Projeto Memórias do Comércio de São José do Rio Preto
Entrevista de Márcia Caldas
Entrevistada por Cláudia Leonor Oliveira
São José do Rio Preto, 19 de maio de 2021
MC_HV070
Transcrita por Selma Paiva
Conferida por Daiana da Costa Terra
(00:30) P1 - Então, Márcia, obrigada por ter aceito o convite do projeto, né, em nome do Sesc São Paulo, Sesc Rio Preto e do Museu da Pessoa. Eu vou pedir para você falar primeiramente o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R1 – Bom, Márcia Regina Rodrigues Caldas Fernandes, São José do Rio Preto, quatorze de agosto de 1960.
(00:53) P1 – E, Márcia, o nome dos seus pais e o que eles faziam, assim, profissionalmente?
R1 – Bom, o meu pai é Manoel, né? Manoel Rodrigues Caldas. Ele veio de Caetité ainda jovem, para São José do Rio Preto e começou a trabalhar logo na EFA – Estrada de Ferro Araraquarense. Então, o meu pai foi ferroviário por toda a sua vida, chegando a maquinista, né e se aposentando com mais de quarenta anos de trabalho dentro da estrada de ferro. A minha mãe é uma mulher simples, dona de casa, cuidando dos filhos, que não foram poucos também, né? Hoje, se a gente vê... hoje, né, foram muitos perto do que ela teve na época. Minha mãe ajudava com aquilo que ela podia, ela era costureira, né, e também ela fazia bolos, bolos de casamento, na época, fazia de tudo o que podia.
(01:57) P1 – Que maravilha! E, Márcia, você falou que são muitos irmãos, né? Quantos irmãos vocês eram e como que era essa dinâmica da casa, assim, essa organização da casa?
R1 – Uma loucura, assim: eu tenho muitas boas recordações da minha infância, eu sou a única mulher, de cinco filhos, né? Tenho quatro... agora eu tô com três irmãos, porque um faleceu. Mas somos uma família de quatro irmãos, eu a única mulher. Nunca fui tratada como a princesinha de casa, nada, sempre fui tratada como os meninos. Os meninos, como as meninas, assim, todos tinham obrigação, todos tinham que ajudar a arrumar a cozinha, tinha que varrer o terreno, porque era terra batida, né, tinha que ir para a feira, no final da feira, para pegar verdura que sobrava, para a gente poder dar para as galinhas que tinha em casa. Então, foi uma infância muito feliz, muito simples, né? Agente… Eu tenho recordações que a gente... bolacha não existia, assim, pra gente comer, bolacha recheada de chocolate, mas tinha o armazém da Fepasa, que todos faziam compra uma vez por mês, a gente, minha mãe comprava bolacha de maisena, bolacha Maria.
(03:16) P1 – Maria. Redondinha, é?
R1 – É, redondinha. E quando tinha manteiga, a gente punha manteiga, colava uma na outra e aquilo era uma alegria pra todos, né? Refrigerante: um guaraná que era igual uma garrafa, né? De seiscentos mls, que tomava só no domingo. Mas, assim, a gente comia muito arroz, muito feijão, não faltava isso, né. Filha de baiano, meu pai é baiano, então a gente comia muito bem, assim. Tivemos uma infância maravilhosa, brincando na rua, brincando de rico-trico, salva-pega, jogando betcha. Então, tudo o que os meninos faziam, eu fazia também, já que era só eu, então. Mas sempre tive as minhas bonequinhas, né, que era aquelas bonequinhas de plástico duro, que a minha mãe fazia as roupinhas. Então, a gente cresceu assim, uma família muito unida. Eu e os meus irmãos, a gente tem uma ligação muito forte, muito forte. É um apoiando o outro, sempre.
(04:20 P1 – Maravilha.
R1 - E tivemos, há seis anos atrás a perda desse meu irmão, do Edson, porque o mais velho é o Ricardo, depois sou eu, depois vem o Silvio, depois seria o Edson Gil, que foi esse que faleceu, que era um artista, que transformava legumes em arte, tudo o que ele via virava arte. E tem o Francisco, que é o Kiko, né? Que é o mais jovem, mas todos já tem uma idade assim, né? O mais jovem tem cinquenta e dois anos. Já estamos já...
(04:52) P1 – (risos) Márcia, em qual bairro que vocês moravam, assim, que tinha essa possibilidade de estar na rua, brincando? Que bairro que era? Quem eram os moradores, assim, de uma maneira geral?
R1 – Eu tenho a felicidade de morar na mesma casa até hoje.
P1 - Ahhh…
R1 - Eu moro na Vila Ercilia, que é um bairro próximo, assim, do Centro. Eu moro do lado de uma igreja, a Igreja São Benedito, nós fomos criados todos dentro da igreja, sendo coroinha, fui secretária do padre, toquei em casamentos. Meus irmãos todos tocavam algum instrumento, então a gente tinha era uma banda dentro da igreja, a vida toda. E essa casa, que lá atrás eram casinhas pequenas, né, num terreno grande, porque minha tia também morava do lado e também eram cinco filhos, a gente tinha muita proximidade dos primos todos, né? E a felicidade que, na época não tinha asfalto, era tudo terra, então a gente brincava. Tem o viaduto aqui na Murchid Homsi, que é quando foi construído, então a gente descia, brincava na terra, escorregava lá, chegava em casa, apanhava todo mundo, porque chegava tudo com a calça, o shortinho, né, porque o shortinho era... naquela época não usava cueca a molecada não, viu? Era só um shortinho feito com elástico e, assim, os retalhinhos que sobravam dos tecidos que a minha mãe costurava, então a gente tinha uns shortinhos, assim, de quatro cores, né? Todo mundo tinha. Blusinha, tudo feito pela minha mãe. Então, a gente teve muita sorte de morar no mesmo lugar por muitos anos. Minha mãe nasceu lá, nós nascemos lá, né, e hoje eu estou lá. Meu pai já faleceu, minha mãe faleceu também e eu continuo na mesma casa e falo para os meus filhos: espero que vocês conservem essa casa, porque tem muita história, tem muita história.
(06:56) P1 – (risos) É, né? Era um bairro mais de ferroviários, Márcia, assim? Aqui em Bauru a gente tem a Vila Falcão, que é um bairro de ferroviários, assim, era perto da ferrovia.
R1 – É, lá tinha vários amigos do meu pai, né, que moravam lá, que faleceram também um pouco antes do meu pai, um pouco depois. Meu pai faz treze anos que faleceu. Mas muitos ferroviários moravam nas casas, que era em volta da linha do trem. Que lá eram casas construídas para ferroviários que não tinham uma residência própria. Como a minha avó, quando a minha mãe casou a minha mãe morava com a minha avó e aí se tornou a minha avó morando com a minha mãe, porque ela estava viúva, né e minha mãe ficou morando com ela. Meu avô passou por um câncer, com três anos de idade que eu tinha, eu perdi meu avô, então aí ficou a família toda continuou ali…
P1 - Alí casa…
R1 - ...no mesmo lugar.
P1 - Maravilha!
R1- Na mesma casa. É muita história.
(07:57) P1 – Maravilha. É. E escola, Márcia? Tinha escola perto? Onde vocês estudaram?
R1 – A escola que a gente frequentou, logo no grupo, né, nós estudamos do lado de casa, bem pertinho, três quarteirões. Era o Cenobelino de Barros Serra e depois, quando nós já fomos para o ginásio, colegial, nós estudamos todos no Jamil Khauan, que dá, assim, um quilômetro e a gente ia tudo a pé. Subia aquela subida gostosa assim, né? Era muita árvore que tinha, tinha muita coisa pra gente fazer arte, sabe, também, né? Eu lembro que tinha um buracão grande, que hoje é um condomínio de prédios, a gente passava lá, brincava, às vezes chegava na escola até sujo, né. Às vezes apanhava também, quando chegava em casa. Porque era assim: a gente tinha que voltar limpo, mas nunca gente voltava limpo. E sempre foi assim: se um fazia arte, apanhava os cinco. Não tinha nada não, era os cinco. E, eu lembro uma vez que a minha mãe pegou e falou assim: “Vocês vão ficar tudo de castigo aqui e eu vou amarrar vocês no pé da mesa”. Mas ela não amarrava, só que ela deixou a gente de castigo dentro da cozinha. Aí foi aquela festa, porque a gente comeu, tudo o que a gente achou a gente comeu lá. Então, era uma festa só. A minha mãe era uma pessoa muito, muito forte. Muito boa, muito boa. Boa para a mãe, que a avó não era fácil, portuguesa brava, sabe?
P1 - É?
R1 - Pequenininha, mas era brava. A minha avó era brava, brava. E a minha mãe sempre, assim, tinha que intermediar, né, as discussões, assim, com o meu pai, com a minha avó. Então, a minha mãe sempre foi uma mulher muito conciliadora e foi assim que a gente cresceu, num mundo de uma mulher forte, mas ao mesmo tempo conciliadora. Porque, nos casamentos dos meus irmãos, ela sempre, assim, se tinha alguma coisa, ela nunca se intrometia, mas ela sempre estava tentando conciliar, tentando, de uma certa forma, acarinhar cada um, tanto a nora, como o filho, né?
(10:18) P1 – Maravilha. E, Márcia, como é que você começou as suas atividades profissionais, assim? Como que você se envolveu com o comércio?
R1 – Na verdade, eu comecei, assim, as minhas atividades profissionais trabalhando de empregada, na minha infância. Inclusive os dois senhores, que eu ia na casa da Dona Nega e da Dona Alice e os dois senhores são vivos até hoje.
P1 - Ahh... Esses dias um fez noventa e cinco anos....
R1 - Gente, que beleza!
P1 - … E eles moram um do lado do outro. Então, eu ia na casa deles, aí eu limpava a casa, depois eu fazia o pé, fazia a mão delas, enrolava o cabelo, naquela época enrolava com o dedo, né? Eu ganhava um dinheirinho e esse dinheirinho era tudo pra minha mãe, pra ajudar na despesa da casa, né? Pra comprar, aí a gente conseguia tomar um Ki-Suco na época, né, comprar coisas assim, que a gente não tinha no dia a dia. E, com isso, eu fui trabalhar no bazar, dentro do meu bairro mesmo, existe esse bazar até hoje, Bazar Alice, mas a dona não está mais lá, ela já faleceu há alguns anos, mas foi uma patroa que me ensinou muito. Ela era muito exigente. Se eu fazia uma coisa e não estava correta, ela falava: "Márcia, não está certo, é assim que tem que fazer e você vai fazer de novo”. Aí eu fazia um pacote de presente e não estava certo: “Você vai ter que fazer de novo”. Então, a Dona Alice Daher, ela foi uma pessoa muito importante na minha vida, porque hoje eu digo assim para os funcionários (choro), que as pessoas mais importantes na minha vida foram as pessoas que mais exigiram de mim, porque me fizeram ser essa mulher que eu sou hoje. Então, desculpa a emoção, porque não é fácil. Desculpa. Aí, depois, eu fui trabalhar na Drogasil, registrada. Foi meu primeiro emprego, com dezesseis para dezessete anos, registrada, na Drogasil. Era uma farmácia grande, bonita, né, e eu fui trabalhar no pacote porque, graças a Deus, eu tinha aprendido a fazer bons pacotes, bonitos pacotes.
(12:37) P1 - E era uma época que fazia né… uns pacotes... fazer pacote era uma arte, né?
R1 – Era maravilhoso. Era maravilhoso. Porque, naquela época, os senhores, os esposos, eles presenteavam as esposas com aquelas caixas de sabonetes, sabe? Maja. Aquelas coisas, assim, que eu ficava encantada. Aqueles perfumes da Revlon, aquelas marcas, assim, que as pessoas iam. Aí, como eu era muito interessada, e eu, quando eu não estava no pacote, eu ia na perfumaria e ficava, assim, vislumbrada com tudo aquilo e ficava perguntando para a chefe da perfumaria. E, com isso, ela viu que eu tinha, assim, um tino para vendas e me colocou na perfumaria. Aí eu, na perfumaria, eu comecei a atender muitas pessoas, muitas pessoas e a clientela era realmente muitos homens, porque eles iam buscar coisas para presentear as suas esposas. Naquela época as mulheres, assim, não tinham muito essa coisa de sair, né, de ter independência para ir comprar as coisas e tal. Então, eles compravam muitas coisas. E eu tinha, assim, eu tinha uma fala bacana pra eles, né? Parece que eu estava vendo as esposas deles do outro lado e eu imaginava como que elas iam estar quando ele entregasse aquela caixa de sabonetes, aquele perfume, aquele talco, usava muito talco, né, aquelas caixas de talco....
(14:05) P1 – Talco, né? Com aquele “Pom Pom”, né? Com aquele “Pom Pom”. Eu lembro. Eu lembro.
R1 – É… aí, eu era apaixonada, eu era apaixonada por tudo aquilo lá. Até que um dia eu consegui comprar uma caixa preta assim do sabonete Maja, que era redondinho e na frente tinha um desenho bonito de uma mulher, assim, né. Então, aí, na Drogasil, sempre passava o gerente do Unibanco, ele sempre ia lá e falava assim: “Oh, Márcia, eu gosto muito do seu atendimento. Quando você fizer dezoito anos, eu quero que você... espera aí, acho que deu um probleminha. Você tá me ouvindo bem?
(14:49) P1 – Tô, tô, tô.
R1 – Ele falou assim: “Quando você fizer dezoito anos eu gostaria de levar você pra trabalhar no Banco”. E o Banco era na esquina. Aí eu fiz dezoito anos no dia quatorze de agosto. Aí, no dia sete… oito de setembro, eu entrei no Unibanco.
(15:10) P1 – Nossa!
R1 – A convite do gerente. E fiquei no Unibanco por cinco anos, né. Naquela época era difícil o Banco, bem difícil. A gente entrava cedo e saía muito tarde. Era muito movimento e a gente... eu era muito feliz lá. Era muita pressão, o Banco era pressão. Às vezes eu saía contando dinheiro e voltava contando dinheiro, dormia contando dinheiro, porque a gente ficava meio doido, mesmo. Mas aí depois eu fui para o Banco Francês e Brasileiro. Inaugurou um Francês e Brasileiro aqui e fiquei no Banco também como secretária do gerente, dos gerentes de operação e fiquei mais uns quatro anos. Bom, bancária eu fui por oito anos. Tanto no Banco Francês, no Unibanco e passei um período pequeno no F. Barreto, porque logo eu fui para o Francês Brasileiro. E quando eu saí do Banco, eu... foi uma época que eles enxugaram bastante, o salário das operadoras de caixas estava um pouco elevado, acabou demitindo todas e, por um terço do salário, se contratou outras pessoas. E aí eu fui buscar emprego. Graças a Deus nunca fiquei, assim, disponível para o mercado de trabalho mais do que uma semana, né? E aí já comecei a trabalhar no comércio, trabalhei numa refrigeração, fui secretária nessa refrigeração, um desafio porque, quando eu entrei lá, o pai do dono falou assim: “Oh, você vai trabalhar direto com o Zé Alberto, mas ninguém aguenta ele. Não sei se você vai ficar muito tempo”. (risos) Eu falei: “Graças a Deus fiquei quatro anos”, né? Até quando o pai morreu e aí o Zé Alberto acabou encerrando as atividades também, porque ele era advogado e tal, mas foi bom. E, em 1988, eu entrei, foi em 1988, que eu entrei no Atacadão. Em 1988? É. Eu tinha acabado de casar. Eu entrei no Atacadão e estou funcionária do Atacadão até hoje. Até hoje eu sou funcionária do Atacadão, mas eu estou licenciada do sindicato, eu me afastei. Eu vim para o sindicato em 2009. Eu tinha acabado de me aposentar, em 2008, já estava aguardando, esperando, assim, que o Atacadão ia me dispensar, porque o Atacadão já não era a mesma empresa, né? Eu entrei quando eram três sócios: o Paulo Rubens, o “seu” Herbert e o “seu” Farid. E quando eu saí já era do Grupo Carrefour. Então, quando você trabalha numa empresa que é familiar, é diferente. Você... o teu patrão, ele chegava na loja e, ao invés dele procurar o gerente, ele andava na loja inteira e ia conversando com os funcionários. Queria saber: “Como é que está seu pai? Como é que está sua mãe? E seus filhos, né, tal?” Porque eu tive a graça de ter dois filhos trabalhando no Atacadão. Então, eu tive o Lucas, que tem trinta e um anos e tenho a Natália, que tem vinte e oito, vai fazer vinte e nove agora em julho. Então, toda essa minha vida foi com a segurança de trabalhar no comércio, de trabalhar numa empresa séria, que eu tinha a segurança de receber o salário bonitinho, de poder entrar no financiamento de uma casa, que foi quando eu consegui a minha casa, a minha primeira casa, no conjunto habitacional. Então, eu tive essa felicidade. E lá eu aprendi muito, cresci muito, me fortaleci. Entrei também no mundo sindical, quando me convidaram para a diretoria do sindicato, eu vim também para ser, a primeira vez, foi secretária em 90...90... eu entrei em 1988, acho que foi em 1994, mais ou menos, que eu vim para o sindicato. E, de lá pra cá, sempre assim: entrei como secretária, depois fui tesoureira, fui subindo, assim, na diretoria, mas sempre atuando na minha empresa, no Atacadão. Eu nunca me licenciei. Sempre muito ativa. Eu sempre fiz a ponte entre a empresa e o sindicato. Se a gente tinha algum problema a gente tinha que resolver, porque nem o trabalhador poderia ser prejudicado e a empresa, em contrapartida, não podia ser lesada também. Então, sempre foi muito bom essa relação com a empresa e a Márcia sindicalista. E aí, em 2009, quando eu já estava esperando assim, que a empresa ia me dispensar, porque eu tinha aposentado em 2008, ocorreu que o nosso presidente na época, aqui do sindicato, o Marco Antônio Pereira, ele sofreu um infarto fulminante e veio a falecer. Isso foi numa terça-feira, na quarta-feira foi o velório dele, na quinta-feira o presidente da federação na época, o Luiz Carlos Motta, que hoje também é deputado federal e presidente da federação e da confederação, me chamou e disse assim: "Márcia, hoje nós vamos fazer a vontade do Pereira”, que era o presidente que tinha falecido. Eu falei: “Qual é a vontade, que eu não sei?”. Ele disse: “Olha, ele sempre, nas reuniões, ele falava assim: que se um dia ele não estivesse no sindicato...” Não pensando em morrer, ele pensava em crescer pela federação, né?
(21:26) P1 – Lá dentro.
R1 – que se um dia… Crescer profissionalmente, indo para a federação, confederação, essas coisas. Então: “Se um dia ele não estivesse à frente do sindicato, que você seria a pessoa que teria condições de estar assumindo”. Pra mim, Cláudia, foi assim, na hora, um choque, uma surpresa, porque eu sempre tive uma excelente relação com o Pereira e eu sempre falava pra ele: “Oh, eu nunca vou querer ser afastada, não. Porque não daria certo comigo”. Aí ele falou assim: “Ah, não dá mesmo, porque você é muito exigente nas coisas e o pessoal aqui já é mais de boa, né?”. (risos) Eu falava: “Não quero, não. Nunca vou querer ser afastada”. E você vê: veio o destino, né e aconteceu tudo isso e eu, como sindicalista, tinha que estar pronta. Então, foi quando eu aceitei e vim. E vim como vice-presidente. E quem assumiu a presidência foi o diretor jurídico, que era vice-presidente, o Doutor Miltermai. O Doutor Milter, ele é uma pessoa de leis, totalmente... não gosta muito de conversar com as pessoas, não é nada comercial, ele é assim. Inteligentíssimo, estuda demais, sabe muita coisa, defende muito bem, representa muito bem os trabalhadores nas causas trabalhistas, mas ele não era nada comercial. Então, eu comecei a fazer essa parte política do sindicato: visitar as empresas; sair fora; tinha reunião em São Paulo, eu ia; tinha em Campinas, eu ia; tinha em Brasília, eu ia… E sempre assim. E, com isso, chegou um momento, passou um ano e meio, ele já não estava aguentando mais, a gente trocou as posições. Aí ele falou assim: “Eu fico como vice e você fica como presidente”. Então, assim, né, tudo vem assim, numa avalanche. Aí eu falei: “Nossa! Bom, vamos embora!”. É difícil quando você pensa num sindicato de noventa anos, que completou noventa anos, que nunca teve uma presidente mulher. Sempre ele foi presidido por homens. E o mundo do trabalho é um mundo difícil, né. É um mundo de negociações difíceis. Então, na hora, assim, eu falei: “Meu Deus do céu, se o Senhor preparou isso pra mim, é porque eu tenho capacidade de seguir. Então, vamos seguir!”. E foi assim, com muita ajuda também das pessoas, dos funcionários, dos diretores, que eu comecei no sindicato. E a primeira reunião que eu tive, eu lembro, até uma pessoa muito querida, que o Sesc aqui leva o nome dele, o Doutor Eládio Arroyo, (choro) até tenho foto dele, com ele, muitas fotos comigo e com ele. O Doutor Eládio era como um pai pra mim, como um pai. E eu lembro que, nessa primeira reunião, eu estava na sala, não sabia que eu estava com dengue, tinha acabado de assumir o sindicato, estava com dengue, estava com todos os sintomas fortes, mas tinha que ser mais forte do que a dengue, porque eu tinha acabado de assumir aqui no sindicato. Eu estava numa reunião com os representantes dos shoppings, Rio Preto é uma cidade de interior, mas é uma cidade com um comércio maravilhoso, e eu estava… forte, né, muito forte e eu estava com os representantes dos shoppings, hoje nós temos quatro, naquela época nós estávamos com três, com o presidente do CDL, da Associação Comercial, sindicato patronal e o Doutor Eládio. E o Doutor Eládio, ele faleceu acho que com noventa e sete anos, faz dois anos. E aí o Doutor Eládio já era uma pessoa mais idosa, quando você tinha representantes lá de trinta anos, trinta e cinco anos e a gente estava conversando e toda vez que o Doutor Eládio falava, eles olhavam entre si e riam. E eu observando tudo. E aquilo foi me incomodando, me incomodando. E chegou um momento que eu falei assim, até eu mesma me assustei, eu bati na mesa assim e falei: “Gente, por favor, vocês têm que ter respeito com essa pessoa, com esse ser humano que está aqui. Porque foi ele, ele, na vida dura, nas dificuldades que teve, que fez o comércio de Rio Preto ser o que é hoje. Ele que veio com as dificuldades para a negociação, é Semana Espanhola, é crescimento, é buscar cada dia mais melhoria para o comércio e vocês não estão tendo respeito com ele. Por que ele é idoso e vocês são jovens?” Eu falei: “Vocês tinham que pegar a experiência desse homem e levar para o resto da vida de vocês”. E naquela hora eu falei assim: “Eu gostaria, então, de encerrar essa reunião e numa próxima a gente pode conversar de igual para igual. Com respeito de lá pra cá. Eu sou mulher, tô aqui no meio” - só tinha homens - “e tenho o mesmo respeito e gostaria que vocês tivessem o mesmo respeito comigo e com ele”. Aquele dia foi assim, acho que foi um marco, assim, para eu ter respeito, porque é assim, né, Cláudia? Mulher tem que estar provando todo santo dia que ela é capaz.
(27:20) P1 – Hum, hum. Sim.
R1 – Não é fácil. A gente tem, assim, que “matar um leão por dia”. E acho que naquele momento lá eu consegui que as pessoas me respeitassem. E de lá pra cá, assim, as nossas negociações sempre foram difíceis porque, quando um lado só ganha, a negociação não é boa. Então, são negociações difíceis, mas com muito respeito. Eu tenho uma vivência com o lado empresarial, porque eu sempre falo assim: “Nós precisamos das empresas saudáveis, para gerar emprego para os nossos trabalhadores”. Então, a gente sempre teve uma relação de muito respeito, de cordialidade. Eu entro na empresa, eu converso com os funcionários, eu converso com o empresário, eu converso com o gerente. Então, a relação sempre foi muito boa. Muito boa, graças a Deus. Negociação, eu falo, é momento. É aquele momento que você... o ânimo acaba sendo... ficando esquentado, um fala de um lado, um reivindica do outro, é o advogado falando, é todo mundo, mas no fim a gente aperta-se as mãos, por mais difícil que seja a negociação, por mais longa que seja, digo mais longa, porque aqui em São José do Rio Preto eu não consegui assinar ainda, está um pouco complicado, porque ontem também fiquei sabendo que o advogado que negocia, o Doutor Francisco, foi contaminado pelo Covid e está em estado gravíssimo, entubado. Então, cada dia a gente recebe uma notícia difícil, né?
P1 - É.
R1 - Mas, enfim, o mundo sindical é um mundo que me encanta, como mulher. Logo que eu entrei no sindicato a federação viu também a disponibilidade como mulher, porque o meio sindical são poucas mulheres, porque as mulheres têm tripla jornada, as mulheres têm filhos, têm casa, têm marido. Às vezes o marido não vê com bons olhos, tem maridos que falam: “Ah, mas é um mundo muito machista. Como é que você vai ficar no meio?”. Sim. É um mundo que tem muitos homens. Hoje, graças a Deus, a gente tem muitas mulheres. Para você ter uma ideia, nós temos treze mulheres, nós somos setenta e dois sindicatos no estado de São Paulo, filiados à Fecomerciários e nós temos treze, vai pra quatorze, agora que mais uma assumiu, olha que maravilha! Quatorze mulheres no elenco federativo. Então, é um avanço, é uma coisa muito boa. E, na época, o presidente Motta, ele viu em mim uma pessoa, assim, disponível para estar representando, então eu tive a oportunidade de viajar bastante em negociações do mundo do trabalho. A UNI também, que é um sindicato internacional que a gente também é filiado, então eu fui pra Bruxelas, fui para Argentina, fui para a África, fui em vários países, assim, conhecer o trabalho lá, conhecer o mundo sindical. E a gente viu também que o Brasil, ele é referência, ele é referência do sindicalismo, sabe? Das leis trabalhistas, né. Então, ele é uma referência, porque a gente viu muito sofrimento, muito sofrimento. Nós estivemos no Walmart, nos Estados Unidos, eu falei assim, quando nós fomos no Walmart, você vê aqueles senhores lá num depósito sem ventilação, sem água potável, é quase trabalho escravo, sabe? E aí a gente olha assim para o Brasil, a gente fala: “Puxa, nós temos convenções que protegem o trabalhador”. Nós temos uma segurança do trabalho que também vê a saúde do trabalhador, o quão importante é, né? Então, tudo me deu muita força e, com isso, eu fui eleita também diretora da federação, logo peguei uma secretaria que me encantou, que é a Secretaria da Mulher. Saudades de poder fazer reuniões com essas mulheres, Cláudia do céu! O dia que voltar eu vou te convidar pra ir, viu?
(31:52) P1 – Ah, eu quero sim. (risos).
R1 – Nó chegamos a reunir três mil mulheres.
(32:00) P1 – Nossa!
R1 – Mulheres essas trabalhadoras, sabe? Mulheres empoderadas naquele sentido de buscar conhecimento, de estar junto na luta. Então, era muito bom. Eu fiquei por seis anos como Secretária da Mulher, fizemos vários, vários eventos, de levar essas mulheres também e passar para elas a realidade. Não é só levar: “Ah, vamos fazer um evento na Praia Grande, na colônia de férias e vamos levar essas mulheres para a praia”. Não. Nós tínhamos os eventos, assim, tudo organizado. A palestrante, um médico para falar da saúde, né, mulheres que venceram na vida, mulheres da beleza, mulheres do comércio, vários depoimentos. Coisas assim: a gente via, ao mesmo tempo, aquelas mulheres chorando e, de repente, elas explodindo de alegria.
P1 - Uhum.
R1 - No momento que trazia, aflorava aquilo que ela tem dentro de si. “Você pode, você pode, você vai, você consegue. Nós estamos aqui tudo juntas, para fazer a diferença”. Então, esses eventos, eu, como Secretária da Mulher da Fecomerciários, eu tive uma felicidade muito grande, de poder estar com mulheres de todo o estado, porque eram mulheres do estado de São Paulo inteiro e inclusive de outros estados também, que a gente tinha convites, inclusive de fora do Brasil, que nós tivemos algumas representantes que vieram também. Então, isso é muito bom, isso nos traz uma alegria muito grande. Fui também conselheira do Senac. Tive que pedir a baixa, por quê? Eu fui vereadora por quatro anos aqui em Rio Preto: 2017, 2018, 2019 e 2020. E as reuniões, elas coincidiam nas sessões, terça-feira, era uma vez por mês, mas toda terça-feira. Então, no começo, eu ainda justificava, mas depois fica muito complicado, a mídia fica em cima, né? “Ah, a vereadora faltou, durante seis meses, faltou em seis sessões”. Então, aí eu tive que conversar lá, fiquei até triste, porque eu gostava muito de participar lá com os meus colegas, né, experientes, nossa Senhora, muito experientes. Então, a gente trocava muita informação, porque eu valorizo muito as pessoas que já viveram mais do que eu, porque elas têm uma capacidade de passar pra gente as experiências, uma bondade, é uma bondade que hoje talvez você não vê. Hoje eu falo assim: as pessoas estão tão preocupadas: “Será que vai pegar o meu lugar? Se eu passar em tal função vai pegar o meu lugar?” Isso é ruim. Eu sempre falo para as pessoas assim: “Quando você tem a oportunidade de passar o que você tem de experiência, é sinal de que você vai caminhar para buscar mais e coisas mais importantes, mais conhecimentos para você mesma, né”. Então, a gente não pode ter medo, não, de passar, porque a pessoa vai pegar o meu lugar. Então, no Senac eu fiquei em 2019 com eles e fui conselheira, sou, sou conselheira também, fiscal, a primeira mulher conselheira da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio, a CNTC, que a sede fica lá em Brasília. Então, foi uma alegria muito grande ser convidada, né, ser acolhida pelos diretores lá, porque a primeira mulher conselheira, difícil, nós lutamos muito para ter uma secretaria, né, começou com uma Coordenadoria da Mulher e agora a gente tem também um espaço da mulher lá. Então, isso tudo é muito, muito bom. Eu sou da UGT também, é a Central.
(36:04) P1 – Nossa!
R1 – A UGT nós somos... Oi? Desculpa que eu falo muito, Cláudia.
(36:08) P1 – A União Geral dos Trabalhadores. Não, está ótimo. Eu tô encantada. A UGT é a União Geral dos Trabalhadores?
R1 – É. O nosso presidente aí da nacional é o Patah. O Patah é o presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo. E a UGT São Paulo, o presidente hoje afastado é o Motta, né, e nós estamos com o Amauri, que é de Tupã e eu sou diretora de Relações Internacionais da UGT São Paulo. E também sou coordenadora regional da macrorregião daqui de Rio Preto. Aí envolve todos os sindicatos, não é só do comércio. É muito bacana, porque a gente tem os ruralistas, frentistas, hotéis, bares e similares. Então, envolve muito, é uma troca muito grande. É muito bom. Bom, e nesse meio todo, na última eleição eu fiquei como primeira suplente, foi uma eleição bem difícil. Eu falo assim, Cláudia, que é difícil ter mulheres na política. E mais difícil a gente conseguir se manter na política. A gente fez um trabalho forte, nós tivemos uma demanda que, durante os quatro anos, eu tive três projetos para a liberação do horário livre aqui em São José do Rio Preto, foi uma luta grande, uma luta difícil, mesmo. A última a gente está até hoje ainda com o sindicato patronal recorrendo, né já teve uma decisão...
(37:46) P1 – O que seria essa liberação do horário livre?
R1 – Horário livre é horário livre mesmo: abre a hora que quer e fecha a hora que quer. E eu, como vereadora, quando foi colocado isso no Plano Diretor, que o Plano Diretor vai tratar da cidade pelos próximos dez anos, ali dentro está tudo, todo o estudo que vai delinear a cidade pelos próximos dez anos, foi colocado um parágrafo onde seria horário livre do comércio de acordo com a liberdade econômica. É uma luta que a gente tem, muito grande, Cláudia, no mundo sindical. Porque horário livre você vai precarizar ainda mais a vida dos trabalhadores, a vida das mulheres. Porque o trabalhador é a parte mais fraca nessa hora porque, se eu, como patroa, chegar e falar para os funcionários: “Oh, hoje eu vou ficar até as oito da noite”, você vai ter que ficar. Eu preciso do emprego. Então, quando a gente fala em geração de emprego, a gente precisa ter regras. O horário pode ser livre, pode abrir seis horas da manhã e fechar meia-noite, mas tem de ter regras: qual é o turno que vai trabalhar? Das oito até... vai ser sete horas e vinte, como é em supermercados hoje, porque trabalha de segunda-feira a segunda-feira, com uma folga na semana? Perfeito, mas tem que ter regras. Vai gerar emprego? Então, nós queremos saber quem vai gerar emprego. Nós não queremos que mexa com a vida do trabalhador. Porque a trabalhadora está lá, ela entrou, o contrato de trabalho dela reza que ela vai trabalhar das oito às dezoito. Ótimo. Só que, a partir do momento que põe horário livre, a empresa: “Ah, eu vou ficar até as vinte e duas e você, agora, vai começar a entrar meio-dia e vai sair às vinte e duas”. Como é que ficam os estudantes, as mães com filhos, as mulheres? Que a gente bateu muito nisso, que nós não temos segurança o suficiente. Nós não temos transporte que vá até os bairros mais distantes depois das dezenove, vinte horas, né? Nós temos os filhos, que precisam da companhia dos pais. Não dá pra ficar totalmente sem essa companhia, sem essa ajuda dos pais. Então, nós pontuamos várias coisas e levamos também a classe trabalhadora para a rua, mostrar o que que estava impactando. E como isso nós conseguimos, eu como vereadora, consegui colocar uma emenda nesse Plano Diretor, onde a emenda só dizia assim: horário livre, desde que seja informado ao sindicato qual o horário de abertura e qual o horário de fechamento e qual a geração de emprego que vai ter. Então, quais são os turnos de trabalho e quais são as pessoas. E isso aí é tudo que eles não querem, principalmente a Associação Comercial aqui, que acaba tendo uma representatividade muito forte nessa questão. Assim, eu falo até que é muito pontual, porque vai muito do presidente que está em exercício, você entendeu?
(40:59) P1 – Hum, hum.
R1 – Então, nós tivemos essa demanda aí bem complicada. No dia da sessão e, olha, eu não tinha sido eleita, foi depois do resultado das eleições e eu fui nessa defesa, saí no calçadão, fui falando com cada trabalhador: “Vocês ligam para o vereador. Cobra o vereador, porque o vereador veio aqui pedir voto pra vocês também. E agora, se passar isso, vai ser horário livre, é de segunda-feira a segunda-feira, inclusive domingo e feriado”. E foi muito bom e eu tive muito respeito dos meus amigos vereadores dentro daquela casa, porque eles até falaram assim, alguns falaram assim pra mim: “Nossa, Márcia, você fez um trabalho durante quatro anos, de representação, que nunca se teve aqui dentro dessa casa. E você não conseguiu ser eleita”. Aí um falou assim: “Eu, se fosse você, não estava nem aí, deixava todo mundo se ferrar”. Olha só. Eu falei: “Não. Eu fui criada nesse mundo, eu fui criada com... minha mãe e meu pai sempre me deram muitos subsídios para você lutar por aquilo que você acredita, não ‘jogar a toalha’ e eu falei: E eu tenho um respeito enorme com os trabalhadores, porque eu sei da luta de cada um. Eu sei que atrás daquele balcão está batendo um coração. Um coração de mãe, de filho, de pai. E eu não posso deixar que isso aconteça. Eu não posso acabar com a união da família, de domingo todo mundo trabalhando, não tem mais vivência, não tem nada”. Então, a minha forma de abordar os vereadores, de pedir para eles, porque era de um lado eu pedindo, do outro o poder, a Associação Comercial, com poder, né? E pedindo pra tudo quanto é instituição ligar para o vereador também: “Oh, vota contra a emenda da vereadora. Vota contra”. Cláudia, naquele dia eu entrei na sessão cinco horas da tarde, se um dia você tiver a oportunidade de ver essa sessão, a minha aflição, porque eu não tinha os votos. Eu não tinha os votos. E aquilo, pra mim, era… não era eu só, era a representação de quase quarenta mil trabalhadores.
(43:21) P1 – Da classe toda, né?
R1 – É. E das mulheres trabalhadoras, que confiam em mim, que sabem da minha luta. Então, na hora que eu entrei naquela sessão, eu ficava: “Meu Deus do céu”. Aí eu ia, corria com um pra falar, mas dali a pouco eu estava vendo que ele estava recebendo uma ligação e eu sabia que era alguém pedindo pra ele votar contra. E foi essa sessão, essa sessão teve um vereador advogado que usou a tribuna representando a Associação Comercial, me agrediu muito na fala, tentou fazer com que eu reagisse e a minha reação fosse negativa, porque aí estaria tudo perdido, mesmo.
(44:03) P1 – Hum hum. Uma provocação, né?
R1 – É. Foi uma provocação difícil. Eu ouvi, ouvi aquelas coisas que me machucaram, porque eu sabia da minha luta, eu sabia da minha índole, sabia de tudo o que era correto pra mim, né, e aí eu fiquei ouvindo, ouvindo aquilo e o vereador do lado, que hoje é presidente da Câmara, o Pedro Roberto, falava assim: “Vereadora, não responde. Não reage”. E eu falava assim: “Pedro, eu acho que Deus fechou meus ouvidos e calou minha boca, porque eu estou conseguindo ouvir e a minha cabeça parece que não está vendo que ele está me agredindo tudo isso”. Enfim, eu fui usar a tribuna, usei a tribuna na defesa, fui muito pontual naquilo que eu tinha que passar para os vereadores, qual seria a mudança na vida daquelas pessoas, que muitos deles tinham acreditado e dado voto pra eles. E essas mesmas pessoas, que é a maioria trabalhadora de São José do Rio Preto, porque comércio e serviços é o que é mais forte aqui dentro da cidade, eram essas pessoas que seriam impactadas: mães com filhos pequenos, mães com filhos especiais, mães que precisavam estar cuidando de um pai, de uma mãe, que não tinha mais... então, a fala foi assim, bem sincera, sincera. Em nenhum momento eu ataquei o outro vereador. Coloquei à disposição para aquilo que ele tinha colocado em dúvida ser respondido e esclarecido para ele no momento oportuno, mas que naquele momento eu estava defendendo aquilo que eu acreditava e que o povo de São José do Rio Preto, trabalhador, esperava de cada um dali. E foi uma reviravolta. Eu tive, de dezessete vereadores, doze votos favoráveis. Quando eu entrei, não tinha nem cinco. Então, essas coisas assim é que vai nos fortalecendo...
(46:07) P1 – E ali na sala, no seu discurso, que você virou o jogo? Mas você estava com medo de ações?
R1 – Foi. Porque eu falei até com o governo, depois eu falei: “Poxa vida, prefeito, o senhor disse que ia ficar de fora? Mas os vereadores, todos os vereadores ficavam lá recebendo ligação do assessor, pedindo pra votar contra a minha emenda. O senhor disse, prefeito, com todo respeito, que o senhor ia colocar isso no Plano Diretor e que ia ficar de fora e não foi isso que o senhor fez”. Aí ele ficou até meio chateado, né, porque é o compromisso com a Associação Comercial, né? Eu falo que, quando a gente tem, assim, um desequilíbrio, porque aqui nós temos uma força, uma força de luta; do outro lado tem uma força econômica, financeira, é bem difícil. Mas, graças a Deus, deu tudo certo, eu terminei o meu mandato em dezembro, de cabeça erguida, de alma lavada, de amizade com todos, inclusive os que votaram contra, que foram quatro, né? O presidente da Câmara não vota, então quatro vereadores que votaram contrário. Esse que usou a tribuna e chegou a me ofender, né, e outros três que eu até entendo, são mais militares, né? Eu falo: é tudo regimento, é tudo muito certinho na vida deles, as coisas acontecem muito com leis que têm efetividade. É diferente, é bem diferente do trabalhador que tem o menor salário, trabalhador que às vezes não tem benefício, não tem convênio médico, não tem cesta básica, né? E, muitas vezes, tem uma família maior, paga aluguel, às vezes falta aquele dinheirinho, falta até pro leite da criança, né? Então, é bem complicado. Mas eu respeito, respeito o voto de cada um, mas lutei sim, com unhas e dentes, com a mulher dentro de mim, a mãe, a esposa, com todas as forças que eu tinha. Ali, eu falei, eu tenho que ser tudo. Eu falei: “Deus, coloca as palavras na minha boca, por favor e não deixa que eu ofenda ninguém”. Porque você sabe que sindicalista, quando fica nervosa, assim, sobe em cima do caminhão, pega o megafone, já a coisa ferve. Mas ali não, né? Vereadora, nós estamos na casa de leis. A gente também tem que lutar. Não adianta que a fala, a fala é normal.
(48:46) P1 – É normal, né? Me fala uma coisa… Eu achei muito interessante esse seu olhar, né, você como mulher, esse seu olhar, né, para a categoria dos comerciários, mas em especial para essas questões da mulher, né? Do específico. Tem negociações que são específicas, assim, em relação às mulheres? Assim: período de gestação? Tem algumas negociações que são específicas para esse público?
R1 – Na nossa negociação, por exemplo, a empresa é, assim, tem uma cláusula que a empresa, ela tem que liberar a mulher para o exame de mamografia, porque nós já tivemos casos aqui que a comerciária teve que desmarcar, porque o chefe não a deixou ela ir. Então, quando houve essa situação, que é uma questão de saúde, se eu não fizer, daqui há um mês eu posso estar com algo mais grave, que vai custar a minha vida. Então, nós temos, na nossa convenção, também, essa segurança para a mulher, quando ela tem que fazer os exames dela, ginecológicos e a mamografia, ela é abonada e sem problema nenhum. Ela tem que ser abonada aquele dia, para ela fazer os exames dela. E nós temos assim: como a gente tem uma preocupação muito do assédio, né, então tudo, assim, a gente deixa bem esclarecido também sobre o assédio, que é complicado. Às vezes as pessoas vão aproveitando um pouco, né, a gente vê isso muito, aí depois a culpa é da mulher, da roupa que ela usou, da forma como ela falou, da forma como ela sentou. Aí a culpa do assédio, né…
P1 - É sempre da mulher…
R1 - ... ou hoje falando até feminicídio, a culpa é da mulher, da mulher. Então, aqui a gente tem uma luta muito grande da mulher, viu? Eu, como vereadora, eu também fiz um projeto, que é a conscientização da violência contra a mulher, o “Agosto lilás” e todo mês de agosto, fora o ano inteiro que a gente trabalha com outros grupos, mas no mês de agosto em si, não fizemos o ano passado devido a pandemia, estava tudo programado, mas a gente tem um trabalho muito forte nessa conscientização da violência contra a mulher. A gente sai às ruas, a gente faz pedágio, a gente vai nas empresas. Eu trouxe, em 2019, eu trouxe a Major Denice da Bahia, que é a criadora da Ronda Maria da Penha na Bahia, inclusive foi candidata a prefeita em 2020. Uma mulher fantástica, uma mulher negra, uma mulher forte, uma mulher que sabe como passar aquelas informações e aquela vivência, mesmo. A vivência do dia a dia. Porque na Bahia é o maior índice de feminicídio e de agressão à mulher, é na Bahia. Então, eu trouxe ela, e ela falou, nós levamos ela para escola municipal, estadual e particular. Falou assim para... teve uma escola que tinha uns trezentos alunos sentados no pátio. Uma escola municipal, uma escola problemática, que tinha acabado de acontecer um ato grande de vandalismo, sabe? E ela falou para os jovens, para saber como detectar a violência, o assédio, o que é normal, o que não é. O que as pessoas acham: “Ah, ele é muito ciumento”. Não, não é muito ciumento, começa a reparar. “Ah, ele cuida do meu celular, ele quer saber onde eu tô: ‘Manda foto com quem você tá’”. Então, foi fantástico, fantástico. E a gente sair nas ruas, eu sou uma pessoa muito de rua, né, Cláudia, eu já tenho esse perfil mesmo, assim, de rua mesmo, então quando a gente foi para as ruas abordar, a gente abordou caminhoneiros, que assim: “Olha, vocês estão muito certas, e pode contar com o meu apoio. E sempre vou estar passando isso para outros amigos”. Porque, se o homem não ajudar nessa luta contra a violência da mulher, nós mulheres, sozinhas, não vamos conseguir.
(53:13) P1 – Hum, hum. Perpassa pela conscientização do homem também, não é uma ação voltada só para a mulher?
R1 – Não. E é muito bacana quando você pega um homem e ele fala assim, ele lê aqui e ele fala assim: “Gente, mas vocês estão corretas, me dá mais uns panfletos, que eu vou levar lá para o meu time de futebol, eu vou passar isso, porque é isso. Porque a gente tem que cuidar das nossas mulheres, nós não temos que acabar com as nossas mulheres, né? Nós não temos que agredir”. Quando você agride uma mulher, você agride todas as mulheres. E principalmente a família, porque a mulher, ela é o centro da família.
P1 - Uhum.
R1 - Então, a gente precisa ter muito cuidado. E aqui em Rio Preto nós temos vários grupos de mulheres, né, vários núcleos de luta das mulheres, de todos os segmentos. Eu sou filiada hoje ao PSD, o partido do Kassab, aí de São Paulo. O Patah também faz parte do PSD sindical aí. Eu faço parte do PSD Mulher também, só estamos aguardando agora o momento para estar conversando também com o PSD Mulher nacional, para gente poder fazer alguma atividade. O que mais a gente está com saudade, Cláudia, é voltar à vida normal, poder reunir, reunir as pessoas, não é?
(54:39) P1 – É. É. É.
R1 – Eu falo assim: ó, a gente tá conversando assim, de longe, né? Mas não tem aquele calor, assim, da gente estar próxima, da gente estar trocando ideias, da gente estar vendo. Eu falo assim....
(54:52) P1 – A gente já está no limite, né, Márcia? A gente já está no limite, né?
R1 – É. O presencial, pra mim, é muito importante. Ontem... eu sou secretária também do Trabalho, aqui em São José do Rio Preto, fui convidada pelo prefeito, né? Até, assim, segurei um pouco, porque eu falei assim: “Ah, prefeito, eu agora sou avó, tenho uma neta, Manoela, de onze meses. Eu falei assim: Eu já tenho uma vida corrida no sindicato, então eu queria assim, talvez dar um tempo”. Aí ele insistiu bastante, o partido também, aí o Kassab ligou também: “Marcia, o partido tem que estar junto, tem que estar no governo”. E aí, no fim, assumi a Secretaria do Trabalho, estamos lá com uma equipe bacana e a Secretaria do Trabalho também tem as coisas muito voltadas: capacitação, a criação das cooperativas, que é geração de emprego e renda, né? É tudo mais ou menos ligado àquilo que a gente já atua. E ontem eu fui numa associação rio-pretense aqui, de menores, que é a “Arprom”. E eles tem… Acho que eles estão com setecentos menores, já. E aí eles preparam esses menores, com tudo, na parte de informática, na parte de Matemática, até tinha uma professora de Matemática lá dando aula on line e eu falei: “Olha, eu quero te dar os parabéns, viu, porque, olha, eu vou te falar, eu sempre... Matemática foi terrível pra mim”. Ela falou: “É? Você não gostava?”. Eu falei: “Não. Eu sempre fiquei de segunda época. Eu passava na raspa, porque os professores me ajudavam, porque eu nunca... Matemática nunca foi meu forte”. Mas estavam lá os professores, todos dando aula on line. E aí eu cheguei no auditório, né, aquele monte de cadeira assim, né? Aí eu entrei com as meninas que, para minha felicidade, eu tenho oito mulheres que estão à frente, junto com o presidente e a diretoria e eu falei: “Eu fico muito feliz quando eu vejo mulheres à frente de cargos não ocupados, né”. Quando eu entrei naquele auditório, Cláudia, eu fiquei naquela mesa, eu falei assim, olhei e falei assim: “Boa tarde, meninos, hoje é uma alegria muito grande eu estar aqui com vocês. Poder passar um pouquinho dessa experiencia, não sei o quê”. Comecei a falar, as meninas começaram rir, eu falei: “Gente do céu, imagina isso daqui cheio? Esses olhinhos aí esperando?” Que estão aqui para o primeiro emprego. E aí vem uma pessoa que passa um pouquinho da experiência dela, que fala assim: “A sua vida você transforma. Você é responsável pela sua condução de vida, pelo seu lado profissional, o que você vai ser, como você vai ser. Você é responsável. Você transforma. O transformador é você mesmo, né?”. Eu falei: “Ai, gente, isso é muito bom”. Aí as meninas: “Olha, ô secretária, quando a gente abrir, aí, você vai ter que vir aqui, falar com os alunos”. Então, eu falo que essa pandemia, assim, está nos privando do contato pessoal, mas não tem como a gente fazer diferente. Hoje é essencial o distanciamento, uso de máscaras, álcool gel, lavar as mãos, cuidado com a saúde. A gente está perdendo muitas pessoas, né, Cláudia? Muitas pessoas queridas e as pessoas, emocionalmente, estão abaladas. Bem abaladas...
(58:24) P1 – Hum, hum. Tanto pela perda, como pelo prolongamento dessa situação, né?
R1 – É. Então, eu falo que a gente tem que exercitar a empatia mesmo, sabe? Isso é muito importante. Pessoas tirando a vida, que aconteceu muito aqui em Rio Preto também. Então, a gente tem que procurar, dentro do nosso trabalho, buscar força, buscar inovação nesse momento, não vamos parar. Na secretaria, os nossos cursos à distância estão bombando, o pessoal fazendo. Eu participo sempre, eu vejo a interação das pessoas nas perguntas, nas colocações. Então, isso é muito bom. Mas nada quanto a gente puder voltar ao normal.
(59:13) P1 – Voltar ao normal. Eu sei que você está com o tempo... você tem mais cinco minutinhos, para a gente encerrar?
R1 – Não, oh, tenho sim. Se eu sair daqui onze e vinte, a minha reunião é onze e meia. Mas assim, aqui é assim: eu pego o carro e tsssssss, estou livre.
(59:28) P1 – Então tá. Porque está tão bom, Marcia. O que eu queria saber...
R1 – Ah, é gostoso, né?
(59:33) P1 – É. É. Se fosse presencial ia ser melhor ainda, mas você é uma grande narradora, assim. Dentro dessas negociações, né, e dentro dessa situação da pandemia, o comércio foi um dos setores muito atingidos, né? Todos os setores foram impactados, mas o comércio, essa questão de estar com a loja aberta, de implementar esses protocolos de segurança, né, foram, assim, eu tenho visto como grandes desafios, assim. A gente aprender a entrevistar, né, à distância, como a gente está fazendo, né, enfim. Eu queria que você falasse um pouco assim: como é que vocês foram recebendo essas notícias e como que vocês foram atuando na defesa da saúde, dos interesses do comerciário, Marcia.
R1 – Bom, tudo começou muito estranho, conhecimento nenhum. Eu lembro que dia dezenove de março de 2019, dia de São José do Rio Preto, o prefeito tinha uma comemoração muito grande, porque é tradição fazer um bolo muito grande, grande, imenso, de cinquenta metros...
(01:00:50) P1 – 2020, né? 2020, né?
R1 – Oi?
P1 – 2020.
R1 - É, de 2020,
P1 – Tá, aham…
R1 - 2020, é, porque faz um ano que a gente está...
(01:00:57) P1 – Dezenove de março… Dezenove de março é aniversário de Rio Preto, né?
R1 – É, de Rio Preto… aniversário de Rio Preto. E naquele dia estava tudo programado, né, para ir na Cidade das Crianças, aquele bolo lá de quarenta, cinquenta metros, aí a população, assim, principalmente a população mais carente... eles vão, as crianças vão, a família vai inteira, todo mundo come bolo, aquela coisa. Então, foi naquela semana que a gente, dia doze, por aí, que começou já essa situação. E aí foi tudo cancelado, não podia ter aglomeração e tal. E aí o comércio, assim: fecha, não fecha? Como que faz? Aquela dúvida tremenda, tremenda. E eu tinha ido, dia dezenove eu estava aqui, dia dezoito faleceu uma cunhada minha, no dia dezenove eu estava aqui, tinha cancelado todas as comemorações, em seguida eu tinha ido para o Guarujá. Aí eu estava lá no Guarujá, começou. Quer dizer: eu fiquei um dia no Guarujá e vim embora. Por quê? Era tanta ligação, porque ninguém sabia o que fazer. Os trabalhadores sem saber, eu falei: “Bom, melhor eu estar lá, porque ninguém imaginava, assim, que ia, de uma hora pra outra, ia acontecer o que aconteceu. Então, foi muita coisa acontecendo de repente. E aí, logo de começo, o que que as empresas fizeram: “Vamos fechar como o sindicato, como os bares, todo mundo que teve que fechar?” Fechou, a garantia do trabalho ali e jogou banco de horas. “Olha, gente, nós estamos fechados, vai ficar fechado por uma semana e a gente vai para banco de horas”. E isso foi se prolongando, foi se prolongando. Aí o governo veio com algumas regras, né, que poderia ou você suspender, ou você ter uma carga mais reduzida de trabalho. Então, tudo o que o governo, naquela época, soltou como medida provisória, foi usada com as empresas, tudo homologado pelo sindicato, tá? Algumas empresas... nós tivemos, aqui em São José do Rio Preto, duas empresas que acabaram fazendo demissão em massa. O que não era permitido. Porque o governo já estava dando segurança, para você usar alguma regra daquela que te servisse: ou você dava suspensão com um salário menor, usava um recurso do governo também, pagava vinte por cento e o governo pagava oitenta, né? Então, nós tivemos essas duas ações pontuais, porque foram demissão em massa, que não poderia ocorrer. Uma empresa mandar vinte funcionários. “Ah, tem duzentos, mas mandou vinte’, já é uma demissão em massa.
(01:03:53) P1 – Dez por cento.
R1 – É. Nós tivemos que estar lutando e, lógico, foi… teve que se reverter a situação. Mas nós tivemos essa compreensão dos dois lados, no começo, de estar usando todos os recursos, foram muitos acordos homologados dentro do sindicato, dentro daquilo que poderia ser feito, né ou redução da carga horária, ou suspensão, porque tem as pessoas de idade, que era risco, muito risco, né? Também foram afastadas. Então, o sindicato esteve muito presente nisso. E, com o decorrer, ninguém imaginava que ia ficar, por exemplo, até o final do ano. Todo mundo achava que a coisa ia passar. Só que o comércio, ele foi ficando, assim, sufocado, sufocado. Porque as grandes empresas, Cláudia, cresceu muito nas vendas on line. Você pode ver que os sites das grandes empresas, a Magazine Luiza é uma empresa que cresceu muito, muito, muito, muito, nessas vendas. Então, as grandes empresas, elas com recursos, com tudo o que elas tinham, fizeram parcerias com pequenas empresas e elas cresceram muito no e-commerce. Agora as médias e as pequenas empresas foram as que mais sofreram. Nós tivemos aqui em São José do Rio Preto várias empresas que fecharam. Aí você vai no calçadão, você vê várias placas de aluga-se. Por quê? Essas empresas não têm prédio próprio e o aluguel pesava. Se você não tem venda, você não tem como se responsabilizar por todos aqueles encargos. E outra: o que nós precisamos muito, eu vou entrar só nesse mérito para, de repente, ilustrar: nós tivemos a reforma previdenciária, que isso foi uma grande perda para o trabalhador. Nós tivemos a reforma trabalhista que nós, como sindicalistas, entendíamos que tinha que ter, mas não da forma como foi, que retirou muitos direitos de trabalhadores, que deixou muito precarizada a vida do trabalho e a reforma tributária, que é a mais importante, que é a mais necessária, que vai dar oxigenação para essas empresas, nós não tivemos. Então, as empresas, elas continuavam com todos os encargos. Você contrata um funcionário por mil, ele te custa mil e oitocentos. E, nesse momento, as empresas, principalmente as médias e pequenas, elas têm uma relação muito próxima. Era aquilo que eu te falo: você trabalhar numa empresa familiar, que você conhece o seu patrão, é diferente o vínculo. Ele não vê você como funcionário, ele vê você: “Ah, eu tenho três funcionários, eu tenho três famílias aqui”.
(01:06:59) P1 – É uma extensão da família, né?
R1 – Esses empresários… É. Esses empresários estão sofrendo muito até hoje, porque nós já estamos no fim de maio e a pandemia não passou. E a dificuldade não passou. E nós estamos muito preocupados, porque o número de contaminados em São José do Rio Preto está aumentando. Nós tivemos um mini lockdown, onde fechou até supermercado. Foi muito difícil, porque a gente fala assim: “Existe prioridades pra vacina e tal, mas o supermercado, ele é serviço essencial. Mas, na hora da vacina, os trabalhadores não são prioridades”. Que é uma luta nossa também. Mas, na verdade, eu acho que a vacina teria que ser pra todos, pra todos. Infelizmente, no Brasil a coisa anda a lentos passos, né? Os governos não se entendem, é difícil, eu acho que muito desgaste no governo. E isso, quem está sofrendo são as empresas. As empresas estão sofrendo. Porque as empresas não estão tendo mais oxigênio para sobreviver.
P1 - Uhum.
R1 - E, quando retornam, aí quem não tem é o próprio consumidor. Retornam, as vendas são pequenas. Vende para pagar o aluguel. Muitos trabalhadores as empresas deram férias, mas nem pagaram as férias e deixou claro, falou: “Não tenho. Não tenho agora”. E isso vai ficar para a hora que melhorar.
P1 - Uhum.
R1 - O sindicato, nesse momento, ele tem que estar assim, de entendimento dos dois lados, porque a gente sabe que as empresas estão sufocadas. Em contrapartida, nós temos o nosso trabalhador que precisa daquele ganho, porque precisa pôr comida dentro de casa, porque tem filhos, isso. Então, é uma situação que a gente tem que ter cuidado. Às vezes a gente conversa individualmente, para tentar tratar aquilo, mas hoje o comércio voltou ao horário normal, não com aquela demanda que tinha, mas voltou. Essa é a esperança, mas com isso também nós estamos vendo que muitos casos estão vindo à tona novamente, né?
(01:09:44) P1 – Subindo o número?
R1 – A gente vê a projeção da Secretaria de Saúde e, assim, numa semana tinha cento e cinquenta, na outra teve trezentos e cinquenta positivados.
P1 - Uhum.
R1- Então, é preocupação, que a gente sabe que a Saúde também está passando por um momento difícil: medicamento, intubação, não tem, tem lugares que não tem. Não tem todos os requisitos necessários pra fazer essa intubação, né? Eu não sou da área da Saúde, mas eu converso muito aqui com o Secretário de Saúde, o Doutor Aldenis e a gente vê isso aí...
(01:10:22) P1 – A dificuldade de obter os insumos necessários, né?
R1 – Sim. É. Não tem. Agora, com as empresas, a gente busca sempre seguir... eu falo: “Se você não cumprir, você vai pagar mais caro lá na frente”. Então, vamos conversar: “Ah, não tem?” Então, vamos fazer uma mesa redonda, vamos ver o que é possível agora, a garantia do emprego para nós é primordial, porque a gente sabe que depois, para se recolocar no mercado de trabalho, não vai ser fácil. Uma coisa que eu falo muito na secretaria é que as pessoas precisam buscar capacitação. Elas precisam. Por quê? Vai voltar. O mercado vai aquecer. Os restaurantes vão voltar, os hotéis, a parte de serviços...
(01:11:09) P1 – E vão voltar com tudo, né? Vão voltar com tudo, porque as pessoas estão na carência, né, de estar junto, de consumir, de confraternizar.
R1 – Sim. De se aglomerar, sabe? Tipo assim… Vai voltar uma hora. Então, eu falo assim: “Você, trabalhador, que de repente está aí, disponível no mercado de trabalho nesse momento, busque a capacitação em toda área”. Nós, na secretaria...
(01:11:36) P1 – Aproveite o tempo para isso.
R1 – ...é, na secretaria nós estamos tendo curso on line direto. Então, nós tivemos curso agora de camareira, de garçom, recepcionista, vendas on line. Porque hoje, um vendedor, se você pegar um vendedor aí, vamos dar um exemplo: Casas Bahia. O vendedor tem lá o seu tablet, ele entra em contato, ele fala com todo mundo, ele vende, ele põe o nome dele lá: “Liga pra mim e tal, não sei o quê”. Então, a gente teve, nós tivemos também um curso justamente para trabalhar o emocional das pessoas, né? As pessoas precisam...
(01:12:18) P1 – Neste momento precisa.
R1 – ... se fortalecer, precisam se fortalecer. Então, como o mundo do trabalho hoje está afetado, o mundo todo está afetado. Vão se recuperar? Vão. Alguns não aguentaram. Alguns tiveram que fechar realmente, porque toda reserva que tinha foi usando, foi usando, porque se achava que iria durar dois meses, três meses, ah, depois no final do ano... Aí em janeiro e nós estamos em junho e a coisa continua. A vacinação... qual é o remédio hoje? É a vacinação pra todos? Sim. Mas principalmente a oração. Eu falo: “Gente, eu acho que o remédio maior hoje é a gente se unir em oração, porque o mundo precisa de oração. Só Deus, na sua misericórdia e bondade, aí que tem todos nós como filhos de Deus, para nos ajudar nesse momento”.
(01:13:14) P1 – É, pra ter uma... pra centrar. Pra gente encerrar, Marcia, que está no seu horário, você é uma pessoa assim, que deve estar super acostumada a dar entrevista, a lidar com a imprensa, né, você sobe no caminhão, aquela coisa de falar, né? Você deve estar super acostumada. Mas a nossa entrevista foi um pouquinho diferente, é uma história de vida, você contou a sua trajetória desde menina, né? Então, eu queria, assim, te perguntar, pra gente encerrar, o que você achou de ter dado essa entrevista, deixando a sua narrativa, a sua história registrada, para a história do comércio e a história no Museu da Pessoa?
R1 – Bom, dentro de toda essa minha história de vida aí, eu espero impactar outras pessoas, outras mulheres, né. Mostrar que a nossa vida simples nos dá oportunidade de aproveitar todos os momentos com muita intensidade e de levar essa experiência, a cada fase da nossa vida. Seja ela na infância, na adolescência, na vida adulta ou na vida mais madura, que é essa que eu estou vivendo agora, né, com sessenta anos, como avó, mãe de dois filhos. Acredito que a minha trajetória de vida também vai dar uma força muito grande pra minha filha, pra minha neta e para as mulheres que nos acompanham. Mas é isso. Eu falo que é acreditar naquilo que você tem. O sonho tem que ser sonhado, mas ele tem que ser realizado, tem que ser buscado a todo momento. Tem que enfrentar as dificuldades com coragem, o não a gente conhece desde pequenininho, eu sempre falo isso, então vamos embora, vamos buscar, vamos tentar e vamos acreditar. Eu tenho certeza que...
(01:15:07) P1 – E a sua história para outras mulheres, como é que você vê isso? Deixar essa história para outras mulheres.
R1 – Ah, mulher. Eu sou uma mulher simples, de uma família simples. Então, que você, que hoje está aí ouvindo, ou lendo alguma coisa, né, saiba que essa história é uma história para outras mulheres darem continuidade, né? Eu só estou continuando histórias que vieram da família, né, da avó, da mãe. Então, eu espero que a minha história também, de vida, sirva para dar continuidade para a nossa luta continuar, como mulher, como pessoa, que é uma luta que não vai acabar nunca. Gostaria, assim, se pudesse, né, ser eterna pra ver coroar toda essa história. Mas que a minha história também seja motivação para as jovens mulheres, para as crianças e adolescentes, para que vocês possam também criar a sua história, a sua vida. Tenho certeza que isso vai fazer a diferença no mundo, a cada ano que passa.
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