Então, obrigada uma vez mais por ter aceite o nosso convite para participar nesta entrevista sobre Vila Flor no feminino: histórias de mulheres portuguesas no Interior. E eu gostaria de lhe pedir que primeiro se identificasse, dissesse o seu nome, o local e a data de nascimento, se fosse possível.
Portanto, Paula Maria Pereira Martinho. Sou de Vila Flor, tenho 61 anos.
Como é que se chamam os seus pais?
O meu pai… já faleceram, era Alípio Rufo Martinho, Maria Beatriz dos Reis Pereira.
O que é que eles faziam?
Ahm… portanto, era comerciante… o meu pai, a minha mãe era costureira.
Muito bem. E quais é que eram os principais costumes da sua família? Tem assim alguma memória específica de algum costume que tivesse com eles?
Pronto, eu pouco… os costumes… eu fui muito mais… ora bem… posso dizer a menina, muito reservada e muito protegida pelos pais, porque tive um problema de saúde e… no qual me separavam um bocadinho de brincar com as outras crianças da minha idade devido ao meu problema. A minha mãe com medo, não é, que às vezes, houvesse algum problema e então sempre estive assim muito, muito… a minha mãe trabalhava de dia e de noite praticamente para fazer face às despesas que havia. Porque desde que detetaram o meu problema… aqui em Vila Flor, os médicos que havia não davam nada por mim… houve um médico… que já está, que já deve estar a pagar as palavras que disse… que não havia nada a fazer, que o meu destino era uma cadeira de rodas. E eu estou aqui. E, portanto, foi graças à minha mãe, que lutou, que falou com muita gente, pronto, muita gente ajudou e, no caso, fui operada duas vezes no Porto e… e pronto fiquei… portanto, tenho o problema que tenho, nota-se… depois com o decorrer da idade nota-se mais, não é… e, portanto, ela lutou muito e, portanto, fui uma menina muito protegida. Ela lutou, como digo, trabalhou até… até ao limite.
Eram muito… muito unidas, não é?
Éramos muito...
Continuar leituraEntão, obrigada uma vez mais por ter aceite o nosso convite para participar nesta entrevista sobre Vila Flor no feminino: histórias de mulheres portuguesas no Interior. E eu gostaria de lhe pedir que primeiro se identificasse, dissesse o seu nome, o local e a data de nascimento, se fosse possível.
Portanto, Paula Maria Pereira Martinho. Sou de Vila Flor, tenho 61 anos.
Como é que se chamam os seus pais?
O meu pai… já faleceram, era Alípio Rufo Martinho, Maria Beatriz dos Reis Pereira.
O que é que eles faziam?
Ahm… portanto, era comerciante… o meu pai, a minha mãe era costureira.
Muito bem. E quais é que eram os principais costumes da sua família? Tem assim alguma memória específica de algum costume que tivesse com eles?
Pronto, eu pouco… os costumes… eu fui muito mais… ora bem… posso dizer a menina, muito reservada e muito protegida pelos pais, porque tive um problema de saúde e… no qual me separavam um bocadinho de brincar com as outras crianças da minha idade devido ao meu problema. A minha mãe com medo, não é, que às vezes, houvesse algum problema e então sempre estive assim muito, muito… a minha mãe trabalhava de dia e de noite praticamente para fazer face às despesas que havia. Porque desde que detetaram o meu problema… aqui em Vila Flor, os médicos que havia não davam nada por mim… houve um médico… que já está, que já deve estar a pagar as palavras que disse… que não havia nada a fazer, que o meu destino era uma cadeira de rodas. E eu estou aqui. E, portanto, foi graças à minha mãe, que lutou, que falou com muita gente, pronto, muita gente ajudou e, no caso, fui operada duas vezes no Porto e… e pronto fiquei… portanto, tenho o problema que tenho, nota-se… depois com o decorrer da idade nota-se mais, não é… e, portanto, ela lutou muito e, portanto, fui uma menina muito protegida. Ela lutou, como digo, trabalhou até… até ao limite.
Eram muito… muito unidas, não é?
Éramos muito unidas, éramos. Éramos muito unidas, era.
E tinha… tinha irmãos?
Tenho uma irmã, mais velha.
Ok. Que idade é que eles têm?
A minha irmã tem sessenta… e seis.
Sessenta e seis… é mais velha.
É mais velha, é.
E gosta de ouvir histórias? Gostava de ouvir histórias quando era criança?
Gostava. E até, principalmente, do meu avô materno. O meu avô paterno não conheci, porque era pequenina quando ele faleceu, portanto, o meu avô como a minha avó; mas da parte da minha mãe, a minha avó materna era mais conservadora, era daquelas pessoas mais… rígidas, porque foi habituada assim, porque nasceu na vila e depois foi para a aldeia, depois tinha criados, não é, também… que era casa agrícola… mas o meu avô era, pronto, uma pessoa impecável, portanto, as histórias aquilo era… eram formidáveis, era… e jogos tradicionais com os netos… aquilo era formidável. Connosco e com outras pessoas da aldeia, não é?
Que bom. Então estava a falar da sua infância e desses momentos que passava com o seu avô também a ouvir histórias, lembra-se bem da sua casa de infância e de como ela era? Era aqui na vila ou… onde é que era?
Portanto, lembro-me, porque a casa de infância que eu tinha era a mesma que eu agora vivo. Portanto, mais restaurada, é casa antiga, não é, porque a casa que ali… que eu agora vivo era uma pensão, era da parte do meu pai, dos meus avós paternos, uma pensão até muito conhecida em Vila Flor, e… portanto, na altura, pronto, a nível de partilhas aquilo foi abaixo. Ficou a casa que agora é minha, parte que me deixou o meu pai e a minha mãe, não é… e, portanto, vivo há sessenta e um anos vivo nela.
Sim. E como é que era a envolvente da casa, o resto da vila? Já que viveu lá durante toda a sua vida, consegue ter uma noção espacial e temporal…
Além das restrições que eu tinha, mas foi um tempo feliz, porque… agora sei que foi um tempo feliz, além das restrições que eu tinha devido à saúde. Mas… na minha rua havia muito miúdo… então jogavam à macaca, à corda… pronto… e eu participava naqueles que eu podia, se não, não participava, não é. A minha mãe estava sempre de olho em mim.
E quais eram as brincadeiras favoritas que tinha?
Olhe era jogar à macaca, saltar à corda… ahm… depois ao esconde-esconde, depois a rua era muito grande, não é, uma pessoa escondia-se em todos os lados e… pronto era essa… infelizmente, hoje é uma rua deserta. Não se vê uma alma. Seja à hora que for, não se vê ninguém. E isso é que eu… sinto saudade da rua que era, porque era uma das ruas talvez de Vila Flor, além de uma que chamavam a rua do Saco e a Portela, umas ruas mais estreitinhas… mais escondidinhas de Vila Flor, que havia muita gente. A minha era mais ampla, porque estava no centro da vila, não é, mas era uma rua com muita criança.
Então o que mais gostava de fazer quando era criança era… brincar na rua, não é?
Era, era. Era saltar à corda… então no tempo em que o tempo começava a aquecer, nos dias grandes… era uma alegria, era até às 11 da noite.
Eram muitos amigos?
Eram, eram.
Muitos amigos?
Éramos, éramos muito unidos. Qualquer um que desse um “ai” já estavam os outros a ver o que é que se passava. Portanto, a nível deles crianças, não é… como os pais.
O que é que queria ser quando crescesse quando era mais nova?
Ahm… eu era pronto… fui habituada, como digo, muito… mimada e muito protegida pela mãe, eu comecei a trabalhar, pronto, a estar entretida a fazer roupinhas para as bonecas. E talvez naquela altura eu quisesse ser como a minha mãe. Costureira, não é? E… depois pronto fui para a época, para a altura de estudar, não é… e depois tinha sonhos… um era ser enfermeira, pronto, gostava… só que depois… as voltas… houveram contratempos que… houve alguém no Liceu de Vila Flor que me cortou as pernas. Portanto, depois chateei-me com os estudos e disse: não, vou trabalhar. E fui trabalhar. Pronto.
Então andou na escola aqui em Vila Flor?
Sim, andei até ao 7º ano.
Até ao 7º ano… que lembrança é que tem da escola? Tem alguma assim uma primeira lembrança de ter ido para a escola? Como é que ia para a escola?
Tinha, porque a escola era perto da minha casa. A escola antiga, que agora está fechada, mas… era pertinho… a minha mãe ia-me lá levar, porque tinha medo que alguém se metesse comigo, não é, porque eu tinha aquele problema… mas… eram bons momentos que tive… bons… tanto ao nível de colegas, tudo. Só houve uma que me passou… mas… ahm… lá está porque antigamente olhavam muito à classe social das pessoas. E a professora com quem eu andava, que ainda faleceu agora a semana passada, era daquelas pessoas que… olhava muito ao aspeto social. Dividia os ricos e os pobres. E era capaz de castigar mais aquela classe baixa do que aqueles meninos… os ricos. E houve uma frase de uma que marcou-me… e depois andei este período um bocado atormentada na escola, porque estava sempre com receio, porque era muito protegida essa menina pela professora e… estávamos a brincar e ela chamou-me “manca”. E eu agarrei e fui fazer queixa à minha mãe, morava ali perto, fiz queixa à minha mãe. A minha mãe foi lá, porque a minha mãe não era de discutir… não aceitou bem as palavras e chamou-a à atenção que… repreendesse… porque ela ao ouvir, ao dizer aquilo, os outros também iriam atrás, porque ela sabe como é que é as crianças. E então ela… não gostou. Não gostou… para o outro dia, quando cheguei à escola…passado um bocado]… já não me lembra isso o que é que eu fiz e… deu-me uma reguada. Levei uma reguada, e eu até pensei que era alguma coisa que eu tivesse feito mal, porque antigamente era as reguadas, não é? Não levei muitas, mas naquele dia… depois ao fim ainda teve a lata de dizer que foi por eu ter ido fazer queixas à minha mãe. Então aí essa fase… marcou-me.
Claro.
Marcou-me e… levei este tempo da escola, enquanto foi ela, um bocado como um tormento, porque estava… sempre com receio, porque ela apanhou-me um bocado parte, como se costuma dizer. Depois na 4ª classe é que já tive outra e então aí… acho que me libertei. Levei alguns colegas, mas a nível da professora lidar com os alunos era completamente diferente.
E houve algum professor que a tenha marcado pela positiva… nesse percurso escolar?
Ahm… na primária foi essa, da 4ª classe. Depois no secundário, pronto, preparatória vá, secundária tive alguns… um de Bragança, dois daqui… dois ou três professores que estavam aqui em Vila Flor… marcaram, marcaram porque já me conheciam… já me levavam assim um bocado… estava mais à vontade, pronto.
Era boa aluna quando andava na escola?
Não era daquelas boas, boas, por exemplo, como a minha filha foi, não é? Mas… era uma aluna razoável.
Não levou muitas reguadas [risos].
Não, não… só levei… não foi assim muitas. Essa é que me marcou mais para a minha vida. Na qual, quando me disseram que faleceu, olha vai pagar pela reguada que me deu… inocentemente eu, não tive culpa, mas pronto.
E então e o seu período de juventude, lembra-se de quando começou a sair à noite… sozinha ou com amigos…? O que é que costumavam fazer nessa altura da juventude?
Portanto, eu… como digo, fui sempre muito restrita, não é, nessas coisas, nesse aspeto… a minha mãe sempre teve muito medo de que eu saísse… porque há muito filho de muita mãe, não é? E sempre… e depois quando comecei a trabalhar, pronto, uma pessoa já via uns amigos, uns saem outros… e comecei a ir, pronto, a uma discoteca ali em Vila Flor e eu comecei… havia uma perto de minha casa… havia à tarde, havia as matinés e eu ia… a minha mãe marcava-me a hora e eu lá estava, tentava cumprir, porque se não à noite já não ia… e pronto levei assim uma vidinha… ia até à praça, até à avenida… mas nada de sair assim mais dessa rotina.
Claro.
Não, não, não…
Como é que era o grupo de amigos que tinha na altura?
Era mais… era meia dúzia deles, era assim mesmo sérios eram para aí meia dúzia deles.
Eram amigos da escola? Da vila?
Eram da escola… não, não, não… eram da escola, era ali de Vila Flor, não é, mas eram da escola.
Então tinham essas idas assim à discoteca, às matinés…
Era, era…
E… bailes, festas, alguns momentos de festejo?
Bailes tinha ali… na rua da minha casa havia um mercado… o mercado municipal… havia ali um jardim que era onde estava lá o mercado… e onde faziam as festas – o São João, o São Pedro… a festa de agosto… e por aí fora. E, portanto, tinha a festa ali ao pé da porta, não é? Portanto ia, com a hora marcadinha, não é, a minha controlava… mas pronto. Foi bom, um bom tempo.
Boas memórias que tem da sua juventude então.
Tenho, tenho. Tenho boas memórias, tenho.
Então mencionou que começou a trabalhar cedo… começou a trabalhar…?
Sim.
Qual é que foi o seu primeiro trabalho?
O meu trabalho foi num supermercado.
Lembra-se desse período?
Lembro porque… portanto, comecei aquela… posso dizer, raiva da escola… porque queria pelo menos ter o 9º ano para ter um emprego, como me tinham arranjado, que tinha de ter o 9º na altura. E como me cortaram as pernas, eu fiquei com aquela raiva da escola, aquilo para mim foi uma alegria, não é? É certo que estava ali em Vila Flor, mas pronto já ganhava era o dinheiro que eu ganhava para ajudar a minha mãe e por aí fora, não é, em casa. E… pronto foi, foi bom.
Portanto, esses dinheiros iniciais foram para ajudar a família?
Foi, foi. E a partir daí também. Vivi sempre com os meus pais, não é, até que eles faleceram, mas… pronto ajudava naquilo que eu podia.
Claro, claro. E que funções é que tinha no supermercado?
No supermercado eu fazia tudo, porque era só eu.
Era só…? [risos]
Era só eu, era pequenina tipo um minimercado, portanto, era só eu. Vinha o patrão que era de Moncorvo uma vez por semana… abastecer, não é, e fazer contas… e, portanto, eu fazia tudo.
Muito trabalho então para sim…
Um bocadinho… foram dois anos e meio… foram bons.
Sim. E que outros trabalhos é que teve?
Depois do minimercado fui para uma papelaria. Tive lá catorze anos e meio. Portanto, aí também foi bom, porque era outro tipo de público. E era com muitas crianças, porque das escolas, não é… era a única papelaria que havia. Pronto… estava à vontade, muitas desabafavam comigo, aquelas pormenorsinhos dos namoros… [risos] e… que os pais nem sabiam, nem hoje sonham, não é, que eu sabia algumas coisas… tentava, pronto, protegê-las. E… e…. foi bom… os catorze anos e meio… além de ter havido uns problemazitos assim pelo meio mas… foi bom. Depois nesse entretanto também tive a minha filha, não é, portanto, também ajudou a… a ser… as coisas a correrem bem.
Claro, claro. E depois disso está neste trabalho atual?
Depois desses catorze anos e meio… ahm… portanto, apareceu-me a oportunidade de eu ter uma papelaria minha. Portanto, havia uma na praça… e eu pronto fui de… deitei-me assim aos lobos, como se costuma dizer, sem pensar. Fui ao banco, emprestar dinheiro, pois é evidente, tive que arranjar fiadores e… fiquei com ela. Tive lá sete anos, por minha conta. Só que nesse entretanto depois faleceu a minha mãe, que me ajudava também… depois tinha o meu pai em cima no comércio e fazer comidas… foi cansativo nessa altura… muitas das vezes era meia noite e uma da manhã e estava em baixo a tratar de devoluções, a fazer pedidos dos livros quando era a época dos livros escolares, pronto… fazer contabilidade, tinha de entregar tudo direitinho ao contabilista… portanto, para além de ter depois a minha filha que me ajudava já, mas foi mais complicado. Esse tempo que a minha mãe faleceu foi complicado… até que passei-a. Pronto fui para cima pelo meu pai para ajudar no comércio… a partir daí dediquei-me à costura e aos bordados e ao artesanato, pronto. Até que há quatro anos e meio para cá… desde que ele faleceu pronto inscrevi-me no centro de emprego e tenho andado a… portanto, tem o museu, já estive em formações conforme me chamam, não é, tenho que aproveitar. E é assim.
E… agora que está atualmente a trabalhar no museu, é isso?
Agora estou, sim.
Ok. E gosta do trabalho que faz?
Gosto, gosto. Gosto, porque gosto de antiguidades, gosto de… pronto, gosto de lá estar.
Sim. E como é que é a relação com os colegas no trabalho?
Ah isso é ótimo.
É diferente, não é? Tantos anos a trabalhar sozinha… [risos].
É, é. É bom. Eu quando as vejo assim amonadas, ‘oh meninas, isso assim não pode ser, temos que andar para a frente’. Tou sempre… ahm… mas gosto, por acaso gosto de lá estar.
Então não teve muitos períodos de desemprego? Acabou por ter só o período da filha…
Sim. Propriamente, o desemprego foi desde… o período… pronto foi quando faleceu a minha mãe e depois tive que deixar a papelaria, fui para cima e depois desde… o meu pai esteve doente e também tive que o aturar… porque ele esteve sempre em casa, não é? E pronto deixei… foi assim um período um bocado complicado, foram 5 anos com a doença dele. Quando ele faleceu, disse: não, isto a minha vida tem de tomar rumo, porque eu aqui metida em casa nas 4 paredes… tenho que lidar com a gente. Eu não sou muito de falar, mas gosto de… bom dia, boa tarde, como estás, como não estás… eu gosto de, pronto, de conviver com as pessoas. E pronto vir para o comércio para baixo… só que inscrevi-me no centro de emprego e começou a ser as formações e não podia ter… portanto, não podia ter o comércio em meu nome. Além de estar ainda no nome do meu pai, mas eu não podia pôr aquilo no meu nome. E pronto, tive que fechar… e estou nisto até…
Então foi um período… o que é que esse período de desemprego significou para si?
Ahm… foi… mau, porque além de não ter grandes… a nível financeiro… não ser muito… abundante, não é? Porque tive de me agarrar à costura e aos bordados, como digo, e não é todos os dias que aparece… além de ter a ajuda do meu pai, como é evidente, que estava reformado e sempre no comércio, mas… foi um bocadinho complicado. Depois tinha a filha a estudar fora… portanto, foi um bocadinho complicado, mas… venci! Consegui, com sacrifício consegui.
E acabou até por chegar a um dos sonhos que tinha de ser costureira… e seguir os passos da mãe… com a costura, não é?
Pois, pois… com a costura.
Verifica alguma mudança nesse seu trabalho de costura ao longo dos anos desde o período em que via a sua mãe até agora? Ou mantém… a forma tradicional de… de fazer costura…? Que formas é que… o que é que mudou?
Mudou muito, porque antigamente… havia… portanto, as pessoas, por causa de… a nível financeiro… socorriam-se às costureiras para as roupas, não é? Assim como aos alfaiates da parte dos homens… além de haver alfaiates para mulheres, não é? Mas… está diferente agora. Há mais… prontos a vestir e, portanto, as costureiras foram um bocadinho postas de parte. Portanto, eu vejo que há lá duas em Vila Flor e pronto… muitas das vezes que eu já falei com elas e o que se baseiam muito… e o que vale são os arranjos. Porque roupa nova, feita desde o princípio, não… é totalmente diferente hoje em dia. Portanto, está assim um bocado mais… complicado.
É uma profissão complicado…
É, hoje em dia é… não quer dizer que não… da maneira que isto vai pode ser que voltemos ao… antigo, vamos lá ver. Mas é complicado [risos].
E a Dona Paula é casada?
Não, sou solteira.
Solteira… mencionou que tinha uma filha…
Tenho.
É a única filha?
É a única.
Como é que se chama a sua filha?
Rita.
Rita… como é que foi ser mãe?
Ahm… naquela altura… quando engravidei foi complicado, não é? Porque… há pais que… lá está, por ser a menina protegida, foi um abalo que lhe dei, foi uma bofetada, por assim dizer. Se fosse a minha irmã era uma bofetada e pronto talvez compreendessem as coisas de outra maneira, mas… de mim, da minha parte eles não esperariam uma coisa dessas. Mas… a minha mãe, além da bofetada que lhe dei, percebeu, pronto, e ajudou-me e vamos para a frente. O meu pai é que custou mais, porque era mais velho, não muito que a minha mãe, mas custou mais a… a aceitar. Por exemplo, em relação ao meu avô materno, uma pessoa muito mais velha e criada na aldeia, além de lidar com muita gente… aceitou bem. O meu avô. E o meu pai não… o meu pai… custou-lhe. A minha filha já era bem grande e… mesmo assim… cria-se aquele ressentimentozinho lá no fundo… dele. Compreendo, porque é pai, não é? Eu sou mãe e se me fizesse isso também… agora os tempos também são outros e a mentalidade já é outra, não é, mas pronto… mas eu compreendo, é opção dele, foi a opção dele. Que não aceitassem logo, não é… porque é triste é… e… tive pena… tive que aceitar, porque ela estar numa alcofa ao lado dele e ele… não olhar para ela… é complicado. E às vezes a minha mãe dizer: olha tá aí a miúda… e nada. Depois uma pessoa virava costas e ele olhava, mas à frente não dava aquele entender… que… mas pronto… as coisas começaram a melhorar. Pronto, ela cresceu, tirou o seu curso… e depois as coisas… modificou-se.
Então tem essas memórias lá da família não é… mas e da maternidade…?
Foi boa, foi boa… foi. Naquela altura custou, não é… mas… é complicado, porque depois pronto houve ali uns problemas com o pai dela e… porque não queria aceitar, queria que eu abortasse, mas eu não. Eu fui lhe dizer… quem sustenta três bocas também sustenta mais uma. Em vez de se comer o melhor, come-se pior… e pronto, trabalhar… nunca deixei o trabalho… ou melhor ou pior nunca deixei de trabalhar e, portanto, vamos para a frente… e pronto e… foi bom depois… o nascer dela e… a criação dela…
E tem assim alguma memória que… que se lembre?
Quando ela era pequenina… era muito meiguinha, agora também sim, só que agora já são 36 anos, não é? Já é diferente, mas era muito… a brincar parecíamos duas… a minha mãe dizia: nem parece mãe e filha, parecem duas garotas. Portanto, lá está… eu era assim, sempre lhe dei muita liberdade, dentro da sua regra, ela sempre cumpriu… sempre foi… por acaso muito cumpridora e muito… qualquer coisa ela dizia tudo e mais alguma coisa, nunca escondia nada dela e ela também nunca escondeu nada de mim. Ainda hoje! Tem marido… mas mesmo assim… ela tenta sempre abrir-se muito comigo. Portanto, temos um relacionamento muito bom… e isso é bom, acho eu, para as duas partes, não é…
Sim, sim, sim…
É a continuação daquilo que fizemos anteriormente.
Pois… e perante este seu percurso de vida, o que é que significa para si ser mulher?
Ah isso é a melhor coisa! Independência… falar… aquilo que nos vai cá na alma. Nasci bem antes do 25 de abril, não é, que ainda me lembra! Uma pessoa queria falar e… muitas vezes, a minha mãe dizia: cuidado, que anda aí gente que tu pensas que é uma coisa e depois é outra, tu tem cuidado. Às vezes, uma pessoa falava coisas que nem tinha noção bem de… do significado, não é? E, portanto, a tendência de falar… estarmos… e vestirmos aquilo que queremos… falarmos com quem quisermos e para quem, para onde quisermos… acho que isso é a melhor coisa que pode haver… da parte da mulher, não é? Os homens também, mas… mas da parte de nós, que estamos a falar de nós, não é, é a melhor coisa que pode existir. Temos voz e acho que isso deve-se manter.
E agora passamos agora para umas… conclusões… queríamos saber então o que é que… hoje faz lá no museu, continua com estas atividades da costura… e o que é que faz mais no seu dia a dia? O que é que são as coisas mais importantes para si atualmente?
Olhe… de manhã é levantar-me e tratar dos animais, é a primeira coisa.
Que animais é que tem?
Tenho um cão e tenho gatos. Pronto, é a minha companhia. Depois é… ir para o trabalho, não é? Depois é… portanto, estar aquelas horinhas no emprego, não é, que tenho que estar… local que gosto. E depois é… é ir às compras para uma minha comadre, que ela desde que teve o acidente retraiu-se mais de ir às compras. E depois também tenho duas casas que estão entregues a… pessoas que estão em Lisboa, pronto. Uma vem cá todos os meses, a outra é de… dois em dois meses, mas esse…. Portanto, limpo, não é, e lavo-lhe a roupa… a esse que vem todos os meses faço-lhe a comida, trato a casa como seja minha! Portanto… é esse o meu dia a dia… a fazer a minha vida. Depois olhe trabalho na costura até às tantas da manhã, não é, às vezes são duas ou três da manhã e ainda estou a pé. Tenho de trabalhar, não é? Porque… o que se ganha no museu é só durante os 6 meses… e depois dos 6 meses? Até que me chamem outra vez… temos de ter outro… outro lado de ir buscá-lo para as despesas. Portanto… é esse o meu dia a dia todos os dias.
O que é que é mais importante para si hoje na sua vida?
Neste momento… é… saúde, da maneira que isto está é saúde… paz e saúde. E depois evidente, sem haver isso, tem que haver dinheiro, mas para a vidinha temos que trabalhar honestamente. Portanto, acho que são as três principais. É dinheiro, saúde e paz. O resto… alguma coisa mais está por acréscimo… se fizermos por ele, bem, se não fizermos, olha desde que haja estes três para mim já não… estas três para mim já é o suficiente, já não é mais nada. Rica não fui… também não devo ser, pronto, desde que tenha essas três para mim já é tudo. Para mim e acho que para as outras pessoas também neste momento, dado com está isto…
Acha que a forma e o facto de ter nascido em Trás-os-Montes influenciou a sua trajetória de vida e as suas experiências?
Talvez não… porque… nós temos outra vida… além de pronto os tempos já são outros do que eram… quando eu… portanto, na infância… mas era mais saudável, em todos os aspetos e… do que viver na cidade. Pronto, vivi algum tempo na cidade… e pronto eu ia lá quando andava nos médicos… e aquela agitação, aquela… sei lá, uma pessoa nem se conhece ninguém, sai de manhã… pessoas que vivem não sei quantas no mesmo prédio e nem se conhecem uns aos outros. E parecendo que não isso… cá para Trás-os-Montes é… e mais unidos, era mais unidos era… que agora está diferente do que antigamente, não é, pronto. Mas… era bom.
Influenciou na mesma o facto de ter…
Influenciou, influenciou, influenciou. Por acaso, a minha terra vale tudo… cidade só por um ou dois dias, mais nada! Isso para mim, cidades para mim não servem! [risos] Eu gosto muito de estar aqui… atrás das fragas. [risos]
E… quais são os seus sonhos atualmente? Ainda tem… sonhos que queira concretizar agora num futuro próximo ou distante?
Olhe… é mantendo, não digo o mesmo, mas ou dentro do mesmo, o trabalho, não é? Uma pessoa tem que ter um trabalhinho para viver. Ter saúde, principalmente, o meu sonho agora… que não se vai concretizar, pelo que estou a ver… era ter um neto. [risos] Era o sonho que eu tinha, mas infelizmente acho que… eles não querem. O que é que eu vou fazer? Não posso obrigar, não é? Fica ao dispor deles. Era esse o meu sonho, de resto mais nada.
Pronto e para terminar queríamos lhe perguntar… como é que foi contar a sua história aqui perante nós?
Acho que há pessoas com histórias de vida mais… piores que as minhas, muito complicadas… a nível familiar e… social, não é? Mas… foi bom! De vez em quando uma pessoa falar daquilo que fomos, daquilo que somos agora… é bom. Deitar cá para fora. Desabafa-se [risos].
Ótimo. Muito obrigada, Dona Paula, obrigada.
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