Das idas e vindas entre São Paulo e Sorocaba, definidas pelas separações de seus pais, talvez motivadas por suas diferentes personalidades, formou-se o menino Filipe. Um menino “terrível”, que gostava de brincar com fogo, o que lhe rendeu experiências ora divertidas, ora traumáticas, como a ida ao hospital para tratar de um ferida no pé, que ocultada durante muitos dias acabou infeccionando: “Eu lembro de umas quatro pessoas me segurando, enfermeiros, porque tiveram que arrancar a minha unha, tomei várias injeções no meu dedão. Na minha cabeça, era filme de terror, eu amarrado e eles arrancando a minha unha, sabe?”, diverte-se recriando a cena com uma liberdade que só as histórias escavadas da memória podem proporcionar. A aventura era seu maior deleite: correr atrás de pipas apenas pelo prazer de encontrá-las, subir nas árvores para pegar goiaba, mesmo sem gostar do fruto até hoje.
Foi pela diversão de pular a janela, o único acesso para a marcenaria em que seu avô paterno trabalhava, que o menino encantou-se pelo torno, onde quase que por mágica, um pedaço de madeira se transformava em um pião. Da primeira casa em que lembra ter vivido, era o menorzinho, o xodó da vizinhança. Ficaram as lembranças do córrego mal assombrado, que rendia mil histórias entre a criançada do bairro. Foi a paixão por uma de suas amigas dessa época que o levou a largar a chupeta.
Aos 11, a aventura extrapolou seu quintal. Na companhia de uma prima ainda adolescente e de um tio, foi a pé para a praia, sem documento e com R$ 1,00 na carteira. Seu dinheiro daria para comprar cinco pães, mas graças à gentileza silenciosa da atendente da padaria, rendeu dois pãezinhos para cada um. E assim a vida correu um pouco rápido demais.Com 13 anos frequentava shows de reggae e teve também seu primeiro contato com uma manifestação política. Foi chacoalhando na carroceira de um caminhão que ele e o avô foram acompanhar a...
Continuar leitura
Das idas e vindas entre São Paulo e Sorocaba, definidas pelas separações de seus pais, talvez motivadas por suas diferentes personalidades, formou-se o menino Filipe. Um menino “terrível”, que gostava de brincar com fogo, o que lhe rendeu experiências ora divertidas, ora traumáticas, como a ida ao hospital para tratar de um ferida no pé, que ocultada durante muitos dias acabou infeccionando: “Eu lembro de umas quatro pessoas me segurando, enfermeiros, porque tiveram que arrancar a minha unha, tomei várias injeções no meu dedão. Na minha cabeça, era filme de terror, eu amarrado e eles arrancando a minha unha, sabe?”, diverte-se recriando a cena com uma liberdade que só as histórias escavadas da memória podem proporcionar. A aventura era seu maior deleite: correr atrás de pipas apenas pelo prazer de encontrá-las, subir nas árvores para pegar goiaba, mesmo sem gostar do fruto até hoje.
Foi pela diversão de pular a janela, o único acesso para a marcenaria em que seu avô paterno trabalhava, que o menino encantou-se pelo torno, onde quase que por mágica, um pedaço de madeira se transformava em um pião. Da primeira casa em que lembra ter vivido, era o menorzinho, o xodó da vizinhança. Ficaram as lembranças do córrego mal assombrado, que rendia mil histórias entre a criançada do bairro. Foi a paixão por uma de suas amigas dessa época que o levou a largar a chupeta.
Aos 11, a aventura extrapolou seu quintal. Na companhia de uma prima ainda adolescente e de um tio, foi a pé para a praia, sem documento e com R$ 1,00 na carteira. Seu dinheiro daria para comprar cinco pães, mas graças à gentileza silenciosa da atendente da padaria, rendeu dois pãezinhos para cada um. E assim a vida correu um pouco rápido demais.Com 13 anos frequentava shows de reggae e teve também seu primeiro contato com uma manifestação política. Foi chacoalhando na carroceira de um caminhão que ele e o avô foram acompanhar a festa da posse do primeiro mandato de Lula, na Avenida Paulista. Este foi um dos momentos que o levou a se aproximar do movimento estudantil. “Eu lembro da gente em votação da presidência da UMES e eu tinha 14 anos. Galera olhava e pensava: “O que esse moleque tá fazendo aqui, né?” .
Os interesses e os assuntos se descompassaram com as pessoas de sua idade, e Filipe seguiu sempre envolvido com gente mais velha do que ele. Veio o Grêmio Estudantil, os eventos escolares, festivais de bandas… Chegou a hora da faculdade. O curso escolhido foi de teatro. O caminho que o levou até lá começou com o encantamento que teve ao assistir uma peça sobre Noel Rosa, que o inspirou a fazer seu primeiro curso de teatro aos 13 anos. Foi com o dinheiro da rescisão de um emprego na área de gestão empresarial, que por um tempo engaiolou o menino numa salinha pequena, que ele se matriculou na faculdade.
Para os meninos - pequenos e grandes - sempre chegam as encruzilhadas que definem os caminhos. Veio mais uma escolha, na oportunidade de fazer um curso de formação para educadores que acontecia no mesmo horário da faculdade. As batidas do coração guiaram Filipe pelo caminho do novo curso, que se estendeu por três anos. Lá encaminhou-se um novo caminho profissional e pessoal: ele conheceu pessoa que num futuro próximo se tornou sua esposa e mãe de sua filha.
Em meio a todas estas experiências, o encantamento pela cultura e brincadeiras populares só crescia. Depois de estudar o tema, vieram as oportunidades para viajar rumo ao nordeste para conhecer e entrevistar mestres de lá. Na batida do maracatu rural, aquele jovem adulto foi fisgado pelo menino que nunca o abandonou. Que ironia! Sempre tão à frente de sua idade, hoje em dia é a infância e a brincadeira que dão o tom de sua existência.
Hoje ele é pai de uma menininha "Danada, artista pra caramba", que com dois anos e meio já pede aplauso no fim de cada espetáculo que faz em casa ou infiltrada nas apresentações da Trupe Trupé. Empresário, produtor, pesquisador, músico, ator… Dos tantos rótulos que lhe cabem, ele acabou optando pelo seguinte: "uma pessoa que luta para continuar sendo um menino, mesmo precisando crescer nesta cidade de louco que a gente vive".
Recolher