Projeto Memórias das Comunidades de Paracatu
Entrevista de Benedita Gonçalves da Silva (Dona Santinha)
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 7 de setembro de 2022
Código da Entrevista: PCSH_HV1299
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Qual o seu nome, onde a senhora nasceu e qual a sua data de nascimento?
R - Meu nome é Benedita Gonçalves da Silva, nasci na Lagoa de Santo Antônio, no dia 23 de outubro de 1938. As horas?
P/1 - As pessoas te chamam de Dona Santinha, por que Dona Santinha?
R - Porque eu sou a segunda filha, e quando eu nasci, o meu irmão gostava demais de mim, então ele chamava de minha santinha, minha santinha, minha santinha, todo mundo passou a me chamar de santinha. E poucas pessoas até há pouco, me conheciam pelo nome próprio, era Santinha, ninguém sabia, então ficou, Santinha
P/1 - E te contaram sobre o dia do seu nascimento, dona Santinha? Falaram alguma história de como foi, se foi em casa, se foi em um hospital? Te contaram alguma história?
R - Não! Nesse tempo não tinha hospital, minha mãe me ganhou em casa, bem no dia que tinha uma… eu morava, a casa era bem pertinho da igreja católica, meu pai estava rezando, porque ele era rezador, foi na hora que minha mãe me ganhou lá. E nesse dia foi dia de muita chuva, acho que por isso que eu vim aturando esse tempo todo, é porque Deus abençoou a minha chegada, com a chuva
P/1 - Qual o nome da sua mãe, dona Santinha?
R - Maria Rodrigues da Silva.
P/1 - E do seu pai?
R - José Gonçalves da Silva.
P/1 - Então vamos falar primeiro da mãe. A senhora conheceu os seus avós, por parte de mãe?
R - Nenhum!
P/1 - Sua mãe também é da Lagoa
R - Minha mãe nasceu aqui, um pouco ali atrás, na Lagoinha, chama Lagoinha o lugar onde ela nasceu. Faz divisa com a lagoa, porque tem o córrego, mas quase na lagoa.
P/1 - Mas da família da sua mãe, conheceu alguém da família, seus tios, primos?
R - Conheci! Conheci dois tios e uma tia. Eles morreram cedo,...
Continuar leituraProjeto Memórias das Comunidades de Paracatu
Entrevista de Benedita Gonçalves da Silva (Dona Santinha)
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 7 de setembro de 2022
Código da Entrevista: PCSH_HV1299
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Qual o seu nome, onde a senhora nasceu e qual a sua data de nascimento?
R - Meu nome é Benedita Gonçalves da Silva, nasci na Lagoa de Santo Antônio, no dia 23 de outubro de 1938. As horas?
P/1 - As pessoas te chamam de Dona Santinha, por que Dona Santinha?
R - Porque eu sou a segunda filha, e quando eu nasci, o meu irmão gostava demais de mim, então ele chamava de minha santinha, minha santinha, minha santinha, todo mundo passou a me chamar de santinha. E poucas pessoas até há pouco, me conheciam pelo nome próprio, era Santinha, ninguém sabia, então ficou, Santinha
P/1 - E te contaram sobre o dia do seu nascimento, dona Santinha? Falaram alguma história de como foi, se foi em casa, se foi em um hospital? Te contaram alguma história?
R - Não! Nesse tempo não tinha hospital, minha mãe me ganhou em casa, bem no dia que tinha uma… eu morava, a casa era bem pertinho da igreja católica, meu pai estava rezando, porque ele era rezador, foi na hora que minha mãe me ganhou lá. E nesse dia foi dia de muita chuva, acho que por isso que eu vim aturando esse tempo todo, é porque Deus abençoou a minha chegada, com a chuva
P/1 - Qual o nome da sua mãe, dona Santinha?
R - Maria Rodrigues da Silva.
P/1 - E do seu pai?
R - José Gonçalves da Silva.
P/1 - Então vamos falar primeiro da mãe. A senhora conheceu os seus avós, por parte de mãe?
R - Nenhum!
P/1 - Sua mãe também é da Lagoa
R - Minha mãe nasceu aqui, um pouco ali atrás, na Lagoinha, chama Lagoinha o lugar onde ela nasceu. Faz divisa com a lagoa, porque tem o córrego, mas quase na lagoa.
P/1 - Mas da família da sua mãe, conheceu alguém da família, seus tios, primos?
R - Conheci! Conheci dois tios e uma tia. Eles morreram cedo, morreu uma irmã da minha mãe. Meus avós morreram todos antes da minha mãe casar, os pais dela, não conheci nenhum. E os irmãos, morreu uma que eu não conheci, mas eram 5, os outros 3 eu conheci, dois tios e uma tia.
P/1 - E da família do seu pai, seus avós você chegou a conhecer, Dona Santinha?
R - Também não! Meu pai não era daqui, ele era do São Sebastião e ele foi criado também desde os 6 anos, sem pai e sem mãe, porque a mãe morreu, deixou ele com 6 anos, e o pai foi embora. Eles eram 10 irmãos, foram morrendo, morrendo, morrendo, ficou 5, por resto ficou meu pai e uma irmã, uma tia. Só conheci do meu pai uma tia, mais ninguém.
P/1 - E quando seu pai veio para a lagoa, Dona santinha? Só quando ele casou, o que aconteceu?
R - Não! Ele trabalhava para os outros, nas fazendas, ele foi criado em fazenda. E ele veio trabalhar numa fazendinha que tem aqui perto de onde era a casa da minha mãe, perto de onde minha mãe morava. Aí eles se conheceram e casaram.
P/1 - Era fazenda do que lá? Que agricultura tinha lá, dona Santinha?
R - Onde meu pai trabalhava?
P/1 - Isso!
R - Era tudo! Era planta de arroz, planta de feijão, corte de cana, era roçada de pasto, era tudo ele trabalhava, tudo. Ele foi um homem que trabalhou demais, por isso que eu passei a trabalhar cedo, para ajudar ele. Porque a minha mãe era doente, de vez em quando ela estava ruim, depois chegou os meninos pequenos, ela não tinha uma profissão, ela não podia ir para roça ajudar a trabalhar, e adoecia muito, teve uma época que ela adoeceu muito. Então eu tive que entrar nessa lida mais cedo, minha natureza dava era para trabalhar, eu gostava de trabalhar, toda vida eu gostei! Eu trabalho até hoje, hoje eu ainda faço meus biscoitos, meus doces, feijão tropeiro, eu faço tudo isso daí para vender.
P/1 - A senhora tinha me contado porque deram o apelido de Santinha e pegou, agora todo mundo te conhece como santinha. Mas e o nome Benedita, a senhora sabe, te explicaram já?
R - O Benedita eu não sei porque, eles me puseram esse nome, porque eu tinha um irmão, dois irmãos, não, o primeiro irmão nasceu na véspera de São Benedito, eles puseram o nome dele de Lion, Lion. E eu, que não nasci no dia de São Benedito, pôs o nome de Benedita.
P/1 - A senhora sabe como seu pai e sua mãe se conheceram? Eles chegaram a contar essa história de como aconteceu?
R - Não! Eles não contavam nada não! Nesse tempo era tudo fechado, a gente não sabia nada, a gente não conversava com rapaz, eles não contavam a vida deles. Eles não contavam a vida deles de namorados, só depois que casou. Eu conheci a vida de meus pais depois que eu cresci, eu vi a vivência deles. Eu não fiquei sabendo nada antes não, nada.
P/1 - Quantos irmãos a senhora tem dona Santinha?
R - Nós somos em oito irmãos. Morreu dois, ficou seis, somos seis.
P/1 - Tá todo mundo aqui em Paracatu?
R - Tá todo mundo aqui em Paracatu. Nós somos quatro mulheres hoje e um homem. O Caçula é homem.
P/1 - Mas eles estão aqui na Lagoa, ou estão em outro lugar aqui de Paracatu?
R - Dois moram aqui perto de mim. O restaurante ali da Rosinha, e de frente a ela tem um outro comércio que é do meu irmão caçula, bem de frente ali, logo ali
P/1 - Como era esse trabalho na infância, dona Santinha?
R - Muito difícil! Muito duro! Era em lavoura, era trabalhando para os outros, era um serviço sofrido, mas eu gostava, eu gostava de trabalhar, porque eu sabia que eu ia receber o meu dinheirinho, que toda vida eu vivi independente, desde os 8 anos que eu não dei mais trabalho para o meu pai, eu mesma trabalhava, comprava minhas roupas. Ou trabalhava para os outros, ou buscava coisas para vender, como eu levava os sacos de pâina, garrafas de açafrão, pimenta, tudo isso eu já vendi. Pra mim comprar as minhas roupas,o que eu precisava, então não dava trabalho para o meu pai, desde os 8 anos. E ajudava muito em casa.
P/1 - A senhora tinha contado que cozinhava em casa com 6 anos de idade, como que era essa história?
R - Com 6 anos de idade eu fui obrigada aí para a beira do fogão. Eu não tinha tamanho, eles colocaram um caixote na beira do fogão, para mim subir, para pôr a comida na panela para cozinhar, por as coisas na panela para cozinhar. Na hora de descer era a coisa mais difícil, eu tinha que subir no caixote, subir no fogão, para poder pegar o arco da panela. Outra hora a vizinha chegava e descia para mim, foi assim
P/1 - Era fogão de lenha nessa época?
R - Fogão de lenha, não existia fogão a gás.
P/1 - E como é que vocês faziam para buscar a lenha, como é que vocês dividiam a tarefa?
R - Na cabeça! Buscava a lenha na cabeça! Eu fui uma buscadeira, enquanto eu vivia lá em casa, antes de eu empregar, antes do emprego, desde os meus sete anos que eu comecei a buscar feixe de lenha na cabeça, e até com a idade de 11 anos, foi que eu tive esse acidente com o feixe de lenha, mas não contei para ninguém também, não tomei remédio e não contei para ninguém, nem para minha mãe. Quando eu joguei o feixe de lenha no chão, o sangue desceu do nariz e as costas começou a fazer assim, latejar, juntava um sangue com espuma, eu sentia que estava juntando. Mas não contei para ninguém e não tomei nada também, nada. E assim eu vim, dor nas costas, dor nas costas, e vim levando, trabalhando, indo para roça cozinhar para o meu pai com 12 companheiros de serviço, e eu fazendo aquelas panelas, eu não aguentava tirar as panelas do fogo, que era aquelas panelas grandes, muita gente para comer. Ele conseguia sempre uma mulher para ficar lá comigo, ela trabalhava pegando aqueles cachos de arroz que sobrava do corte, e na hora de descer as panelas ela ia e descia para mim, e assim eu fui levando. Soprava arroz, esse arroz que vinha para casa, era tudo na peneira, soprar na peneira. As mãos da gente fazia aquelas bolhas de água, aquelas bolhas parecendo queimadura, precisava ver como ficava a mão da gente. Mas tudo passava e tava tudo bom
P/1 - Isso tudo na época da infância, tudo que a senhora está contando?
R - Na infância, até os 11, 12 anos, até os 15 anos, não, até os 16 anos, nos 17 que eu fui para o emprego. E para ir para esse emprego. Ah meu Deus do céu! Nessa época, aqui mulher não empregava, era assim como se fosse, vou dizer logo para você, uma baixeza mulher se empregar, não empregava não, era só os homens trabalhando. Ele sozinho trabalhando, meu irmão mais velho foi embora para Cristalina, foi naquela infância de Cristalina, de cristal, e ele foi embora para lá. E pai ficou sozinho aí trabalhando, para dar comida para nós, para dar roupa, remédio para minha mãe, que ela precisava muito de remédio. E lá em casa, eu tive uma sorte, mas uma sorte muito grande, foi eu a única que nunca gastei em médico, nunca. Os meninos, esse mais velho foi doente, a segunda, que está aí, mora ali perto, foi doente, precisou de médico, a terceira, a quarta, o quinto, que é o caçula, tudo precisou de médico. Eu não, nunca fui no médico.
P/1 - E essa história das costas, a senhora nunca foi buscar depois, o que que aconteceu?
R - Nunca! Nunca mexi com nada, nunca busquei um remédio para mim tomar por causa dessas dores. Mas as dores foram aumentando, dor nas costas, hoje esse braço, eu quase não mexo com ele, não posso mexer, mas eu faço tacho de doce, eu encosto ele aqui assim, que dói daqui pra cá, eu encosto e vou bater o tacho de doce. Eu faço tudo, do mesmo jeito.
P/1 - Mas desse acontecimento aí da infância nas costas, a senhora sente dor até hoje?
R - Até hoje! Hoje já dói até o pescoço, o nervo do pescoço, essa parte aqui ó, tudo dói! Em 2010, eu fui em um médico, ele me perguntou o que eu fazia, eu contei. “A senhora não tem um jeito, não tem outra pessoa para fazer para senhora não?” Eu falei, “não, eu sou sozinha!” Ele foi me olhou bem assim, e falou, “se a senhora não parar agora, a senhora vai ter que parar na marra, porque a senhora não vai aguentar mais”. Tá chegando, tá chegando agora que eu não tou aguentando mais. Mas desde 50 anos de idade que eu comecei a passar mal com essas dores, mas vim tratando, ortopedista, vou em um, vou em outro, é coluna, é coluna, é coluna, e por final, que eu não tenho nada de coluna. Eu fui em um médico e ele fez um exercício comigo, que eu falei para ele, “doutor, eu já estou velha, meus ossos tá fraco, você vai me quebrar tudo”. Ele falou, “não, quebra não! Só que amanhã a senhora não vai levantar da cama.” E virou para minha menina e disse assim, “você vai fazer uma sopa e levar na cama para ela, tá?” “Tá bom!” Eu vim embora, no outro dia eu fiz um tacho de 80 pedaços de doce, fiz 15 Kg de pão de queijo, eu não senti dor nenhuma, a não ser as dores que eu já tinha. Tinha o retorno, eu vou para o retorno. “E aí Dona Benedita, como é que a senhora passou? Ficou de cama?” “Cama? Eu vou contar para o senhor o que que eu fiz”. Contei para ele. Ele, “eu não acredito!” Eu falei, “você pode acreditar, não senti dor nenhuma, fiquei de cama não! Eu tenho as dores que eu já tinha ela, ela não melhorou, mas também não aumentou”. Aí ele foi, “ vamos fazer outro exame!” Eu falei, “vamos!” Deu umas pancadas no pé, que você sabe quando pega assim o dedo grande do pé, a coluna vai lá em cima, né! Você sabia disso?
P/1 - Sim!
R - Dói! “Tá doendo?” Eu falei, “não!” Tornou, “tá doendo?” Eu falei, “não!” Pegou o outro pé, não doeu, tá doendo não. Ele falou, “vamos fazer uma radiografia aqui, a senhora tira a blusa, eu vou dar um jaleco para a senhora vestir”. E as meninas estavam lá assistindo, uma neta e uma filha. Aí ele pôs lá e me mostrou, “olha a sua coluna para você ver, tem nada de coluna, você não tem nada de coluna não! Você vai procurar um reumatologista”. Eu falei, em Paracatu não tem!” “Tem mesmo não!” “Só tem em Patos!” “Eu vou arrumar esse médico de Patos para a senhora.” Conseguiu lá no Hospital Nossa Senhora de Fátima e mandou para minha menina, foi na época da pandemia, eu falei, vou lá nada, o povo lá tá morrendo tudo. Eu não vou lá não! E nunca fui! Tô aí, do mesmo jeito! Com as mesmas dores. Bom, eu quero voltar atrás, no resto do…
P/1 - Não, tranquilo! Eu vou ouvindo depois eu vou voltando, Dona santinha. A gente estava falando então da Comunidade, da época que a senhora era criança, que a senhora trabalhou bastante…
R - Muito!
P/1 - E dos costumes da comunidade nessa época da infância, o que que a senhora lembra que tinha de na Lagoa?
R - Assim de que costume… como que você fala? Costume de diversão, de que?
P/1 - Isso! Vamos então primeiro da diversão…. de tudo… Vamos falar da comida, falar de trabalho, vamos falar primeiro da diversão, por exemplo, como que era?
R - Vou falar primeiro da comida, que era muito difícil!
P/1 - Então como era a comida?
R - Comida a gente comia o que tinha, era difícil, não tinha o dinheiro para comprar as coisas não, a pobreza era muita na Lagoa, todo mundo ali era pobre. Tinha alguns que tinham fazenda, que tinha loja, quem tinha loja podia comer bem, quem tinha fazenda comia bem, mas o resto do povo que morava, passava só Deus sabe como. Foi muito difícil!l Mas foi assim, uma dificuldade que eu tenho saudade ainda, foi boa, tranquila, o povo vivia tudo em paz, os vizinhos saíam para conversar, assim, muito amigos uns dos outros, se adoecia alguém, a turma juntava, se morria, nossa mãe, era uma ajuda mesmo que a gente tinha. Então a Lagoa era muito boa, foi muito bom para viver. Mas era muito difícil o serviço para o povo, só tinha mesmo a lavoura e moagem de cana, tava na seca tinha as moagem de cana, um dos meus tios, irmão da minha mãe mesmo, tinha um engenho, que moia de julho a setembro. Eu ajudei também, eu tocava os bois no engenho, para moer a cana, eu ajudava ele muito. Era tempo de planta, de plantar arroz, eu ia para a roça com ele também. Isso eu já estava ganhando, ganhando o meu dinheirinho. E foi uma vida assim… que eu até esqueci o que eu ia falar, mas uma vida boa, eu não reclamo da minha vida antiga não, a pobreza que passou, que a gente passou, mas meu pai nunca deixou a gente passar necessidade não, era pobre não tinha muita coisa, mas fome não, não passava.
P/1 - Nessa época da comunidade o que vocês produziam era o que vocês comiam? Ou vocês faziam compra fora também?
R - Não! A gente só comprava o café, o sal, às vezes o toucinho que usava, que não usava óleo, não existia óleo, era toucinho, nem banha não tinha não, era toucinho mesmo, você tinha que comprar os quilos de toucinho, ou então tinha que criar o porco, meu pai sempre tinha um pouco engordando, matava fazia banha, então era assim.
P/1 - Mas quando tinha algum outro produto trazia de fora, comprava, mas a maior parte das coisas vocês mesmo produziam e vocês mesmo comiam?
R - O milho, o arroz e o feijão, meu pai plantava que dava para vender. Ele vendinha também, tirava, reservava o de comer e o resto ele vendia, para comprar roupa, comprar o que tivesse necessidade.
P/1 - E nessa época ele vendia pro o pessoal de Paracatu?
R - Não! Vendia nos armazéns aí mesmo, vendia aí mesmo. Os comerciantes ajuntava, quando tinha muito, aí tinha máquina que limpava arroz em Paracatu, eles revendiam para eles, o pessoal das máquinas. Mas a gente vendia aqui mesmo, na Lagoa
P/1 - Que divertimento tinha na comunidade?
R - Na Lagoa tinha as festas da igreja, dos Santos, tinha duas no mês de junho, uma no mês de julho e outra no mês de agosto, Santo Antônio, São João, Nossa Senhora de Santana e Nossa Senhora da Abadia. Era um festão, era nove noites, a primeira era 13, que era de Santo Antônio, as outras eram nove noites, de novena, com barraquinhas, o povo levava as prendas para o leilão. Tinha os festeiros, o casal de festeiros, eles também faziam muitas coisas para levar, era as nove noites, 13 ou 9, no final, no último dia terminava, no outro dia tinha a missa. Agora no dia da missa, era os tachos de carne, tutu de feijão, aquela coisa muito boa, uma comida muito gostosa, comida da roça. E tinha os cozinheiros especiais para cozinhar, tudo aqui mesmo, tudo na Lagoa. E à noite tinha, como fala, hoje forró, nós falava era baile ou pagode, o palavreado aqui era esse, era o baile ou o pagode, e aí a gente dançava a noite inteira. Não, quando eu era menor, não dançava não, meu pai não deixava eu ir não, mas tinha a festa, quem quisesse ir ia. Eu não ia porque eles não deixavam, mas se deixasse eu ia também.
P/1 - Mas essa época que a senhora começou a ir já era uma época que a senhora era mais mocinha?
R - Não, só depois que eu fiquei bem assim… às vezes conforme a festa que tinha, minha mãe levava nós, conforme eles não iam, a gente não ia também não, deixava a gente ir não. Era uma criação muito rígida antigamente, eu fui arrumar um namorado para levar em casa, depois de uma irmã que eu tenho, que eu sou mais velha do que ela 9 anos, levou o namorado dela, eu falei, agora eu trago o meu, uai!
P/1 - A irmã mais nova levou o namorado e só quando ela levou que a senhora levou o seu?
R - Foi! Não podia levar rapaz lá em casa não! Uma irmã levou o namorado, chegou, trabalhava em Cristalina e chegou, foi e foi lá visitar ela. Ela pelo lado de dentro da janela e ele pelo lado de fora, quando a minha mãe viu, falou para ele, “se for para casar, tudo bem, se não for pode ir embora”. Ele foi e pediu em casamento, ficaram noivos. Era assim, era rígido.
P/1 - E foi com esse homem que a sua irmã casou?
R - Ela já ficou viúva, até.
P/1 - Mas foi com esse moço que ela casou?
R - Foi com esse moço que ela casou. Eu acho que foi o primeiro namorado dela, que eu nunca tinha visto outro. Tinha que casar, uaia, arranjou um namorado lá, conversou, sentou perto, tinha que casar. Eu não arrumava namorado também não, vive só se trabalhar. Eu fui trabalhar com 17 anos, passei 5 anos e 5 meses nesse serviço, não tinha um namorado, eu não. Assim, de longe, às vezes eu olhava assim só de longe e pronto, não tinha namorado nenhum. Quando eu sai de lá…. Aí eu passei dois meses sem trabalho, aí eles mandaram me buscar, falei, “não vou mais não!” “Volta, volta, tem paciência, volta”. “Não vou mais, eu não quero trabalhar aí mais, já falei que eu não quero, não vou não”. Aí a mulher que foi me buscar….. Eu não contei como que eu fui para esse emprego…. a dona da loja foi lá na casa de pai, ficou lá em casa até o galo cantar, ela chegou lá 8 horas, até o galo cantar insistindo com o pai, para deixar eu ir. Pai arrumou tanto defeito em mim, para ela não querer, eu era nervosa, eu ia brigar com os fregueses deles, os clientes, que eu não dava conta. Olha, mas arranjou tanto defeito. Ela falou assim, “eu gosto de gente nervoso seu José, que a pessoa nervosa é direita”. Mas eu fazia muita compra lá na loja, eu levava as coisas para vender, que nós moramos numa roça e era longe, era un 6, 8 km, eu levava saco de milho, saco de tudo para vender lá nessa loja. Quando nós voltamos lá para Lagoa, porque nós saímos de lá e fomos para a roça, quando nós voltamos para Lagoa, ela já me conhecia, então ela insistiu comigo pra…. Eu mesmo fazia as contas, quando eles faziam as contas dos trens, eu já tava com a minha pronta. E ela viu o meu ritmo, então queria que eu fosse. Falei, “pai, eu vou!” “Você não vai!” Falei, “vou pai, eu preciso trabalhar!” “Você não vai, e o salário é muito pouco”. “Eles não me conhecem pai, eles vão saber quem eu sou, depois que eu trabalhar, uai!” Ele falou, “por mim você não vai não!” “Pois eu vou desobedecer o senhor, eu vou!” Arrumei e fui! E lá era assim, uma mistura de loja, tecido calçado, chapéu, tudo, tinha tudo.
P/1 - Isso na Lagoa? Esse comércio era na Lagoa?
R - Na Lagoa! E tinha a parte de açougue, matava vaca, muito porco. Eu retalhava os porco tudo, passava sal, que nesse tempo não fritava não, era retalhado, vendia os quilos de toucinho. Ele matava vaca, eu descarnava a vaca todinha, eu falava com ele, “você vai me pagar separado do meu salário, eu retalho!” Porque ele tinha que arrumar uma pessoa para retalhar, o retalhador tava muito ruim para retalhar, uma carne muito grossa. Eu falei, “eu faço essa carne boa, mas separado do salário.” “Tudo bem!”
P/1 - E ele pagava?
R - Pagava! Tinha que pagar, se não pagasse não retalhava não! E lá, para entrar na loja, tinha que passar no cômodo do açougue e aquele sal, quando estava chovendo, escorria muito no piso, não tinha calçada que aguentasse. Eu não tinha dinheiro para comprar esse calçado, aí o que que eu fazia, trabalhava descalça e guardava o calçado para hora mais… para sair.
P/1 - Mas trabalhava na loja todo dia sem calçado?
R - Todo dia sem calçado! Até eu ganhar o meu dinheiro! Todo dia, tirava o calçado, porque se calçasse molhava tudo, o sal cortava tudo, então eu ficava descalça mesmo. Eu trabalhava descalça.
P/1 - Isso não machucava o pé?
R - Que nada! O pé já estava acostumada andar pelas roças, por tudo que era canto, não machucava nada não. O sal que roía o pé da gente, né! Aí eu fui ficando, fui ficando, fui ficando lá! Eu gostava muito deles, foram muito bons para mim, minha patroa então, eu não tenho nada que reclamar dela, deles nenhum! Mas me deu vontade de sair, “eu não vou trabalhar aqui mais não, já chega, já trabalhei demais!” Só que eu saí e fui pensar, o que que eu vou fazer? Quando eu trabalhava na loja, eles mandavam fazer camisas e calças, calção, sabe o que é calção? Tipo bermuda, mas chamava calção, não tinha bermuda não. Tinha que fazer calção, tinha que fazer bornal para o povo carregar a mercadoria, porque não existe uma sacola, não existia nada, muito pouco jornal e mais nada. Aí ela falou, “Santinha, você podia costurar aí nas horas vagas.” Eu falei, “pode por a máquina aqui que eu vou costurar” .
P/1 - Mas ela pagava a parte?
R - Não, não, não! Na hora que não tinha freguês eu estava costurando, pagava nada não! Pagava se eu levasse para casa. Aí o meu patrão cortado os tecidos e eu costurava lá. Falei, sabe que eu vou fazer um bocado e lá em casa! Minha mãe tinha uma maquininha de mão, tocada a mão. E ele cortou os panos, eu lembro que…. eu fui peguei as camisas lá no balcão mesmo, cortei tudo, tudo, as peças, e levei para casa. Passei a noite sentada na cama, pus a máquina no banquinho e to a noite inteira aqui ó, quando eu assustei que eu olhei para cima, claro do dia. Eu costurei 10 camisas nessa noite.
P/1 - Passou a noite costurando?
R - Passei a noite costurando. Mas também ela pediu para minha mãe para não deixar mais, porque eu não aguentava isso não. Aí não fiz isso mais não! Mas eu levava, costurava umas horas, porque esse eu ganhava separado, se eu levasse para casa, era separado, ganhava por peça. E aí quando eu saí de lá, eu senti assim, meu Deus, o que que eu vou fazer? Comecei costurar! E tô costurando, costurava para eles mesmo, lá para loja. Mas isso não dá nada não, vai dá muito pouco. Falei, “vou montar um boteco para mim”. Ele chamava Antônio, falei, “Antônio eu vou pôr um comércio para mim.” Ele falou, “vamos por sociedade?” “Não, sociedade não! Sociedade o seguinte, se ganhar você acha que foi pouco, ganhou pouco, se der prejuízo fui eu que roubei, não gosto de sociedade não, moço!” “Como é que você vai arrumar?” “Eu vou vender banana até Deus me ajudar que eu consiga colocar de verdade uma mercearia”.
P/1 - Pra juntar um dinheiro e você ter um montante para abrir a mercearia?
R - Aí ele falou, “você quer saber Santinha, então eu vou oferecer a mercadoria para você, você quer?” Eu falei, “quero!” Montei essa loja aqui, num lugar ali, tinha umas casa ali, montei essa loja, loja não, foi bar e mercearia. Meu tio foi com o carro de boi, buscou essa mercadoria para mim e foi tudo fiado, mas graças a Deus, num instantinho eu paguei. E fiquei, meu pai veio comigo, minha irmã veio comigo, porque a casa lá não cabia a família toda. E nós já tinha casa lá na lagoa. Mão ficou lá com os meninos para a escola, para ir para a escola. E assim eu fui ficando aí.
P/1 - Isso era que época, mais ou menos que idade a senhora tinha nessa época?
R - Eu saí de lá foi com 23, 24, 25 mais ou menos. Aí eu pagava aluguel para o pai de criação do meu marido. Aí eu falei, “vamos construir uma casa pai? E não vamos embora daqui não! Depois você vende a da Lagoa. Vamos ficar por aqui mesmo, porque aqui é bom de comércio, tá longe dos outros, beira de rodovia.” Construímos uma casa na beirinha da estrada, essa casa tá ali. Aí fizemos essa casa, mas eu ajudava tudo, no final das contas, eu comprei o lote e pai foi fazer a casa. Só que a metade foi meu também. E acabou com meu comércio, não tinha muito dinheiro assim, o comércio era pequeno, não dava renda não tinha muita renda, aí o que tinha gastou com a casa. Aí eu fiquei sem serviço de novo, falei, “pai…” Foi naquela época de Brasília, que as mulheres estavam indo, as meninas daqui, as mulheres daqui, foi tudo para Brasília trabalhar. Eu falei, “pai eu vou para Brasília trabalhar. Ele falou, “você não vai não!” Eu falei, “pai o que que eu vou fazer agora?” “Brasília você não vai não!” Não vou teimar, obedecia muito ele, foi um pai muito bom para nós, nunca ganhei um tapa da mão dele, então a gente respeitava ele muito. Nunca deixou, vivendo dos braços, nunca deixou nós passar necessidade, muito cuidadoso com a minha mãe, na doença. E falei, eu não vou não! Passou uns dias, ele falou, “Santinha, você tá muito triste, pode ir!” Falei, “então eu vou!” “Pode, pode ir!” Chegou um senhor, que tinha uma fazenda aqui em Bonsucesso, Roberto Wachsmuth, era muito amigo do meu pai, amigo nosso, meu pai trabalhava para ele, tomava conta como gerencia da lavoura dele, que ele mexia com lavoura também. Aí eu falei, “Roberto, estou indo para Brasília”. Ele disse, “o quê??” “Tô indo para Brasília.” “Para quê?” “Claro que é trabalhar, né Roberto? O que eu vou fazer lá?” Ele falou, “nunca que você vai!” Ele me chamava de Santa. “O Santa, você não sabe o que é Brasília, Brasília agora, se você chegar lá, você vai ficar perdida, lá tá um lugar muito triste, principalmente para moça, não vai não!” Eu falei, uai, mas eu preciso trabalhar, Roberto.” Ele foi num armazém que tinha em Paracatu, era o maior que tinha Paracatu, conversou com os donos lá, ele falou com eles, “ela vai vir aqui, ela vai pegar tudo que ela quiser aqui, vocês entregam, e quem vai assinar as duplicatas sou eu! Ela vai pagar por mês.” Ele chegou lá, “o Santa, arrumei lá para você comprar, para você começar com o seu comércio de novo, eu vou mandar buscar para você.” Ele tinha caminhão, tinha tudo! “Vou mandar buscar os trem para você, vai lá ver o que você quer que o caminhão vai trazer.” Eu fui! Cheguei lá, comprei as coisas, trouxe, comércio tava montado, tinha balcão, tinha tudo. Comecei de novo! Esse homem foi tão bom para mim, que ele deixava de comprar as coisas na cidade… era fazendeirão, ele era rico. Deixava de comprar as coisas na cidade para comprar de mim. Uma época ele falou comigo assim, “Santa, você quer comprar arroz, feijão e milho para mim?” Falei, “compro!” Naquele tempo ele me deu 40 mil, mas primeiro ele foi lá no meu patrão saber quem era eu. E veio e me fez essa proposta. Falei compro! “Roberto, você vai me dar esse tanto de dinheiro?” “Vou! Para você comprar tudo de feijão, arroz e milho!” E eu enchi uma sala que nós tinhamos lá. Falei, “o Roberto, o dinheiro acabou e a sala está cheia, pode pegar!” Eu não sei, até hoje eu estou por saber, ele me devolveu esse dinheiro? Ele pagou a mercadoria? Não sei como que foi não! Eu sei que ele foi o segundo pai que eu tive. Então me ajudou muito. E aí eu fiquei lá! Já em 65 arrumei esse rapaz, 65 não, 63, foi que eu mudei para casa lá. Casei, ele tinha comprado uma casa, trocado uma casa que ele tinha lá onde ele morava, que era dos pais dele, trocou com o tio dele por uma casa aqui na beira da rodovia para não acabar o comércio, que o velho não queria que acabasse o comércio. Só que não deu certo o negócio, atrapalhou tudo o negócio dele, ele falou, “ó, eu vou vender a casa para o senhor, eu quero o dinheiro que eu vou construir outra”. Ele já tinha esse terreno aqui, esse terreno aqui era dele. Aí foi ajudar ele a fazer essa casa. Construímos a casa, colocamos uma mercearia, era bar e mercearia, porque tinha cachaça, tinha tudo para vender. Aí criamos três filhos, eu perdi 3, ficou 3. Tudo tirado desse comércio.
P/ 1 - A senhora estudou, como foi?
R - Estudei até o terceiro, eu vou falar na minha língua, terceiro ano. A minha professora, essa Dona Maria da Trindade, queria me levar para Paracatu, para mim fazer o 4º ano, porque se eu fizesse o 4º ano, eu estava formada professora, era só até o quarto ano, era o que ela tinha também. E não tinha mais curso aí não, em Paracatu não! Só que eu não pude ir, então eu perdi! Ela fez questão que repetisse o 3º ano, para mim não esquecer, porque eu tava muito nova, se não ia esquecer. Aí eu repeti! Mas na escola, acho que eu já contei para vocês, que tinha assim aquelas palmatórias de bater, então na matemática, tinha uns meninos muito lerdos. E ela perguntava, tinha aquele negócio de perguntar tabuada, 2 + 2, você tinha que falar, 3 x 4, você tinha que responder. Perguntou para uma colega minha, quase irmã de criação, que nós morávamos muito perto uma da outra, e dava muito certo. E ela não sabia nada. Dona Maria me pergunta, eu respondi! “Vai da uma palmatorada na mão dela!” Falei, ai meu Deus! Peguei a palmatória, tinha uma menor também. Aí eu fiz assim na mão dela. “Se você não bater com força, eu que vou bater em você!”
P/1 - Dona Maria tinha pedido para a senhora bater na amiga?
R - Na menina, na minha colega, porque ela não soube responder e eu respondi. Quanto que é, eu nem sei quanto que era mais, quanto que ela perguntou mas não. Mas eu respondi, porque eu tinha a matemática na ponta da língua. Aí eu respondi o quê ela perguntou a ela, eu tinha que dar uma palmatorada na mão dela. E agora, como é que eu vou bater nessa menina? Meu Deus do céu, é minha colega, a gente vivia juntas. Eu fui só fiz assim. Ela foi disse, ou você bate direito, ou eu vou bater em você!” Uai, não foi eu que errei, porque que eu vou apanhar? Aí eu desci a palmatória, bati com força. E era assim, direto. Mas uma escola muito boa, uma mulher muito enérgica, ela tinha interesse de ensinar os alunos. Quem não aprendesse a ler com Dona Maria, não aprendia com mais ninguém.
P/1 - E a senhora morava muito longe da escola?
R - Não! Era perto, perto da casa dela também. O quintal fazia divisa só com uma cerca, o dela com o do meu pai. Era pertinho! Você conheceu a rua, a igreja da Lagoa, você viu? Eu morava pertinho da igreja, estudava nessa mesma escola que tem.
P/1 - Ia a pé para a escola todo dia?
R - Todo dia! Era pertinho! E quando a gente morou 6 Km, que a gente tinha que vim. Esses meninos caminhavam eram 10 km para vir para escola, ou mais. O pessoal de Santa Rita, tudo estudou nessa escola aí, todo mundo.
P/1 - A senhora tinha contado que essa escola tinha outro nome na época da dona Maria, depois que deram o nome da dona Maria. Como era o nome da escola?
R - Porque ela era estadual quando construiu ela, pôs o nome de Graciano Calcado, que eu não sei nem quem é esse homem, não é daqui, não! Deve ser alguém grande lá em Belo Horizonte, Graciano Calcado. Depois é que passou para Maria da Trindade Rodrigues.
P/1 - E como é que era o colégio nessa época? É igual ele é hoje, ou não?
R - Não! Era duro demais, era difícil para comprar um caderno. O governo mandava caderninho, aqueles caderninhos ruim, aquelas folhinhas ruim, mas a gente estudava assim mesmo. Mas tinha que comprar, porque só o que ele mandava não dava, tinha que comprar. Merenda não existia, então tinha um recreiozinho rapidinho, a gente brincava. Brincar como? Pular corda, correr de esconder, porque não tinha outra brinquedo. E comer, ai meu Deus! Quem tinha uma banana, levava banana, quem tinha rapadura, levava um pedaço de rapadura, e era assim, não tinha nem coisa feita, não tinha um biscoito, não existia.
P/1 - Mas que tinha e quem não tinha, como é que vocês faziam?
R - Uai, terminava as aulas ia embora para casa, comer em casa, para almoçar em casa, não tinha nada para levar. A maioria não tinha nada não! Era pobreza mesmo.
P/1 - A escola já tinha essa disposição física, as salas em volta e o pátio no meio?
R - Porque aumentou, porque aquela escola foi construída com uma sala, que é a primeira da frente, que hoje é a biblioteca. Você foi lá? Pois é! Só tinha aquela sala, para três classes. E no meio tinha um galpão, era onde ela dava o recreio. Mas ele era fechado, ele não era aberto assim como está lá hoje não. E aquele lado de lá, onde é a secretária, era a residência da professora. E só uma sala de aula. E tinha o galpão para os meninos brincarem na hora do recreio.
P/1 - E só tinha essa professora, ou tinha algumas professoras.
R - Não! Só ela! Tô falando para você que ela tava três classes de uma vez, primeiro, segundo e terceiro ano. Era difícil, tudo difícil.
P/1 - E vinham pessoas de outro lugar, de Santa Rita, o pessoal vinha aqui estudar. Vinha pessoal de outro lugar para estudar aqui?
R - Cunha, Bonsucesso, que é uma fazenda daqui, não sei nem quantos quilômetros. Retiro, que é Miguel Pereira hoje, Santa Rita, Pinheiro, Paraíso, vinha tudo para estudar, Lagoa, todo mundo estudava lá.
P/1 - Esse pessoal geralmente vinha a pé para estudar na escola?
R - A pé, não tinha nada! Vinha de que? Era uma meninada danada para virar a cavalo, não tinha onde deixar os cavalos.
P/1 - Mas não tinha ônibus, nada ainda?
R - Ônibus? Nem bicicleta, nem carroça tinha, nem carroça. Não tinha bicicleta, não tinha nada.
P/1 - Isso foi chegar depois?
R - Foi muito depois, muito depois! Foi chegando, apareceu carroça, depois veio bicicleta, depois apareceu um ônibus que ia para o Nair. Isso eu já trabalhava, foi depois dos meus 18 anos, já trabalhava lá nessa loja. Não tinha, ninguém tinha carro, ninguém tinha nada não, andava a pé. Quem tinha cavalo, andava a cavalo, quem não tinha, andava a pé.
P/1 - Só naquela hora do recreio que vocês tinham umas brincadeirinhas?
R - Isso!
P/1 - Brincava de pular corda…. como que era essa coisa da brincadeira?
R - Não! Na hora da escola, na hora do recreio que a gente fazia isso. Tinha os domingos, a gente brincava no quintal, fazendo boneca de pano, arrumava sabugo de milho para fazer boneca, fazendinha cozinhado, aquelas panelinha, aquelas latinhas para fazer cozinhado, era assim. Mas tinha os domingos, porque nos dias de serviço não podia não.
P/1 - Tinha que ir para a escola e tinha todo esse trabalho que a senhora contou?
R - Chegou da escola tinha que trabalhar, não tinha folga não. E meu pai também não deixava que a gente… acho até que era mentira da minha mãe, ela falava que era meu pai,, meu pai nunca falou nada comigo, não deixava reunir a turma de menino para brincar na rua, fazer brinquedo mesmo na rua. A gente não ia, não podia ir não! Ela falava que meu pai não gostava, de jeito nenhum! “Seu pai falou isso, seu pai falou aquilo!” Meu pai não falava nada, era ela mesmo que inventava.
P/1 - Como é que era o seu pai?
R - O jeito dele ou a natureza dele?
P/1 - O que a senhora quiser falar. Se a senhora fechar os olhos o que a senhora lembra dele?
R - Meu pai era negro, acho que ele era mais escuro do que eu. Mas uma pessoa incrível, se pode procurar todo mundo aqui, era Zé de Félix. Ele era conhecido Zé de Félix, porque o pai dele chamava Félix. Todo mundo gostava do meu pai. Dentro de casa ele foi um bom pai, ele não batia em nós, ele não deixava nós passar necessidade, vivia dos braços, levantava 6 horas da manhã e ia para as roças, ou para o garimpo. Ele fazia, como é que é? Oleiro, né? Fazia telha, fazia essas telhas, fazia tijolo, piso, aqueles ladrilhos, ele fazia tudo, tinha os tempos de fazer essas coisas. Garimpou muito, tirou muito ouro, só que não ficou para ele, era para trocar e comprar as coisas que a gente precisava. Um homem assim, vou dizer para você mesmo, incrível, meu pai, não é porque meu pai não, até eu sou suspeita de falar, mas você pode perguntar para qualquer um aí que conheceu meu pai, quem era José? Esse povo que você vai entrevistar, quem era José de Félix? Dava certo com todo mundo, nunca vi ele brigar com ninguém. Às vezes minha mãe enciumava muito, queria brigar com ele, sabe o que ele fazia? Se ela falasse uma palavra que ele não gostava, ele pegava o chapéu, punha na cabeça e saia. Acabava a briga.
P/1 - Como é que era a sua mãe?
R - Minha mãe era nervosa! Minha mãe era nervosa! Ela foi uma boa mãe, criou os filhos todos ao redor da saia, não deixava com ninguém, nunca deixou nós com ninguém. E quando precisava dela sair, meu pai tinha que ficar com nós, mas deixar na casa dos outros ela não deixava, não! Cuidou bem de nós! Agora eu apanhei com força.
P/1 - Chegou apanhar da mãe?
R - Apanhei bastante!
P/1 - A senhora lembra alguma coisa que aconteceu….nossa apanhei por causa disso?
R - Por que eu apanhei? Eu cheguei…. quando ela estava perto de morrer, eu perguntei para ela, “mãe…” Ela estava com sentido bom ainda. “Por que a senhora batia tanto em mim?” “Porque você era pirracenta.” “O que que eu fazia de pirraça?” O que eu fazia de pirraça ela buscar lata d'água, deixar molhar tudo, buscar feixe de lenha, que eu não aguentava, pirraça minha era essa. “Não, você chorava muito.” Por que não procurou saber porque que eu chorava? Só isso que ela falou, porque você chorava muito. Diz que eu chorava mesmo, diz que eu era de uma pirracinha, quando eu era menor, pequena, isso eu não lembro não, mas ela disse que ia para igreja comigo, se tivesse uma reza, que era pertinho, “vamos rezar mainha, vamos rezar!” Quando chegava na igreja, diz que eu sentava no meio da igreja, “mãe, vamos embora, mãe vamos embora!” “Não, vamos terminar primeiro”. “Então eu vou morrer eu vou ficar aqui mesmo!” Na porta da igreja, “eu vou morrer e vou ficar aqui mesmo”. Isso ela contava, eu não lembro não, não é do meu tempo lembra não. Ela tinha que me pegar e me levar para casa, tinha que me pegar, não tinha jeito.
P/1 - Mas essa história dela te contar que na infância você era pirracenta, foi só quando você já eram adultas?
R - Não, ela falava que eu chorava demais. Mas porque ela batia em mim? Quando chegava gente lá em casa, que ia conversar com meu pai, eu aproveitava, corria e atravessar a rua, porque tinha os meninos brincando na rua. Na hora que ela dava falta de mim eu já ouvia os gritos, eu já vinha correndo. …já estava lá com cipó enorme, me pegava de longe, mas batia mesmo. Eu não podia sair de casa, uai! Ela foi uma mãe muito boa, não tenho o que reclamar dela não. Mas para me corrigir, ela era brava, ela foi muito brava.
P/1 - Nessa época saia, você tinha colegas, tinha divertimento, na época da adolescência?
R - Tinha divertimento antes de eu ir para o comércio, antes. Depois que eu fui para o comércio eu não tive mais, porque lá era de domingo a domingo. Então você vai na festa sábado, para trabalhar no domingo? Você não aguenta! Então deixei de ir! Nem em festa eu ia mais.
P/1 - Mas antes disso teve divertimento.
R - Fui, fui! Eu ia, mãe levava a gente, conforme um casamento, alguma festa que tinha assim, ela levava, lá dentro da Lagoa mesmo. Meu tio fazia muito mutirão, para limpar a lavoura, limpar a lavoura dele. E à noite fazia a festa, a gente ia.
P/1 - Me conta um pouquinho como é o mutirão?
R - Mutirão é assim, você plantou, por exemplo, fazendeiro, os maiores, plantava aquela lavoura grande de milho, quando estava deste tamanho tinha que limpar, quando tava pequeno tinha que limpar, quando estava desse tamanho tinha que dar outra limpa senão colhia no mato. Aí o que que eles faziam, convidavam, “vamos fazer um mutirão tal dia!” Aí juntava 30, 40 homens, e ia para a roça, todo mundo com a enxada. Terminava, fazia aquele serviço tudo num dia. A noite eles pagavam com a festa, ele davam comida para o povo, e à noite tinha a festa, fazia os biscoitos para dar o café à noite. Aí a gente ia nessa festa. Mas chegava lá, tinha que dançar com todo mundo. Um dia um chegou perto de mim e falou assim, “quer dançar comigo?” Falei, “não vou não!” “Mas eu trabalhei!” “Não foi para mim, trabalhou foi para o dono da lavoura”. “Mas você tem que dançar!” “Já falei para você que eu não danço, eu não vou dançar, não vou pagar serviço para ninguém!” Não fui não.
P/1 - Mas por que a senhora não quis dançar com ele?
R - Eu não queria dançar com ele não! Ficava bebendo cachaça e fica querendo dançar. Eu não dançava com todo mundo não, não dançava! Eu… chamava franga, eu dava franga que não era fácil.
P/1 - O que é esse “dar a franga”?
R - Deixar de dançar, uai! O homem vinha, chamava a gente para dançar, se você falasse que não vai, deu franga. Ele saía botina da vida.
P/1 - Como a senhora aconteceu o esposo da senhora?
R - Eu já conhecia ele, ele morava aqui no Cunha, nasceu e criou aí. E eu já conhecia ele, só que quando eu pus o comércio aqui na casa do tio dele, pai de criação, a gente ficou assim mais…. a mulher que criou ele, a tia, gostava muito de mim. Inclusive, ela pediu para minha mãe me dar para ela, minha mãe falou, “quem dá é filho de cachorro.” Aí não deu, ela não dava não! E não sei como foi, eu briguei com ele um tempo, ficamos de mal 2 anos, eu não gostava dele. O tempo passou, isso foi 61, mais ou menos, 62, quando foi em 63, ele vai lá perguntar se eu queria namorar com ele. Ele precisava casar, vivia na casa dos outros.
P/1 - Aí ele foi perguntar para os seus pais?
R - Não, perguntou para mim primeiro. Aí ele começou a ir lá em casa, foi pedir para os meus pais. Pai foi e falou assim, “deixa eu conversar com ela primeiro”. O que que eu fiz? “Pai, eu quero casar com ele!” Eu nem sabia se eu queria, eu não sabia se eu queria casar não. Se você ver o tanto de casamento que eu arrumava, que eles queriam que eu casasse, os pais queriam que eles casarem comigo. Teve pai que teve coragem de ir lá no balcão onde eu trabalhava, saber de mim se eu queria casar com um rapaz, até acho que era sobrinho dele. “Quero não!”
P/1 - O pai do moço chegou na senhora na época?
R - !sso! Eu arrumei casamento demais, mas não tinha vontade de casar, eu não sei como foi que eu casei, não, uai! Eu não via eu casando, não vi, vi não! Falei com o pai na hora, “eu quero casar com ele!” Pronto! Nós casamos.
P/1 - E como foi o dia do casamento, dona Santinha?
R - 57 anos! O dia do casamento? Sei não! Não sei conta para você como foi o dia do casamento não. Eu casei lá em Paracatu. Primeiro casamos no civil, depois fomos para a igreja, ele era crente, igreja Presbiteriana, mas eu não era não. E fui e casei na igreja dele. Quando passado um tempo, eu falei, “você quer saber, eu quero casar na minha igreja, e você vai!” Falou, “vou!” Fui lá na casa paroquial, tinha um padre muito bom aí, Frei Pedro, ele fez o nosso casamento. Sou casada duas vezes, casei no civil,casei três, casei no civil, casei na Igreja Presbiteriana, depois casei na igreja católica, que toda vida eu fui católica mesmo. Não deu certo na… eu não vou contar porque, porque aí é coisa de casa, não vou contar não! Mas eu não quis ir mais na igreja presbiteriana, aí voltei para minha igreja.
P/1 - E teve festa no casamento?
R - Não, eles eram crente. Os pais de criação dele era da Igreja Presbiteriana.
P/1 - E por causa disso não teve festa. Nem quando você casou na igreja católica?
R - Não, na igreja católica foi só nós dois lá na casa paroquial, só nós dois. Falei, “Frei Pedro, como é que eu vou casar?” Eu falei que queria casar. “Eu arrumo seu casamento”. o padre. Aí eu cheguei lá um dia, “eu vim aqui para marcar o casamento”. Ele foi e falou assim, “cadê o seu marido?” Falei, “ele tá aí!” “Chama ele lá! Vou fazer esse casamento agora. Cadê os testemunhos?” Ele foi e chamou as moças lá da cozinha, que trabalhava lá na casa para testemunha. Nos casamos!
P/1 - E aí vocês casaram assim, só entre vocês?
R - Só! Só eu, ele, o padre e os testemunhos lá da casa paroquial. Mas porque eu queria ir na igreja, entrei na carismática, eu fui da eucaristia, eu era coordenadora, expositora do curso da palavra, eu trabalhei muito na igreja, muito. Eu rezava na igreja, eu cantava no coro, eu fui tudo, eu baguncei minha vida tudo.
P/1 - A senhora vai na igreja ainda hoje?
R - Vou, vou! Não dou conta de ir porque é longe, daqui lá é longe. Mas eu ia a pé, voltava de lá 10 horas da noite, sozinha. Mas agora as pernas não dá mais para ir, tem que esperar o dia que os meninos vão, aí que eu vou.
P/1 - Que igreja?
R - Na igreja católica ao lado da Lagoa. Você não conhece lá, não?
P./1 - Conheci! Mas é a igreja de Santo Antônio mesmo?
R - Santo Antônio! Lá igreja de Santo Antônio, porque eles acharam Santo Antônio aqui e levou para lá. Acharam numa lapa aí, e aí pôs, ficou Santo Antônio lá, Lagoa de Santo Antônio, porque ao lado da igreja tinha uma lagoa, então ficou Lagoa de Santo Antônio.
P/1 - E é essa igreja que a senhora frequenta?
R - É essa igreja.
P/1 - Teve filhos logo em seguida?
R - Depois de dois anos eu tive a primeira. Depois tive o segundo, que é esse Donato. E a terceira, aquela que trabalha lá no bar. Eu perdi outro.
P/1 - A senhora teve no hospital, teve em casa?
R - Tudo no hospital! Eu ia para o hospital às vezes assim a noite, ganhava um menino 8 horas da manhã do outro dia, 8 horas do outro dia eu estava aqui em casa, na beira do fogão. Pode perguntar ai para você vê, nunca guardei resguarde.
P/1 - No outro dia já estava trabalhando?
R - Nunca guardei resguardei nenhum! Eu tinha uma amiga muito boa, lá de Paracatu, desses donos lá do Atenas, ela vinha muito na minha casa, quando ela chegava que me achava trabalhando, “Santinha de Deus, você vai pagar tudo isso, você está é doida, como é que você vai trabalhar desse jeito? Fazer as coisas desse jeito?” Eu ia para a cozinha, eu descia escada, eu lavava roupa, ia parta o tanque lavar roupa. Eu fui assim, desde a minha criação parecia que eu fui um animal, eu não fui gente não, porque eu nunca guardei resguarde nenhum. Graças a Deus, que eu nunca tive, assim, uma doença para me atrapalhar nada. Eu já fiz umas três cirurgias, mas também foi coisa rápida e chegou em casa não tinha cirurgia nenhuma. Continue seguindo do mesmo jeito.
P/1 - Qual o nome dos seus filhos?
R - Iara Silva Velino, Donato Pereira da Silva Neto, Kelly Aparecida Pereira da Silva.
P/1 - Como estão os seus filhos? O Donato é vereador.
R - Ele é Vereador! Ele trabalhava primeiro no hospital, ele trabalhou lá uns 10 anos, ou mais, agora ganhou para vereador, está lá na câmera. Tá lá mexendo, não sei o que ele está fazendo lá não, mas tá lá. (risos) Não é Donato? Não sei o que tu está fazendo não, mas tá lá. A Iara, ela era professora, ela tá trabalhando… onde é Donato? Que Iara trabalha? Na superintendência de ensino, ela trabalha lá. E a outra não quis mexer, mexe… O bar que eu mexia, quando ela casou, eles vieram para cá, eu passei para eles. O marido morreu, ela continua aí, trabalhando. Tem um filho, um rapaz.
P/1 - E os filhos estudaram aqui na comunidade? Como é que foi essa coisa da educação para eles?
R - Todos! Estudou tudo aqui tudo na escola Maria Trindade, só que as professoras já eram outras, não era ela mais. Mas estudou aqui, daqui foi para a cidade, terminou lá o ensino médio, né que fala? Eu não sei mais nada agora não, só sei de antigamente.
P./1 - Porque aqui o ensino vai só até o fundamental, para você ir além precisa ir para outro lugar, é isso?
R - É! Eles foram lá para Paracatu, todos 3 estudo. Donato fez uma faculdade. Iara também fez faculdade, pedagogia. E essa do bar não quis fazer, não, ficou só no ensino médio.
P/1 - Mas nessa época que eles estudaram a escola já tinha mudado, ela tava diferente?
R - Aqui?
P/1 - É! Porque na infância era essa escola que a senhora me contou, aí na época que eles estavam estudando foi gerações para frente, como é que a escola estava na época deles?
R - Não! Era essa mesmo, aí assim, do jeito que construiu, não tinha mais nada, não, acho que nem banheiro tinha, tinha privada. Porque foi 2005 que ganhou um prefeito que é daqui, foi que ampliou essa escola, aumentou, ampliou, colocou os banheiros, arrumou muito bem arrumada a escola. Na época deles não tinha nada não, era a mesma coisa. Eu acho que não tinha comida, a merenda que eles fazem lá para os meninos, não tinha ainda, quando eles estudaram não tinha não. Não tinha carro para levar. Esse Donato, ele era doente, ele tinha problema nas pernas, precisava levar ele de bicicleta. Ele não andava assim não, ele veio andar com 12 anos, mas depois que ele foi para cidade, graças a Deus, ele desenvolveu, estudou.
P/1 - E como foi essa época que os filhos estavam estudando, como é que era em casa nessa época?
R - Uai, ficava eu, Antônio e um rapaz que trabalhava com nós no comércio, era nós três. Eles três foram tudo lá para casa da minha irmã, Antônio construiu lá um cômodo para eles, de lado e eles moravam lá, os três.
P/1 - Eles ficavam morando lá, enquanto a senhora ficava trabalhando aqui?
R - Isso!
P/1 - E aí eles foram estudando nesse período que eles estavam lá?
R - Foi! Eles foram para lá para estudar. Quando terminou o estudo eles vieram embora. Depois daqui é que eles fizeram a faculdade, os dois, Donato e a Iara, a mais velha, que eles fizeram.
P/1 - E a senhora tinha contado que a comunidade antes tinha mais coisas, tinha mais comércio. O que aconteceu com a comunidade?
R - Para falar a verdade eu não sei! Os velhos morreram, foram morrendo. Tinha três lojas, três armazéns. Eu não me lembro não, mas mãe disse que lá tinha farmácia, tinha tudo. Era pouca gente, eu lembro da Lagoa com 27 casas, mas uma animação, que ninguém imagina, as festas, caretada, folia, folia do Divino, folia de Santos Reis, era muito animada Lagoa. Agora que encheu de gente. Eu acho mais que esse povo aí esmoreceu, foi com essas barragens aí na frente, tá todo mundo assim, inseguro, então não tem ânimo de fazer mais nada não.
P/1 - Mas tem mais gente hoje do que tinha naquela época?
R - Uai, muito mais, 27 casas que tinha só, olha lá hoje para você ver. Lá tem rua cheia de casa que não existia, era mato.
P/1 - E esses comércios, essas farmácias que você nem lembra, o que aconteceu?
R - Acabou tudo! Foi acabando tudo! Porque os que tinham as lojas, eles foram enchendo da grana e mudaram para Paracatu, mudou tudo. De Paracatu foram para Brasília, uns foram para Cristalina, outros foram para Brasília, e sumiu tudo, foi tudo embora. E parece que o povo aqui desanimou e não mexeram mais. Hoje lá só tem boteco, de bar, só tem bar.
P/1 - Como foi a fundação da igreja? Me falaram que a Lagoa é mais antiga que Paracatu.
R - A Lagoa tem 317 anos. Paracatu acho que tem 205 anos, 200 e tanto. Se eu for contar para você a fundação da Lagoa, como começou a lagoa, vai longe.
P/1 - Vamos contar, eu vou te ajudando para a gente chegar na história.
R - Chegou aqui nesse lugar, um senhor por nome Antônio da Fonseca Silva, e os seus companheiros vindo da Bahia. Um padre me contou que eles vinham até São Romão, descia do barco, era barco, e saia a pé, andando por aí. Chegou esses homens aí. E acho que andando por esse morro aqui, que chama serra da Caieira, achou uma gruta, que nós não chamamos de gruta, é Lapa, até hoje tem o nome, Lapa de Santo Antônio, Lapinha de Santo Antônio. Eles chegaram lá, achou uma imagem dentro da Gruta, “vamos pegar essa imagem levar para a lagoa”. Levaram para lá, não tinha dono não! Vamos construir uma igreja lá e levar essa imagem. Construiu a igreja e buscou a imagem, no outro dia, cadê a imagem? A igreja estava vazia. Eles chegam aí na Lapa, tá imagem dentro da Lapa, eles tornaram apanhar e levou. No outro dia Santo Antônio fugiu, na terceira vez, que ele fugiu, no tempo que eles foram buscar, chegou lá, desceu uma pedra enorme, essa pedra está lá, que os velhos vem contando toda a vida. Desceu tapou a porta da Lapa, da Gruta, não viram mais Santo Antônio. Eles foram mandaram construir a imagem, fazer uma imagem.
P/1 - Fazer outra imagem?
R - Fez uma imagem e pôs lá na igreja, tá lá essa imagem até hoje.
P/1 - E ficou como igreja de Santo Antônio?
R - Aí porque tinha uma lagoa ao lado da igreja, que já secou também, eles puseram o nome de Lagoa de Santo Antônio. Porque Santo Antônio estava lá pertinho da igreja, então ficou Lagoa de Santo Antônio.
P/1 - E aí como é que começou se formar essa comunidade?
R - Essas outras famílias eu não sei explicar para você como foi não. Foi vindo gente, foi chegando, foi chegando. Os antigos, eu conheci muita gente antiga aí, que morava aí. Os filhos foram construindo casa aí também, a Lagoa foi crescendo. E já entrou também muita gente de fora, agora já tem muita gente de fora aí.
P/1 - Mas nessa época que era a comunidade mais antiga, como vocês organizavam as coisas? Como é que era organizado o trabalho, como acontecia?
R - Os trabalhos que existiam eram esses que eu já contei, era lavoura, era moagem de cana, então o povo vivia trabalhando de enxada, ajudando quem tinha, quem podia plantar, que não era todo mundo que tinha condições de plantar não. Mas trabalhava para os fazendeiros, tinha os fazendeiros aqui, engenho de fazer rapadura, então trabalhava assim, na época dos engenhos a turma trabalhava. Na época de limpar as lavouras, reunia aí, tinha gente que trabalhava um mês inteirinho numa fazenda, só limpando roça, roçando pasto, corte de cana. Vivia assim.
P/1 - E quando começou a formar a comunidade que a senhora está falando que o povo foi chegando, foi chegando de onde?
R - Para falar a verdade eu não sei! Porque chegava de um lugar, chegava de outro, sem a gente saber nem de onde veio. Aí tem gente de Abaeté, essa Luana mesmo, ela não é daqui, não sei de onde ela é não. Veio para cá, os pais dela veio, eles mudaram, ela casou aí e ficou. E assim vai aumentando. E os filhos dos que já tinham, ficaram tudo aí também, foram construindo casa e aumentando a comunidade.
P/1 - E as festas? Como que eram essas festas?
R - Aqui na lagoa era festa de Santo Antônio, 13 noites rezando, sem Padre, só os rezadores, que até eu ajudava, 13 noites, 14 já era missa e procissão E era uma festona, muita gente, porque só existia essa igreja aqui, para Cunha, Santa Rita, Barreiros e essas comunidades todas aqui, só tinha essa igreja, então o povo reunir todo mundo aí.
P/1 - Então quando tinha festa vinha esse pessoal das outras comunidades para a Lagoa?
R - Para Lagoa, para assistir à missa da Lagoa, a novenas da Lagoa, tudo era na Lagoa, tudo! As escolas, estudaram na Lagoa e a igreja também, porque não existe outra igreja não. Essas igrejas aí foi de 1988, 89 é que começou a criar a igreja nas comunidades.
P/1 - A Caretada era aqui da Lagoa?
R - Da Lagoa! Era do Cunha, começava no Cunha, era avô de Antônio que fazia essa festa de São João. Primeiro tinha festa de Santo Antônio, depois tinha de São João. Fazia caretada do dia 23, para o 24, era a noite. Todo mundo acendia fogueira nas portas, e os caretas fantasiava, uns de homem mesmo, outros de mulher, era os padres. E dançava, cada fogueira que tinha eles tinham que dançar, passar e dançar. E rematava na igreja. Bom, rematou na igreja, agora vamos sair de casa em casa. No outro dia tinha o almoço lá no Cunha, eu ainda lembro lá. E as folias, aqui vinha visitas, daqui mesmo, era só de Santos Reis, aí tinha folia de Santos Reis. Era dezembro e terminava…. Saia os foliões andando, pedindo esmola, falava era esmola, não era oferta não, era esmola. Saia com o Santo de casa em casa, chegava num lugar pousava. Eles andavam longe. E no dia 6 de janeiro tinha missa. Meu pai mesmo foi festeiro uma vez, de Santos Reis.
P/1 - Eles iam pedindo pouso pelos lugares?
R - Pedia pouso e batia de porta em porta pedindo esmola. Cantando, eles cantavam, tinha música também, todas as folias tinha música.
P/1 - Como é que eram essas músicas? Vocês ouviam música na comunidade, como que era, tinha rádio?
R - Tinha não! Aqui rádio? Não tinha energia, não tinha nada, tecnologia não tinha nada, nada, nada. As festas, os pagodes, era uma sanfona pé de bode, que eu falo, aquela sanfoninha pequena, um violão, às vezes uma viola, e um pandeiro, pronto! Mas já tinha aquele sanfoneiro que ganhava para tocar a noite inteira. E aí era pagode mesmo, povo dançava, viu.
P/1 - E nas festas tinha o pessoal que cantava e dançava?
R - A folia era música e os instrumentos também. A folia era caixa, pandeiro, violão, tinha sanfona não, viola, violão, pandeiro e a caixa para bater. E cantava, cada casa que eles chegavam, eles cantavam.
P/1 - Como que era o garimpo na Lagoa? Vocês chegaram a garimpar?
R - Eu não! Que eu nunca gostei de garimpo. Mas meu pai, se ele guardasse o ouro que ele tirou, meu pai era um dos mais ricos aqui, que ele já tirou ouro demais. E o povo, teve uma época, que só tinha o garimpo, não tinha mais nada de ganhar dinheiro, era homem e mulher na praia, nas praias, tirando ouro. Uns de caixotinho, lavava areia no ralo, outros de bateia, só de bateia, mas todo mundo, homem e mulher, tirando ouro. Eu me lembro uma vez, que a minha mãe foi para tirar ouro com a minha irmã, “vamos Santinha”. “Não vou não!” Aí elas foram, tirou esse ouro, comprou vestido, quando comprou o vestido veio me mostrar, “aí, você não quis tirar o ouro, ó, comprei vestido!” Deus me dá um jeito de eu trabalhar, e eu não vou para o garimpo, nunca gostei! Aconteceu que uma época eu fui, trabalhei uma semana inteira, eu e uma moça que tinha lá. Você sabe o que que é vintém de ouro, sabe? Uma semana nós tiramos um vintém. Nunca mais eu piso o meu pé em praia para tirar ouro, eu não gostava. E não tirei! Deus me mostrou que meu serviço não era aquele não.
P/1 - Aí depois acabou o garimpo, né? O que aconteceu?
R - Acabou, porque foi quando a RPM veio, eu acho que teve uma lei, não sei se é estadual, não sei como que foi. Teve uma lei aí de não garimpar. Eu creio, sabe por que? Entrou assim, deu uma euforia de garimpo aqui, que eles montavam dragas dentro das praias e areia que lavava jogava dentro da praia. Então foi aterrando, foi aterrando, esse rio mesmo aqui, já corria em cima da terra. E apurava o ouro com mercúrio, a céu aberto, aí proibiram. Mas o povo garimpo, moço, tirou ouro aqui mais foi muito, antes da RPM. Aí o povo falou que foi a empresa que proibiu, mas eu acho que não foi não, acho que foi mesmo por lei, porque eles estavam acabando com os rios, desmanchava o barranco e lavava tudo dentro da praia, dentro da água.
P/1 - Depois que acabou, o que aconteceu com o povo?
R - Uai, foram empregar, foram aparecendo empresas em Paracatu, as mulheres achavam emprego doméstico. Foi fazendo assim, outros faziam alguma coisa para vender, costura, eu mesmo ganhei muito dinheiro com costura. Foi arrumando outras coisas, acabou. O garimpo não existe mais em Paracatu.
P/1 - E essas praias, esses rios, como eles estão agora na cidade?
R - Agora não tem mais não. Na cidade?
P/1 - Aqui na Lagoa.
R - Tem água mais não, acabou tudo, a RPM acabou com tudo. E a Kinross chegou e acabou de acabar, fechou o último córrego que nós tínhamos, não tem mais água não.
P/1 - Ainda tem um córrego passando na ponte de Santa Rita.
R - A Lagoa era cercada por dois córregos, esse que vocês passaram na ponte ali, e esse que vem cai nesse aqui, o outro que cai nesse aqui que era o Santo Antônio, onde é a barragem de Santo Antônio. Eram três minas, três lindos córregos, de água limpa, não tinha nada, não tinha agrotóxico, não tinha nada, não tinha plantação na beira do rio, não tinha nada, era água mais pura que existia. Eles fecharam tudo e fizeram a barragem, então acabou a água, não tem mais nada não, só tem mato no leito do rio.
P/1 - E essa água, além de fazer o garimpo, vocês usavam para outras coisas?
R - Lavar roupa, uai! Era onde a gente lavava roupa. Na lagoa tinha um lugar, que chamava criminoso, porque lá morreu uma pessoa. Era um poço muito grande e é onde a gente lavava as roupas e tomava o banho à tarde. 5 horas da tarde a gente tinha que vir embora, até 5 horas as mulheres ficavam, porque depois de 5 horas o povo chegava do serviço e ia tomar banho. Acabou tudo, só tem mato, não tem mais nada.
P/1 - Como é que era a comunidade antes e como é a comunidade hoje?
R - Muito diferente, muito diferente, muito triste tá Lagoa, muito triste. Eles fizeram essa mesma pergunta ontem, anteontem, não, foi terça-feira retrasada, que que eu acho da Lagoa agora, da Lagoa que tinha antigamente? Acabou a Lagoa, não tem mais festa, não tem nada mais. Tem os moradores, o povo aumentou, tem mais gente na lagoa, muito mais gente na Lagoa, cresceu. Mas as atividades, as festas, morreu tudo! Os Armazém, as lojas, acabou tudo, então ela caiu, não tem mais nada não.
P/1 - E essas gerações mais novas, eles seguem os costumes?
R - Não! Ninguém segue costume nenhum! Era uma cabeçada que era uma beleza, todo mundo ia, a rapaziadinha tudo vestia, fantasiava, hoje não tem mais nada, acabou tudo, não tem não.
P/1 - A Lagoa tem alguma associação?
R - Tem assim, como é que fala? Cabeça tá ruim! Que tem o presidente, como é que é? Tem o presidente da comunidade….. a gente esquece.
P/1 - O Presidente da associação?
R - Tem associação sim, tem um presidente. Mas assim, não tem uma criatividade, não tem, não tem nada. Pode ser que de agora para frente, essas meninas tão entrando, como tem Luana, que ela é interesseira, gosta de estar ajudando fazer as coisas. Tem mais lá também começando a fazer, pode ser que vá crescer, pode ser! Eu espero que cresça, se crescesse se eu ficaria muito contente, porque a Lagoa já foi muito animada, muito, era boa demais. E hoje caiu, caiu muito.
P/1 - Qual é a data de fundação da Lagoa?
R - Os primeiros moradores que teve aí foi esses senhores baianos, que chegou aí em 1705, e começou a comunidade. E aí, não sei de onde que veio mais gente, porque não foi do meu tempo, né! E que foi crescendo a Lagoa, foi crescendo. Deve ter vindo pessoas de fora, porque lá não tinha, lá começou com esses homens, com esse povo que chegou, esses baianos. E deve ter vindo pessoas de fora e foi construindo casas e ficando por aí mesmo.
P/1 - O que você gostaria de deixar como legado?
R - Amor e paz! É o que o mundo está precisando, de amor e paz, que o povo amasse uns aos outros mais e que a paz reinasse no mundo, principalmente na minha comunidade, na minha cidade, que é onde eu vejo, onde eu estou vendo todos os dias. É o que eu desejo, é isso.
P/1 - A senhora acha que hoje não está em paz a cidade?
R - Não!
P/1 - O que está acontecendo?
R - A cidade não tem paz, lugar nenhum tem paz! Nós aqui não estamos em paz, porque já aconteceu coisas terríveis aqui dentro.
P/1 - Mas aconteceu alguma coisa com a senhora?
R - Comigo mesmo não, porque eu não sei, eu tenho assim, uma força de Deus, mas com meu filho, ele foi atirado aqui de dentro de casa, bandido entrou aqui, pegou ele dormindo, quando ele assustou, o cara deu um tiro na cara dele, o tiro pegou aqui, cortou aqui. Ele falou que ele levou a mão na arma, que a arma virou. “Não senhor, quem levou a mão nessa arma foi Deus.” Foi Deus que tirou ela! Pôs eu e Antônio, era só nós três que tava aqui, os outros tinham saído, eles tinham ido para formatura do meu neto lá em Tocantins, lá em Palmas. E ficamos nós três aqui como refém deles. Carregou o que é do bar la da menina, não ficou nada, só os que era de vidro, as garrafas de vidro não levou não, mas o resto carregou tudo. Revirou nossa casa todinha, quarto, guarda-roupa, gaveta, quebrou de martelo, pintou os caneco. E eu rezando, e eu rezando, e o cara aí, com revólver assim perto de mim, perto de mim, Antônio sentado assim no sofá, e eu na cabeceira do sofá e rezando na cara dele, rezando na cara dele. Ele fez comigo assim, “tia, cala a boca!” Eu fechei as duas mãozinhas assim e levei na cara dele assim, “cala a boca??” E falei com ele uma palavra assim de Deus. E continue rezando, e não tive medo nenhum, eu não tive medo, Antônio chorou, Donato chorou, eu não chorei. Mas quando esses caras foram embora. Carregou o carro da minha menina, que ela foi em outro carro, lotou ele de mercadoria, carregou. Quando eles foram embora, que nós fomos para o quarto, não tinha como entrar nos quartos, o que era a roupa, mala, os cobertores guardados em cima do guarda-roupa, tudo no chão, não tinha nem como chegar na beira da cama, revirou a casa tudo. Eu tinha deixado para fazer almoço, que os meninos iam chegar da formatura do meu neto, um pernil, o freezer tá até ali, uma bacia de carne, quando eu abri não tinha nada, tava tudo limpo. O freezer da minha filha ela deixou cheio de baldes de frango temperado, linguiça, tudo que era de vender estava lá, ficou nada, limpou tudo. Então foi assim muito triste. Mas engraçado, eu não tive tristeza, nenhuma, não sei porquê. Eu não tive medo, eu não tive tristeza, eu só rezava, rezar eu rezava em voz alta, foi quando ele mandou eu calar a boca. Não calo não, o poder de Deus, o sangue de Cristo tem poder, meu filho. Até eles foram embora. Aí Donato já estava muito cansado, muito mole, escorrendo sangue, tampou para mim não ver. Você acredita que na hora eu transpassei que eu não me incomodei com o tiro que Donato levou, eu não fiquei assim transpassada, assustada, apavorada não, para mim eu pensei assim, esse mundo, a gente passa por tudo, a gente tem que passar dificuldades também, eu só pensava isso, tô passando isso, porque tenho que passar. Senti nada, não. Prendeu nós dentro do banheiro. Falei, “moço, você vai aprender nós dentro do banheiro?” Eu conversava com ele. “Você vai prender nós dentro do banheiro para que?” Os telefones eles jogaram aqui em cima, jogou no telhado, quebrou tudo, caiu os cacos aqui embaixo. Arma não tinha! Eu falei, “você vai prender nós para quê? Que nós vamos fazer com você?” Ele falou, “não, é preciso, é norma, tem que entrar para o banheiro!” Colocou nós no banheiro e trancou! Donato começou, “mãe como que nós sai do banheiro?” Deixa eles irem embora que nós vamos sair. Eles abriram o portão lá, que saiu! Eu falei com Antônio, “dá um murro aí que essa porta abre.” Eles estavam bagaço. Logo a polícia chegou, Antônio correu ali na polícia. Pegou ele, levou para o hospital. Acho que levou foi o bagaço. E Antônio também ficou assim, mas eu não, eu conversei o tempo todo, com todo mundo que chegava.
P/1 - A senhora teve algum sonho, ainda tem algum sonho?
R - Nessa idade que eu tô, eu acho que eu não tenho mais sonho não, não tem mais o que sonhar não. Eu tinha uma vontade de mudar daqui, mas a Antônio não muda, ele disse que daqui ele não sai. O meu sonho era esse, era mudar daqui, embora daqui.
P/1 - A senhora queria ir para onde?
R - Não sei!
P/1 - Mas ir embora.
R - Eu não queria ficar aqui! Para onde eu não sei, não. Qualquer um lugarzinho assim servia.
P/1 - Como foi contar a sua história da vida?
R - Uai, para mim foi muito importante. Eu ter a oportunidade de contar coisas que nem os meninos, nem Antônio sabia da minha vida, porque eu nunca contei para ninguém, então foi muito bom. Eu achei bom! Gostei das suas perguntas! Não sei se eu respondi conforme era para responder, mas achei muito bom, foi muito bom.
P/1 - A senhora respondeu muito bem. O Museu da Pessoa, o pessoal da Click que aqui de Paracatu, a gente agradece que a senhora tenha contado a sua história de vida. Gostei muito! Muito obrigada, dona Santinha.
R - Eu que agradeço vocês! Muito obrigada! Não é competência, porque competência não tem não, é coragem de contar a história da Lagoa, a história da gente, a minha história. Eu garanto para você, que para trabalhar com essa idade e o tanto que eu trabalhei, aqui nunca teve ninguém, ninguém que já fez isso. Do meu tempo para cá não. O povo trabalhava, todo mundo trabalhava, não tinha ninguém à toa assim, não. Mas para dar duro, como eu dava, não tem ninguém. Para começar na minha casa lá, dos meus irmãos, nunca teve um empregado, foi só eu. Trabalhei com vontade, entrei o meu patrão estava devendo a casa que ele comprou, quando eu saí ele já tinha prédio em Brasília, e levou os meninos dele para estudar lá. E eu trabalhava mesmo, trabalhava como se fosse para mim! E nunca fiz nada da minha vida, nada, nunca trabalhei para mim não. Eu trabalhava para ajudar o meu pai, para ajudar alguma pessoa. Pus o comércio para mim, eu ajudava todo mundo que precisava, então…
Recolher