pessoal pede: “Não, mas é que desde que sou pequeno eu tomo aqui e é esse mesmo sabor. Então, não consigo, tenho que tomar aqui”.
P1 - Agora continua sendo assim, uma fabricação artesanal aí essa manutenção do sabor? Como é que...
R1 - Continua, continua. A nossa fabricação é quase que artesanal mesmo, a gente tem um quadro de funcionários muito fiel, desde muito tempo. Então, assim, ninguém acredita, mas é impressionante que os potes são feitos individualmente mesmo, a gente não tem uma máquina que faça o pote, porque o meu avô não gosta, ele é contra, ele diz que isso padroniza de uma maneira muito absurda e o sorvete acaba ficando com gosto de qualquer coisa, menos do sorvete que ele tem. Então, porque o sorvete feito na máquina, ele tem mais ar e tudo o mais, porque ele enche e aqui não, elas enchem na mão mesmo, recheia na mão. Então, elas colocam o próprio recheio, por isso que é um exagero de recheio, a montagem de recheio que elas fazem manualmente mesmo, um por um, uma fecha a caixinha, outra coloca. A parte mais assim que a gente conseguiu colocar tecnologia, foi na produção de picolé, porque até, sei lá, até no máximo, no máximo oito anos atrás, até menos, a gente ainda fechava picolé por picolé, embalado um por um que fazia, até que a gente conseguiu convencê-los que a gente podia ter uma máquina de embalar picolé, que não ia mudar o sabor do sorvete, ela só ia embalar mais picolés por minutos, assim. Então, aí sim, as coisas melhoraram, porque o picolé sai muito, porque o pessoal vem e compra de muito. Então, a produção tinha que melhorar, não dava para ficar embalando um por um, mas foi um choque também para eles de mudança e hoje a gente tem uma máquina que embala os picolés. Então embala, sei lá, dois mil picolés por hora, por meia hora e tudo o mais, mas é a parte mais tecnologia que a gente tem na produção, o restante é manual, fazer o picolé é manual, elas fazem na mão também, para poder colocar na máquina.
P1 - Tem aquela máquina que tem aquela pá que gira, ainda?
R1 - Tem.
P1 - Eu lembro de uma máquina que tem aquela pá. Vocês usam, porque não usa espessante, é espessado?
R1 - É, a gente tem a máquina da produção de sorvete de massa, ela é uma coisa grande, aí tem uma pá que fica mexendo lá e tudo o mais.
P1 - Aí vem o sorvete assim, cai?
R1 - É, essa é a Maria, a gente fala, a Maria é a pessoa da nossa produção, ela que domina tudo, assim, a Maria que faz.
P1 - É a máquina?
R1 - É, ela é quase a máquina, ela que domina desta parte da máquina, de como vai colocar, o que vai colocar. Aí ela, às vezes eu vou lá falar com ela, preciso falar com ela e ela fala: “Agora não dá, estou tirando o sorvete da máquina”, aí é o sorvete saindo da máquina, já vai direto para o pote, é tudo elas que vão, mesmo.
P1 - Eu tenho esta lembrança de infância, desta máquina girando as pás, assim, eu tenho essa memória assim do sorvete, sabe assim? Porque ficava bem na frente, ali na Rio Branco.
R1 - É, na Rio Branco, né, eles produziam muito próximo dali, né? Mas uma coisa que é nossa: a gente sempre produziu o sorvete, sempre foi uma produção nossa, independente do tamanho do lugar, a produção sempre foi nossa. O pessoal às vezes não acredita, quando a gente fala aqui, tipo: “Ah, não tem tal sorvete, porque a fábrica não fabricou”. E eles: “Mas onde é a fábrica?” “A fábrica é aqui mesmo”. E eles: “Aqui? Mas cabe aqui?” “Cabe, eu sei que parece estranho, mas cabe, é tudo aqui, a gente produz, a gente fabrica, a gente põe para vender, é tudo a gente mesmo, não tem...”
P1 - E tem o estacionamento dos carrinhos, né?
R1 - É, a gente ainda tem o espaço dos carrinheiros, o espaço para guardar os sorvetes dos carrinheiros, é tudo aqui. Nossa, nem cabe.
P1 - Mayara, como que o seu avô começou nesse negócio, como que ele aprendeu, você sabe?
R1 - Então, na verdade, assim, quem fundou a sorveteria, é o pai dele, senhor Armando, ele que fundou e aí ele tem mais vários irmãos, mas meu avô foi o que sempre trabalhou com ele desde novo, assim. Então, foi direto nisso, acho que ele nunca fez outra coisa, a não ser estar na sorveteria mesmo, com o avô e tudo mais, com os outros irmãos, que também trabalhavam na época, cuidava mais, aí depois que ficou só o meu avô, de frente.
P1 - Ah, que maravilha! De onde vem, assim, os insumos que vocês usam? Vem de São Paulo, vem de Bauru, vem do Ceagesp?
R1 – Nossa!
P1 – Porque, assim, quando a gente come um sorvete Pinguim, a gente fala abacaxi, é abacaxi mesmo, que a gente sente o fiapo.
R1 - É, exatamente, é impressionante.
P1 - O picolé, seja o picolé, seja o massa, tem o fiapo, o de coco queimado, é coco mesmo, né?
R1 - Tem uns negocinhos de coco, é. Meu avô acabou de falar de buscar abacaxi. Mas, por exemplo: as frutas, a gente busca aqui, é tipo isso, é no... esqueço o nome de lá, no Ceasa?
P1 – Ceagesp?
R1 - Ceagesp, isso. A gente acaba buscando lá estas frutas, porque a gente busca sempre, não é nada que fica por muito tempo aqui, ele busca abacaxi toda semana, busca as frutas que elas vão usar toda semana. Meu avô e minha avó são muito apegados nisso, da qualidade do produto, às vezes eu falo: “Vó, dá para comprar outro produto, que vai ser bom tanto quanto” “Não, eu quero este produto”. Porque parece que é só para ela consumir, isso é deles. Eu acho isso maravilhoso, sensacional, porque é o que faz a sorveteria ser a sorveteria, né? Então, toda semana compra morango, toda semana compra laranja, toda semana compra abacaxi, essas, as coisas assim, material de fruta a gente compra a gente mesmo, a gente vai comprar no lugar e tudo o mais. Agora, os outros produtos, porque usa um milhão de coisa, né, eu nem tenho noção: emulsificante, saborizante, aí vem de fábrica maior. As nossas caixinhas também, que vêm de Avaré e de outros lugares, tem a fabricação de descartável também, que a gente compra fora, um monte de coisa, né? Isso também é uma tradição aqui: os vendedores que vem até aqui e aí meu avô acaba sempre comprando em demasia, tipo, compra um monte de coisa, porque ele quer sempre, não importa se tem ainda, ele quer comprar, para não faltar. É muito tradicional, (risos) muito familiar, mesmo.
P1 - Tem época que vende mais, assim: época de Carnaval, Ano Novo, como é?
R1 - É, na verdade, eu brinco que a gente trabalha o ano inteiro para o Natal e Ano Novo, assim. Natal e Ano Novo eles fazem o que a gente fez metade do ano, assim. O que a gente trabalha no dia vinte e quatro e no dia trinta e um, corresponde a todo o restante do ano, porque são os dias de maior fluxo, assim, de uma maneira... eu acho muito engraçado, agora já me acostumei, mas quando comecei aqui, eu ficava: “Meu Deus, de onde sai tanta gente e por que é que tanta gente toma sorvete desse jeito?” Não dava para acreditar. Agora já acostumei, a gente conseguiu fazer uns esquemas para não se perder, porque sempre era muito difícil de lidar com a quantidade de pessoas, porque Natal e Ano Novo o pessoal pega encomenda para levar para a ceia, né? Então, é mais a parte de entrega, a parte de levar mesmo e a gente acaba tendo que separar. Aí a gente usa o prédio antigo, Natal e Ano Novo a gente abre o prédio antigo para fazer a entrega das encomendas, para que não fique o fluxo batendo, de coisas. Mas, assim, época de maior movimento aqui é, tipo, começa em outubro, agosto, na verdade a gente fala que começa na época do aniversário da cidade, mas agosto e setembro ainda é mais ou menos, mas outra coisa que é tradição é: dia primeiro de agosto, todo mundo tem que estar aqui, porque as férias das funcionárias é no inverno, né? Inverno, a gente nem tem mais. Então, tipo, começa em abril, aí é abril, maio, junho e julho e não importa o que aconteça, primeiro de agosto todo mundo tem que estar aqui, porque é um dia de muito movimento, por causa das festas da cidade e tudo o mais. E aí é onde começa: agosto, setembro ainda fica mais ou menos, mas aí outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março, assim, são os meses de mais movimento mesmo, que a gente trabalha mesmo, para poder depois aguentar a parte do inverno, que também não tem muito mais, mas.... é, a gente não tem mais esta divisão.
P1 - É bem tênue, né? Mayara e este momento, assim, destes aprendizados, essa experiência com a pandemia? Vocês pegaram bem a pandemia neste final de verão, né? Como é que vocês se organizaram?
R1 - Na verdade, quando a pandemia começou, em março, já era um momento que o nosso fluxo ia começar a cair, né? Então, tipo abril, maio, junho e julho, já eram meses mais complicados e era o que a gente acreditava que ia durar a pandemia, né? Então, a ideia era que não, que no máximo em agosto vai estar tudo bem e a gente vai voltar a viver normal. Mas para os meus avós, foi um baque muito grande, porque eles são totalmente controladores da situação daqui, então eles têm tudo na mão deles, assim, não dividem o controle, a gente brinca: “Pelo amor de Deus, divide um pouco o controle, vocês estão cansados, vocês precisam dividir”. Eles não dividem, são eles que fazem absolutamente tudo, a gente só tenta ajudar, mas aí o desespero também acaba ficando mais para eles, não tem jeito. Minha avó é muito a parte administrativa daqui. Então, ela fica muito preocupada com tudo. Aí, o começo da pandemia foi um baque, né? Caiu, a gente esperava que fosse cair com o inverno, mas a gente ainda sabia que dava para manter e a grande questão é que durou muito. Então, normalmente a gente mantém a sorveteria em abril, maio, junho com o que a gente produziu no verão, mas agosto a gente já começa a produzir de volta, para manter o próximo inverno. E aí não deu muito, né? Então, a gente teve que ir se virando com o que tinha, mas sendo positivo, a gente tem muito mais a agradecer, porque graças a Deus a gente está aberto, né, a gente está funcionando e mantendo exatamente como a gente era, a gente tem o mesmo número de funcionários do começo da pandemia, a gente continua com eles, a gente teve que contratar mais, inclusive. Então, a gente não teve este impacto. Claro que, na hora, parecia que o impacto era muito grande, agora a gente consegue ver com mais otimismo de que a gente sobreviveu até aqui, porque daí veio novembro, as coisas fingiram que estavam mais normais e aí abriu tudo de uma maneira exagerada e a gente continuou a produção e a gente conseguiu levantar um pouco do que a gente tinha perdido no começo da pandemia. Mas agora a gente vê que, tipo, a gente não fez o que a gente faria nos outros anos, que aí agosto, setembro, outubro e novembro era para gente ter uma quantidade aí de dinheiro e de coisas para movimentar a sorveteria...
P1 – Folga.
R1 – É, para poder agora pegar o inverno, que não deu e que vai chegar um dia, né? A gente está aguardando que vai parar este calorzão, mas a gente não sabe ainda como vai ser, mas acho que positivamente, por pior que foi, ainda foi bom.
P1 - E a produção dos carrinheiros, caiu, assim, ou não?
R1 - Então, essa foi a parte mais sofrida para gente, a parte que mais foi dolorosa mesmo, porque a gente sabe que eles dependem disso, mas era proibido eles saírem para rua. Então, durante muitos meses, foi proibido que eles fizessem isso. Aí juntou a parte mais fria do ano, que já cai bastante, eles já vêm bem menos nesta época de abril, maio, junho e julho, já é um ou outro que vem só, vem mais os caras que têm o ponto fixo, por exemplo: o cara do Bosque, o cara que vai na USP, estas pessoas vêm mais, mas os que saem para os bairros acabam não vindo tanto. E aí, durante a pandemia, eles não podiam, porque não podia sair para rua. E aí foi bem triste, porque meu avô ficava: “Mas eles não têm outra maneira de ganhar dinheiro, eles não têm outra maneira de se manter”. E a gente: “Mas o que a gente vai poder fazer? Infelizmente não tem o que fazer, a gente não pode, não pode”. Então, no começo foi bem difícil, mas acho que eles voltaram lá para agosto mais ou menos, que eles foram voltando aos poucos e tal e vinha dois, três e agora eles já estão saindo normal, já está saindo bastante assim, mas foi uma parte bem difícil.
P1 - É, eu voltei a ouvir as buzinas, a gente...
R1 - Foi uma parte bem difícil para a gente em diversos sentidos, porque são eles que trazem o troco, por exemplo, o carrinheiro que traz o troco, né, porque ele que traz a moeda, ele que traz a nota de dois, a moeda de um real e a gente tem aqui, a tradição é que nós fornecemos o troco para todos os outros comércios da região: farmácia, Banco, lotérica, ligam aqui desesperadamente, porque a gente que fornece e aí a gente não tinha também, porque o carrinheiro não foi para a rua. E aí eles ficaram chocados, porque a gente sempre teve, (risos) a gente estava com a moeda, qualquer comércio ligava aqui e aí um falava para o outro, daqui a pouco, era lugar lá no Redentor ligando para vir buscar troco aqui: “Como é que vocês sabem que a gente tem troco?” E aí, na época da pandemia, eles ficaram desesperados, porque a gente não tinha troco, o carrinheiro não estava indo para rua e a gente não tinha troco. Ah, lembrei uma experiência da pandemia.
P1 - O troco tem hora que ele some mesmo do mercado, né?
R1 - É, na verdade, eu acho que ele some o tempo todo, eu acho que é só aqui mesmo (risos) que a gente consegue manter, porque todos os lugares que você vai eles estão implorando por moeda. Acho que moeda também está saindo de circulação, da vida aí, não tem.
P1 - Porque o valor do sorvete, do picolé, é bastante acessível, né?
R1 - É, ele é.
P1 - Quanto que estaria um picolé hoje, assim, de fruta?
R1 - É uma outra briga, assim, porque meu avô muda tudo, sobe tudo, menos o picolé, no picolé ninguém encosta, ele não permite que as pessoas mexam no valor do picolé. A gente fala: “Meu, não dá mais para vender neste valor”, mas ele não quer saber, ele quer vender. A gente vende tipo, ficou muito destoante, antes era tipo assim um e dez o picolé para tomar aqui, se você levasse acima de dez para viagem, um real. Aí a gente subiu para um e vinte e cinco o picolé para levar aqui, mas manteve o um real para levar para casa. Aí a gente chegou num momento e falou: “Vô, não dá mais, um real para levar dez picolés, está muito destoante, a gente vai ter que subir. Ou sobe a quantidade, ou sobe o valor”. É comprar briga, não tem conversa. Aí a gente mudou para um e cinquenta o picolé para tomar aqui e um real para levar para casa. Então, continua sendo um real e não adianta discutir. Eu já desisti e falei: “Não, deixa ele, é dele, ele que sabe o que está fazendo”. Então, continua sendo um real para levar para viagem. Então, é muito mais prático, por isso que as pessoas vêm e compram de cinquenta para cima. Ele mantém: “Não, é isso que eu quero”. E é isso que ele quer de qualquer maneira, ele não muda de jeito nenhum.
P1 - Mas a ideia é de ser acessível, este valor?
R1 - É, a ideia é de ser acessível, a ideia é de ser acessível e de se comparar sempre com sorveterias de bairro, com sorveterias menores. Aí a gente faz comparação: “Vô, mas a sorveteria na rua de cima vende a dois e cinquenta o picolé”. Não, mas a sorveteria lá de sei lá eu de onde, vende a um real” “Mas vô, nosso sorvete não dá, olha o que a gente usa de produto” “Não, é um real e não tem discussão, não tem conversa”. Cada vez que a gente vai mudar a tabela de preço é uma novela, que é uma discussão, nossa! E às vezes eu vou fazer pesquisa de preço e eu fico impressionada e falo: “Meu Deus, olha o valor que eles estão vendendo, a gente está muito atrás” “Não, mas tudo bem, é por isso que a gente está vendendo”.
P1 - É na quantidade, né, é na quantidade que tem a lógica da venda, de levar assim quarenta, cinquenta na caixinha, né?
R1 - Na caixinha, mas até para massa, pote grande de sorvete, se você vai ligar, quando eu fui fazer uma pesquisa, eu fiquei impressionada, falei: “Meu Deus, não dá para a gente vender o sorvete ao preço que a gente está vendendo, a gente está dando o sorvete, as pessoas estão vendendo muito mais caro”. Mas para ele é muito difícil a mudança e meu Deus, ele está há um milhão de anos nisso, quem sou eu para discutir com ele? Então...
P1 - Mayara, quantos anos ele tem hoje?
R1 - Nossa, a minha avó eu sei que tem setenta e cinco, ele eu acho que deve ter uns setenta e sete, por aí, ele tem uns dois, três anos mais velho do que ela, assim. Mas, assim, a maneira como eles levam isso daqui, eles são mais novos do que eu, o pique que eles tem, eu falo: “Meu, eu não consigo”. Eles passam o dia inteiro aqui. Meu avô é tradição, meu avô chega aqui seis e meia da manhã, porque ele quer parar a caminhonete numa única vaga que ele quer parar todos os dias, ele não aceita que mais ninguém pare lá e a sorveteria abre nove horas, ele chega aqui seis e meia. Então, é muito louco, é uma tradição dele que não tem como discutir. Antes de ir embora também, ele tem que sentar um pouquinho, tomar uma cervejinha antes de ir embora, todo dia.
P1 - Ele toma na sorveteria, ou ele toma no botequinho do lado?
R1 - Não, ele toma na sorveteria. Ele vai lá atrás, senta lá, fica lá sentado, toma e a gente fica: “Ó, deu a hora de fechar” “Não, a gente já vai, a gente já vai”. Para ele é sempre isso. Se tirar isso dele, tira tudo, não tem o que ele faça, é a rotina dele mesmo.
P1 - Mayara, vocês - eu vou fazer uma pergunta meio obvia, não sei - precisam investir em publicidade, vocês investem em publicidade, precisa investir?
R1 - Eu acho engraçado isso porque parece até petulante quando alguém me fala isso, eu falo: “Se a gente investir em publicidade, a gente não vai dar conta”. (risos) A gente não dá conta. Então, às vezes vem pessoas aqui, alunos: “Ah, vou fazer um projeto”. Eu falo: “Meu Deus, não dá, a gente não dá conta nem do que a gente tem hoje, eu não consigo”. Aí eles falam: “Você tem, sei lá, Facebook com sabores?” A gente não tem, a gente não tem o básico, o que todo mundo tem, a gente não tem. Na época da pandemia eu consegui fazer um Instagram, tentar manter, mas eu também não consigo manter, porque a gente não consegue sentir esta diferença, sabe? Pode ser que seja um problema para o futuro, né, que a gente vai ser engolido pela tecnologia e tudo mais, mas hoje a gente não consegue. Estes dias a minha irmã estava falando, ela: “Meu, não, eu vou cuidar das redes sociais, não sei o quê”. A minha avó: “Não, não quero isso, não precisa”. A gente não tem nem entrega, tipo assim: é muito, eu fico impressionada, a gente viveu a pandemia sem fazer entrega. E como? As pessoas só sobreviveram de entrega, eu tentei inserir a entrega, iFood. Não, eles não vão, não abrem mão, não querem, porque para eles eu falo: “Mas a gente está perdendo dinheiro”. E, para eles, é tipo assim: se eu fizer uma entrega, eu vou perder a qualidade do produto, o produto vai chegar com outra qualidade e eu prefiro que não, prefiro que eles venham buscar aqui. Quem pode vir buscar vem, quem não pode, não vem. E eu ficava: “Meu Deus, mas como? A gente está perdendo”. Então, a gente não investe em publicidade, a gente não tem, às vezes o pessoal vem: “Aí, vou fazer promoção, não sei o que, parceria com...”. Meu, não dá, a gente não dá conta do que a gente tem. Então, a gente prefere (risos) segurar do jeito que dá.
P2: Mayara?
P1 - Ainda é o boca-a-boca? Desculpa, Lu, vai. Vai, Lu, desculpa.
P2: Eu vou arrumar a internet, mas tem que esperar acabar aqui. Mas, Mayara, você acha que é possível expandir este modelo artesanal do seu avô, desse jeito, em maior escala, para outras cidades e aí arrebentar de vender?
R1 – Eu, Mayara, (risos) acho; eles não, de jeito nenhum. A gente já recebeu várias propostas. Na verdade, assim, é muito engraçado, é muito familiar. Então, tem eu e meu pai, que fica nessa briga de: “A gente podia expandir, a gente podia fazer uma indústria mesmo, do jeitinho que ela é hoje” e eles não, eles não, eles seguram ao máximo: “Não, enquanto a gente estiver na frente disso, vai ser do jeito que é, é do tamanho que é”. E aí eu paro e concordo que eles já estão em uma idade que não dá para pensar em mais trabalho, né, que eles já têm, mas eu acho que a gente tem essa competência aí de produzir do jeito que é para mandar para outras cidades, outras sorveterias que quisessem vender e tudo mais, eu acredito que a gente conseguiria manter, ou pelo menos tentar, mas eles acham que não. Então, eles é quem decidem, eles que dão a última palavra. Eles têm muito medo, na verdade, de perder na qualidade. O maior medo do meu avô é perder na qualidade. Então, nada faz ele mais feliz do que ele estar aqui e alguém chegar e falar: “Nossa, mas o sorvete é igual desde...” Nossa, para ele isso ganhou o dia, não precisa terminar nem o dia de produção, pra ele aquilo ali já valeu demais, ele volta, ele conta para gente, ele chama para ouvir a pessoa falar, tipo: ele é todo orgulhosão mesmo da qualidade do sorvete, para ele não muda.
P2: Legal.
P1 - Eu queria que você falasse um pouco do perfil do cliente de vocês e você já tangenciou um pouco, mas assim, especificar melhor e assim, é o boca a boca que funciona, então? É a fidelização, o que funciona então para... além do sabor, da qualidade, do sabor mesmo, deste uso deste produto, destes insumos frescos, mas assim, qual é o perfil do cliente, como ele se fideliza para Pinguim?
R1 - Então, eu sempre falo que, para mim, o que fideliza o cliente aqui é a tradição mesmo, é a maneira tradicional que a gente faz acontecer desde 1958, desde que abriu, porque a gente expandiu, a gente está em um lugar melhor, mas ainda é tudo muito familiar de como era lá atrás. Então, é o Ituzão, que todo mundo gosta e todo mundo se lembra do Ituzão desde muito tempo. É, então, a gente fornecia por muito tempo para o Zoológico, na época que funcionava mais e tal. Então, era sempre “Ah, eu tomava este sorvete no Zoológico”. Então, tinha sempre esta ligação com o Zoológico, quando a gente ainda funcionava lá, ainda fornecia sorvete para lá. E, assim, agora o perfil do cliente é... eu sempre que estou aqui, que eu fico lá na frente, eu fico observando isso, para entender como é que é e eu não consigo, porque é muito diferente. Então, a todo momento são pessoas diferentes. Então, tem hora que chega gente que você fala: “Meu, esta pessoa tem muito dinheiro, esta pessoa é muito rica”. E ela está aqui, pegando um monte de picolé para levar, sei lá, para os bairros mais chiques que a gente tem aqui em Bauru e, de repente, chega uma pessoa aqui que veio aqui de ônibus do Mary Dota, para poder comprar o sorvete, sabe? Então, é muito distinto e, como a gente está perto da escola, tem muito estudante também que vem, aparece, eles são tradicionais nisso, não, eles passam aqui antes de entrar para a escola. Eu trabalhei um tempo na escola e eu via sempre eles chegando com o sorvete lá, milk shake, era tipo a rotina deles mesmo, antes de entrar para a aula, tomar milk shake, pegar picolé. Então, eu não consigo te falar qual é o perfil exato, assim, mas eu vejo que é sempre muita família que está aqui, sempre vem a família, dificilmente vem só uma pessoa e quando vem já fala: “Vou levar para a família que está em casa, vou levar para a chácara, que meus filhos querem picolé”. Então, é sempre em busca de família mesmo, da galera que vai levar para família consumir.
P1 – Maravilha! Eu ia... perdi a pergunta, desculpa. Você tem alguma pergunta, Lu? Eu perdi a pergunta.
P2: Eu tenho. E para o futuro, o que você pensa do futuro, tanto seu, quanto da sorveteria? Porque você também tem uma outra carreira agora, além da sorveteria.
R1 - Isso é uma coisa muito com medo do que a gente tem aqui, na verdade, assim, porque ao mesmo tempo que meus avós não conseguem soltar, eles precisam, em algum momento, né? E a gente tenta falar isso para eles o tempo todo e ultimamente a gente tem batido muito nisso, porque eles estão cansados, aparentemente cansados, eles precisam parar, mas eles não conseguem, se tirar isso do meu avô... estes dias a gente teve uma discussão sobre isso: “Meu Deus, precisa parar, a gente precisa...” E ele falou: “Mas vou fazer o que, vou sair daqui e vou fazer o quê?” A tradição da vida dele é: ele passa metade do mês aqui e metade do mês na fazenda e é isso que ele vive, essa é a vida dele e não consegue mudar e a minha avó desde que aposentou da prefeitura, a vida dela também é aqui. E aí, às vezes, a gente tenta falar e ela fala: “Não, mas eu que mando aqui, eu que resolvo”. E ela não consegue soltar, eles não conseguem soltar isso de jeito nenhum. Aí eu já falei para o meu pai, meu pai ainda bate mais de frente, tenta, meu pai quer resolver, falar: “Não, eu vou fazer, vocês precisam parar”. Eu já desisti. Então, eu falo para ele: “Para mim é só a gente tampar os buraquinhos que eles vão deixando, né?”, porque até que eles realmente percebam que eles têm que soltar, a gente vai ter que funcionar assim”. Ele fala: “Mas a gente podia funcionar assim, podia...”. Mas não vai adiantar, vamos só aceitar que eles já são de idade e esta é a vida deles e aí, para o futuro, para mim é uma coisa muita incerta, porque eu sei que eu quero focar na História, eu quero dar aula, enfim, eu quero continuar estudando, eu não consigo pensar em como isso vai ser com a sorveteria, na hora que chegar no ponto que eu tenha que, de fato, estar aqui. Ainda bem que ainda tem o meu pai antes, (risos) então ele resolve esse BO. Mas a gente não tem um plano, a gente não tem um plano, a gente vive aqui todos os dias, como se fosse ser para sempre assim, como se eles fossem ser eternos e fossem cuidar daqui até acabar. Eles não conseguem, na verdade, eles não conseguiram fazer a gente se ligar nisso, desta forma, porque quando eu vim trabalhar aqui, o foco era que eu fosse tirando um pouquinho das coisas da minha avó. Então, eu comecei ajudando-a com os funcionários. Então, na verdade, a minha maior função aqui é com o quadro de funcionários e, quando eu fui percebendo, ela já tinha tirado de mim as minhas funções, porque ela queria o controle daquilo. Hoje, quando eu paro para pensar, eu falo: “Meu Deus, há cinco anos eu fazia isso e isso”. Hoje eu não faço mais, porque ela pegou para ela de volta, ela não consegue soltar. Então, a gente não consegue imaginar como vai ser, porque eles estão, assim, inseridos aqui de uma maneira que não dá para imaginar.
P1 - Mas que ótimo, né, assim, estão produzindo ainda.
R1 - É, na verdade, vai ter que ser no susto mesmo, a gente não tem planejamento.
P1 - Eles não ficaram assustados, assim, com este negócio de estar com público durante a pandemia?
R1 - Na verdade, é um embate aqui, né, há um embate quase que político, porque eles têm posicionamentos diferentes. É muito engraçado isso: posicionamentos políticos diferentes, é bem engraçado. E aí a minha avó era a favor de não ter atendimento ao público, era a favor de fechar, ela se cuidou super bonitinha, apesar de fazer a quarentena dela aqui dentro da sorveteria, o que eu achava um absurdo, eu falava: “Você tinha que estar na sua casa, não na sorveteria” “Não, mas aqui estou segura”. Tipo: então eles continuaram aqui, em nenhum momento eles ficaram em casa, a casa deles é aqui. Então, eles saíam da casa deles de manhã e vinham para cá e aqui ficavam o dia inteiro. Eles ficam de máscara o dia inteiro, eles se cuidam bem bonitinho, assim, com álcool e tudo o mais, mas eles não abriram mão de estar aqui dentro, não importa o que acontecesse. E aí o meu avô sempre foi contra fechar, ele tem um pensamento mais diferente, assim. A minha vó não, ela fala: “Não, tem que fechar, não dá para receber o público, eu prefiro, não dá para colocar o pessoal em risco, as funcionárias, como é que vai fazer e pá, pá”. E meu avô não, por ele mantinha aberto. Então, na oportunidade de abrir, ele estava abrindo e minha avó ficava: “Não, preferia que ficasse fechado, deixa fechado”. Agora, este último lance que a gente teve de fechou tudo, abriu tudo no outro dia, ela falou: “Não acredito que abriu de novo, eu queria que continuasse fechado, não dá, pá, pá, pá”. Mas aí sempre foi, meu avô: “Pelo amor de Deus, a gente tem que trabalhar, os carrinheiros têm que trabalhar, não dá para ficar fechado, tenta ficar aberto”. Eu falava: “Não dá, minha filha, é lei, não tem como a gente ficar aberto”. Então, foi um embate entre eles assim, eu tinha que ligar nove horas da noite: “Vô, por favor, fecha a sorveteria, já não pode mais funcionar, vô”. E ele: “Eu já vou fechar, já vou fechar, não tem problema” “Tem problema vô, por favor, fecha”. Eu ficava desesperada de casa.
P1 - De seguir estas regras que mudam a toda hora também, né?
R1 - É, e meu pai trabalha no setor, né? Então, ele está sempre por dentro do que a gente tem que fazer e aí meu avô: “Não, não, não, não, não quero”. E a gente ficava: “Não tem jeito, meu pai trabalha lá na fiscalização e a gente vai ficar com a sorveteria aberta, não tem como”. (risos) Então, sempre foi um perrengue para ele, para o meu avô, assim, fechar a sorveteria, meu avô não aceita. Já tentei introduzir, por exemplo: fechar um dia da semana, para todo mundo folgar, para ficar mais fácil de organizar. Ele não aceita, não importa o que aconteça, pode estar cinco graus, ele tem que estar com a sorveteria aberta, senão para ele não tem graça o dia.
P1 - É de segunda a segunda?
R1 - De segunda a segunda, já tentei falar: “Vamos fechar segunda-feira, para o pessoal aqui da frente, em custo-benefício é melhor, as meninas vão folgar, não vai precisar ficar folgando durante a semana, a produção vai funcionar, só não vai abrir o balcão” “Não, não vou fechar nunca, nem um dia” “Tá bom”. Então, a gente não fecha. Os únicos dias que a gente fecha é Sexta-feira Santa, Natal e Ano Novo, no dia vinte e cinco e dia primeiro, é a única tradição dele, desde que ele é gente, a sorveteria fecha de Sexta-feira Santa, que veio do pai dele a tradição. Então ele mantém, não discute, isso ele não discute e dia vinte e cinco e dia primeiro, que ele não abre, porém fica uma pessoa vendendo aqui do lado, para ele ficar mais feliz (risos).
P1 - Que ótimo! Eu lembrei a pergunta que eu perdi: você falou muito assim no balcão, que tem bola, estas coisas e que nunca fez o self service, né, mas vocês têm um cardápio também com aqueles clássicos tradicionais?
R1 - É, mas olha, isso só foi incorporado quando eles viajaram.
P1 - Ah, é?
R1 - É, foi nessa mudança de prédio, quando eu e meu pai fizemos a mudança para cá, para o prédio, a gente contratou uma funcionária para poder fazer por exemplo: banana split, morango split, abacaxi, não sei como é que chama lá...
P1 – Sundae.
R1 - Sundae.
P1 – Colegial.
R1 - Essas taças. E colegial, essas taças. Porque eles eram totalmente contra, assim, eles não queriam que tivesse, porque antigamente não tinha, era só a bola, copinho, só isso. Aí, quando a gente mudou para cá, eles iam ficar mais tempo viajando e a gente contratou funcionária, fez o cardápio e, quando eles chegaram, estava tudo pronto, eles não tiveram como discutir. Aí hoje é a menininha dos olhos deles, tipo: “Ai, precisa de morango para fazer o morango split”. Então, a gente busca no mercado o morango só para isso, não é morango de bacia, não é um monte de fruta que fica aí, não, é tudo muito fresco, eles usam, é a tradição deles mesmo.
P1 - Por que no self service, nem... acho que ninguém tem essa carteira de ...
R1 – Saber fazer o pedido na taça?
P1 – Saber fazer o colegial, o sundae na taça.
R1 – A gente chama de taça. É, eu acho que não tem, aqui a gente manteve tanto as bolas, como isso, como o milk shake também, foi uma coisa que a gente incorporou nesta mesma época, fazer o milk shake, porque também não fazia o milk shake e agora a gente faz.
P1 - Você lembra, assim, da sua infância, da sua adolescência, de outras sorveterias que tiveram aqui em Bauru, assim, que são referências também?
R1 - Então, eu lembro daquela sorveteria que tem perto do Confiança da Falcão, que agora eu esqueci o nome, mas não é, acho que não é a Espumoni, não chega a ser a Espumoni ou talvez seja.
P1 - Por que tem a Espumoni, né?
R1 - É, eu não lembro o nome dela agora, mas ela era na Falcão, na Falcão sempre, eu lembro dela, mas lembro muito pouco, porque de fato aqui dominou toda a minha vida. (risos)
P1 - É onde você cresceu, sua maior referência?
R1 - É onde eu cresci e às vezes eu não sou uma pessoa muito chegada em sorvete hoje em dia. Acho que deve ser por causa que eu (risos) nasci e vivi aqui. Então, não é algo que eu tome: “Ai, que vontade de tomar sorvete”, eu não sou esta pessoa mais. Então, eu não tenho este hábito. Às vezes eu estou em alguma coisa com alguém, com as minhas amigas: “Vamos tomar sorvete?” Eu penso: “Meu Deus, as pessoas realmente saem de casa para tomar sorvete, né?” Daí eu vejo o pessoal vindo para cá e falo: “Gente, mas como elas realmente fazem isso!”. Como é, quando eu vejo final de ano, Natal e Ano Novo, que as pessoas compram muito, assim. Mas ninguém mais faz sobremesa, é só sorvete que as pessoas tomam na ceia. E toda hora. Eles marcam no Instagram né, Natal e Ano Novo, marca bastante e é sempre a sorveteria Pinguim. Eu não tenho muita recordação de outras sorveterias, é bem doido isso.
P1 - Mas assim, você é jovem, de sair à noite, ir para balada, antes da pandemia, assim?
R1 – Olha, eu fui uma jovem muito diferente, viu? Nunca fui esta jovem da balada, do rolê, sempre fui mais de ficar em casa, eu tenho muita ligação com a minha família. Então, sempre fiquei mais com a minha mãe, minha irmã e aí, eu acho que eu sou velha desde pequena, na verdade. Então, eu não sou muito do rolê jovem, assim. A minha mãe me cobrava, ela ficava: “Vai passear, vai sair, vai sair à noite” e tudo mais e eu nunca fui muito disso, mas já saí, né, já fiz alguns rolês.
P1 - Cinema?
R1 - Cinema é algo que eu gosto muito. Não, cinema eu gosto demais de cinema, a maior tristeza da pandemia é a falta de cinema.
P1 - É, né (risos)?
R1 - Cinema é a tradição.
P1 – Maravilha! Lu, mais alguma pergunta?
P2: Olha, eu achei excelente a entrevista.
P1 – Eu também.
R1 - Que bom!
P2 - Foi uma história, eu nunca imaginei que tudo isso estava atrás do Pinguim, (risos) eu achei ótimo. Tem pergunta aqui de modelo de pagamento, mas eu acho que não...
R1 - Nossa, mas foi uma briga também, modelo de pagamento, hein?
P2: Foi?
R1 - Tudo aqui é uma briga. (risos) É, porque para eles era a tradição do dinheiro, né? Então, aceitar o cartão foi algo muito difícil. Para vocês terem ideia, o cartão de credito só passou a fazer parte da sorveteria em 2019. É recente demais, antes era só débito e não tinha o que tirava isso da cabeça deles. Eu falava: “Meu Deus, não tem como, as pessoas usam crédito o tempo todo, não tem como”. Foi muito difícil. Eu acho que talvez tenha sido até em 2020, no começo de 2020 que eu consegui, enfim, tirar a placa que a gente não aceitava cartão de crédito, mas foi uma briga enorme, assim, era muito difícil para eles aceitarem que as pessoas pagam, sei lá, cinco reais no cartão de crédito e pagam, porque é hábito hoje, né, as pessoas usam muito, mas foi também muito difícil esta parte.
P2: Vocês chegaram a ter caderneta? Por que o comércio antigo, antes de você nascer tinha, né, a caderneta.
R1 - Eu acho que não, viu? A gente nunca trabalhou assim, mas na época que não tinha o sistema, era uma caderneta para anotar o caixa mesmo, tipo para fazer a soma no final do dia. Então, não tinha a pessoa que marcava e pagava depois, isso não, pelo menos não da minha época que eu me recordo, mas agora era tudo no papelzinho mesmo, anotava lá quanto que vendeu, para depois somar e fazer tudo na mão, era desse jeito. A minha vó tem uma tradição muito grande com dinheiro, então, tipo, ela confere dinheiro aqui como se ela fosse Banco. Às vezes a gente vai no Banco pagar e o Banco fala: “Meu, não precisa nem conferir”. Porque a gente já conferiu um milhão de vezes, porque ela é muito ligada em conferir o dinheiro, separar em bloquinho assim, ela tem um perfil para esta organização do dinheiro que é impressionante. Ninguém, eu falo: “Não adianta, ninguém vai batê-la nisso. Se ela fala que está certo, está certo”, porque ela é a grande administradora mesmo, aqui.
P1 - Que graça! Mayara, você acha que faltou a gente perguntar alguma coisa, alguma coisa que você quer deixar registrado que a gente não tenha conversado ainda?
R1 – Ah, eu acho que não, viu? A gente falou de tanta coisa, mas eu acho que não.
P1 - É, né? Então, foi muito bonito, viu? Eu vou fazer a última pergunta, então, que a gente costuma fazer para todo mundo, é uma pergunta que agrega todas: assim, o que você achou de ter passado este tempo com a gente, assim revisitando a sua história, a história da Pinguim e dos seus avós e disso que faz parte de uma memória coletiva, de várias gerações assim? Como é que foi a experiência de você deixar registrada a sua história e a história da Pinguim?
R1 - Nossa, eu achei bom demais, eu gosto muito dessa lembrança. Eu brinco que eu tenho uma memória muito profunda, assim, eu tenho memória de cheiro, memória de lugares, que as pessoas ficam impressionadas quando eu vou contar, eu conto com muitos detalhes as coisas da infância e aí, viver isso agora, passar um tempo fazendo isso de verdade, (risos) foi muito bom, muito prazeroso. Lembrar do bairro que eu nasci, das brincadeiras, lembrei da pipa, umas coisas que estavam dormindo na minha memória, que eu não estava lembrando sempre, foi bem legal. Eu consegui lembrar da sorveteria pequena, eu tentando subir pequena, assim, eu tenho estas memórias bem doidas, eu tenho fotos, preciso achar depois, para passar para vocês, mas é, foi muito bom mesmo reviver isso agora.
P1 – Então, está joia. Então, assim, eu super agradeço a sua participação, foi linda a entrevista, foi super, nossa, assim, é...
R1 - Eu que agradeço.
P1 - Precisava mesmo ter a Pinguim no projeto. Então, eu agradeço muito em nome do Museu da Pessoa, do Sesc, agradeço muito mesmo, né, Luís Paulo? Assim, foi uma linda entrevista, obrigada mesmo.
R1 - Que bom, gente, fico feliz, espero que eu possa ter contribuído aí para vocês, para tudo isso aí.
P1 – Ô.
P2: E desculpa a minha internet aqui, eu vou resolver agora isso, está bom?
R1 - Imagina! Você está desculpado, você é aí o dono da minha pesquisa, eu sou fã.
P1 - O Caio vai desligar agora o gravador, para a gente fazer estes combinados.
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