Projeto Conte Sua História - SESC
Depoimento de Carlos Eduardo Casemiro
São Paulo, 05 de outubro de 2018
Código: PSC_HV021
Revisado por Fernanda Regina Ferreira
P/1 - Para começar eu queria saber o seu nome, local e a data de nascimento.
R - Eu me chamo Carlos Eduardo Casemiro, sou da cidade de São Paulo, nascido na Liberdade, na Vergueiro, e penhense. Me considero um penhense da Gema, a questão da Liberdade só foi uma questão de nascimento, mesmo, sou da Penha, nascido e criado aqui. Filho de Lauro Casemiro, Maria Narciso Casemiro, meus avós Silvina Narciso e Edmundo Narciso, por parte materna, e por parte do meu pai seria Laureano Casemiro e Rita Casemiro.
P/1 - Você sabe de onde vem a origem da sua família?
R - Então, a nossa família, é muito engraçado, porque eu tenho um sobrenome, o Casemiro é ligado ao, como é mesmo que eles falam? Tem um lado, um país… eu vou pulando, mais a frente eu lembrando, eu falo para vocês... Então, tem essa origem, porque eu não sei, de sobrenome. Agora, a minha família é uma mistura muito grande, eu tenho um lado que é do Norte, tenho um outro lado que é de Minas, eu tenho um outro lado meio carioca, e os paulistas que estão aqui, interior de São Paulo, meu pai viveu em Barretos, também. Então, tem uma mistura muito grande, corre tudo aqui na veia.
P/1 - E esse processo de começar a se constituir na Penha, família, ela está mais organizada aqui?
R - Hoje não, é muito interessante isso, por conta do tempo mesmo, era... Eu vejo hoje a nossa razão de estar na Penha mais puxada pelo lado da minha avó, parte da minha mãe, parte da família da minha mãe, eram todos penhenses. Então, tinha ela, as irmãs dela, os irmãos dela, e se radicaram todos aqui na Penha, e por conta também desse lado religioso, eles eram todos ligados à parte religiosa aqui da Penha. Quando eu falo que sou católico é aquele cara que foi coroinha, fez a primeira comunhão, fez a crisma, todo um processo dentro dessa história da Penha. E essa minha avó, por si, era a zeladora, eles eram zeladores da Igreja do Rosário, dos homens pretos, da Penha de França no qual eles pegam, como zeladores, de lá de 1930, por aí e vai até quase 60, nos anos 60. Eu nasci em 61, não tive o prazer de conhecer minha avó porque 25 dias após o meu nascimento ela veio a falecer, então eu não tenho... Meu avô me conheceu, mas eu era criança, não tenho nenhuma lembrança dele, assim, mas eles tiveram uma história muito forte aqui no bairro, talvez isso foi a razão da gente ficar. Agora, o lado do meu pai, já são os municípios, Guarulhos, meu avô por parte de pai veio para Guarulhos e ali, então, ficou bem demarcada, tenho bastante parentes, primos, irmãos, para o lado de Guarulhos. Eu sou raspa do tacho de uma família muito antiga, então quando eu falo assim, que hoje muito pouco, porque muitos também já se foram. Eu tenho primo com a minha idade, primos, primas que têm oitenta anos, é engraçado isso, elas têm oitenta anos. Eu tenho primos, filhos dessas pessoas que são, inclusive, mais velhos que eu, só que eu sou primo. Por isso que eu falo, eu sou raspa do tacho de uma família antiga, sou primo da mãe deles, eles são meus primos de grau.
P/2 - Você falou que os seus avós têm uma história forte aqui... Ser zeladores...
R - É, por conta dessa entrega para a igreja, esse trabalho que eles tiveram dessa zeladoria, dessa coisa no passado, era muito mais… Hoje a gente procura buscar esse resgate, mas na época isso era levado muito a sério, "nossa, eu faço parte lá da irmandade do rosário", um exemplo, então ele tinha um certo patamar, vamos dizer assim, no esquema religioso. Então, era onde tinha aquela ligação com comerciante, isso eu me lembro muito bem, na infância, esse comércio que tem aqui ao redor da Igreja do Rosário, pessoas que era ligadas, também à nossa matriz que é a Basílica hoje, Nossa Senhora da Penha, o Santuário da Penha. Então, essas pessoas do bairro tinham essa comunicação, por conta, também dessa religiosidade. Um ia na casa do outro, o padre ia jantar na casa... "Olha, hoje eu vou jantar lá", tomava uma dozinha, lá, e saía, tinha essa... Hoje, eu vejo muito, assim, mecânico, era muito mais harmonioso nessa questão. Muitas pessoas a gente conheceu dessa maneira, quer dizer, eles. Tanto é que, eu digo assim, na época aqui teve muitos colégios, ainda temos alguns em pé, eu falo em pé porque alguns, infelizmente, a gente já perdeu, um é o Liceu Santo Afonso, outro é o Colégio Ateneu Ruy Barbosa, mas a gente tem ainda aqui o São Vicente que é uma marca registrada disso. O Colégio São Vicente de Paula, ali onde está hoje, tem onde está o João XXIII, hoje é uma escola, o Objetivo, quase do lado era esse Liceu Santo Afonso. Então, eram todas escolas já ligadas com essa questão. Meu irmão mais velho estudou na que é hoje, o Maestro Expedito Casemiro, ele também teve essa oportunidade de estudar no São Vicente e tal, e minha avó, quando faleceu, foi uma pessoa que teve todas essas homenagens de honra. As escolas não funcionaram, ela teve uma missa muito grande, de corpo presente, aquela coisa, tal, "a Dona Silvina faleceu", era coisa de bairro. Ela é enterrada no nosso cemitério que é histórico aqui no bairro, quer dizer, essas coisas não... Então, por isso que a gente sente essa ligação, também, muito grande e aí a gente vem. O meu pai foi congregado Mariano, que era uma ordem da Igreja, minha mãe também seguindo esses dotes da igreja. Vai ter um momento que eu saio um pouco dessa questão, mas hoje por conta de outros projetos, eu estou de volta.
P/1 - Como a gente está começando a falar dessa coisa da tua infância, seus pais trabalhavam aqui, também, na Penha?
R - Sim, meu pai trabalhou em poucas empresas. Ele viveu uma época em Barretos. Até no passado, um pouco antes dele falecer - meu pai faleceu em 77 - eu até conheci uma fazenda que eles trabalharam por muito tempo, lá em Barretos ainda estava naquele processo. Hoje, Barretos tem um rodeio internacional, mas quando eu fui lá, essa coisa estava começando. Eu fui bem menor, uns 16, 17 anos, que eu tinha de idade quando eu conheci essa fazenda. Lá eles moraram e depois ele veio para São Paulo, também. Trabalhou na GoodYear; e entrou na Prefeitura; trabalhava na área de paisagismo; trabalhou muitos anos naquele parque que tem do manequim lá no Ibirapuera, lá tem um viveiro, não sei se ainda eles mantêm, era da Prefeitura. Depois, ele vem terminar aqui na Penha onde também tinha um grande viveiro. Viveiro… eles plantavam desde parte de verduras, essas coisas, até flores, e mantinham algumas aves que era para a urbanização dos locais, praças, ruas, como é feito hoje. E ele, por incrível que pareça, faltando mais ou menos um mês, um mês e pouco para se aposentar - quer dizer, ele trabalhou a vida toda - ele também veio a falecer por conta de uma hipertensão. Hoje, eu vejo - isso foi em 77 - que isso, teria um pouco mais... ele teria um pouco mais de chance hoje. Na nossa família, a hipertensão pega muito. Eu sou um cara hipertenso, meu irmão, eu perdi minha mãe dessa mesma maneira, um outro irmão. Só que hoje a gente já tem um... eu chego lá, o médico diz “olha, esse colesterol não está legal, vamos fazer um exame, vamos tomar isso”, então ele regula a situação, tem como manter. Então, eu acho até, que eles foram prematuros pela faixa de idade que eles faleceram, ambos com 53 anos. Ele foi primeiro, e ela, dois anos depois, em 80, ela também vem falecer com a mesma idade. Eu já superei isso, porque eu estou com 57, eu vejo o quanto eles eram jovens.
P/1 - A tua mãe também trabalhava por aqui, pela Penha?
R - Sim, minha mãe também tem uma história muito bacana, porque ela já vem dessa criação daqui, mas ela também trabalhou para uma família que o cara foi… Inclusive, eu tenho um irmão de leite, hoje eu não sei nem onde... Olha só, minha mãe foi mãe de leite de um cara que chegou a ser diretor do Hospital das Clínicas da família. Então, ela teve uma certa oportunidade, perante essa família. Ela vem estudar no Colégio Auxiliadora, ali na Rangel Pestana, no Belém. Se formou uma costureira que hoje seria... Eu vejo pelos trabalhados que ela tinha que ela trabalharia como uma estilista, porque todas as roupas nossas, era ela quem fazia, para nós, para o meu irmão. Ela tinha essa habilidade de desenho, tinha uns books grandes, porque ela se formou como uma costureira mesmo profissional. Meu pai era mais tranquilo, então tinha muita coisa, eu vejo, que ele jogava para ela, era tipo assim - “aqui você vê o que vai fazer, paga ali, o que eles precisarem, você se vira”, e largava na mão dela.
P/2 - Você lembra dela costurando para você?
R - Sim, a gente tinha uma máquina, daquelas Singer antigas, que não era nem com esses motores elétricos, era ali no pedal, mesmo, e ela fazia as roupas para a gente. Eu me lembro de um fato, esse meu irmão maestro, ele primeiro, por conta da Igreja, vai para o Seminário, sai do colégio e vai para o Seminário. Ele decide se entregar para a vocação, foi para Petrópolis, viveu com os franciscanos por um tempo, e ali tinha muitos alemães, dentro daquele convento, e acabou descobrindo mais esse lado musical e os caras começaram a pôr ele dentro desse esquema. Depois, ele sai, descobre que não era aquilo que queria, volta, entra na Universidade e acaba se formando como maestro. Meu irmão foi o primeiro e talvez único maestro negro aqui em São Paulo do Teatro Municipal, dirigiu o coral paulistano, depois foi para o lírico, se aposentou faz uns dois anos. Hoje a gente tem um trabalho paralelo com eventos, de vez em quando eu sou subordinado pela batuta dele ainda. Então, quando ele foi considerado o melhor aluno de Canto do conservatório Bela Bartok, que saiu aqui da Penha, sua professora era a Constanza, uma italiana que morava na Vila Mariana, e naquele tempo tinha um prêmio para os melhores alunos, ía minha mãe e o Governador, toda aquela coisa na noite de premiação. Eu lembro que minha mãe fez a roupa de nós todos, inclusive o vestido dela, eu me lembro muito bem. O mais interessante: não costurava para fora, era sempre uma coisa assim, de casa, minha mãe foi totalmente do lar, talvez se ela… hoje, a gente parando para pensar, eu estou falando disso agora e até fiquei emocionado, ela poderia ter outros horizontes que a mulher hoje tem, em si, em outras situações. Ela guardou muita coisa para si, ela era muito inteligente, fez meu pai estudar, ainda. Ele ainda foi aprender algo na madureza, na época do... tinha o telecurso segundo grau, a madureza, essas coisas todas. Meu pai fez e conseguiu pelo menos concluir essas coisas para entender. Até porque, dentro do cargo, na Prefeitura, antigamente, tinha aquela coisa de nível, então para você ter um salário, ou se virar melhor, você tinha que fazer alguns exames, algumas coisas, e ele tinha que aprender alguma coisa para acompanhar aquilo, para ser nível um, dois. Isso eu lembro bem, "ah, ele é nível tal", então aquilo era o diferencial, mas para isso ele tinha que fazer algumas provas e ele foi para a escola, o que é até um incentivo hoje. Minha esposa, há um tempo falou: “Nossa, eu tinha um sonho de trabalhar como professora na área de educação”, eu falei: “mas por que você não vai?” Porque eu sempre lembro dessa história do meu pai estudando. Eu até não fiz o mesmo que ele fez, acabei de dizer agora que parei algumas coisas porque, também, não sei… pode dar na louca ainda de terminar, mas por conta disso, hoje ela também falta um ano para se formar em Pedagogia, mas por conta de... desanima, a gente vai lá, mas por conta dessas histórias.
P/1 - Você estava falando que a sua mãe costurou todas as roupas para você nesse evento. Você se lembra dessa sua vida de infância, assim, com quem você morava, quem eram as pessoas próximas do seu núcleo?
R - Sempre foi família. Tinha os primos, aquela coisa, mas a gente foi muito família. Era aquela coisa do final de semana tinha aqueles rituais de ir à missa; aos domingos a gente vai almoçar na casa de tal tio, mas antes a gente vai na missa, aquela coisa, ou se não à tarde, aquela coisa muito ali.
P/1 - E nessa coisa de infância, quais eram as brincadeiras que você gostava de brincar, como você costumava se divertir?
R - Olha, eu fui até levado, joguei muita bola, mas era aquela coisa de rua, mesmo: “tal hora vocês têm que entrar”, então a gente jogava muita bola nos campos. Tinha muitos quintais com árvores frutíferas, caqui, e às vezes os donos não davam, então, a gente arrumava um jeito de ir lá capturar essas frutas e ia parar de castigo, porque muitas vezes não dava certo, essas artes... da rua, eu tive tudo, que hoje não se tem mais.
P/2 - Você lembra alguma vez que vocês foram pegar fruta e não deu certo?
R - Ah, várias vezes. A gente tinha um vizinho que as frutas caíam no chão, mas ele preferia ver apodrecer do que dar para alguém. Muitas vezes nós ouvimos ele atento ali para pegar qualquer um, e aí era quando a gente caía, porque era sempre um quintal ligado ao outro, e ia parar no quintal dos outros, aquela correria toda. E tinha que se manter calado, porque em casa tinha essa regra, também: você aprontou, você vai apanhar. A gente apanhava mesmo, se viesse alguma coisa, era melhor resolver lá, porque se viesse parar na boca do meu pai, não iria dar certo, não. Minha mãe muitas vezes era nossa advogada, mas ele ia para cima, mesmo.
P/1 - Sobre essa convivência com os seus irmãos, como é, você tinha um irmão só?
R - Nós éramos em três. Um eu não conheci, nós costumamos dizer que foi uma passagem, ele nasceu, eu acho que ficou alguns meses, era um moleque muito saudável, mas faleceu. É uma história que a gente não... eu não sei o que aconteceu, foi bebê, mesmo. Esse seria o mais velho se estivesse vivo, que era o Maurício; depois vem o Roberto que eu falei dele; vem o Benedito que era o do meio; e eu Carlos. E esses nomes também estão ligados à questão religiosa, como ele falou, o Benedito hoje é dia dele, hoje é dia de São Benedito, dia 5 de outubro. Então, a minha mãe colocou por devoção, o nome de Benedito José. Tinha lá em casa, também, aquela coisa de imagem na cozinha, São Benedito, Santo cozinheiro, o cafezinho dele lá no local. Já meu irmão, é Roberto Expedito, então tinha um Santo Expedito grande, aquele... e o Eduardo, Carlos Eduardo, ela colocou propositalmente o nosso nome por conta de alguns santos. De Santo nenhum dos três têm nada, só o nome. Então, acabou sendo nós três. Esse do meio se tornou um grande fotógrafo, a gente começou... eu até cheguei a trabalhar nessa mesma empresa que ele começou, que era aqui no Largo da Penha, Largo do Rosário. Tinha dois fotos: foto Penha e o foto Moderna, do senhor Ítalo Serafim, foi o meu primeiro patrão, eu trabalhava entregando as coisas que ficavam prontas. O cara ia lá, tirava uma foto três por quatro, ainda naquela época do branco e preto para documento, aquelas famílias montavam um estúdio para fazer fotos de família. Todo Penhense que fala "esse é Penhense, mesmo" tem que ter uma foto desse local, que acabou virando patrimônio, também. E ali, meu irmão, esse do meio, começou a se interessar pela fotografia, caiu para os laboratórios, e tinha aquela coisa do preto e branco. A fotografia tem uma coisa muito legal, que é essa coisa da revelação, tudo, ele virou um grande... trabalhava com laboratório fotográfico, virou um grande profissional nisso, desde o preto e branco, da fixação, de ir buscando naquelas banheiras a coisa até chegar... Depois, esse Foto Moderna acabou trazendo máquinas que já revelavam filmes coloridos e tudo, e ele acaba indo para a cidade. A Fotóptica foi criada, algumas empresas, e ele acabou indo trabalhar no laboratório na rua Tupi, paralelo à Avenida Pacaembu que era só de... Tinha grandes trabalhos na época, muita gente levava esses trabalhos e ele se tornou um... pegava, fazia fotos. Esse meu irmão também foi prematura a coisa dele, então hoje sou só eu e meu irmão mais velho.
P/2 - Qual era o patrimônio, a Moderna, ou a Penhense?
R - Os dois, eu considero os dois. Eles eram até meio parentes, mas assim, vamos supor, se fosse para colocar como um patrimônio, até a fachada deles hoje, está ali, se você olhar em um comerciozinho, lá. Ele fechou a fotografia Moderna há uns quatro, cinco anos, com muito... Teve até uns depoimentos dele no jornal do bairro porque toda história, praticamente, do bairro, acabou passando pelas mãos dele, do pai e dos irmãos dele, hoje ele mora na Mooca.
P/1 - Você falou que boa parte da sua infância foi junto com as igrejas, não é? Que Igreja você frequentava?
R - É, eu tive uma ligação muito forte. Na rua de casa, tem uma igreja, chamada Igreja Nossa Senhora de Fátima e São João Batista. Onde eu morava, ali na Padre João, era uma antiga colônia de portugueses, tinha muito português naquela região, então bem no alto tem uma Igreja Nossa Senhora de Fátima. Ali, eu participei de grupos de jovens, antes de chegar nesses grupos de jovens fui coroinha, depois fui crescendo, passei por esses grupos de jovens, comecei, já vim aqui para... Tinha uns grupos fortes aqui, também, no que hoje é a Basílica, tinha vários grupos, vários tipos de músicas. E um detalhe: a minha família, os irmãos da minha mãe, mesmo fazendo outros tipos de atividade, eles sempre se interessaram pela música. Então, praticamente, meu pai cantava, tocava clarineta; minha mãe cantava; os irmãos dela tinham um grupo de chorinho, meu tio Maninho, eles tinham um grupo de chorinho no qual a família toda... E por conta disso, a gente tinha na Igreja, um coral praticamente de família, não com todas as pessoas que eu estou falando, mas com algumas. Uma faleceu vai fazer um ano, e ela teria cem anos agora, faleceu com noventa e nove, lúcida, só foi coisa assim que ela começou a… Ela perdeu a memória, o Alzheimer que a pegou, mas foi muito pouco tempo que ela teve. Foi uma pessoa muito ativa, cantava, vivia. Então, a gente criou… A música veio para mim, também, dessa maneira, a coisa já de infância, cantando com eles desde pequeno. O coral são quatro vozes: soprano, contralto, tenor e baixo. Soprano são notas agudas; uma contralto já é aquela pessoa que tem aquela voz mais grave, como Ana Carolina, nos dias de hoje, vamos falar desse jeito, ela é uma grande contralto; aí vem outro tenor e o baixo, que hoje eu sou um baixo, mas eu passei por todas essas vozes. Então, eu cantava primeiro com as minhas tias, ali, porque eu alcançava os agudos, depois a voz foi mudando. Eu fiz toda essa questão musical. Por isso, hoje talvez até a razão de estar entregue também na música, seja por conta da família, isso tudo vem dessa questão religiosa.
P/2 - O Maurício ia te perguntar uma coisa, mas antes, qual é a sensação de ser coroinha? Como é?
R - Eu bebi muito vinho do padre, é o vinho mais gostoso que tem na face da Terra.
P/2 - Conta como foi a primeira vez que o senhor tomou vinho?
R - Não, ser coroinha, para nós na infância, era aquela coisa, também, trazia uma responsabilidade, um respeito muito grande, porque quer queira, ou quer não, a gente estava ali auxiliando o padre em tudo. Eu fui aquele Coroinha da época em que o Padre ia na casa de uma família dar extrema unção, o cara está já desenganado, ele ia lá, dava uma benção. Eu cansei de fazer isso, de ir...
P/2 - Ia junto?
R - Ia junto, com ele, carregava as coisas. Lá ele fazia as orações, pedia o coiso para benzer a pessoa, eu estava ali como auxiliar, levantava cedo, ia lá para essas coisas, casamentos, a gente sempre estava ligado nessa vida de auxílio, de coisa, dentro do catolicismo.
P/2 - Como foi que você bebeu o vinho?
R - A primeira vez que eu tomei foi muito bom, porque a gente tinha que colocar. Se coloca a água, e o vinho - sempre um pouco - que na consagração, é o corpo e o sangue de Cristo, e tal. E nessa consagração, ele vai lá e depois toma um pouco desse vinho que é misturado um pouco de vinho, água. Ali, ele pega a hóstia, que é o corpo de Cristo, mas eu já... Quando eu senti, pela primeira vez, fui dar uma provadinha, eu vi que era bom e meus companheiros também, a turminha lá toda, aí a coisa era um pouquinho para ele e uma latinha para nós. Ele era português, Padre Domingos, ele chegava lá: “Pelezinho, eu estou sentindo que está sumindo vinho daí dessa garrafa”. Porque ela é fabricada pela cor, ela não tem uma vendagem aqui na rua, mas é uma delícia, você pegar um suco de... nunca tomei coisa igual.
P/2 - Mas você pegava onde o vinho?
R - Não, porque eles trazem para toda igreja, até hoje tem uma boa garrafa desse vinho, para toda a celebração.
P/2 - E você pega o vinho onde, lá no altar, ou?
R - Não, na sacristia, que nós já preparávamos para as missas, então a gente já ia um pouco alegrinho para auxiliá-lo. Essas coisas eu lembro muito bem. Até eu tenho um amigo hoje, que quando a gente se encontra, nós rimos, porque nós bebemos muito, falamos: “lembra do Padre?”, “lembro, coitado, a gente tomava o vinho dele”, era muito engraçado, coisas de infância, mas aquilo também era já direcionando um ritmo de vida para você, como é hoje em qualquer religião, buscar um direcionamento, acho que tinha esse propósito, também.
P/1 - Você estava falando desse negócio da sua família sempre estar envolvida com música, você se lembra de alguma situação especial, durante a sua infância, da família se reunir para cantar?
R - Sim, bastante, era muito normal. Eu tenho uma prima que é neta desse meu tio, irmão da minha mãe. Hoje, ela está até com a gente, é a nossa masterchef na questão da comida. O Júlio tem um projeto chamado Cozinhando Música, e ela que faz o menu, enquanto o pessoal está curtindo uma música. Até tivemos um último que foi muito legal, foi uma homenagem a Tim Maia, e enquanto isso, ela faz um gourmet para o pessoal provar, e é muito bom, mas essa menina, porque eu vejo que hoje ela tem essa mão? Por conta da casa do meu tio, porque esse meu tio Maninho, na casa dele, passou muita gente, quando eu falo muita gente é Elizeth Cardoso, é Demônios da Garoa... Ele tinha um piano em casa, e ele era Militar, da força pública, era policial, hoje é Rota, Tobias Aguiar, mas na época era Força Pública que falava. E nas horas vagas, ele tinha essa turma do chorinho, mas eram uns caras muito bons, mesmo, e na casa dele, veio muita gente. Então, a casa dele em cima tinha a parte que tinha o piano, depois você descia umas escadas, tinha um espaço um pouco menor que era esse estúdio aqui, e a cozinha... Foi reformado, mas está mais ou menos desse jeito ainda. Esses caras desciam e faziam um chorinho a noite inteira, e minha tia ia para a cozinha para fazer o que eles chamavam, a tal "canja dos bêbados", que aqueles caras tomavam aquela cerveja a noite inteira, e de madrugada, antes de ir embora, tinha aquela canja gostosa, com galinha, com aquela coisa, e era uma tradição. Então, a gente cresceu vendo muito isso, curtindo muito isso.
P/2 - Qual nome dele?
R - Maninho, era José Narciso. Ele era da parte da minha mãe, da minha avó, Silvina Narciso, se chamava José Narciso. Ele teve um trabalho muito bonito na música, acabou no anonimato, assim, mas na época falasse Maninho na região, muita gente chegava assim, chegava lá: “Sabe quem veio aí? Ela fulano, sicrano, beltrano”, uns chorinhos muito bons que aconteciam lá.
P/1 - Você se lembra quando você começou, na idade escolar, a frequentar escola?
R - Sim, apesar de a gente vir de uma família humilde, meus pais se preocuparam com essa questão. Todos nós, se não somos o que deveríamos ser, não foi culpa deles, eles sempre nos deram esse apoio. A parte que eu me lembro bem foi que minha iniciação foi em uma escola do SESI. Aqui onde é o Shopping Penha, era uma grande indústria chamada Conexão de Ferro Foz, ela fabricava canos, cotovelos, coisas para hidro, hoje é tudo plástico, mas antigamente era tudo de ferro. Nessa fábrica, era uma grande fundição que fazia, fundia essas peças, então, era enorme essa fábrica. Não sei se vocês conhecem o Shopping, era essa Fábrica, todo esse espaço era A Conexão de Ferro Foz, ela mantinha... hoje eu vejo o Skaf falando, mas eu sou bem antes dele, ela mantinha uma escola do SESI, era uma escolinha pequena que a Indústria que bancava tudo, eu não precisava comprar uniforme, material didático, nada, era tudo do SESI, ainda a gente tinha uns passeios muito legais, e era mantido pela Foz, então ali eu fiz a admissão.
P/2 - Você é da época da admissão?
R - Sou da época da Admissão.
P/2 - E quanto durou esse curso no SESI?
R - No SESI eu fiquei até ir para o ginásio.
P/2 - Mas você ficou... O começo da sua escola foi lá?
R - Foi lá. Com a admissão, eu passo para o ginásio, vou para o colégio Aprígio Gonzaga, que hoje é uma escola técnica, que está ali na Dr Lourenço Vidigal, próximo ao metrô, mas na época em que eu fui estudar lá, era uma escola como o Senai, o Simonsen lá do Brás, era uma escola só de... e tinha alguns maquinários para aula de, como é mesmo? Não sei o que de aptidões, para você aprender uma profissão, seja eletrônica, ou seja...
P/2 - Eu estou cortando você... Que idade você tinha quando estudou nessa escola? Era pequeno?
R - Eu era pequeno.
P/2 - E você fazia o que, assim, o que você aprendia nessa escola que era na fábrica?
R - Era um ensino enérgico, vamos dizer, você chegava, tinha que hastear a bandeira, cantar o hino todo dia. Quem terminasse à tarde, tinha o hasteamento, e depois, na aula da tarde, quem estudava no período da tarde, - que eu também estudei - tinha que tirar. Então, começava com esse hino à bandeira. Eu me lembro da nossa carteira que era em dupla, tinha que levar capa para a carteira, capa de pano, com seu nome. Cada semana… vamos supor que eu sentava com o parceiro, cada semana era um que trazia aquela coisa, e era muito enérgico, daquela coisa de castigo, mesmo. Eu lembro que uma vez eu peguei a régua de uma professora lá, e falei assim: “Sua régua não vai bater mais em mim, não”, e eu quebrei ela no meio. Era uma régua grande, ela veio me bater, eu falei, "hoje chega", aquele dia eu pensei que eu ia apanhar muito, mas chamou o meu pai lá, e naquele dia ele também foi a meu favor, então ficou mais fácil, mas era dessa regra assim: se você não fizer, você vai ficar de pé, era assim com todo mundo, não foi só comigo. Então, tinha pessoas que, muitas vezes, saíam do limite. Eu tive umas professoras, e tenho guardada a fisionomia, nome, tudo, professora Carmen, Judite… Tenho todos os nomes dessas pessoas, uma até foi minha vizinha.
P/2 - Mas conta, como foi?
R - Ela não estava concordando com algo que eu tinha feito de lição, então ela pegava a sua mão, que nem palmatória, pegava aquela régua e dava, só que... Nesse dia eu falei chega, dei um basta, e essa régua também sumiu da escola porque ela teve que responder por isso, mas eu lembro que eu quebrei essa régua dela, esses pontos que... E mesmo assim, saí agradecido a ela, também. Eram umas coisas doidas, ela não deixou de dar aula para mim, foi um momento da situação, e hoje eu vejo isso até com… Perante o que eu vejo hoje, com orgulho, por ter feito parte de certos tipos de coisa, ir para a fila de um exército para jurar um... sair livre, ser livre, mas você ter que jurar a bandeira, ir para um Pacaembu lotado, hoje não tem isso. Eu digo porque eu tenho um enteado, ele não jurou a bandeira, coi em um local onde se alistou, pegou o documento e falou: “O que que é isso?”, é uma situação muito... Então, essa referência, a gente teve do passado.
P/2 - Mas você foi corajoso, pegou e...
R - É, impulso, são coisas de impulso da... não que eu também seria aquele cara… também fui levado, mas tinha... Eu acho que o que me lembra da escola é muito disso, dessa questão deles serem muito radicais, muito enérgicos: “você tem que fazer, trazer para mim amanhã isso aqui", "você não fez, então você vai fazer”, chegava em casa, minha mãe também ia olhar: “apaga isso aí, tá feia essa letra, essa caligrafia”, então, eu tive esse processo, me lembro bem desse processo de escola. Essa fase da ida para o ginásio foi muito legal, também, mas comecei a trabalhar cedo, com 14 anos eu tive a minha primeira carteira de trabalho, eu também tenho aquela carteira do menor, sou de 61, mas olha, vou te contar...
P/2 - Qual foi o primeiro trabalho?
R - Foi aqui no Moderno, depois fui ser office boy, numa empresa que o meu irmão do meio trabalhava próximo e me ajudou. Hoje seria o serviço de um motoboy.
P/2 - Você tem alguma história de office boy?
R - Marcante... eu posso dizer, era trocar dólar para um patrão meu, muitas vezes que ele precisava viajar. Eu trabalhei na Vicunha, também, então ele me dava aquela maleta e eu ia ali próximo à Sete de abril, atrás da biblioteca, tem aquela praça, - não é a Mário de Andrade, é Basílio não sei o que - ali atrás, está entre a República, e aqueles prédios antigos, eram todos sinistros. E pegava, subia, porque seria uma casa de câmbio, subia ali para trocar dólar, trocar o nosso dinheiro por dólar para ele viajar, e era daquelas maletas 007...
P/2 - Cheia de dinheiro...
R - É... passava lá, chegava, passava a mala para o cara, o cara passava, eu pegava, chegava na Vicunha morrendo de medo, e entregava. Como office boy, a gente andava bastante, porque tinha que fazer o banco... tudo o que o cara faz hoje, mas a pé, não tinha esse negócio. Então a gente pegava diversos serviços e saía, pegar um ônibus, um metrô, nem pensar, não tinha, não tinha a acessibilidade que tem hoje, mas também aprendi muito a andar na cidade, a lidar com guia para poder ir na rua tal, tem esse negócio saudosista. Fui office boy, trabalhei para três empresas, depois volto, venho trabalhar em uma escola de música, o Bela Bartok, um conservatório musical onde meu irmão teve a passada dele, e quando eu também já me entreguei diretamente para a música, conheci pessoas de dentro do meio da música e comecei a pôr isso em prática, trabalhando com a música popular.
P/1 - E nessa época que você começou a trabalhar, 14 anos, você falou, o que você fazia para se divertir?
R - A diversão? Ah, tinha muitos parques, bailes, aqueles parquinhos de diversão, mesmo, de quermesse, dessas coisas, Demis Russo tocando lá, e a gente... tinha muito baile, principalmente na zona leste, a Toco saiu daqui. Vários bailes de clubes, tinha muita festa em casa de família, tudo era motivo para um baile. Na juventude, eu me diverti muito, muito mesmo, até ser freado: “aqui você não vai”, porque antigamente tinha muito isso. Hoje, um pai fala para um filho, tem que conversar com ele, porque dependendo da situação, ele não aceita. Agora, na minha época, falava: “você não vai, não vai, não importa”, “não, mas eu tenho 15 anos...”, “Não, eu estou falando que você não vai.”, “Mas o meu irmão vai...” “Ele vai, mas você não vai.”, então a gente respeitava essa questão, com muita raiva, mas respeitava.
P/2 - Mas qual era a regra, que um podia ir e o outro não? Era a idade?
R - A idade, tudo mais, muitas vezes pegava, cismava, falava que eu não… Tinha muito cinema, eu fui aquele que também rasurou a idade para ficar mais velho para poder entrar no cinema. Então, aí estão as minhas proezas, para entrar... aqui em baixo hoje é uma loja Torra Torra muito grande, mas ali era o maior cinema que a gente teve.
P/2 - Qual o nome?
R - Cine Penharama. Era enorme, passou grandes filmes, às vezes tinha show ao vivo desses programas, Barros Alencar, esses caras aí vinham fazer programa ao vivo de televisão, com calouro, porque era um cinema grande. O segundo, é hoje uma loja Besni, era o Júpiter, e onde é o cartório da Penha era o Cine São Geraldo, quer dizer, a gente teve muita coisa aqui em volta da gente, assim, que não... A Penha, da periferia, era o centro da cidade, ou seja, vamos supor, quem mora mais atrás, São Miguel, outros bairros afastados, eles vinham para a Penha, porque para ir para a cidade... Hoje não, o cara pega... Minha sogra mora em Poá, meus sobrinhos hoje saem de lá e vão para a Vila Madalena, sossegados, você ainda fala: “passou lá, e nem passou lá em casa”, mas não foi sempre essa facilidade. Então, o pessoal vinha para cá, já era um bairro um pouco mais evoluído por conta dessas coisas e se radicava aqui, comprava, tinha um comércio forte, hoje não, São Miguel não precisa da Penha, é um comércio enorme, uma coisa grande, também não precisa ir lá na cidade, tem muita coisa para ele, só não tem ainda... Pode melhorar ainda a questão de cultura, questão social, que a gente ainda tem nesse espaço que a gente está, aqui, Teatro Martins Pena, lá em baixo. Eu vi grandes nomes da música popular passarem por aí em projetos que hoje também a Prefeitura não tem mais. Festivais que os artistas tinham que passar por vários teatros, então, teatros da prefeitura, Martins Pena, Artur Azevedo, João Caetano, todos esses teatros. Então, o cara estava aqui, ia para o Artur Azevedo ali na Mooca, o que estava lá vinha para cá, e o que estava aqui ia para lá. "Vamos pôr isso em nome", uma Clementina de Jesus, junto com Nelson Cavaquinho, ele saía daqui e ia para lá, vinha um Almir Sater, vinha um show mais sofisticado de um Caetano, tudo isso de graça. Então, a Penha, essa época que eu posso falar para ti, é 70 para 80, 75, 77, teve muito projeto bom, ali, uns caras bons, mesmo, Arrigo Barnabé, toda essa turma. Sem contar alguns que já eram aqui da região, que já eram da Hermeto Pascoal. Ficou um tempo aqui em São Miguel, aquela menina que canta sertanejo e ela fala disso, também, às vezes nas entrevistas dela, que ele a ajudou muito morando aí para trás.
P/2 - Ele é daqui, o Hermeto?
R - Não, mas ele ficou. Aqui tinha também o - a filha dele teve até homenagem aqui - Itamar Assunção.
P/2 - Você disse dos bailes, mas você ia aos bailes?
R - Ia.
P/2 - Que tipo de música? Baile do que?
R - Para o lado familiar, também teve aquela coisa do baile nostalgia, do baile black, tive essa convivência, então, esse era o baile de família, que até hoje, às vezes ainda acontece uma festa nessa evolução, com samba rock. Cada prima minha que casava, era uma noite inteira de festa, ela ia para a lua de mel e o povo ficava lá na casa dela.
P/2 - E a maioria era samba rock.
R - É, samba rock, era muita coisa dessas...
P/2 - Black.
R - Mas, eu também mediante à minha geração, esse irmão do meio curtiu mais isso que eu estou falando. Agora, eu como era o caçula, também tive uma galera da minha faixa de idade que já era desses bailes, também, dos clubes, ou seja, baile da Toco, baile do Rui Barbosa, e as músicas eram tradicionais, do tipo, vamos pôr… como o clube. Eu peguei toda aquela época do embalo do sábado à noite, todas aquelas coisas, aqui tinha até campeonato. Eu nunca fui bom de dança, mas assisti muito amigo dançar, aqueles campeonatos, pegava a parceira e dançava igual, nossa, foi uma febre isso. Então, essa época que elevou também a Toco. Hoje, a Toco veio dar um baile há pouco tempo naquela casa lá no parque da Água Branca, que é uma casa sertaneja... do lado daquela casa sertaneja, como é o nome? Tem um nome o espaço lá.
P/1 - Villa Country.
R - É, ao lado da Villa Country. Então, eles fizeram um baile recente, para pegar as pessoas - todos que foram para esse baile são dos 40 para cima - para matar a saudade disso. Olha, ferveu. Eu tenho as imagens, e ferveu. Então, tinha muito disso, e carnaval de salão, matinê, aquela coisa, a gente pegava os clubes... Quer ver uma coisa, que eu gostava de fazer? Bailes de formatura. Eu ia a baile de formatura que não tinha ninguém lá… eu, uma turma, não conhecíamos ninguém. "Ah, mas, vai ser um baile de formatura estadual, e que banda que vai tocar?", "é o Super Som T.A.", "então, vamos comprar o ingresso e vamos", "onde vai ser?", Círculo militar, Clube Espéria, Pinheiros... entendeu? E acabava, "vamos ver o sol nascer", "onde?", "vamos para o aeroporto Congonhas". Foram umas coisas muito boas, eu tive esses dois lados. Viajei bastante para acampamentos, onde pegávamos essas temporadas de final de semana e feriados prolongados, e acampava em praias, levava violão, ficava lá.
P/2 - E de acampamento, você teve alguma história engraçada?
R - Não, eu era o cantor da turma e brincávamos muito, tinha uma turma que curtia várias noites, fazíamos luau. Não conhecíamos ninguém, de repente, acabava todo mundo amigo, isso que marcava muito. Às vezes, acabava um alimento na sua barraca, e a gente falava "ah, vamos cantar ali, e vamos fazer…", e aparecia uma cervejinha, aparecia um, “ah, amanhã vamos fazer um almoço todos juntos”, então, quer dizer, a gente viveu esses sufocos também de acampamento. Eu lembro uma vez que fomos acampar, e estávamos em Cananéia, era um carnaval, e acabou que para ir lá, você tem que atravessar uma balsa para entrar na cidade, e choveu demais, um temporal, o mar teve ressaca, jogou a balsa longe e tivemos que ficar duas semanas até arrumar as balsas para sairmos de lá. E a família? Alimentação? Então, tinha essas aventuras.
P/2 - E vocês tocavam.
R - Hoje, a maioria desses meus amigos estão todos bem graças a Deus. Alguns são professores, estão na área, eu tenho contato com alguns ainda.
P/1 - Como foi esse seu trabalho, no conservatório, foi em que idade, mais ou menos, e como que foi?
R - No meu trabalho no conservatório, eu já estava com 16 anos, 15 a 16 anos. Um dos donos voltou a morar no condomínio aqui ao lado, professor José Machado. Essa escola foi de onde meu irmão saiu para música e para onde eu também tive uma direção, porque eu fui trabalhar no lado administrativo, fazer inscrição de aluno que iria estudar, "o que você vai estudar?", "piano", "violão", e eu fazia a matrícula na máquina de escrever, e matriculava esse aluno, montava a sala de aula… Vamos supor que iria ter aula agora, eu já deixava tudo preparado. Eu era um secretário de tudo, "está faltando material, leva para tal professora", era aquela coisa, abria e fechava essa escola. Foi quando, na oportunidade, meu irmão também dava aula lá, mantinha um coral de alunos da escola, e eu cantava nesse coral também, tinha umas atividades lá. E montamos o primeiro grupo que eu montei, que chamava-se Grupo Estilos, a gente montou com os alunos e começamos a participar de festivais universitários.
P/2 - Como era composto o grupo? Instrumentos...
R - Instrumentos, violão, viola de 12. Era um grupo muito trabalhado na questão da voz. Nessa época tinha muito do mp4, boca livre, de grupos que usavam bastante a técnica de voz, então, não precisava tanta coisa. Então, muitas vezes com um grupo vocal legal, você poderia montar um negócio com cordas e ficava bacana, mas, era um grupo, que claro, tinha um percussionista que ali, fazia todos os efeitos. Tinha tudo lá para se fazer, mas, era muito usado o violão, viola... E a gente participou de festival, às vezes se inscrevia. Na nossa época, não tinha um universitário, mas, se inscrevia quem estava fazendo a faculdade e colocava a música em nome dele "olha, abriu um, vai ter um festival lá", "ah, vai?", "quem está lá é fulano, então, inscreve essa música lá". Então, era assim, tinha os compositores do grupo, tínhamos um amigo, o Edson e ele era muito bom para composição. E nós íamos para o interior, para as cidades, Botucatu, Paraná, Londrina, íamos para longe. Ganhamos bastante festival também.
P/2 - Chegou a ganhar?
R - Ganhamos bastante festival. Tinha um cara, esse Edson, hoje ele é um contador, mas até hoje ele compõe para... Tem muita composição o Edson Lopes. Então, a gente pegava o arranjo… Tem um cara da nossa turma, que é o Dráuzio, hoje ele mora em Curitiba, se tornou maestro de música popular. Casou com uma musicista. Ele também era bom nos arranjos e nós fazíamos a diferença por causa dessa coisa vocal, a gente seguia muito a linha do mp4.
P/2 - Você cantava no grupo?
R - Cantava, cantava.
P/2 - Você se lembra de alguma música?
R - Olha, tem uma música que a gente, ganhou muito festival, que se chama João Ninguém. Era uma música, que na época ainda estávamos respirando um pouco essa questão de ditadura, que não podia cantar muita coisa, ainda estava no finzinho, ainda estava saindo daquilo, mas foi bem… Esse João pegou muito porque tinha ainda o João Figueiredo que foi o último, então, ela dizia que o João Ninguém é aquele que pegava o trem e ia trabalhar, e tinha aquele sofrimento do dia a dia...
P/2 - Você canta ainda essa música?
R - Eu não me lembro da letra toda. “Mão direita sobre o rosto, vai... acatando essa fumaça”, que era a fumaça do trem, que o trem, tinha esse vai. Esse vai tinha o vocal "vai", “sufocado em vagão de trem, lá se vai João, lá se vai João Ninguém. Pegue a ferramenta, cumpre a sua sina, de sufocar as mágoas, de fazer promessas à virgem Maria. Com a roupa domingueira, paga à prestação”, tinha umas coisas assim, “de investir no ódio que apura na vida, de sufocar a mágoa em seu coração, de se fartar de sonhos, belas ilusões” um negócio assim, "lá se vai João, lá se vai João, lá se vai João, lá se vai João, lá se vai” olha o trechinho: "lá se vai João ninguém, sobre outro João que se julga alguém” os caras… Pronto, já levava, aquela coisa. Então, tinha os outros grupos, e nós só ficávamos esperando e tal, o primeiro lugar… e levava. A gente ganhou muito festival com essa música. E era tudo festival universitário, fiquei muito em república de médico em Londrina. Tinha um bangalô, aquelas repúblicas de madeira, aquelas casas de madeira, a gente tinha muita amizade com esses negócios, mas saiu tudo do conservatório. Até que eu venho e formo um grupo de samba, por isso que depois, eu preciso trazer esse material.
P/2 - (inint) [01:12:47]
R - Nessa escola, desse conservatório, nessa mesma rua, um cara chega à Penha. Ele trabalhava em uma empresa que era Philco e sai dessa empresa, depois ela até fechou. Era aqui, onde é o Itaú Tech hoje, tudo ali era Philco, firma de Philco, ou Philips. Ele saiu de lá, investiu um dinheiro enorme que ele tinha do tempo que trabalhou e montou esse bar, que se chamava Porão. Esse bar era um porão mesmo, ele escavou todo o fundo da casa de um cunhado dele, na Capital Avelino Carneiro. A gente se reunia final de semana, tipo das quartas para o final de semana. Tinha uma escola aqui, tem ainda, que é o Colégio estadual da Penha, que é um dos primeiros a serem tombados na Penha. Ele é tombado pelo patrimônio, é ele, o colégio Santos Dumont, e a Igreja do Rosário. Agora tiveram mais dois que ganharam patrimônio, como patrimônio novo. Agora caiu esse negócio, então, a Basílica agora está tombada, mas eram esses três espaços, e tinha um grande teatro. Ainda mantêm, mas não sei o que eles fazem. Era uma escola muito requisitada, tipo um Caetano de Campos aqui do bairro. Então, ali para entrar, tinha que fazer um Vestibulinho para poder estudar lá.
P/2 - Mas, vocês fizeram...
R - Não, eu encontrava amigos lá, a gente se reunia em uma lanchonete que tinha próximo. O que acontecia? Em finais de semana muitos cabulavam aula para gente ficar tocando nesse barzinho, fechava o conservatório, a gente ia para lá.
P/2 - Para o Porão?
R - Não, para esse bar… Então, esse rapaz ouvindo, chega lá e fala que vai fazer um bar nessa rua. A Penha sempre teve todas essas coisas, mas ela sempre foi muito dormitório, essa coisa da noite ainda não estava lá, começou a pegar depois. Então, ele arma esse bar lá. Na hora a gente desconfiou, não acreditamos, ele falou “vou tomar um café aqui, nem vou tomar nada com vocês”, pegou três da gente e levou lá para ver, nossa, quando ele chegou e abriu que a gente entrou ali, e viu, já se encantou com o negócio, "você está de brincadeira", e "eu vou sempre lá e fico prestando atenção, ouvindo vocês". Ele estava começando e nos jogou nesse sonho dele, e pronto, nós fomos junto com ele para essas aventuras, e formamos, porque uma andorinha só não faz verão. Eu conhecia um rapaz lá da própria escola, que poderia assumir isso comigo que é o Nilo, ele fazia violão, era um grande músico, hoje também, e falei “rapaz, temos que fazer alguma coisa para segurar isso”, e começamos a tocar eu tocava violão, só para apoio, e fazíamos o repertório da noite, como Milton Nascimento, naquela época tinha que cantar um pouco de tudo, então, fazíamos um repertório misturado com Vinicius de Moraes, Milton Nascimento, Djavan. No samba, entrava como Beth Carvalho, às vezes o pessoal do bar todo participava, cantava e esse bar foi crescendo e nós também fomos melhorando esse grupo. Esse grupo depois, se tornou o "Samba lá de casa". Um dia, a gente foi participar de um festival em Minas, em Itajubá. Estava de um jeito, que nós nos sentimos na época traídos, porque chegou alguém do mesmo meio e se ofereceu para tocar mais barato, prestar um serviço mais barato e o cara, na época, ficou meio balançado e a gente também estava em um pé, já começamos a sair, a receber convites. Lembro-me que fomos para uma casa de um cara que foi da velha guarda, tal de Sid Carlos, pegou uma casa e colocou o nome até de uma das músicas do Roberto Carlos. E essa casa… a gente veio perceber que tinha um pessoal nos acompanhando, foi nessa casa. Os caras foram, nos acompanharam, dali recebemos um convite para tocar em uma choperia na Alameda Santos, dali é um pulo, fomos para lá, de lá um cara que era jogador do Santos, o Itamar, tinha um bar na rua Santo Antônio na Bela Vista, nos convida para ir tocar em seu bar. Tudo isso… eu estou fazendo um mapa. Eis que um dia, em uma quinta-feira, entra um baixinho, meio barbudinho, Patrício negro, pediu uma São Francisco, bolsa aqui atravessada, e o Itamar foi lá e falou para mim “olha, depois quando forem para o intervalo, chega ali que aquele rapaz quer conversar com vocês, você sabe quem é ele?”, “ não, não faço nem ideia” “esse rapaz é o Moisés da Rocha”. Moisés da Rocha na época tinha O samba pede passagem na USP, até agora anda comemorando 40 anos de programação, grande radialista do samba e ele foi com nossa cara. E até aí, já tínhamos um nome "Samba lá de Casa", a gente ensaiava na minha casa e na casa dessa família. E esse Nilo pegou os irmãos dele também, trouxe o Nelson, o Nestor, e alguns amigos, trouxe a família dele para compor a coisa desse grupo. E então, começamos a fazer esse trabalho com a carreira já meio que... a coisa começou a mudar. Ele falou "vocês tem uma música de trabalho?", "não", só que a gente cantava essas músicas populares da noite, e cantava sambas de outras pessoas. “Vocês poderiam fazer alguma coisa para eu fazer, pelo menos uma fita para jogar no meu programa, e anunciar que vocês estão no bar do Itamar” e então a gente compôs uma música - que inclusive dia 29, se der tudo certo, nós vamos ter o projeto de um show, que vai se chamar o Rei Sambou no qual o homenageado sou eu, e vou colocar essa música, que é uma música que marcou nosso início. Nós compomos essa música, ali mesmo naquele momento, em uma noite em São Paulo, igual a mais outra de chuva, e escrevemos ali, trocamos ideias, e ele já fez uma outra música também. Essa que estou falando é "Chorando triste". E a outra é "Eu, ela e o jogo de bicho", é de um cara que a mulher fala que "você vai jogar no bicho…" e brigava com ele, e ele também... Só que então ele ganha no bicho e ela gostou da ideia...
P/2 - Carlos, você começou a trabalhar só com música na época?
R - Sim.
P/2 - Você se lembra de alguma apresentação de vocês, em algum momento que foi importante?
R - Vários. Nós tivemos vários momentos importantes, principalmente com esse grupo, porque, nós sendo apadrinhados por uma pessoa como Moisés da Rocha, ele acabou nos levando para um meio onde éramos até prematuros. Opa, será que saiu alguma coisa aqui. Interrompi alguma coisa?
P/1 - Não, não. Pode seguir...
R - Pode?
P/2 - Apadrinhar… Você estava falando...
R - Então, a gente teve um belo apadrinhamento do Moisés da Rocha, que nos leva a nossa… nossa região aqui é da vila Matilde, seu Nenê que eu tive um prazer enorme de conhecer e conviver, esse mesmo conjunto, depois voltamos para fazer alguns trabalhos até narrando histórias da vida do Seu Nenê, que foram os sambas campeões que ele teve, alguns compositores. Então, a gente teve essas oportunidades, por exemplo, ele foi contemplado, não me lembro, não era 50 anos, mas era uma homenagem dentro da vida dele, dentro do sindicato dos jornalistas, na época ali na Bento Freitas, ou Rêgo Freitas, não me lembro, mas era por ali. E ele pega o nosso grupo para acompanhar os sambas campeões, os compositores que ele tinha na época, que era um Paulistinha, o cara que mais samba ganhou dentro da Nenê da Vila Matilde. Um cara que infelizmente acabou assim, no anonimato, em uma situação triste por quem ele foi, até teve uma amputação nas pernas, por conta de alcoolismo, entre outras coisas, mas foi uma das pessoas principais da história da Nenê…
P/2 - (inint) [01:25:36] o Nenê que levou vocês?
R - Não, não, não. Nossa história acaba trazendo, por conta da gente participar de shows, coisas assim, trazendo-nos de volta. Em vez de ser lançado aqui, foi o oposto, a gente sai da zona leste para ser lançado praticamente no camisa verde e branco. Eu digo isso porque o Moisés nos pegou e levou para aquela… Então, a gente tocava no Itapoã, que era o bar na rua Santo Antônio, Itapoã Bar, ficava do lado de duas cantinas. Quase debaixo do viaduto, ele está lá até hoje. Tinha um estacionamento. Era uma época em que aquela região era maravilhosa, quem gosta da noite... Quando você saía, tinha uma opção de tudo, "ah, eu quero ouvir samba", então, entra aqui; "ah, eu quero ouvir um Itamar Assunção", então vai lá na Boca da noite; "ah, eu quero curtir um rock", então entra aqui na Treze de maio. Tinha uma casa também tem muitos anos, ela está lá até hoje, Café Piu Piu, de frente ao Café Piu Piu, tinha uma grande casa de rock, metal pesado mesmo. Na esquina do Belas Pizzas que está ali entre... mapeando lá. Da Belas Pizzas ali entre a Santo Antônio e a 13 de maio, tinha o Porquê hoje é sábado, e alguns botecos que tem lá até hoje. Um fazia uma fogazza maravilhosa e tinha uma cachacinha com mel e limão que todos iam lá para comer aquela fogazza e tomar aquela cachaça daquele italiano. E é um bar que ele não, ele era muita bagunça, cheio de máquina de costura de tudo que é trambolho que vocês podem imaginar, ele jogava ali, era um depósito. E no meio daquelas coisas, ele mantinha o bar dele. Olha que loucura, aquela coisa bem Adoniran Barbosa mesmo. Sem falar que tocamos em um bar quase em frente ao teatro chamado Adoniran, ali na Rui Barbosa, quase em frente o teatro. Então, ficávamos revezando de bar em bar. E nos finais de semana, o Moisés nos levou para nossa referência que era o samba, então, ele nos leva para Camisa verde e branco. E por sua vez, nessa época, o Camisa verde e branco estava lançando um monte de gente, Reinaldo, que hoje é o príncipe do pagode, alguns caras de nome estavam sendo lançado nessa época. Então, ali forma a Rua do samba, tudo ali na Barra Funda. Forma a Rua do samba, na qual a madrinha era dona Ivone Lara, a qual a gente teve o prazer de acompanhar aquela mulher. Eu tenho uma falta desse palco, depois a gente junta essas coisas que eu posso pôr como importantes. E ali eu comecei a conhecer vários artistas que vinham ali, porque, a gente tocava na Rua do samba, e depois, de segunda e sexta, no São Paulo Chique. Era um salão, já era um salão fechado da sociedade negra, e os caras saíam na segunda-feira do trabalho, iam para lá e rolava um samba até 1 da manhã, ou meia noite, de segunda e sexta. Eu digo assim, sociedade negra, mas vai todo mundo. E aqui não pegou, e lá a gente teve o privilégio de tocar com grandes caras, seu Zézinho, seu Talismã, esse Talismã foi o maior compositor da camisa Verde e branco, esse Talismã tinha música para Beth Carvalho, compôs para muita gente. Então, sem querer querendo, caímos nesse universo. Então, o Moisés fazia um programa ao vivo todo primeiro sábado do mês. Uma vez por mês ele fazia um programa na USP, no anfiteatro da USP onde trazia os dez melhores do programa dele mensal, do Samba pede passagem. Então, quem está em primeiro? Ah, o Bezerra da Silva, fulano, sicrano, beltrano, e alguns conjuntos que eram revelação que estavam se despontando aqui em São Paulo. A gente participava desse... Depois, muita gente pegava essa ideia do Moisés, principalmente na Rádio Transcontinental, essas rádios faziam um chamado conexão, vocês ouviram falar muito disso, porque tinha aqueles shows grandes que falavam: "Hoje é conexão da Transcontinental, vai ser em tal lugar", e fechava aquilo, multidão. Mas, o Moisés era um cara que, essa ideia praticamente começou dele. Então, eu acho que foram incontáveis as oportunidades. Tocamos com o Fundo de Quintal. Fundo de Quintal estava estourando, ele vem aqui no Nenê da Vila Matilde, pela primeira vez, trazido por uma ala, que era a ala mais bonita que a Nenê tinha, que era a LM, chamado de Loucos e Malucos, mas era ala mais cara e mais bonita que tinha na Nenê na época. E essa ala promoveu - porque são as alas que promovem - festas de chopp, de tudo, para arrecadar dinheiro na época para o carnaval. O carnaval está muito mudado hoje, tem uma verba que vem de cima da prefeitura, e tudo para fazer as coisas. Hoje, o pessoal tem uns barracões perto do sambódromo, mas nessa época, a coisa era muito artesanal, era muito em casa, era na casa da dona fulana, "ah, as roupas da baiana estão sendo feitas lá", "a sua fantasia falta isso", tudo nas casas das comunidades. Tanto que esses carros alegóricos... pensa em você ir para desfilar na cidade e ter que empurrar um carro alegórico daqui, pensa, até a cidade. Então, a Nenê, a periferia ela... têm outras escolas que tinham estratégias melhores, por estarem em regiões melhores, próximas. Então, o carnaval começa para mim... eu, na minha fase, peguei o finzinho, bem o final mesmo da avenida São João, mas peguei muito o carnaval da avenida Tiradentes, antes e depois de parar para construírem o sambódromo. E então, a gente explode. Essa música de trabalho que o Moisés pediu para gente fazer para nos anunciar, acabou explodindo no seu programa, o qual nos profissionalizou, onde fomos procurados por uma gravadora, que na época era som livre, a NGE, e os caras gravaram o nosso primeiro trabalho que foi um compacto. Foi um pacto, duas músicas em um vinil, com um elenco muito forte, na época. O backing vocal, era a Silvinha, mulher do Eduardo Araújo; a mulher do Jessé... está tudo lá vou trazer esse material para você ver.
P/2 - Você lembra ainda, para cantar para gente, aqui?
R - Essa música de carreira "Chorando triste", falava um pouco do que estávamos vivendo, e até do nosso afastamento da zona leste, “quem chora triste de saudade, pelas ruas da cidade, procurando uma emoção. Saudade é coisa da vida, que invade e não pede perdão. Sabe que a vida é um segredo, mista de coragem e medo, realidade e ilusão. Quando o samba canção do Cartola, que invade não pede perdão. É bom sair, se divertir, ir para as rodas de samba, curtir um pagode de bamba, com exaltação, meu coração, não podia existir, uma lembrança vulgar, mas se for ir para vila...” E tinha um que grita” Vila Matilde”, “me lamentar, tem gente da antiga para me amenizar” - que é a velha guarda da Nenê, “se eu for para vila, me lamentar, tem gente da antiga para me amenizar” - e tinha um coralzinho "lalaia lalaia lalaia" e isso, eram essas meninas nobres que faziam para nós, esse backing vocal. Então, foi uma fase na minha vida de ouro, mas tudo vem nessa maravilha que, depois também vira... Por quê? Porque depois, a gente começa a ficar de uma forma… O sucesso, para trabalhar com ele, é complicado. Hoje, tem uma assessoria melhor. A gente pastou muito para chegar nessa condição que estou falando, muitas bases, muitos lugares, muitas vezes enchemos casas, e alguém chegava e "ah, eu tenho que pagar fulano", "o que eu tenho a ver com isso? Nós combinamos isso contigo". Mas não deu esse valor, e você está vendo que a casa do cara bombou, a noite toda. Então, ficava… e a gente perdendo noites em claro. Então, é muita coisa. Essa semana, no Cozinhando música, eu vim a convite das pessoas que cantaram, e tinha um dessa época, que era o Serginho Madureira, que estava aí para assistir e prestigiar. Ele também, participou. A gente estava lembrando disso, ele falou “nossa, eu também estive nesse meio”, eu falei “rapaz se eu tivesse a cabeça de hoje, talvez não fosse naquela explosão” porque, veio muita gente querendo assessorar, querendo empresariar, querendo não sei o quê, querendo não sei o quê mais, e começou a desarmar aquela união, que a gente tinha. E nessa altura do campeonato, muita gente falando. Eu, na época, acho que fui até precipitado, ou talvez radical demais, mas hoje eu venho ver que não estava tão errado. Porque coisas que aconteceram depois, vêm me mostrar isso. Então, em uma dessas noites que a gente tinha lá no Moisés, em uma programação dessas, já tinha acompanhado Bezerra da Silva, já tinha estado com um monte de gente, porque tinha mais uma coisa: o artista carioca, quando vinha para São Paulo, ele não trazia a banda dele, porque ficava caro. Então, o que ele fazia? Quem está mais ou menos aí em ascensão hoje, tem um monte de grupo. Hoje, a Leci mora em São Paulo, eu até tenho contato com ela, em uma das oportunidades ela estava falando isso, "São Paulo me acolheu"... e ela tem bandas e mais bandas que acompanham ela aqui, hoje. Quinteto preto e branco, e outras bandas que se formaram. Hoje é um prazer para os caras, entendeu? "Vou acompanhar ela", tinha outros caras. E nessa época, era a mesma coisa, mas tinha poucos grupos.
P/2 - E você estava dizendo que em uma dessas vezes...
R - E nós estávamos nesse meio. Então, a gente acompanhou muito show. Eu e o Bezerra da Silva acompanhamos uns cinco shows que ele veio fazer aqui em São Paulo na época.
P/2 - Mas você disse...
R - A gente preparava a entrada, cantava, fazia uma pré-entrada enquanto o pessoal: “samba lá de casa”. A gente cantava algumas coisas nossas, mais dos outros do que nossas. Depois, chegava e o artista e a gente se tornava o músico dele, ele entrava, a gente acompanhava o que ele ia cantar, as coisas dele, as trapalhadas dele. Apesar de tudo aquilo ser uma grande... O Bezerra da Silva não era aquele cara mala que vendia. A história dele era totalmente o contrário de tudo aquilo. Pintava aquela mala, era aquela coisa forte; mas ele não vivia aquilo que ele fazia. É muito louco isso aí. Então, tudo isso, eu vi de perto.
P/2 - Mas você disse que em uma noite dessas…
R - Então, em uma noite dessas eu ponho um basta em tudo isso, em uma discussão. Eu saí, peguei o meu violão e vim embora da cidade.
P/2 - Mas o que aconteceu?
R - Nós tivemos uma discussão, um desacordo de ideias. Tipo: “não concordo com isso. Você está achando isso, mas eu não concordo com isso”, é “beleza, mano. Vai em frente”. E eu venho embora. Então, aí, foi uma fase difícil. Entendeu? Começou uma situação, eu com tudo ali, a coisa rolando, e eu de fora ouvindo o meu trabalho também rolando ali. Foi muito difícil. Entrei em uma depressão. Saí de cena mesmo. Foi quando eu voltei a trabalhar com o Estadão. Entrei no Estadão e fiquei uma temporada lá até 91. Por isso que hoje eu trabalho em uma editora, até por conta dessas experiências no Estadão. Fiquei lá um tempo.
P/2 - Você entrou em que época lá?
R - No Estadão? Eu fiquei dez anos lá. Eu saí em 91. Só olhando lá.
P/2 - 80?
R - É. Por aí.
P/2 - Eu pergunto para saber a época dessa fase musical.
R - É por aí. O Estadão começa a fazer uma lista telefônica que era, antigamente, estilo página amarela. O Estadão começa a parte gráfica dele, porque ele é jornal - OESP Gráfica. Então, eu entro ali, até por uma agência de emprego, Seu Time, que me levou para lá para fazer um estágio de três meses e acabei sendo efetivado na parte de impressão. Entrei para trabalhar na gráfica pela lista telefônica, e quando eu vi aquilo - que é maravilhoso o processo da rotação de uma impressão de jornal -, quando eu vi tudo aquilo lá, aquelas máquinas de três, quatro andares, preparação de papel, tiragem, depois lá em cima as esteiras, tudo aquilo, as docas, eu falei: “nossa, que coisa linda”. E um cara que era chefe - hoje ele foi para a Abril Cultural -, mas era o nosso chefe geral de impressão, era meu xará, falou: “Carlão, eu vejo que você...”. O meu papel lá era contar, era fazer uma contagem de quantos jornais estragados, ou seja, com defeito, que saíam. Isso era fácil. Já vinha com uma numeração, a gente mesmo tirava, falava: “nossa, aqui falta cor. Nossa, isso aqui está...”. Então, esses jornais com defeito também eram usados para cortesia. Eles iam para muita empresa, muita instituição, processo de ONGs, coisas dessa natureza… se tornava cortesia. Esse era meu trabalho, mas ele viu esse meu interesse. Só que eu fiquei lá, aí chegou uma certa fase da minha vida que eu chego e entro em uma depressão total. Essa depressão foi geral, um desânimo total. Nisso, eu já tinha perdido meus pais e as coisas começaram a travar.
P/2 - Você já tinha casado? Nunca casou?
R - Não. Eu era um ficante. Então, eu fiquei com uma pessoa por muitos anos sem casar. A gente armou praticamente a mesma coisa de estar casado. Ela era uma professora, acompanhou todo o nosso trajeto, e, quando foi ver, nós estávamos juntos.
P/2 - Na música. Ela acompanhou o seu trajeto na música.
R - Não, não. Ela era uma fã mesmo da nossa turma e foi professora, formou dois dos nossos, na época do supletivo. Estava começando, em evidência. Tiveram duas escolas aqui, o Castro Alves e tudo. Ela era professora de Letras, lecionava Português, morava na cidade, tinha uma outra situação. E se enroscou aqui comigo, e a gente ficou muitos anos. Depois, eu entrei nessa depressão. Por isso que veio tudo à tona. A gente caiu, desmoronou um turbilhão aí. Eu fiquei afastado de trabalho. Estou falando coisas para vocês que raramente falo. Eu saí do coiso, caí em uma situação que, se não é detida a tempo, eu também não estaria aqui contando essa história. Perdi o equilíbrio total e precisei de ajuda, caí em um alcoolismo que não pegou, mas qualquer coisa: “vou tomar uma, e não sei o quê, e tal, tal, tal”. Deixei a coisa rolar. Mais uma vez, esse meu irmão estava lá. Eu já tinha perdido esse irmão do meio, que eu falei que perdi prematuramente. Aí, eu topei. Isso há vinte e cinco anos, vai fazer vinte e cinco anos em novembro. Eu conto meus dias hoje, só por hoje. Eu precisei de ajuda mesmo. Quando perdi esse meu irmão, entrei nessa depressão total, aceitei essa ajuda. E estou aí. Aos poucos, as coisas foram retomando, foram retornando. Hoje, eu tenho a minha vida de volta. Hoje, eu sou casado há vinte e dois anos com essa pessoa que eu estou. Aí sim eu formei essa família para mim.
P/2 - Como seu irmão te ajudou a sair da depressão? E você pode dizer o que fez você realmente sair ou querer sair?
R - Admitir a minha derrota, admitir que eu tinha perdido por total. Essa ajuda tem um nome, essa ajuda se chama Alcoólicos Anônimos. Fui parar lá. Hoje eu tenho um grupo. Eu cheguei nesse grupo aqui na Penha mesmo. E depois, com seis meses mais ou menos, eles fundaram um outro grupo no qual eu fiz parte dessa fundação, e hoje esse grupo tem praticamente o meu tempo de sobriedade, que eu vou completar agora, dia nove de novembro, vinte e cinco anos lá dentro, fazendo o mesmo trabalho que fizeram para mim. Hoje, já tenho até orgulho de falar sobre isso. Hoje, a gente vê pessoas aí, eu ouço histórias, conheço muita gente. Por conta de não falar, você pode estar deixando de ajudar alguém. Então, essas portas voltaram, eu achei que não conseguiria voltar, fazer muita coisa que eu fazia. Muito pelo contrário, eu faço hoje muito mais coisas, coisas que eu não fazia. Inverteu tudo. Hoje, eu faço parte de um… como eu passei por educação de conservatório, tenho uma pequena leitura musical. Então, eu fui parar em um grupo de música clássica. Hoje, eu faço parte do Coral e Orquestra Rapsódia, a gente trabalha com grandes cerimoniais em São Paulo. Eu tenho uns projetos dentro da música popular, tenho esses trabalhos que eu não abro mão: dois dias meus são todos dedicados a isso, alguns horários, algumas coisas, fazer alguns trabalhos. A gente tem programa em rádio, temos várias coisas, vários trabalhos, que às vezes somos obrigados a fazer. Somos procurados. É uma malhação estar falando de Alcoólicos Anônimos. Mas para fazer todo aquele trabalho, eles têm que vir, pedir autorização para a gente, temos que ver lá como foi montado um cenário... Tudo aquilo que foi montado, eu já tinha antes. Já tinha tudo, foto... Tudo que eles montaram lá no Projac. Sabe?
P/2 - Sei.
R - A gente tem um trabalho que é bem transparente. É muito grande o Alcoólicos Anônimos. Só que é uma coisa que tem um trabalho que é uma corrente grande. Olha aí eu falando só da irmandade. Mas é muito bom.
P/2 - Mas é grande mesmo. É forte.
R - Então, aí a gente sempre está envolvido dando: “isso pode, isso não pode”.
P/1 - Carlos, você falou que passou essa fase musical lá, onde você tinha essa vida praticamente fora da Penha. E aí, em algum momento, você começa a retomar essa convivência com a Penha. Não sei se aí começa a surgir a sua aproximação com a comunidade do Rosário.
R - Sim.
P/1 - Eu queria que você falasse um pouco disso: como a comunidade do Rosário apareceu para você?
R - Eu estava vivendo já com minha mulher, etc e tal, já fazendo meus trabalhos. E em 2000, a igreja entra em estado de ruínas. O (inint) [01:54:08] vem aí, interdita por conta de arriscar cair alguma coisa. E o que aconteceu: essa interdição causou uma enorme coisa dentro da comunidade entre aspas, de alguns grupos. Nesse grupo, estava o Movimento Cultural Penha, estava uma sociedade civil - onde envolvia algumas pessoas -, estava essa parte cultural - que aqui hoje é um centro cultural mas na época, era tudo dividido, uma parte da biblioteca não falava com… era outra, o teatro tinha um diretor. Cada andar aqui tinha um diretor. Então, a parte da cultura lá em cima, que era sempre aqui... Aqui é o terceiro andar? Então, tinha a Casa de Cultura aqui nesse andar. Esse pessoal também pegou essa parte, começa, faz um grande movimento e abraça esse lado, porque poderia acontecer de tirarem essa igreja do local e sumir com ela. A história de uma igreja que hoje está com 216 anos. E é a única que foi construída pelos escravos aqui em São Paulo que está no mesmo lugar. A Paissandu é mais velha, tem trezentos e poucos anos, só que a igreja do Paissandu foi erguida onde está a Bolsa de Valores, onde até fizeram uma estátua de Zumbi dos Palmares para reconhecer e homenagear isso. Entendeu? Então, o que aconteceu? Eles a tiraram de lá e aquela coisa: “põe ali no Paissandu”. E quase que ia sair de lá também, depois que a gente vai descobrindo a história. Ia parar lá para a Barra Funda e assim vai. Agora, aqui não. Guarulhos, onde tem o calçadão de Guarulhos, o centro de Guarulhos, também é um marco. Só tem um desenho. Eu fui a um movimento que houve lá e a gente foi convidado, e esse movimento começa com uma missão afro lá na Catedral deles, depois sai para o calçadão e vai até onde está o marco que era a Igreja dos Homens Pretos de Guarulhos. Então, tombaram tudo. Foi uma história que ali foi apagada. Quase que isso acontece aí, se não fosse essa mobilização. E aí o que aconteceu? A coisa acontece de uma forma. Teve aquela parte pública, oficial; a parte religiosa, se une e faz o primeiro ato, uma missa afro. E a Casa de Cultura se incumbe de a gente pegar e trazer algumas pessoas, no caso, tinha um rei do congo que vem para cá junto da rainha do congo, a dona Cacilda, e ele traz para nós todas as informações. Nessa primeira montagem, eu ainda não estou, está meu irmão. Estava sabendo, ele passava para mim, meu irmão vem com esse lado até da cultura, da Penha, o maestro e tal. Ele se junta a esse grupo também. Eles recebem essas informações e sai essa primeira festa que vem buscando a História como ela praticamente aconteceu na época, lá atrás, trazendo congadas, trazendo grupos populares para cá, porque hoje é uma festa enorme. Mas na época, eles trazem congada, trazem Folia de Reis, trazem maracatu, e vem um povo de fora para abraçar essa História.
P/2 - Que ano foi?
R - Hoje a gente já… esse ano que passou foi a décima sétima edição.
P/2 - Agora?
R - Agora. E essa décima sétima edição nós podemos falar com certeza que recebemos mais de mil pessoas, porque nós damos almoço para os grupos. Têm grupos hoje… a gente tem uma parceria com dois grupos de Minas que vêm de lá: um é do Carmo do Cajuru e o outro é de Congonhas do Campo, Ouro Preto, aquela região. Eles vêm, chegam no sábado, dormem.
P/2 - Grupo de quê?
R - Congada. Congada de Minas, já naquela tradição mesmo que passa de família para família. Em Minas é diferente daqui. Eles adotam essa cultura dos avós, vai passando e fica só na família. Então, tem um grupo... eu posso participar, mas é aquela coisa que vai de geração a geração. Então, é mais difícil de acabar. Eles mesmos falam “muitas vezes, o jovem sai daqui, procura o seu habitar, a sua coisa; mas quer o destino que... chega um tempo que ele casa e acaba voltando e apoiando aquilo”. Falando: “nossa, eu fazia isso, dava aquele aquele reforço", e acaba voltando para o lugar dele de origem. Isso foi mais ou menos esse movimento.
P/1 - Mas para você, na sua história, foi mais ou menos isso.
R - Foi mais ou menos isso.
P/2 - Então, você vai contar. Daqui a pouco, você tem que ir lá. Você estava falando como que você reencontra esse Movimento Cultural Penha. Mas aí seu irmão que primeiro se envolveu na festa, na celebração da Nossa Senhora do Rosário. É assim? E como que você chega?
R - Isso. Então, eu tinha falado dos reis. Me lembrei agora… O rei Matusalém. Ele era um senhor que tinha todo o conhecimento dessa questão de rei de festa, ele trouxe um pouco dessa ideia para o rei de festa do rei do congo, mas para trazer um pouco dessa simbologia, que era o seu mestre Matusalém. E meu irmão foi o primeiro rei dessa festa, por conta já da história da minha vó, da nossa história com a igreja. Eu praticamente vivi aí dentro, nós vivemos aí dentro. Nas procissões que tinha, meu pai tinha a chave. Eu lembro que ele vinha, eu era o caçula e vinha comigo no colo, entrava na lateral, abria porque estava chegando, para receber a multidão, porque ela sempre foi pequena, então, as coisas aconteciam no santuário que era maior e tal, e tinha aquela coisa, e era bonito, que nem no dia de hoje, São Benedito, é o santo cozinheiro. Então, após a missa, tinham uns doces que eram doação dos comerciantes. Eram uns doces de vários tipos, porque aqui a gente teve uma colônia que vem de fora. Então tinha doce sírio, tinha a Leila Abud, que eles são árabes. Então, olha a mistura. Tudo envolvido com São Benedito. Então, a gente tinha uma fila ali para os doces que era chique, com haleu, com doces sírios. A família mora até hoje aí, tem uma única fábrica que faz essas coisas aqui no Brasil. Está aqui na Penha que é a Istambul, aqui na outra rua. Eles fazem doces sírios e eu aprendi a comer essas coisas com eles.
P/2 - Eles que ofereciam para a festa?
R - Eles ofereciam para a festa. Vê que saquinho bonito tinha ali naqueles doces sírios. Tem uma geleia deles que é uma delícia. Aquelas coisas todas, vinham nos doces de São Benedito. Então, o São Benedito da Penha era enjoado. Ele sempre foi enjoado. E isso, essa motivação, eu estava morando fora da Penha. A gente pôs a nossa casa para reformar e eu estava morando em um outro bairro aqui: Ponte Rasa. Foi com minha atual esposa, eu venho para essa primeira festa e aquilo já me atraiu porque já me trouxe à infância, toda aquela história que eu vivi, aquela coisa, e emocionado pela causa também. “Puxa vida”. Vem pai, mãe. Porque eu falo dos meus avós, mas tem o seu Lauro, tem a dona Maria Narciso que eram meus pais que também eram envolvidos nisso aí. Então, acabei me emocionando com a coisa. E venho para esse, no segundo ano eu já estou aí caminhando. E as pessoas que estavam envolvidas aí, são todos amigos meus até hoje. Pessoas que estão desde o início, eu conhecia todos.
P/2 - Quem?
R - Todos. Por exemplo: José Morelli, que hoje é um ex-padre, tem um respeito pela própria igreja, hoje ele tem uma outra vida social, casou-se e tudo, mas tem aí tudo. Padre é para sempre padre. Então, ele tem aquela doutrina de continuar como um ministro. Aí ele ganhou… sempre teve um amor especial por essa igreja e acaba nos apoiando nessa parte e recebendo também, é claro, o apoio e a autorização da diocese para que a gente possa dar continuidade nesse trabalho. Então, foi uma das pessoas importantes nisso aí. Folco, que vem com o Memorial trazendo também essa parte histórica de registros por fotografia, vem o Movimento Cultural que trouxe essa questão. O Movimento Cultural sempre trabalhou com as escolas, envolvidos nesse lado da cultura, então, ele pega nesse momento atrás, chama as escolas locais, aquela coisa para junto dessa história. Nós tivemos um primeiro fundador do Movimento Cultural, um deles é o Luiz Carlos Coelho, um amigo meu de infância. Tudo isso veio calhar de trazer, os caras também foram para outros lugares. O Luiz Coelho mesmo montou uma banda de reggae e ficava por aí, mas sempre envolvido. Ele que fundou, na realidade, o Movimento Cultural Penha. Aí vem o Júlio. Só que o Coelho tinha um problema de respiração porque ele tinha bronquite, daquela de ter que tomar mesmo aquelas inalações fortes e numa dessas, ele exagerou na dosagem do Berotec e acabou perdendo a vida. O cara morreu muito cedo, jovem, por um ataque de pneumonia. Aí o Júlio, nesse momento, assume o Movimento Cultural, onde foi uma parceria boa. Só que, nessa época, nós ainda éramos todos divididos. Citei o Morelli porque era um grupo pequeno da liturgia, para cuidar só das missas, do que ia acontecer lá dentro. O Júlio com o movimento. Vem a Patrícia, vêm mais umas pessoas com o movimento ali para coordenar dentro dessa festa, algumas coisas... trazer a escola para cá, banda, essas coisas, que hoje acontece até com mais firmeza. E a sociedade local: foram buscando a igreja, a Casa de Cultura, tudo. E aí, chega um momento que a gente, já em umas edições…. Eu venho, sou convidado por aquela gestão cultural que eram os que mais tomavam conta da situação na época, convidado para ser o segundo rei de festa. Então, continua em família ainda. Aí vem eu e minha esposa, onde eu absorvi essa coisa, recebo aquela coroa, que acabou me trazendo toda essa história de volta. Estamos aí na décima sétima edição. E eu fiquei. Teve muito rei depois que passou, depois da gente, de vários segmentos.
P/2 - Foi rei um ano só?
R - É. Um ano só. Eu fui de 2005 a 2006.
P/2 - Você virou rei em 2005, e em 2006 entrou outro rei.
R - Entrou outro rei.
P/2 - Então, como foi?
R - Qual é o papel do rei? Era importante dizer isso. O trabalho dele é trazer pessoas para conhecer essa história, o patrimônio, todo esse envolvimento. Se hoje essa festa tem esse tamanho, além desses trabalhos, desses braços, esses reis têm muito a ver. Hoje, nós temos vários reis envolvidos dentro da música. Eu posso dizer isso a começar pelo meu irmão, que é um maestro; depois vem eu. Mais tarde veio um casal de reis que era envolvido com o samba; ela, inclusive, é embaixadora do samba de São Paulo - a Duda, ela foi rainha junto com o Orlando.
P/2 - Sempre um casal?
R - Sempre um casal. Não precisa ser casal mesmo. Porque casal de verdade foi eu e minha esposa, e mais alguns que têm mantido essa história. A pessoa que foi rainha com meu irmão, por exemplo, não era esposa dele; era uma pessoa da igreja que representava uma comunidade do Nhocuné - que também tem uma base muito forte com a pastoral afro. Entendeu? Então, tudo isso veio juntando com o Rosário. E a gente acabou formando uma grande família; e para dizer a verdade, hoje estamos mais autossuficientes. Tínhamos uma verba que vinha do vereador, ele tinha uma ementa que poderia fazer uma festa muito grande, mas chegou em certo momento que isso começou a dar problemas por causa das pessoas. O dinheiro vem para você em espécie, do que você precisa, de palco, de alguma coisa. Eu não culpo o cara, mas eu percebo que estava acontecendo coisas que não poderiam acontecer. Então, acabamos saindo fora dessa situação. Diante disso, resolvemos fazer um estatuto para dar continuidade. A festa, portanto, está do jeito que está. Muitas dessas pessoas continuam a vir na festa, e são muito bem recebidas. Entretanto, formamos a comissão que fica na Igreja do Rosário, o qual todos estão à frente. Claro que têm coisas que são fomentadas, e esse fomento ajudou muito nesse lado cultural, porque hoje tem sido uma referência. Domingo é um dia de celebração, é a nossa eleição também. No outro ano, fomos fazer uma celebração, e no domingo foi dia de eleição. Isso vai fazer cinco anos. Eu pensei: “hoje não vai vir ninguém aqui porque é dia de eleição, mas temos que concluir o que começou. Vamos lá, depois votamos, ou votamos antes; mas temos que estar aqui para receber o povo”.
P/2 - E essa celebração que faz 5 anos, é sobre o quê?
R - É a celebração que começamos a fazer depois; é todo primeiro domingo de cada mês. Porque até então, nós só éramos envolvidos com a festa. Até cobranças da própria igreja recebíamos porque acabou a festa, e aí? Então precisamos pensar em alguma coisa. O padre que se aposentou foi o que cutucou isso por muitos anos; era o Padre Calazans. Ele sempre me cobrava quando íamos fazer. De repente, quando ele menos esperava, acabamos por tornar isso uma realidade, um sonho. Foi uma celebração afro, que começou com umas 40 pessoas. E hoje, colocamos caixas lá para cima; dependendo do tempo, alugamos cadeira para colocar lá fora, porque não cabe mais aqui embaixo no Rosário...
P/2 - Fica embaixo do Rosário?
R - Sim, fica embaixo do Rosário.
P/2 - O que acontece nesta celebração?
R - Essa celebração é cultural, é afro. Não é uma missa, é uma celebração. Ela tem os dotes de missa - tem comunhão, tem tudo - só que os toques são no atabaque. É tocado no atabaque, é muito bonito. Quando você pergunta quem veio pela primeira vez, você se surpreende a cada celebração. Por vezes, por eu ser comentarista... Somos sempre pegos de surpresa; "Ah, mas de onde você vem?", "eu sou de Embu". A missa é às 10h00, tem gente que chega às 08h00 da manhã para pegar um lugarzinho.
P/2 - O senhor é o quê?
R - Eu sou um comentarista, que faz o cerimonial inteiro do que vai acontecer. Até por conta dos princípios desde coroinha. Então, aprendemos algumas coisas, tem coisa que fica mais fácil. Quando não estou, tem quem me substitua. Próximo domingo serão os padres que irão celebrar, os párocos que assumiram as basílicas aqui da Penha.
P/2 - Por quê?
R - Porque eles estão chegando, e agora está tendo até um melhor diálogo. Porque quem vê assim, pensa que está tudo unido, mas não é. Então, esta pessoa que vem agora, estará unindo as pessoas. Hoje, o Rosário está no entendimento que todos estão pela Penha, todos estão pela mesma diocese. É a basílica quem a dirige, mas fica aquela coisa: “a igreja do Rosário é aqui, o santuário é ali”. Vive dividindo a igreja, mas é uma coisa só.
P/2 - E como e quem faz esse movimento de unir?
R - Estamos fazendo o nosso trabalho normal. Agora, a pessoa que assumiu - esse padre que vem aí, que é o padre Edilson - pega a direção geral, da Basílica da Penha. A Basílica da Penha teve um gestor de 40 e poucos anos - o Monsenhor Calazans, mas ele está com idade, muito debilitado, e agora está vindo uma pessoa nova, com novas visões. Porque querendo ou não, entre aspas a igreja tem essa divisão ainda. Na história da igreja do Rosário, ela foi erguida pelos escravos porque eles não entravam na outra igreja. Então, era essa questão deles terem um lugar para reverenciarem suas orações. E quem era... Nossa Senhora do Rosário com uma História que vem lá de cima, e com isso, o Brasil acabou adotando… São Benedito e Nossa Senhora do Rosário são os padroeiros gerais desses movimentos. Eu estou falando daqui, por fazer parte daqui, mas na verdade, é geral. Eu cresci vendo um outro movimento, as pessoas antigamente eram mais unidas - os antigos, os amigos do meu pai, da minha mãe. Hoje não, hoje tem uma certa divisão. Nesse contexto de divisões, veio uma pessoa mais jovem que está conseguindo fazer uma aproximação, porque ele está se doando a participar. Ele veio na nossa festa, andou, caminhou com a turma por aí. Ele quis ir até o final… e isso não acontecia. E a presença dele, o que envolve? Acaba trazendo as pessoas, "poxa, se ele está indo lá, eu tenho que ir também", "somos de um mesmo Rosário”. Então, essa participação na festa da Penha este ano já foi diferente, já estávamos envolvidos lá dentro desses festejos, as coisas vão melhorando. Então, as coisas vão melhorando. E eu não deixo de agradecer, porque daí acabamos recebendo. É muito bacana essa troca das pessoas, as pessoas vêm nos procurar. E a partir daí, surgem outros projetos.
P/2 - Fala alguns.
R - Estávamos com o samba - que agora está numa fase de reformulação, acontece todo último sábado de cada mês -, era uma roda de samba. Lá havia muita gente. O samba da Vela, de tudo quanto é lugar. De outros lugares deram uma palhinha, com a turma da roda de samba. Temos o bloco da Micaela, que era uma grande parteira aqui em São Paulo, na Penha. É uma parteira negra que fez o parto de várias pessoas - importantes e não. Ela fez muitos partos. Ela tem uma praça, que pode até se tornar uma outra estação de metrô. Porque já desalojaram uma boa parte daquela região, mas disseram que na praça não vão mexer. Essa transição da linha branca, é uma linha que vai cruzar lá para chegar até o aeroporto; vai ser por baixo, entrando no (inint) [02:22:05], tem uma maquete. Então, pode se mexer com essa praça.
P/2 - Ela é viva?
R - Não.
P/2 - É o Cordão da Micaela?
R - Sim, é o Cordão da Micaela. E esse Cordão nasceu também no intuito de trazer esse pessoal para esse movimento, e com essa proposta de homenagear a Dona Micaela. Então, sai aqui do Largo do Rosário. Este ano andaremos um pouco mais; ano passado foi o primeiro ano e foi maravilhoso, veio até uma atriz. Para batizar o standard, benzeu ele na celebração. E na mesma tarde - calhou de ser no mesmo dia da celebração - saímos com o bloco.
P/2 - É carnaval?
R - Sim, estamos inscritos no bloco de carnaval da cidade. E para a nossa surpresa, veio bastante gente, até quem não esperava. Então, nesse meio também tem muita gente aqui envolvida com projetos. Tem o Tico, que é um cara sensacional, ele é bonequeiro. Agora está fazendo musicoterapia. Ele compôs algumas músicas da Micaela, também se propôs a fazer um boneco para representar uma das crianças da Micaela, e abriu a oficina. Então, tudo isso foi para a rua. Isso vai entrar para o segundo, já começaram os ensaios. Vamos também participar de alguns eventos na USP. Vai ser no dia 19 - ocorrerá um evento no dia, e faremos o final.
P/2 - Quando você fala “nós criamos”, quem são?
R - A comunidade. Eu costumo falar "nós" porque eu sozinho não faria nada. Então eu acho que hoje, esse "nós" é muito importante. O grupo é grande, entre pessoas envolvidas dentro da cultura e outros na comunidade no seu todo. Cada um tem o seu papel. E hoje, se encaixam, cada um se encaixou em um lugar. Não posso dizer também que surgiram as pastoras, hoje se tem as pastoras do Rosário. Elas praticamente começaram na roda de samba; se propuseram a fazer algo igual ao das Camélias, tornaram-se as pastoras do Rosário. E assim, o Renato Gama teve uma luz no fim do túnel, e ele foi feliz. Ele as enxerga, e é muito bom isso.
P/2 - Quem é ele?
R - Renato Gama é um outro Rei de Festa. Há também o Tita Reis, e Glória - que também são músicos, são educadores, professores. Tem um grupo de Jongo, em (inint) [02:26:12]. Por isso que eu estou falando que o reinado ajuda que cada um tenha o seu papel. Aqui - meu irmão e eu - representamos a música de duas formas: a música clássica, um lado antigo da história, mas chegaram outros reis que têm envolvimento mais profundo, em outras áreas. Então, eles também agregam isso na comunidade. O Renato é um artista, é famoso e tem um trabalho solo - Olhos Negros Vivos - que, inclusive, já chegou na Alemanha. Ele tem várias ideias, tem uma produtora chamada Essa Menina.
P/2 - (inint) [02:27:11]
R - Ele pegou essas meninas, deu uma lapidada nelas. Têm meninas de 70 anos; na verdade, nossas meninas têm várias idades. O legal é que a autoestima delas hoje em dia é outra, elas são mais jovens que meninas de 20 anos. E o que acontece? Ele pegou uma compositora a princípio, que é a Carolina de Jesus, - grande escritora que também compunha música - pegou todo um repertório dela e colocou para as pastoras cantarem. Essas meninas já apresentaram em todos os SESCs de São Paulo, o último foi o Paulista. Faltam alguns, mas se faltarem, são poucos. Começou no SESC Itaquera, passou pelo Belenzinho, cantou no SESC Santana, em Carapicuíba também, mas o último foi o Paulista. E o que eu quero dizer com isso? É que também está levando o nome do Rosário. A Comunidade de Roda de Samba também levava o nome do Rosário. Então, essas coisas acabam trazendo para cá também um projeto, pelo qual hoje temos uma comunidade que se tornou nossa. Mas que não era nossa, era de pessoas que vinham de fora para nós realizarmos isso, e hoje, nós já temos essa ferramenta que engloba todas as pessoas. Por isso que costumo falar “nós” sempre. Eu, sozinho, jamais.
P/1 - Tenho uma última pergunta: como você vê a comunidade enquanto perspectiva para sua vida? Eu estava até conversando anteriormente com o Júlio, que até mesmo pessoas que nunca pensaram em fazer determinado tipo de coisa, passaram a fazer. E como você vê como perspectiva para você - o que é participar de uma comunidade?
R - O que é participar de uma comunidade? Você se lembra bem que no meio de eu contar os meus relatos, eu tive uma fase na vida meio ruim. Então, hoje essa comunidade, ela também traz esse lado para mim espiritual - o qual estava meio distante. Eu fiquei meio distante de tudo, desse lado antepassado, desse lado espiritual que eu tenho hoje com esse segmento. Isso me traz uma outra condição de vida. Hoje eu busco mais a serenidade; eu não quero tomar o lugar de São Benedito, porque eu não sou santo, tenho problemas e defeitos que procuramos no dia a dia corrigir. Isso é muito legal você compartilhar com o outro. Aqui nós saímos, já rodamos para vários lugares, principalmente quando fizemos um intercâmbio entre São Paulo e Minas, em que nos deparamos com aquele pessoal humilde, mas com muita fé inabalável. Na nossa cabeça, essa humildade muda, parece até que estamos em um palácio, tamanha a fé. É uma fé que faz você acreditar em um determinado tipo de coisa. A fé é você quem faz, a fé é de cada um, seja de qual religião for. Esse meu irmão que é maestro hoje é líder do candomblé, foi até à África através da música, rodou todo um segmento que acabou o mudando; hoje ele pertence a um outro segmento. Tem todo o seu princípio aqui; mas não vai deixar de respeitar aquilo. Hoje ele é recomendado por muitos segmentos, era orientado por pessoas. Ele está sendo apadrinhado por africanos. A primeira viagem do meu irmão como músico foi com a Coralusp, junto com o Coral da Unicamp, a qual na época era o Maestro Benito Juarez, e eles foram para a África. Entendeu? Para fazer um trabalho por lá; eles tiveram que estudar várias coisas porque iam pisar em diversos lugares, em que tem que pedir permissão para várias coisas. Ficamos quase um ano para montar essa viagem aí, foi muita gente da época. Aquela moça que só fala em etiqueta da Matarazzo, estava também nessa viagem. Têm várias pessoas da orquestra, e algumas pessoas que estavam envolvidas na época dessa viagem - 77 isso que eu estou falando.
P/2 - Agora deixa eu fechar.
R - E ele acaba lá, em um segmento ou outro. Então eu quero dizer com isso tudo, para resumir, que isso me fez muito bem. Isso me tornou uma pessoa que hoje é capaz de entender outros polos também. Eu falei de certos pontos de coisas que aconteceram na música: eu tenho todos eles hoje como meus amigos. Damos risada, nos encontramos. Teve um documentário em que eu consegui reunir todo mundo. Contamos a nossa história, cantando todo mundo junto. Porque éramos imaturos, por vezes da minha parte. Não podemos falar do outro, então eu estou aqui falando de mim. Então, é isso.
P/2 - Você falou que o coletivo é super importante, a comunidade - não é só uma pessoa sozinha, é a comunidade como um todo.
R - Sim.
P/2 - Mas no momento em que você foi o rei, usando aquela coroa, você lembra da sensação?
R - Lembro sim, porque é uma emoção de poder e querer homenagear os seus pais. Ali eu me senti dividindo isso com eles, com os meus avós, com os meus tios, pessoas que não estão aqui, mas que de onde estavam, sentia que estavam vibrando porque viveram naquele chão, naquele momento. Foi bem família mesmo, foi gratificante. É um símbolo, mas é como pedem para eu falar para os reis: “olha, Casemiro, fala com eles, porque eles foram eleitos, dá uma orientação para eles do que é”. Porque a pessoa pensa que é colocar aquela coroa na cabeça e representar o Rosário em uma festa. São Benedito é um santo que requer uma festa todo final de semana; toda missa dele tem um almoço; se for bater uma regra, eu não almoço na minha casa, não fico na minha casa porque cada semana tem. Semana que vem agora, tem uma festa no Danila, tem uma festa no Rio de Janeiro, no interior e em Minas. A cada lugar comemora ele em um ano, sendo que olha que engraçado, a data dos dois é em outubro, eles são os únicos santos que são comemorados por esse grupo o ano inteiro, cada local tem uma data específica para fazer. O nosso, com esse padre, ele quer fazer na data, e como temos apenas duas celebrações por mês, ele quer fazer no domingo. Na festa, costuma homenagear os dois, quando a gente for homenagear a igreja, vamos homenagear os dois. A igreja, em sua cultura, ela é um braço muito forte, ela é o braço de tudo. Essa ligação - porque também venhamos e convenhamos - o lado cultural também tem esse envolvimento. É um patrimônio tombado que tem que ser mantido, também tem um sonho de um restauro para manter. Se não brigamos agora, uma hora vamos. Então, tem que deixar isso para o outro.
P/2 - Patrimônio é o (inint) [02:38:38] que você quer dizer?
R - Não, não especificamente.
P/2 - Entendi.
R - Não especificamente, mas procuramos preservar o patrimônio. Mantê-lo em seus padrões, já vamos ter uma reunião lá para tentarmos conversar a esse respeito. A nossa festa é oficializada no calendário de São Paulo, na época desse vereador, isso temos que admitir que ele oficializou na época - o Gilberto Natalini. Depois, já no nosso trabalho, conseguimos com os movimentos culturais, jogá-la em um guia turístico de São Paulo. Além de patrimônio, ela já estava tombada. Então, hoje ela é oficial, e também está dentro do calendário oficial de São Paulo. Se a pessoa chega aqui pedindo para fazer um turismo na íntegra para conhecer o Corinthians e a Maria Zélia, dentro daquele mapa está a igreja do Rosário. Todos esses pequenos trabalhos, é a comunidade.
P/2 - E para fechar: o que você achou de contar sua história?
R - Muito bom, nunca parei para pensar nisso. É muito gratificante, porque não é nem a metade, mas vocês conseguiram me trazer coisas importantes. Vou contar um segredinho: dentro da nossa irmandade, temos um lema de princípios, são 12 passos ou 12 tradições; e um dos nossos passos é fazer um inventário da sua própria vida. E o quinto passo é pôr alguns passos para fora, tenho certeza que depois disso, sairei melhor do que cheguei. Então para mim foi muito gratificante.
P/2 - Muito bem, para nós também. Eu também estou saindo melhor do que cheguei. Muito bom, obrigada.
R - Legal.
[02:41:22]
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