P/1 – Bom dia senhor Vicente, obrigada por o senhor estar aqui. Eu vou fazer perguntas porque a gente precisa deixar registrado, o senhor já respondeu lá fora, mas é importante tá? Qual é o seu nome, o local e data de nascimento?
R – Vicente Amato Sobrinho, sou natural de São Paulo e nasci em 06 de Março de 1948.
P/1 – Como é que é o nome dos seus pais?
R – Arnaldo Amato e Ondina Legatti Amato.
P/1 – E o nome dos seus avós por parte de pai e por parte de mãe?
R – Por parte de pai é Miguel Amato e Luzia Madalonia Amato e por parte de mãe Julieta Kreshman Legatti e André Legatti.
P/1 – Qual é a origem da família do senhor?
R – Por parte paterna é de italianos, calabreses e napolitanos e por parte da minha mãe francesa e alemã.
P/1 – E o senhor saber por que que eles vieram para o Brasil? Quem veio, foram os seus avós, foram bisavós?
R– A parte do meu avô, o meu avô Miguel veio por uma desavença familiar e até coube porque ele perdeu o pai, a mãe dele ficou viúva, a minha bisavó, e ele não aceitou que ela se casasse novamente, quando ela se casou ele pegou e veio pro Brasil, quer dizer, nisso deveria estar uma crise econômica muito grande e ele aproveitou como desculpa vir pra cá (risos).
P/1 – E ele morava em que região?
R – No Brás.
P/1 – Ah, tá.
R – No Brás e trabalhava na Matarazzo, aliás, acho que como quase todos aqui do pessoal.
P/1 – Quando ele migrou, ele morava em que região?
R – Olha, ele morava na Calábria, mas a região exatamente, hoje a gente até sabe, mas eu tentei obter a dupla nacionalidade e descobrir onde que ele foi registrado lá e não consegui porque ninguém da família tinha assim, “Ah, é na Calábria”, eu e mais um primo meu acabamos escrevendo uma carta lá para uma paróquia e ele acertou, aí veio o documento e hoje está tudo certo. Mas eu sei que a minha avó era de lá.
P/1 – A sua avó também que veio a se casar com ele também era de lá?
R – Era de lá, só que eles se encontraram aqui.
P/1 – Isso por parte paterna né?! Os seus avós paternos. E por parte dos avós maternos o senhor sabe por que que eles vieram?
R– Aí eu já não sei direito, eu sei que o meu avô ele veio também por um problema, foi um problema amoroso, quer dizer, amoroso, assim, que naquela época fazia mal para a moça né (risos)?! E ele teve que fugir de lá, o que eu soube depois é que ele era de uma família muito rica, eles eram donos de escolas, de minas de carvão, uma série de coisas e ele veio pra cá e encontrou a minha avó, quer dizer, a minha avó não veio foragida porque nem tinha ocorrido a guerra ainda, a primeira guerra, eu não sei por que ela veio para cá, mas eles se encontraram, casaram e ele morreu muito moço e muito tempo depois nós fomos descobrir que ele na verdade, tinha uma história sobre a morte dele, mas ele tinha sido assassinado.
P/1 – E ele veio direto para São Paulo?
R – Eu acredito que sim, a minha avó parece que estava em Atibaia.
P/1 – Esse seu avô ele veio direto pro Brás ou não?
R – Eles já não eram do Brás, eles eram do Belém, da parte da minha mãe, na verdade, você já ouviu falar da Vila Maria Zélia?
P/1 – Uhum.
R – Eles moravam na Vila Maria Zélia, quer dizer, depois de um tempo, é o primeiro condomínio fechado, acho, que de São Paulo.
P/1 – E me diz uma coisa senhor Vicente, qual era a atividade que os avós vieram exercer aqui no Brasil? Por parte de mãe, quando ele migrou, ele foi trabalhar com o quê?
R – Por parte de mãe ele era militar, ele trabalhava no batalhão de guarda, hoje polícia militar né?! E lá é que disseram que ele estava em um treinamento, que ele era especializado em cavalo, coisa assim, ele foi pular de um cavalo para outro, caiu e bateu a cabeça, só que depois, lembra que eu disse que ele...
P/1 – Vocês vieram a descobrir que ele tinha sido assassinado?
R–... É, mas que ele era rico também, a família, nós tivemos dois parentes da família da minha mãe que foram atrás da herança e nunca mais voltaram e aí um primo meu começou a mexer aqui na polícia militar e foi quando ele descobriu que ele tinha sido assassinado e deram um conselhosinho para não mexer com aquilo e ninguém mais foi atrás da herança (risos).
P/1 – Isso por parte de mãe?
R – Por parte de mãe.
P/1 – E por parte de pai, qual era a atividade dos seus avós?
R – Ele veio trabalhar na Indústria Matarazzo.
P/1 – E ele fazia o que lá, o senhor sabe?
R – Não sei, aliás, ele e os filhos todos.
P/1 – Todos trabalharam lá?
R – Era tradicional, era um negócio que era importante o cara trabalhar no Matarazzo naquela época.
P/1 – E os seus pais, qual era a atividade deles?
R– O meu pai ele começou como chofer de praça (risos) e depois ele se tornou policial civil e nas horas vagas ele trabalhava com papel.
P/1 – E o que ele fazia com o papel, qual era a atividade?
R – Ele era aparista, ele não era o dono, ele gerenciava uma empresa de aparas que era a maior empresa de aparas na época.
P/1 – E qual que era o nome da empresa, o senhor sabe?
R – Aparas de Papel Flórida.
P/1 – E ela ficava em que região aqui em São Paulo?
R – No Brás, ali perto da Rua Rodrigues dos Santos, ali perto da linha do trem.
P/1 – Essas aparas do papel pra que elas servem?
R – Apara de papel na verdade é aquilo que você ia jogar fora e você aproveita pra fazer papel novamente, você recicla.
P/1 – É um processo de reciclagem já?
R– De reciclagem, o que hoje o ecologista fica todo satisfeito com a reciclagem né (risos)?!
P/1 – E a sua mãe ela fazia o quê?
R – A minha mãe sempre foi de prendas domésticas.
P/1 – E o senhor tem irmãos senhor Vicente?
R – Tenho um irmão.
P/1 – Os seus pais eles se conheceram e foram morar aonde?
R – A princípio na Vila Maria Zélia, depois foram morar na Rua Vilela no Tatuapé.
P/1 – E o senhor nasceu aonde? O senhor nasceu quando eles casaram, o senhor nasceu na Rua Vilela?
R – Bom, na época eles estavam na Maria Zélia, mas eu nasci na Maternidade São Paulo, onde, aliás, eu acho que todo paulista daquela época nasceu (risos).
P/1 – Que é na Rua Cambuci...
R– Na Rua Frei Caneca.
P/1 –... Ah, na Rua Frei Caneca, é.
R – Que fechou né?!
P/1 – É. E aí o senhor se lembra de como era a casa quando o senhor era pequeno?
R – Olha, eu me lembro de tudo.
P/1 – Ah é? Então, conta pra gente, como é que era essa casa (risos)?
R – A casa em que a gente morava era um quarto, uma salinha e uma cozinha e o que eu me lembro bem é que existia um fogão, assim no canto, era um triângulo, era um fogão que era a carvão, lenha e eu lembro que uma vez o meu pai ameaçou me bater com cinto, que eles chamavam de correia – “Olha que eu vou pegar a correia” e eu peguei aquele cinto e joguei no fogo e todo mundo procurando o cinto, no outro dia acharam a fivela só (risos), eu lembro bem da casa e essa casa está fazendo cinco anos que ela foi demolida, construíram um prédio agora, mas até então ela estava lá.
P/1 – E como é que era o bairro, como é que era o entorno de onde o senhor morava, o que que tinha, que tipo de comércio tinha lá?
R – Era Corinthians, Corinthians e Corinthians. Existia um clube lá, existe até hoje, chamado Sampaio Moreira e eram todos corinthianos, só falavam de Corinthians dia e noite e comércio em frente à casa que eu morava era uma venda, chamava de vendinha, aquela que você comprava e marcava na caderneta e quando você recebia o salário você ia lá e pagava.
P/1 – E que tipo de coisas compravam nessa vendinha, o senhor lembra ou não?
R– Sabe o que é gasosa (risos)?
P/2 – Refrigerante.
R – Gasosa é a tal da Soda de hoje em dia, a Sprite, esses negócios. Eu lembro porque eu gostava muito disso, gasosa, bucho, feijão, arroz, banha naquela época cozinhava-se na banha, toicinho.
P/1 – E me diz uma coisa senhor Vicente, conta um pouquinho pra mim como era o cotidiano do senhor enquanto pequeno, o cotidiano da sua casa, as brincadeiras que o senhor tinha, conta um pouquinho pra gente.
R – Nessa época aí eu me lembro disso, de sair na rua com... Como é que chamava aquilo lá?
P/1 – Triciclo?
R – É, mas não era...
P/1 – Patinete?
R –... Não, não, eu já lembro já o nome (risos) e passeava, brincava com aquilo, não tinha nenhum tipo de perigo, a rua era sem asfalto e eu era muito paparicado pelas meninas, umas mocinhas de uns 14, 15 anos, porque elas não tinham irmão e eram vizinhas, até o meu irmão nascer, aí eu perdi o trono (risos).
P/1 – E com quem o senhor brincava, o senhor lembra?
R– Nessa época eram outras crianças, mas com esse velocípede a gente apostava corrida e eu, como era época de eleição, passavam aqueles caminhões fazendo propaganda política e eu naquele velocípede eu já fazia propaganda: “Vote em fulano de tal” a minha mãe falava: “Não vai entrar nessa vida que essa vida de político não é legal” (risos), mas eu já tinha o dom pra...
P/1 – Pra poder entrar.
P/2 – Como o senhor falou, a Vila Maria Zélia foi uns dos primeiros bairros operários planejados de São Paulo...
R – Sim.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse pra gente como é que funcionava esse bairro operário, se todo mundo trabalhava na fábrica, se tinha um síndico, como é que funcionava.
R – Veja uma coisa, a Maria Zélia deve ser da década de 20. Eu morei lá entre 48 e 49 e era bebê, mas o que a gente sabe é o seguinte: era uma integração total porque você tinha a escola, você tinha a igreja, você tinha um campo de futebol e tinhas as casas né? E as casas praticamente todas iguais, com exceção de alguns sobrados que eram pro pessoal, pra chefia, mas eram sobrados tão grandes que acabavam sendo divididos e tudo se realizava lá, inclusive eu tenho uma prima que ainda está viva e ela morou lá a vida toda e casou com um primo meu e ela tinha tanta raiva daquele lugar porque era assim, se alguém quisesse namorar com ela, de fora, o cara não conseguia entrar lá para apanhá-la (risos) e você ia jogar futebol contra eles, contra o Maria Zélia, eles tinham times fantásticos, mas ninguém perdia, quando estava perdendo fazia que nem o Santos fez: apagava a luz (risos), joga o capacete do guarda, todas essas coisas assim, boleavam, como diziam, um dia ela disse: “Se um dia eu ganhar na loteria esportiva...” – “Você quer ganhar na loteria pra quê?” – “Pra botar fogo no Maria Zélia” (risos).
P/1 – E o seu pai saiu do Maria Zélia porque ele deixou de trabalhar na fábrica ou não?
R – Não, o meu pai nunca trabalhou na fábrica, o meu pai era motorista de praça e ele tinha um carro, eu acho que vocês nunca ouviram falar, mas chamava Nash, com aquilo lá ele se virava muito bem, ele era muito trabalhador, então, trabalhava das oito às oito, ele praticamente só foi empregado nessa empresa de apara, mas ele tinha total autonomia.
P/1 – Qualquer pessoa poderia, mesmo não trabalhando na indústria, poderia morar no condomínio Maria Zélia ou não?
R– Não, depois o que aconteceu foi o seguinte, aquele projeto não deu certo até por causa do advento da CLT, aí começou a complicar, a CLT eu acho que é de 46...
P/2 – É Getúlio né?!
P/1 – É Getúlio.
R – Getúlio e aquilo começou a dar conflito na relação capital e trabalho, foi uma boa idéia, mas que lamentavelmente não deu, é que nem quando aconteceu aqui, principalmente aqui do lado do Itaim, do Itaim Bibi, começaram a construir apartamento de dois dormitórios com quarto de empregada, todo mundo, o chique era ter empregada, até depois que ela descobriu que se ela contasse na justiça do trabalho que ela acordou às dez da noite para dar um cafezinho pro chefe aquilo era hora extra, dava um monte de coisa, acabou que, foi o que aconteceu, era a realidade, foi a própria evolução do sindicalismo, vamos dizer assim, que terminou com aquele projeto.
P/1 – E senhor Vicente, o senhor morou nessa casa até que idade mais ou menos, ou o senhor morou lá até casar?
R – Não, aí na Rua Vilela eu fiquei até os cinco anos, o meu irmão já havia nascido, nasceu lá, daí nós fomos para a Vila Esperança. Já ouviram falar da Vila Esperança?
P/2 – Adoniram Barbosa canta sobre ela.
P/1 – É.
R – É isso aí. Eu estava lá quando ele foi homenageado, a Vila Esperança ela tinha por tradição o carnaval de rua, era muito respeitado e eu morava pegado no Clube Vila Esperança, aí lá eu fiquei até os 14 anos.
P/1 – E como é que era a sua casa, como era o cotidiano ali? Conta um pouquinho pra gente dessa época.
R– Ah, aquilo era uma maravilha porque eu estudava em uma boa escola, em um colégio de freiras...
P/1 – Como é que era o nome dessa escola?
R – Externato São José de Vila Matilde, inclusive depois se você permitir, eu quero até fazer um agradecimento...
P/1 – Pode fazer.
R – Posso?
P/1 – Claro.
R – Eu nessa escola, no Externato São José de Vila Matilde, eu tive uma professora, uma irmã, irmã Paula, essa mulher ela teve o empenho de ajudar a mim e a outros colegas que tínhamos algumas dificuldades e aquela mulher era: “Vocês voltem pra cá depois das quatro horas que eu vou dar um reforço pra vocês” ela ficava até as seis, até a hora que ela tinha que rezar a Ave Maria, ela fez isso durante um ano sem cobrar absolutamente nada, sem querer nada em troca, ela fez mesmo por ser gente boa...
P/1 – Por dedicação.
R – É. Eu só quero comentar isso porque até eu, às vezes, tenho assim, uma má impressão de colégio de freira, essas coisas, mas não se pode generalizar, eu tenho esse exemplo aí e fica como uma homenagem a irmã Paula que aliás eu andei procurando e não achei.
P/1 – E nesse colégio o senhor ficava como? O senhor ficava o dia inteiro, ficava meio período?
R– Não, eu entrava às sete e meia e saía ao meio dia. A tarde tinha que almoçar, fazer lição e rua.
P/1 – E aí o senhor brincava com quem lá?
R – Aí a gente ia jogar futebol, ia nadar no rio, ia fazer tudo o que tinha direito.
P/1 – E que rio que passava perto?
R – É um corregozinho que se hoje você entrar lá você sai morto na hora (risos).
P/2 – Não sai mais.
R – Mas na época, criança sabe como é, não tem medo de nada, não tem medo de perigo.
P/1 – Com quem que o senhor brincava nessa época?
R – Ah, eu tinha uns 15 amigos da minha idade.
P/1 – E o senhor se lembra de alguém especial, que era mais próximo?
R– Todos, tem o Renato Sanches, tem o Chiquinho, tem um monte de pessoas.
P/1 – E o senhor falou desse colégio, como é que era o colégio? Descreve um pouco pra gente, esse colégio da Vila Esperança que era um colégio de freiras.
R – Esse colégio na verdade era na Vila Matilde que era do outro lado da linha. Esse colégio ele existe até hoje, não é mais controlado pelas freiras, parece que é uma faculdade hoje, aquele colégio tradicional, com dois andares, uma quadra, na época não existia futebol de salão, mas era uma quadra tipo de futebol de salão, mas maior, que quando dava o intervalo a gente comia lá um pãozinho com mortadela que eles davam com um suquinho. Aí ficava 30 de um lado e 30 do outro chutando pra tentar fazer o gol e quando a freira tocava o sino ninguém se mexia né (risos)?! Enquanto não queria que empatasse o jogo, não ia pra lugar nenhum e as freiras elas batiam muito, elas pegava dois ou três, a gente usava calça curta com aquelas meias, elas baixavam e davam reguadas na perna, no outro dia acontecia tudo igual de novo, não adiantava nada (risos).
P/1 – Senhor Vicente, que matéria que o senhor gostava mais nessa época ou a que o senhor tinha mais dificuldade que até a irmã Paula lhe ajudava? Qual que era?
R – A dificuldade maior sempre foi desenho e tinha um pouco de dificuldade, embora gostasse muito, em português. Português era muito complicado naquela época também, hoje continua, mas não tanto (risos). Agora os caras foram mudar a ortografia, complicou tudo de novo. Eu não sei mais quando tem que botar hífen. Complicou tudo (risos). Mas foi um período maravilhoso.
P/1 – E o senhor estudou nessa escola até ano?
R – Eu terminei o ginásio lá.
P/1 – E o comércio? Como é que era o comércio na Vila Esperança?
R – Na Vila Esperança nós tínhamos a padaria, tinha o armazém do Miguel que era um armazenzinho pequeno, mas também tudo no sistema da caderneta. E esse Miguel, quando dava meio dia, ele ia almoçar e dormia até três horas da tarde e, quando eram férias, coisa assim, eu ficava tomando conta nesse período do armazém dele. Eu quem vendia. Depois ele me dava um copo com groselha (risos), sabe o que é groselha né?!
P/1 – E quando o senhor começou a ajudá-lo, foi mais ou menos quando? O senhor tinha quantos anos mais ou menos?
R– Eu tinha uns dez anos.
P/1 – E como é que era? Conta um pouquinho de como é que era esse processo de venda. Ele explicou alguma coisa para o senhor, como é que foi?
R – Ah, eu tive que ser autodidata ali porque é o seguinte: o feijão ele não vinha em um saquinho, ele vinha em um saco grande, tinha aqueles, não sei como é que chama, apanhador...
P/2 – Tipo caneca né?!
R – É, uma caneca. Você punha aqui, pesava, fazia as orelhinhas no saco e dava para o cliente, eu tinha uma lista de preço lá, devo ter cobrado errado, eu cobrava mais, cobrava menos, mas também não estava nem aí (risos).
P/1 – O senhor queria o copo da groselha?
R – É isso aí. Depois melhorou, teve uma época que ele começou a dar groselha com leite (risos).
P/2 – O armazém era em uma rua principal do bairro, continua sendo até hoje?
R – Não, era em uma rua... É uma rua importante, mas não é a principal. A principal era Padre Olivetanos e essa aí Rua, a gente chamava de Évans, depois de muitos anos a gente veio sabe que é Evans.
P/1 – E me diz uma coisa senhor Vicente, o senhor falou que tinha padaria, o que a padaria naquela época... Vendia as mesmas coisas que vende hoje?
R– Não tanto, mas era o pão, eu lembro que tinha a bengala, o pão suíço e o pão francês era caro, a gente comprava daquelas bengalonas mesmo e vendia. Era como essas empresas que trabalham pra quebrar o galho, então, eles tinham uma lata de pêssego, uma lata de azeite e doces, né? Bomba de chocolate, quindim, essas coisas. Exatamente como é hoje, só que hoje sofisticou demais, hoje tem muita variedade, muita coisa, faziam lanche, faziam bauru.
P/1 – E tinha caderneta também, o sistema de pagamento também era caderneta?
R – Essa padaria que eu freqüentava não.
P/1 – Me fala uma coisa senhor Vicente, o senhor falou que o senhor estudou no colégio até o ginásio, esse colégio era a pagamento?
R – A pagamento.
P/1 – Ah tá. E aí o senhor quando saiu desse colégio foi pra onde, pra que outro colégio o senhor foi?
R – Aí eu fui fazer, naquela época tinham um negócio chamado curso de admissão, mais uma vez entra a madre Paula, o curso de admissão era feito no final de Janeiro, então, entre Dezembro e Janeiro ela treinou a gente, também gratuitamente no horário de lazer dela pra gente fazer esse exame, que seria o vestibular de hoje. Só que normalmente a pessoa fazia um ano desse cursinho pra depois prestar o exame e eu saí de lá e passei de cara, fui de primeira, eu não fiquei como excedente. Você sabe o que é excedente?
P/2 – Nesse caso não.
R – Era o seguinte: todos que fossem aprovados com média acima de cinco estava aprovados, só que se existissem 40 vagas, os 40 primeiros que obtiveram nota acima de cinco seriam e os outros ficariam como excedentes que poderiam ir pra outra escola, poderia abrir outra classe, coisa assim. E esse trabalho da freira foi tão bem feito que todos nós passamos.
P/1 – Mas o senhor fez exame de admissão pra que colégio?
R– Era um colégio público...
P/1 – Lá da região?
R – Aí era um bairro chamado Vila Aricanduva.
P/1 – E como é que era o nome da escola, o senhor lembra?
R – Colégio Estadual de Vila Aricanduva e de manhã era Isalina Rolim, era Grupo Escola Isalina Rolim e a noite era Colégio Estadual de Vila Aricanduva.
P/1 – E aí o senhor foi estudar a noite?
R – Eu fui estudar a noite.
P/1 – O que que mudou no seu cotidiano, durante o dia o que o senhor fazia? Conta um pouquinho pra gente.
R – Eu acordava de manhã e tinha que ajudar a mãe a limpar a casa, encerar com aquele escovão, tem que dar brilho no assoalho, limpar o banheiro, engraxar sapato, fazer tudo isso; depois a lição e a tarde farra. Aí eu voltava cinco e meia, tomava banho e ia pra escola.
P/1 – E nessa época o senhor brincava com quem, que tipo de brincadeira o senhor fazia nessa época?
R– Nessa época eu já comecei a, eu freqüentava muito clube que era pegado na minha casa e, no clube, esse clube é um dos primeiros que criaram uma equipe de futebol de salão e eu fui um dos primeiros jogadores de futebol de salão, isso em 59, 60. Aí, nessa época, depois já com 12,13 anos já começou a mudar de turma, quer dizer, a gente começou a conhecer as meninas que até então a gente detestava (risos).
P/1 – E aí o que o senhor fazia, qual era a atividade? Era jogar futebol de salão ou ficar no clube paquerando?
R – Paquerando, ia aos bailinhos.
P/1 – E como é que eram os bailinhos nessa época?
R – Bailinho era o seguinte: normalmente no mês de Junho vários clubes dessa região lá da Vila Esperança eles mantinham uma quermesse e tinha na quadra de futebol de salão e depois tinha o baile, aquilo era uma festa, a gente ia toda noite lá, no começo aquela timidez, mas depois que pegou gosto (risos).
P/1 – E me fala uma coisa senhor Vicente, como é que era essa escola? Teve algum professor que marcou como a irmã Paula no outro colégio, tinha alguma coisa que marcou o senhor nesse colégio ou não?
R – Teve.
P/1 – Quem foi?
R – Era um professor de matemática, eu não vou lembrar o nome dele...
P/1 – Não tem problema.
R–... Mas ele estava lá escrevendo no quadro negro e a turma atrás: “Pepepé, pepepé, pepepé” e ele: “Façam silêncio” aí ninguém fazia silêncio, aí ele virou e tacou um apagador e pegou na cabeça de um menino. Mas deu um rolo! O pai do menino depois veio bater no professor, foi uma confusão, me marcou por isso, quer dizer, ele perdeu o juízo, o professor (risos). Mas era uma escola altamente relaxada, era totalmente diferente do colégio das freiras, era um negócio, era cada um por si, Deus por todos. Não tinha carinho de ninguém, era exatamente o contrário, só que aí eu fiquei até o terceiro ano, depois eu fui pra uma escola chamada Liceu Acadêmico São Paulo, aí eu me reencontrei com o estudo.
P/1 – E essa Liceu Acadêmico São Paulo ficava onde?
R – No Brás, na Rua Oriente.
P/1 – E o senhor foi pra essa escola por quê?
R – Eu fui pelo seguinte: eu não tinha condição de pagar escola, aí eu entrei em uma empresa para trabalhar e eles pagavam escola. Aí eu aproveitei, né? Fui a uma escola boa e o meu sonho era ser professor e essa escola tinha, naquela época chamava-se curso normal e eu falei: “Eu vou entrar nessa porque eu vou fazer o curso normal“ e realmente eu fiz, eu me formei professor primário.
P/1 – E me diz uma coisa, o senhor foi trabalhar com quantos anos e onde?
R – Eu fui trabalhar, eu fiz aniversário no dia seis de Março e no dia dez de Janeiro, antes de eu completar os 13 anos, eu fui trabalhar Cotonifício Guilherme Jorge.
P/1 – E onde ficava esse cotonifício?
R – Esse Guilherme Jorge era um assemelhado ao Matarazzo...
P/1 – Ah tá.
R – Era um grupo de empresa, de italiana que veio lá e progrediu. Eu fui trabalhar lá como boy da diretoria, então, eu atendia os filhos do Guilherme Jorge porque o Guilherme Jorge já havia morrido na época. Trabalhei com eles, então, eu pegava documento, ia levar, atendia às vezes ligação quando ele estava em outra linha, então, assim, eu fiquei lá. Aí depois fui promovido para o setor de cobrança e eu era datilógrafo, bom datilógrafo. Fiz curso direitinho, então eu me dei muito bem lá, eu fui progredindo, progredindo até que fui parar nessa empresa que era no Bom Retiro, que me pagava a escola.
P/1 – Ah tá, essa empresa que lhe pagava a escola onde é que era, como é que era o nome dela?
R – Comércio Indústria Neva, ficava na Rua Anhanha.
P/1 – E ela mexia com o quê?
R – Então, foi aí que começou a minha vocação, que eu comecei a entender melhor a coisa, eu fui trabalhar no departamento de vendas, mas na verdade eu emitia as notas fiscais. Naquela época era lápis, era um lápis copiativo, depois passava em uns negócios lá e ficava gravado pra evitar fraude e também recebia os aparelhos que eles produziram, quando estava na garantia, pra assistência técnica. Eles faziam contadores industriais, era contador de tear, contador de giro, contador manual pra contar quantas pessoas passaram na rua e era muito técnico isso daí e eles distribuíram também tacógrafo. Naquela época você punha em um caminhão, ele tinha um disco de papel dentro e naquilo era gravado quanto por hora o motorista andou, as freadas bruscas, toda aquelas coisas. Era pra controle né? Só que o assistente de vendas ele teve hepatite e deram um tempo que ele teria que ficar fora, afastado, só que a coisa apertou, tocava telefone e tudo, eu comecei a atender, só que eu conhecia já os produtos porque eu trabalhava na assistência técnica, eu sabia se o giro era pra lá ou pra cá, o golpe e tal, comecei a atender e vender, eu fui ajudando. Era uma senhora que era a chefa, então, era eu, ela e tinham duas pessoas que faziam as licitações lá e produziam. Eu fiquei uns dois meses trabalhando em praticamente duas funções e me dei muito bem. Só que aí contrataram outra pessoa, veio um engenheiro de outro setor, colocaram lá, o sujeito não agüentou 15 dias porque ele não era da área. Não é que ele fosse incompetente, não era o meio dele. Aí voltei e o outro da hepatite não sarava (risos). Então um dia, era uma empresa suíça, aí o suíço me chamou, era grandão: “Senhor Vicente, nós estamos muito satisfeitos com o seu trabalho” eu falei: “Então, o senhor vai me promover?” “Não porque nesse cargo o nosso regulamento não permite menor de idade”, eu falei: “Então, está bom, eu vou embora” “Não, o senhor não pode ir embora, o senhor está fazendo um serviço...” “Não, eu vou embora” (risos) Sabe aquelas besteiras que você faz na vida? Eu fiz, eu fui embora, mas só que aí é que eu comecei no negócio do comércio, eu comecei a negociar, eu comecei a oferecer maior, o cara queria comprar uma caixa de disco: “Aproveita e leva duas porque vai faltar” aí começou aquele... E era verdade, não era mentira, faltava muito produto naquela época. Aí sai dali, continuei o estudo...
P/1 – E como é que o senhor fez pra continuar pagando o colégio?
R – Eu arrumei um emprego, eu fui ganhar o dobro do que eu ganhava lá, mas também foi coisa assim, quer dizer, eu fiz teste. Eu fiz um teste nessa empresa e eu acho que eu estava em um dia inspirado e eu acertei tudo, inclusive, no teste de datilografia eu não tive nenhum erro, só que quem tinha elaborado aquele teste sempre dizia que ninguém ia conseguir fazer tudo aquilo e eu tive que ser entrevistado por ele e aí ele pegou e me botou em outro lugar pra ganhar mais ainda porque na verdade o emprego que eu queria era um pouquinho mais do que eu ganhava lá, era pra poder pagar a escola. Eu acabei ganhando o dobro.
P/1 – E onde o senhor foi trabalhar?
R – Na seção de vendas.
P/1 – Mas qual que era a empresa? Do que que era?
R– Chamava Coldex, depois ela foi vendida pra um grupo. Ela era lá no Tatuapé também, perto da Rua Vilela e eu fui vender disco de alumínio pro sujeito fazer caçarola, fazer panela e me dei muito bem também, só que o meu sonho ainda continuava de ser professor, eu continuava o estudo lá.
P/1 – E como é que era a escola?
R – Uma maravilha, disciplina, professores excelentes, administração espetacular, era tudo de bom.
P/1 – E o senhor tinha que tipo de matérias, porque ali era um colégio técnico não era?
R – Ah, eu tinha além das tradicionais Português, Matemática, História, Geografia, tinha Filosofia, tinha Ciências, tinha Física, Química e obrigação, como é que era (risos)?
P/1 – Moral e cívica.
R – E desenho.
P/1 – Desenho (risos)?
R – Abraça (risos).
P/1 – E teve algum professor que te marcou nesse colégio ou não?
R– Ah, teve o professor Bruno.
P/1 – Ele dava que matéria?
R – Português.
P/1 – E por que que ele marcou o senhor?
R – Porque esse daí também dizia que dez ele dava pra ele mesmo, nove pra Ruy Barbosa e aluno daí pra baixo (risos).
P/2 – Modesto né?
R – Modesto. Agora quem vai ser modesto sou eu: eu consegui tirar o dez (risos).
P/1 – O senhor conseguiu provar pra ele que conseguia também. Nesse local que o senhor ia vender os discos de alumínio o senhor ficou quanto tempo lá?
R – Eu fiquei cinco anos.
P/1 – E o senhor ficou na área de vendas?
R– Fiquei na área de vendas, quando eu terminei o curso normal, que eu virei professor, aí eu fui procurar emprego de professor. Então, era assim, se eu conseguisse ganhar dois salários mínimos mais ou menos, quanto que é o salário mínimo hoje?
P/1 – Seiscentos e pouco, né? Uns mil e duzentos reais.
R – É uns mil e duzentos reais. Eu ganhava seis mil reais, já tinha comprado carro, aí como é que eu vou largar o negócio? Mas que eu tinha vontade de ser professor, eu tinha. Só que aí eu peguei e fui fazer Administração de Empresas porque eu não tenho jeito, né? E aí eu caí, na época em 1970, 1971, houve um modismo que era abrir o capital da empresa e colocar as ações na Bolsa e eles me convocaram, eles me tiraram da seção de vendas pra eu cuidar desse projeto. Então, eu realmente cuidei e me tornei um expert em abrir capital de empresa, abria dessa empresa, só que eles não me deixavam sair, tinha um sistema de controle de salário, quando eles viam que o meu salário defasava eles aumentavam automaticamente, quer dizer, pra eu não fugir, porque não existia especialista nisso. Até que um belo dia eu resolvi que eu não iria trabalhar mais como empregado e parei por aí.
TROCA DE FITA
P/1 – Me diz uma coisa senhor Vicente, o senhor estava nos contando, voltando um pouquinho lá na Vila Esperança, o senhor disse que era uma região que tinha muito carnaval de rua e o senhor nos comentou da copa de 58, conta um pouquinho pra gente.
R – Então, a copa de 58 ela veio trazer, foi um alívio, pra todos os brasileiros porque o pessoal estava engasgado por causa de 50, 54 e o Brasil saiu desacreditado e nós, a criançada, a gente estava entusiasmada com aquilo lá. Comprava revista, tinha uma revista chamada Gazeta Esportiva Ilustrada, não era o jornal, era do próprio grupo, então, vinha foto do jogador, tinha as fotos dos treinamentos, aquelas coisas. A gente ficava tudo entusiasmado com aquilo e como não existia ainda televisão com a tecnologia de hoje, então, o rádio era um negócio assim que você montava na cabeça como é que era a jogada, era um negócio fascinante, era um negócio emocionante e o Brasil se sagrou campeão e com tranqüilidade, foi quando apareceu o Pelé e o Garrincha, ainda de sobra tinha o Didi, só tinha... Deu tudo certo: Vavá, Pepe, Zagalo, era tudo de bom. Então aí, aquele ano, 58, a Vila Esperança fez uma Taça Jules Rimet e colocou em cima de um carrinho de rolimã, a turma ia empurrando e eu que estava dirigindo (risos), dirigia-se com os pés aquilo lá né?! E nesse mesmo ano foi feito uma homenagem ao Eder Jofre, porque o Eder Jofre também se tornou campeão, acho que foi em 59, coisa assim e juntou com a copa e eles fizeram um carro alegórico que era um galo de ouro, um galo todo pintado de ouro e os meninos tudo Ouribox, foi muito legal, foi um momento muito marcante, acho que na vida de todo brasileiro. Futebol é um negócio assim que naquela época pelo menos era um negócio diferenciado de hoje, era muita brincadeira, gozação, quando o Palmeiras perdia, quando o Corinthians perdia, quando o São Paulo perdia, não era a violência que é hoje, né? Existia discussão, mas nada que fosse... Então, era um negócio muito marcante até pela falta de lazer, você não tinha outra coisa pra acompanhar e o futebol também não sei explicar por que, é um negócio que mexe com as pessoas. A maioria, todo mundo está metido nesse aí, inclusive, ontem eu vi um negócio maravilhoso: vocês assistiram o jogo do Corinthians e Santos ou não? Jogaram um capacete em um policial militar, ontem botaram uma charge na internet: era o Pelé com o capacete do guarda apagando a luz (risos).
P/1 – Eu queria entender um pouco como é que o senhor se locomovia na cidade. Como é que o senhor andava pela cidade, porque o senhor falou que estudava no Brás, aí trabalhou nas empresas...
R – No Tatuapé.
P/1 – No Tatuapé. Como é que era, como é que o senhor se deslocava?
R – Era ônibus e trem.
P/1 – E como é que era, eram linhas regulares? Conta um pouquinho pra gente.
R – Eram linhas regulares, mas tudo cheio. Você tinha que entrar na raça e saía na raça. Era desconfortável, era complicado, mas 14, 15 anos tudo é festa, vale tudo.
P/1 – E o senhor nos falou que trabalhou de empregado mais ou menos quando o senhor se tornou especialista nessa empresa que na verdade mexia com alumínio, era ela que abriu?
R – Além do alumínio ela começou a produzir ar condicionado.
P/1 – E aí ela abriu capital. Como é que se dava a abertura de capital nessa época, não tinha a Bolsa ainda?
R – Tinha a Bolsa, opa...
P/1 – Tinha a Bolsa?
R – Tinha que ser na Bolsa e primeiro teve que se contratar uma empresa de auditoria que na época foi a Price. Ela fez todos os levantamentos pra ver se aqueles números que contavam no balanço eram corretos, estava tudo certo, aí depois disso eles davam o aval e você tinha um ritual na Bolsa de Valores até que um dia teve o lançamento das ações, né?! O que era o lançamento? A empresa era familiar, eram três sócios, cada um tinha 33 e qualquer coisinha ali e eles venderam o suficiente pra ficar com 51%, pra ter o comando da empresa, que era a tal das ações preferenciais. E o que aconteceu com as ações daquela empresa foi o mesmo que aconteceu com as do Facebook, que lançaram as ações dali a dois dias estava a baixo. Exatamente o que aconteceu lá, tudo manipulado (risos).
P/1 – E me diz uma coisa, o senhor falou que tinha um ritual, como é que é esse ritual pra se entrar na Bolsa?
R – Ah, é uma instituição muito séria, ela não pode deixar que uma empresa sem credibilidade participe ali, então, você tinha que atender a todas as solicitações dela, quer dizer, provar. A primeira coisa seria o balanço auditado por uma empresa internacional e depois tinha que saber dos sócios, quem eram os sócios, a vida pregressa de cada um, tinha que procurar tudo isso. É uma coisa que é muito legal, porque é uma instituição muito séria.
P/1 – E por que o senhor desistiu, deixou de ser empregado? O que aconteceu que o senhor resolveu parar de trabalhar como empregado? Conta um pouquinho dessa fase da sua vida.
R– Isso aí aconteceu o seguinte: eu devia ter 22, 23 anos, eu ganhava muito bem, mas ganhava por causa dessa circunstância. Foi sorte, foi aproveitar a oportunidade que surgiu, todo mundo queria pegar o meu lugar, eu tinha que, lembra daquela pessoa que fez o teste, que eu tive que ser entrevista por ele? Ele que me ajudou muito, mas um dia ele chegou lá e disse assim: “Amanhã nós vamos ter uma auditoria no departamento de ações” – “Ah, fica à vontade” aí eu pensei: “Pô, por que auditoria? Aconteceu alguma coisa?”, mas estava tudo absolutamente controlado e nós tínhamos um cofre subterrâneo e as ações, naquela época era papel mesmo, ficava tudo lá acertadinho, tudo numeradinho e aí eu fiquei assim meio que chateado com aquilo e não tinha nada que ficar chateado por uma coisa normal. O dono do negócio tem direito de fazer o que ele bem entender. Aí fizeram auditoria e realmente não aconteceu nada de errado, estava tudo certo, mas só que eu fiquei chateado com aquilo lá, fiquei chateado e pedi as contas (risos). Aí depois eu soube por que eles fizeram auditoria: porque um dos advogados que cuidava lá da empresa ele era advogado também da Orniex que era uma empresa que vendia produtos de limpeza, essas coisas, e na Orniex teve um desvio de ações e ele comentou aquilo e o cara ficou com aquilo na cabeça: “Bom, deixa eu ver aqui, né?” (risos) E eu acabei pedindo a conta.
P/1 – E aí o senhor vai fazer o quê?
R – Aí eu fiz umas coisinhas e tal, tive uma loja de automóveis, só que daí veio o senhor Delfim Neto na época, ele cortou o financiamento, ficou quase um ano sem financiar, não teve como ir pra frente. Até que eu entrei no papel.
P/1 – E como é que se deu isso?
R – O meu pai já trabalhava, lembra que eu disse? E um dia eu fui em uma empresa que ele trabalhava, lá naquela Flórida, e eu vi que o pessoal fazia papel pra pasteleiro. Antigamente você pegava um papel, era um jornal, cortava, tal, e eu achei aquilo, eu não sei, me deu um estalo. Aí eu comecei a negociar com aquilo lá, comprava, vendia, até que depois eu mesmo comecei a produzir e continuava vendendo. E era um negócio interessante porque aquilo o quanto você fizesse, o quanto você vendia. E eu descobri que no centro de São Paulo não podia entrar carro durante o dia, na Avenida Rio Branco não podia parar, no Largo do Paissandu, só que depois das oito horas podia. Então, eu trabalhava o dia inteiro, fazia uma carga, uma Kombi, e a noite ia lá e vendia, mas vendia tudo e aí foi. Aí depois eu comecei, quer dizer, isso na verdade a gente reaproveitava o papel sem reciclar, mas era um reaproveitamento, era uma coisa bastante útil tanto pra quem produzia como pro Brasil; era uma coisa que você ia jogar fora e aproveitava. E aí eu comecei a aproveitar também pro setor gráfico, começou a aparecer umas bobinas up set e tal, comecei indo, indo, indo e fui nessa história aí. Eu tive duas revendas de papel, mantenho uma hoje e estou no papel desde 1980 mais ou menos.
P/1 – E me diz uma coisa senhor Vicente, o senhor falou que no começo o senhor fazia todo o processo de reaproveitamento né?!
R – Sim.
P/1 – O que difere o aproveitamento do papel daquela época com o de hoje?
R – Não, são coisas distintas. Eu posso pegar todo esse papel que eu cortei em guilhotina, às vezes, faz papel A4, faz uma coisa assim, aproveitando o papel que está em uma bobina, que está em uma resma e tal. Só que eu posso pegar esse mesmo papel e jogar no Hidrapulp. Hidrapulp o que é? É tipo um liquidificador que existe na indústria de papel, você joga aquilo lá, ele é molhado, ele é batido e ele vira fibra de celulose e volta pra fazer papel normal. Então, são dois processos diferentes, mas ambos reciclam.
P/1 – Ah, está certo.
R – Ambos reaproveitam, vamos dizer assim.
P/1 – No começo o senhor ficou no trabalho de reaproveitamento, depois o senhor começou a produzir papel mesmo ou não? Eu não entendi.
R – Eu fiquei no comércio até 1993, direto comercializando, mas isso aí eu nem podia dizer que era uma indústria porque na verdade era uma guilhotina que você pegava e ia cortando, mas o meu negócio sempre foi a comercialização, tanto comprar como vender.
P/1 – Deixa eu entender um pouquinho essa coisa da comercialização: como é que era feito? O senhor vendia pra quem? Quem aproveitava melhor esses papéis, como é que era?
R – Eu vendia pra pasteleiro e açougueiro, pasteleiro pra pegar o pastel e açougueiro porque ele embrulhava a carne naquele papel que não podia ser jornal impresso, o órgão de saúde não permitia. Então, era o próprio papel jornal, mas sem impressão, que era para a matéria que a gente pegava na Folha de São Paulo, cortava aquilo, fazia fardos de 20 quilos e vendia. Aí depois, com o advento do plástico, da sacolinha, que foi perdendo. Se bem que hoje deve voltar hein (risos)?!
P/1 – Voltou a ser um bom negócio (risos). E como é que era a venda? O senhor tinha associações ou o senhor ia de estabelecimento em estabelecimento, como é que era isso?
R – Era de estabelecimento em estabelecimento.
P/1 – E tinha um lugar centralizado, por exemplo, ou era por bairros? Conta um pouquinho pra gente.
R – Não, cada pessoal, existia outros concorrentes que eles trabalhavam, cada um tinha a sua, tinha um na Freguesia do Ó, outro na Penha, outro no Tatuapé e mais ou menos se respeitava porque o preço era praticamente, você não tinha necessidade de fazer...
P/1 – Concorrência de preço.
R– Concorrência de preço, porque faltava produto.
P/1 – E o senhor atendia que região?
R – O Centro. E eu descobri também outro nicho que era o seguinte: em torno das rodoviárias de cidades do interior, São José dos Campos, Aparecida do Norte, Campinas. Por quê? Porque está cheio de pasteleiros...
P/2 – Na saída das rodoviárias, né?
R – É, dentro da rodoviária.
P/1 – E como é que era o centro da cidade de São Paulo nessa época? Conta pra gente um pouquinho.
R – Olha, eu acho que não mudou muito não.
P/1 – Não? (risos)
R – Não. O que mudou: aqui no Brás fizeram aquele viaduto, antes tinha a Porteira do Brás, que era um inferno aquilo lá, o trem passava a cada três minutos, então ela fechava, tal, e fizeram aquilo lá. Depois fizeram o Minhocão, fizeram essa continuação da Radial Leste, mas o Centrão lá, Anhangabaú, praticamente a mesma coisa, o Anhangabaú a única coisa é que tiraram o buraco da Adhemar, né? (risos)
P/1 – É (risos). Na verdade os pasteleiros... Tinha muito açougue no centro da cidade, tinha muitas pessoas que moravam lá?
R– Tinha bastante, aquela região da São Luís, evidentemente que não na São Luís, mas sempre na quebrada ali, sempre tinha e pasteleiro. É um negócio que é tudo chinês, né?
P/1 – Eram todos chineses?
R – Todos chineses, até que com o advento do pastel de feira, que foi pro japonês. A princípio foi. Então, a pastelaria fixa era de chinês e a móvel era de japonês e teve um japonês na Vila Carrão, esse sujeito chegou um dia lá na minha empresa, com uma Belina velha e falou: “Eu quero comprar um pouquinho de papel pastel, você tem?” “Quanto você precisa?” “Trezentos quilos” “Tenho” “Guarda mais trezentos que sábado que vem eu volto” e ele tinha uma quitanda na Avenida Conselheiro Carrão, mas eu vou ser rápido, ele começou depois a comprar uma tonelada, comprou duas, aí ele montou uma empresa lá na Rua Manília. Ele chegou em um mês, em 1986, a comprar 60 toneladas de papel pasteleiro, foi quando teve aquele Plano Real, esse sujeito começou com a quitanda, ele cresceu, cresceu, vendeu a empresa dele para o Pão de Açúcar e começou lá com uma Belina velha (risos). Ele se chamava Adolfo Nagai que é o dono da Assaí.
P/2 – Do supermercado?
R – É, só pra ilustrar.
P/1 – Me diz uma coisa senhor Vicente, o senhor atendia o centro e o senhor pegou os nichos da cidade...
R – É, eu atendia a Vila Formosa, Vila Nova Iorque, Sapopemba, Tatuapé...
P/1 – E como é que era feita essa distribuição na cidade nessa época?
R – Na Kombi.
P/1 – Ah, o senhor tinha uma Kombi e saía? E tinha horário pra entrega?
R– Isso. Não, era tudo free.
P/1 – Então, o senhor podia entregar a qualquer hora do dia?
R – Só no centro da cidade que não entrava carro durante o dia, então, que foi um negócio bom, que a gente descobriu, porque a gente começou a atender um pessoal que ficava necessitado da mercadoria e não tinha ninguém que ia, até não iam porque vendiam tudo durante o dia, né? Então, a gente começou; aí depois deixou o cartãozinho, o cara telefona: “Olha manda mil, não sei o quê” daí aquilo alastrou.
P/1 – E nessa época aonde é que ficava a sua empresa, em que bairro ficava?
R – Ficava no Tatuapé.
P/1 – E o senhor também morava no Tatuapé?
R – Morava no Tatuapé.
P/1 – Nessa época o senhor já estava casado?
R – Casei.
P/1 – Conta pra mim como é que o senhor conheceu a sua esposa.
R– A minha esposa é um negócio kármico (risos). É o seguinte: eu fui a um baile de formatura aqui acho que no Esperia, Tietê, não lembro onde é que era; era ali e eu tinha uma namorada já lá dentro e um amigo meu começou a dançar com essa que foi a minha primeira esposa, aí depois um dia nós saímos até juntos, aí depois eu vim a saber que ela morava pegado a casa do meu avô, ela ia comprar cigarro com o meu avô, quando a mãe dela morreu quem trocou a mãe dela foi uma tia minha. Aí depois acabei casando com ela, quer dizer, quando eu encontrei eu não sabia nada disso, por isso que eu digo que foi um negócio kármico. Isso aí eu acho que foi negociado acho que em outra esfera, em outra dimensão (risos).
P/1 – Aí o senhor casou e foi morar também perto da região onde os seus pais moravam?
R – No Tatuapé.
P/1 – Como é que eram feitos os pagamentos nessa época, o senhor vendia e como é que era o pagamento?
R – Chinês era tudo no dinheirinho, chinês não trabalha com cheque. Pelo menos até então. E açougueiro era tudo no cheque pré-datado, açougueiro já esticava uma semaninha, mas pegava e passava pra outros.
P/1 – E basicamente o mercado que o senhor atendia era açougue e pastel?
R – Sim.
P/1 – E o que aconteceu quando começou a vir as sacolinhas e os plásticos? Como é que o senhor deu um jeito no seu negócio (risos)?
R – Aí aconteceu o seguinte: como eu comecei a recuperar papel para gráfica, era um segmento que o valor agregado era muito maior e muito carente também, então, eu fui um dos primeiros a fazer isso. Hoje já tem muita gente que faz e aos pouco eu fui deixando aquela atividade. Eu nunca deixei de atender, mas eu não tinha como foco principal, eu fui para o outro, aí eu comecei a comprar papel direto de fábrica, revender, essas coisas. E foi.
P/1 – E como é que se dá o processo de reaproveitamento para as gráficas? Qual que é o foco do negócio, qual que é a tirada do negócio?
R– Veja assim: você tem uma editora e ela compra um lote bobinas pra imprimir uma rotativa, só que aquele papel começa a quebrar e atrapalha todo o processo de impressão, ele refuga aquela bobina. Aí a outra vai bem e refuga lá duas ou três bobinas...
P/1 – Mas isso é normal acontecer? Por quê?
R – É normal, quer dizer, hoje já melhorou muito, mas é que o equipamento gráfico ele está muito rápido, ele está muito moderno e o papel na época ele não tinha, as fábricas de papel elas não eram tinham uma qualidade boa, principalmente o papel brasileiro, então, acontecia isso, aí nessas bobinas eu colocava em uma cortadeira e fazia folhas, era papel bom e quando ia imprimir folha não tinha problema nenhum, só que pagava por e vendia por três, era um negócio ótimo, excelente porque o jornal você pagava 50 centavos e vendia por um, esse papel você pagava por um e vendia por três, então, o valor agregado era muito melhor, você usava o seu equipamento para produzir uma coisa que desse mais lucro.
P/1 – E o senhor vendia pra quem?
R – Pra gráfica, pequenos gráficos que, aliás, hoje estão acabando também. Aliás, o papel está acabando.
P/1 – Por quê?
R – Por causa da informática (risos). E nós estamos realizando um estudo aí porque o grande segredo é saber o seguinte: até quando vai durar o papel. Só pra ilustrar: há quatro anos atrás, faleceu um amigo nosso e eu fui na missa de sétimo dia, eu como era católico de pequeninho, então, eu tinha costume de ir a missa e pegava aquele papel que eles punham no banco pra você acompanhar, tinha até os cantos, tudo aquela... Cheguei lá e não tinha o papel, aí de repente dois telões, assim, enormes, maravilhosos, veio tudo aquilo até os cantos, tudo no telão. Quer dizer, o papel, a própria bíblia hoje, se você quiser ler a bíblia você vai na internet.
P/1 – Quando o senhor sai dessa coisa de atender os comerciantes, o senhor começa a vender pra gráficas. E teve mais alguma outra mudança no seu negócio que o senhor achou significativo durante esse tempo?
R – Teve. Eu vendia também muito para papelaria, eu vendi pra uma papelaria do Rio Grande do Sul papel jornal no formato A4, mas era muita quantidade. Sabe pra quem eles vendiam aquilo lá? Pra Rede Globo. Os sujeitos eles escreviam naquele papel jornal que era mais barato, pra o sujeito ler no jornal local, nos jornais, aí veio o tal, como é que chama?
P/2 – Prompter.
R– (risos) Acabou o papel também. Uma coisa que acabou foi a nota fiscal, né? O talão de nota fiscal era a vida dos gráficos, hoje não tem mais.
P/1 – E era o mesmo papel ou era um papel diferenciado pra fazer nota fiscal ou não?
R – Ele tinha papel diferenciado que é o papel auto-copiativo que é aquele carbono que não suja, né?
P/1 – E quem eram os fornecedores do senhor, senhor Vicente?
R – Indústria de Papel Simão, Companhia Suzano, Indústria de Papel Búfalo, De Zorzi, era uma série. Também hoje a maioria não existe.
P/1 – Mas me diz uma coisa senhor Vicente, o senhor tinha vários fornecedores porque eram tipos de papéis diferentes que eles forneciam ou não?
R – Não, a gente tinha vários fornecedores porque ninguém conseguia atender a gente na plenitude, a gente precisava ter vários, senão não conseguia atender. Pra manter um faturamento estável você precisava ter vários.
P/1 – O senhor também nos trouxe uma coisa na sua narrativa que o senhor fala assim que papel do brasileiro não era de qualidade. Isso foi até quando e o que aconteceu, essa indústria melhorou, como é que se deu isso?
R – Na verdade é o seguinte: o papel melhorou muito quando foi inaugurada uma fábrica no sul da Bahia, era uma fábrica da BNDES com aquela Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Suzano, depois essa fábrica ficou toda para a Companhia Suzano...
P/1 – Ela teve financiamento do BNDES?
R – Sim.
P/1 – Ah tá.
R – Eu acho que não se consegue fazer uma fábrica se não tiver, né? Só que essa fábrica foi uma das últimas. Acho que já se vão uns 25 anos e as outras melhoraram a qualidade, a Ripasa, a própria Suzano, mas em termos de investimento em novas máquinas não ocorreu mais.
P/1 – Deixa só eu entender um pouquinho, eu estou perguntando muito nesse sentido porque somos todos muito leigos (risos), eu quero deixar uma coisa mais clara. Na verdade a questão da qualidade do papel ela está muito no maquinário utilizado, é isso?
R – No maquinário e na qualidade da celulose, porque na celulose hoje somos campeões, nós exportamos pro mundo inteiro. Isso foi uma coisa que melhorou, a qualidade da celulose.
P/1 – E a qualidade da celulose ela está ligada ao quê? Ao tipo de árvore?
R – Não, a árvore que a gente utiliza pra fazer papel branco aqui é o eucalipto e isso é uma invenção brasileira. Dizem as más línguas que quem primeiro se utilizou do Eucalipto pra esses fins foi a Eucatex e aí perceberam que como dava pra fazer a placa dava pra fazer também o papel e começaram a desenvolver a Klabin, a Suzano e a própria Simão que depois foi comprada pela Votorantim. São projetos maravilhosos que é pra deixar brasileiro orgulhoso e estrangeiro com dor de cotovelo.
P/1 – Por que, senhor Vicente?
R – Porque é um negócio fantástico, é um negócio que tudo é preservado, você tem as áreas de plantio onde as árvores hoje elas são todas clonadas, então, você não tem mais um eucalipto no tamanho, são todos... Você olha aquelas fileiras tudo da mesma coisa, você sabe qual é filha de que árvore, qual que ela vai gerar e assim, os primeiros, eles pegavam aquela mudinha do eucalipto e passavam em um lugar com muito vento no laboratório, depois com muito sol, depois com muita água, depois com pouco água e quando chegava no final dessa linha aquela árvore estava pronta pra ser plantada, pra se tornar um eucalipto. E foi aí que eles começaram as árvores melhores, eles foram clonando. Então, essa clonagem é um negócio fantástico, acho que não tem tecnologia como nós temos no Brasil.
P/1 – E por que o eucalipto?
R– É facinho: é porque se você pegar um pinheiro ele demorava 20 anos pra você dar o primeiro corte, o eucalipto com seis, sete anos você cortou.
P/1 – Então, na verdade, assim, ele traz uma celulose com boa qualidade, o eucalipto?
R – Excelente qualidade, todo esse papel que você pega aí Chamex, Report é tudo feito de eucalipto e é tudo reflorestado, não é abatido na mata, não tem nada disso.
P/1 – Então, assim, só pra gente entender em cima do que o senhor tem nos contado aí sobre o segmento. Você tem uma coisa hoje de alta tecnologia que está sendo exportada que é a celulose e por outro lado você tem uma questão do mercado do papel também estar acabando, onde está...
R – A incoerência.
P/1 – A incoerência (risos) ou a contradição?
R – Não, é o seguinte: o papel que está terminando é o papel de imprimir e escrever, agora o papel da linha têxtil, papel higiênico, guardanapo, essas coisas está cada vez aumentando mais até porque o chinês começou a se utilizar disso agora, o que não utilizava né?!
P/1 – Ah, quer dizer que o mercado chinês não era um mercado que utilizava nem papel higiênico, nem...
R – Utilizava, mas não como hoje e ali são bilhões!
P/1 – É uma quantidade de pessoas muito grande.
R– Entendeu? Não tem coerência: imprimir e escrever está acabando e papel pra embalagem, essas coisas, vai continuar.
P/1 – E me diz uma coisa senhor Vicente, como é que o senhor adequou o seu negócio a essas mudanças?
R – Ah, brasileiro dá jeito pra tudo, vai dançando conforme a música (risos).
P/1 – Então, o senhor parou de fornecer para as gráficas e o senhor já começou...
R – Não, eu continuo fornecendo, ainda hoje eu compro muito lote de papel salvado que é de seguradora, compro muita celulose também salvada e vendo a celulose pra alguém que vai fazer. Você sempre tem uma saída né?!
P/1 – E aí o senhor vende outros tipos de produto, como pra papel higiênico e o senhor também...
R – Não, mais ainda se faz muito papel aqui, né? Como eu disse a dificuldade está em saber até quando vai pra você poder se planejar, mas isso é um número subjetivo. É difícil você imaginar, quer dizer, quem souber isso vai ganhar muito dinheiro.
P/1 – E me fala uma coisa, como é que se deu as transformações em termos de pagamento? O senhor disse que o senhor recebia em dinheiro, em cheque, quando o senhor começou a trabalhar com as gráficas como é que o senhor começou a receber?
R – Aí começou, primeiro era duplicata que você colocava em banco, depois começamos a utilizar o cartão de crédito e cartão de débito, só que a gente evita. O crédito e o débito hoje a gente não fomenta, mas porque é muito caro, o banco leva um bom dinheiro daquilo que você trabalhou pra caramba pra ganhar (risos). Então, a gente não fomenta, mas foi assim, foi uma evolução natural, né?
P/1 – E os fornecedores, teve mudança no perfil dos fornecedores do senhor?
R– Mudou tudo. Pra você ter uma idéia, a Votorantim comprou a Papel Simão, aí a Votorantim e a Companhia Suzano compraram a Ripasa, aí a parte da Votorantim da Ripasa ficou toda para a Suzano. Então, praticamente hoje nós só temos a Companhia Suzano e a International Paper que são papéis de imprimir e escrever. Antigamente você tinha Ripasa, você tinha a Matarazzo. Mudou, acabou.
P/1 – E o que isso impactou nesse segmento? Teve aumento de preço? Em termos de fornecimento melhorou o fornecimento, o que aconteceu?
R – No papel lamentavelmente existe uma distorção que a gente vem lutando há anos, isso pelo sindicato, pela Federação do Comércio, a gente luta há anos pra tentar acabar, mas não consegue. O papel que é destinado pra impressão de jornais, livros, periódicos, ele é imune de impostos, isso é constitucional, então, o que acontece? Muita gente hoje importa papel imune e depois vende como se fosse papel comercial. Então, é uma concorrência desleal, é um negócio horrível e que não tem como dar jeito.
P/2 – E o sindicato atua para coibir isso?
R – Nossa, semana passada mesmo eu fiz uma reunião no SESC com o pessoal exatamente pra discutir esse assunto, ver como é que a gente consegue minimizar, mas quando parece que deu tudo certo, que agora acabou, sempre os caras dão um jeito de fazer de outra maneira.
P/2 – Quais foram as ações que vocês já tentaram fazer pra tentar impedir?
R – Uma que a gente pediu é pra botar uma embalagem diferenciada no papel que é imune, olhão preto, é imune. Nós ajudamos a Secretaria da Fazenda a criar um negócio que chama Recopi. O que é? Pra vender um papel imune você precisa de uma pré aprovação da Secretaria da Fazenda, isso ajudou muito, a Secretaria da Fazenda descobriu muitas falcatruas devido isso, mas sempre são medidas corretivas, nunca preventivas. Esse que é o grande problema. A gente precisa encontrar uma solução, uma atitude preventiva porque depois que corrigiu, o estrago já está feito.
P/1 – Já aconteceu o problema, né? E o senhor acha que deveria ter imposto sobre esse papel ou não?
R – Eu escrevi um artigo “A quem interessa a imunidade do papel”, então, eu fiz um ensaio de um livrinho que custa hoje 15 reais em uma livraria, se o papel tivesse imposto ele iria custar 15,50 reais, só que as grandes revistas, os grandes jornais eles não aceitam acabar com a imunidade e tem razão, né? Se bem que esse negócio de imunidade pra preservar a liberdade é uma falácia, porque o governo quando quer ele põe uma barreira na importação, ele pode criar um monte de dificuldade e acabou.
P/1 – Esse mercado a importação dele é muito grande?
R– É muito grande.
P/1 – E por que, não tem no Brasil quem fabrique esse papel?
R – Alguns papéis não, o tipo do papel couche, por exemplo, nós não somos auto suficientes, então, nós temos que importar, principalmente couche. Off set já não, a gente já equilibra, mas a turma importa muito de fora porque o fabricante nacional ele é mais duro no posicionamento com esse negócio de desvio de finalidade, se ele pega um distribuidor dele fazendo alguma coisa ele toma algumas medidas, então a turma encontrou o caminho da importação. Dólar barato ficou bom e atrapalhou a indústria nacional.
P/1 – Mas a gente tem tecnologia na indústria hoje, por exemplo, pra fazer papel couche, pra fazer qualquer tipo de papel...
R – Tecnologia tem, você não tem é competitividade. Os chineses, por exemplo, a maior máquina nossa aqui, sei lá, acho que deve ter seis metros, eles tem lá de dez, 11, 12 metros de largura. Quer dizer, tanto é que eles estão comprando celulose daqui, faz o papel lá e vende pra cá de novo.
P/1 – Vendem o papel acabado. O que impede, por exemplo, hoje o maior mercado internacional é o chinês pra papel couche ou não? Antes eram os alemães né?!
R – Não, o chinês ele é grande importador de celulose, o chinês importa matéria prima que ele produz...
P/1 – Mas, então, ele vende o papel couche, hoje ele é o maior fabricante de papel couche do mundo?
R – Eu acredito que sim, até porque a Europa está em uma situação difícil né?!
P/1 – E nem a Alemanha? Porque a Alemanha sempre foi tradicional?
R– A Alemanha é tradicional, mas o chinês não é nada desse negócio de trabalho escravo, não é nada disso não, eles são competentes mesmo.
P/1 – O custo é bem menor né?!
R – Muito.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouquinho agora, o senhor falou que tinha antes três empresas, não é isso?
P/2 – Duas revendedoras.
P/1 – Duas ou três revendedoras que o senhor tinha, não é isso? E hoje o senhor só ficou com uma?
R – Isso, só tenho uma.
P/1 – E por quê? Por que o senhor resolveu só ficar com ela?
R – Ah, eu tinha sócio e essas coisas todas e o melhor foi encerrar, mas eu tenho uma que é essa aí que eu estou dizendo que a gente compra muito salvado. Eu peguei gosto por esse negócio de reaproveitamento, é um negócio que além de ser bom, você tem concorrência, mas não é concorrência como a deslealdade que é o negócio de papel. É um negócio saudável.
P/2 – E esse negócio do papel reciclado, além de ecologicamente responsável, também é competente no mercado, está atingindo o mesmo nível de venda que o papel normal ou é aquém? Como é que está?
R– Isso aí também é outra, primeiro foi um modismo esse tal de papel reciclado, foi um modismo que...
P/2 – Passou.
R – Passou, sabe por quê? Você não tem matéria prima pra fazer a quantidade de papel reciclado que teria condição de usar.
TROCA DE FITA
P/1 – O senhor estava nos falando do papel reciclado que hoje ele foi modismo, por que ele ficou modismo? Eu queria que o senhor explicasse por que ele não foi uma coisa que...
R – Não, foi uma jogada de marketing fantástica da Companhia Suzano, quer dizer, o povo ávido por preservar a ecologia e esses negócios todos, eles lançaram esse papel, foi um sucesso absoluto porque ele vendia um papel que eu acho que tinha um custo menor do que off set normal, vendia por um preço maior e todos, pra mostrarem que ecologicamente estavam corretos, que nem a história da sacolinha, foram todos nisso aí. Só que aí eles encontraram um problema: não tem matéria prima pra fazer. Eles desenvolveram um projeto muito bonito, eles criaram cooperativa para os catadores de lixo, catadores de papel, foram indo, mas chega uma hora que não dá, é muito pedido e não tem.
P/1 – Ou seja, dentro do processo... Vamos entender o processo produtivo: quer dizer, que o papel que de alguma forma poderia ser reaproveitado, a quantidade de papel que é posto de lado pra lixo e tal, ele não tinha quantidade suficiente pra poder...
R – Não tem, porque dá essa impressão de que é todo papel que você vai poder reciclar, mas não é verdade, você vai reciclar é refile de gráfica, algumas coisas, mas não é tudo. Por exemplo, papel guardanapo, essas coisas, você não recicla. Copo de papel, ele sofre alguma transformação no caminho.
P/1 – Por exemplo, papel que a gente usa pra escrever e pra imprimir, esses não são passíveis de serem reciclados?
R – Não, são passíveis.
P/1 – Esses são?
R– São. Esse sim, só que depende se tem uma impressão de tinta verde, azul, amarela, pronto, já implica. E o problema, o selecionamento desse papel pra você mandar pra aquele Hidrapulp que eu citei, uma coisa de qualidade, você não pode jogar qualquer coisa, você pode mandar alguma coisa errada ali, entope o encanamento, é um prejuízo desgraçado, então, é um negócio que como jogada de marketing foi um negócio sensacional.
P/1 – Quer dizer ele tem um custo operacional também relativamente alto?
R – Muito maior, mas não se compara porque quando você compra ele, ele custa bem menos do que a celulose, embora ele dê mais trabalho, ele sempre será menor do que o preço da celulose. Pra você ter uma idéia, um você paga 30 centavos e o outro paga um.
P/2 – Por que a qualidade é inferior?
R – Porque a qualidade é inferior, até pelo trabalho que ele vai dar pra selecionar, né?
P/1 – É porque ele tem um custo operacional mais alto né?!
R – E você vê que o próprio SESC hoje, em qualquer unidade, você vai lá pra jogar o lixo reciclável e não reciclável. Já é um avanço, porque ele você está pondo só o que vai reciclar, só que no SESC você tem a lata, você tem o copo, você tem uma série de coisas que depois fica mais fácil pra separar, mas mesmo assim, é um avanço. Mas ainda não atinge o objetivo.
P/1 – E como é que se deu a sua entrada dentro da Federação e do sindicato? Conta um pouquinho pra gente dessa fase da sua vida.
R – Eu sempre gostei de participar de associação, sempre entendi que é importante você conviver na sua comunidade pra saber o que os outros pensam, tomar algumas atitudes e tal. Sempre pra melhorar a sua vida, o seu negócio e eu participava do sindicato, mas a gente ia assim pra saber do mercado, essas coisas.
P/1 – Sindicato do Papel.
R– Na época era do Comércio Atacadista, hoje ele é nacional e um dia me chamaram: “Você quer ser o presidente?” eu falei: “Ah, se tiver apoio eu vou” e fui. Aí, automaticamente, eu passei a ser diretor da Federação do Comércio e depois de um longo tempo eu passei a ser também do conselho do SESC.
P/2 – Isso foi em 95, né?
R – Em 95.
P/2 – E de lá pra cá o que o senhor pode lutar pra fazer, pra transformar?
R – Ah, nós fizemos um trabalho razoável, uma das coisas que nós criamos lá foi uma central de informações comerciais, eu acho que não é da tua época, mas antigamente como é que você dava crédito pra uma empresa? Você pegava os dados dela, telefonava pro concorrente: “Escuta, esse sujeito, quanto compra, quanto ele acumulou, quanto ele tem acumulado?” e aí o sujeito poderia te dar ou não a informação e era um problema porque às vezes te dava informação errada. Por quê? O cara estava devendo lá e ele falava: “Se ele vender ali ele vai...” era negócio que dava muita confusão e uma coisa que nós fizemos foi o seguinte: nós pegamos umas 20 empresas mais ou menos e depois de um trabalho que demorou uns quatro anos, porque todos achavam que ia ter falcatrua, que ia ter uma confusão, que um ia roubar cliente do outro, mas não, na verdade o que a gente faz hoje? Nós só administramos, o SINAPEL é o administrador, toda empresa ela manda o movimento dela diariamente para a SERASA, o que ela vendeu e o que ela recebeu, diariamente, se eles não mandarem no dia seguinte eles estão bloqueados...
P/1 – Isso é obrigado?
R – É obrigado, tem um estatuto que nós fizemos, tem a comissão de ética, o negócio é bonitinho e isso começou a fazer o que, quando você tira uma informação da SERASA vem lá todos aqueles dados, cartões e cheques sem fundo, se tem pendência, alguma coisa. Aí depois vem, fornecedor SINAPEL, então, ali a gente sabe quanto ele deve no mercado de papel e a informação da SERASA não traz. No mercado de papel não, aqueles que fazem parte da CIRP que é a Central de Informação do Ramo Papeleiro, então, ali o sujeito tem todos os elementos pra dar o crédito, sem ter que telefonar, sem ter que fazer absolutamente nada, ele tem aquilo e é um negócio que funciona e é objeto de desejo de toda empresa que começa ou qualquer coisa é participar. Antes a gente fez meio assim seletivo, mas depois com o tempo eu percebi que o melhor seria abrir e às vezes tem muita empresa que está pequena e não está estruturada na informática, então a gente criou um grupo dois e ele fica treinando por seis meses. Quando ele está apto, você joga ele para o grupo um. Outra vantagem, a SERASA cobra por quantidade de consultas, então, se o sujeito faz dez consultas ele paga x, se ele faz cem ele paga x menos tanto e aí como o nosso grupo está perto de 8.000 consultas, barateia o custo pra todo mundo. O negócio, olha, funcionou. Eu inclusive passei esse know-how pra outros sindicatos, amigos nossos lá da Federação, já implantaram lá, assemelhados né?! Esse foi outro trabalho, a SINAPEL não tinha sede, hoje nós temos sede, modesta, mas com uma sala de reunião, com um local pra dar curso, promovemos muitos cursos, principalmente treinando vendedores e distribuidores de papel. Muita coisa nós fizemos.
P/1 – E o senhor estava desde 95 como presidente?
R – Desde 95. Eu não vou dizer nem que era contra gosto, mas eu não consegui sair, mas foi pelo próprio sistema que teve um realinhamento, fizeram pra ter eleição e tudo e no fim foi indo, teve que realinhar tudo. Não é por, vamos dizer, eu gosto daquele negócio, mas se tiver outra pessoa com certeza eu vou passar o cargo e no ano que vem tem eleição.
P/1 – E como é que o senhor concilia o seu negócio com a vida na Federação? Como é que se dá isso?
R– Ah, eu sempre fui ativo, eu brinco que se Deus quiser me castigar ele vai me deixar sem poder trabalhar (risos). Então, eu procuro ser disciplinado, tem que saber qual é o foco do dia e assim vai indo.
P/1 – O senhor passa todos os dias lá e na sua empresa também? Como é que o senhor divide um pouco o seu tempo?
R – Além disso, também (risos) existe uma associação que eu também sou presidente executivo, além disso, né?! Eu tenho o sindicato e a associação, eu estou nos dois. Mas normalmente é assim: eu trabalho de manhã, deixo na empresa todas as coisas acertadas e, quando tem reunião, eu vou, marco pra de tarde e no SINAPEL e na ANDIPA eu dou expediente duas vez por semana. Na Federação é uma reunião plenária por mês e tem algumas setoriais, do comércio atacadista e tal e a gente vai por aí e o SESC também é uma vez por mês.
P/1 – E o senhor tem filhos senhor Vicente?
R – Tenho.
P/1 – Quantos?
R – Eu tenho um casal de filhos, uma menina com 34 anos, vai fazer 34, e um menino com 32 anos.
P/1 – E qual que é o nome deles?
R – A minha menina Fany e Vandré.
P/1 – E eles fizeram o quê? Também foram para o ramo papeleiro ou não?
R– Não, o meu filho está tentando, mas ele não é do ramo, não é que ele não é do ramo, ele não é pra ficar fechado, ele gosta de rua, ele gosta de sair. É um negócio até interessante, ele desde pequeninho ele foi ligado com pipa e hoje se tiver qualquer congresso de pipa ele é convidado porque ele é conhecido no meio e aí eu vim a descobrir que é um negócio fantástico esse negócio de pipa, é um negócio inacreditável. Por quê? Ele pega alguns serviços de pessoas que fazem aqueles peixinhos, aqueles negócios, vem um caminhão daquilo lá, daquela folha fininha e eles não dão conta de atender a demanda (risos)...
P/1 – Olha que loucura!
R – É um negócio e ele está indo mais pra esse caminho aí.
P/2 – Como produtor de pipa ou ele fabrica as pipas?
P/1 – Não, é do papel mesmo.
R – Não, ele está cortando papel pro sujeito, mas o destino dele talvez será esse aí.
P/1 – E ele fez o quê? Ele estudou o quê?
R – Ele parou de estudar no colegial e agora ele está na faculdade.
P/1 – Ele está fazendo o quê?
R– Administração de Empresa e essa faculdade é aquele colégio (risos) Externato São José de Vila Matilde que eu disse que hoje é faculdade.
P/1 – E o senhor fez faculdade de administração aonde?
R – Na Paes de Barros.
P/1 – E a sua filha ela faz o que hoje?
R – Ela além de ser mãe, ela é professora de Educação Física.
P/1 – Ah, ela foi fazer o sonho do senhor né (risos)?!
P/2 – Ela realizou o seu sonho?
P/1 – É, de querer ser professor (risos).
R– Mas o meu sonho não ficou irrealizado.
P/1 – Ah, não?
R – Não.
P/1 – Por quê?
R – Lembra que eu disse que eu não quis ir porque ganhava pouco, né? Está fazendo 20 e poucos anos que eu dou aula toda semana em uma instituição de caridade...
P/1 – Olha!
R – Mas eu não ganho nada (risos), eu não quis ganhar pouquinho, agora eu não ganho nada.
P/1 – E aonde é? O senhor dá aula do que?
R – Olha, eu dou aula de tudo, até de sindicalismo, mas é algo ligado a religião também. Eu dou aula lá na Casa Transitória que é na Marginal do Tietê pegado a guarda civil. Lá nós temos asilo, temos creche, temos uma série de coisas.
P/2 – Aproveitando que a gente falou da faculdade, de que forma que o seu curso de Administração influenciou na sua carreira como empresário?
R– Nenhuma.
P/2 – Teve alguma coisa que você lembrou, alguma coisa que você aprendeu?
R – Nenhuma. Só, lógico, você analisar um balanço, alguma coisa assim, mas para o negócio em si...
P/1 – E me diz uma coisa senhor Vicente, o senhor falou que a primeira mulher sua, pelo o que eu entendi da sua narrativa o senhor foi casado com a primeira que era um caso carmático e o senhor voltou a se casar de novo? Conta um pouquinho.
R – Voltei a casar. Eu em uma época fui presidente de uma associação, chama NAVE, Associação Nacional dos Vendedores de Papel, eu virei presidente e eu conheci a Cláudia que é a minha segunda mulher. Ela trabalhava lá, ela, na época, era casada, eu estava descasado, depois de um tempo ela descasou também. Passou um tempo e a gente casou, estamos juntos há 17 anos.
P/1 – E os seus filhos são do primeiro casamento, né?
R – São do primeiro casamento. No segundo nós tentamos, mas não deu certo.
P/1 – E o senhor tem netos?
R – Tenho, duas meninas.
P/1 – Filhas da sua filha?
R– Filhas da minha filha, que são a Lili que é a Lívia e a Lara.
P/2 – Só pra gente deixar bem explícito, a produção de papel no Brasil hoje, a gente pode dizer...
R – Você gostou desse assunto, né (risos)?
P/2 – É. É ecologicamente sustentável? Dá pra dizer isso?
R – É ecologicamente sustentável.
P/2 – Aquele processo de clonagem garante que...
R – Olha, entenda mais ou menos o seguinte: se vocês tiverem oportunidade vão visitar a Klabin que no Paraná é interliga com Borba, eles têm até um hotel dentro da fábrica, um hotel maravilhoso, mas é assim, eles pegaram uma mata, uma área, isso na época do Getúlio e desmataram uma parte lá, aí deixaram outra parte sem mexer mais pra frente, quer dizer, eles não acabaram. Existe uma mata nativa lá que ninguém mexe e lá eu brinco: “Se você matar o chefe, mas se você atropelar um bichinho lá você vai preso”, é um negócio maravilhoso...
P/2 – É bem rígido.
R – É. Só que essas áreas são longe, são distantes. Eles têm um esquema quando vai colher, eles montam uma mini cidade no local, com escola, com diversão, com cinema, com tudo, os pais vão trabalhar lá enquanto vai desmatar eles têm toda a assistência dada pela Klabin, como é que feito na Bahia Sul, como é feito em todos os lugares. É um processo que realmente deixa orgulhoso, eu não sei, a principio olhando, a gente leigo crê que não há nenhum problema, pode ser que daqui a 100 anos... A turma anda dizendo que o eucalipto ele chupa muita água, eu ouvir falar muita coisa, mas eles fazem a coisa com perfeição. Vale a pena. Se vocês puderem, até se vocês quiserem eu tenho alguns amigos lá se quiserem ir eu arrumo, dá pra fazer um trabalho, é maravilhoso. Como tem tanta coisa que a gente mete o pau, a gente tem que elogiar quando é bem feito né?!
P/2 – Tem mais uma coisa, agora é mais curiosidade mesmo: quando o senhor aceitou fazer a entrevista com a gente, a gente pesquisou um pouquinho sobre o senhor, eu fui descobrir pela internet que existia uma escola no interior paulista chamada Vicente Amato Sobrinho...
R– E tem uma rua...
P/2 – E tem uma rua também.
R – Não sou eu.
P/2 – Não é o senhor?
R – Não. Inclusive é o seguinte: esse Vicente Amato Sobrinho, eu estava em um avião indo pra Cascavel, eu estou lendo o jornal, o Estadão, quando chega lá em Paraná, falam: “Senhor Vicente Amato Sobrinho” (risos) e eu naquela época como eu viajava toda semana para o Paraná, era um vôo da Rio Sul, era quase sempre o mesmo comandante, a mesma tripulação e eu tinha amizade porque eu ia há anos, aí eu brinquei com a menina: “Eu morri e não sabia” (risos), mas aquilo deu uma confusão boa, porque nossa! Recebi telegrama, vixe, foi uma confusão. Mas esse era um homônimo, ele era dono de um laboratório farmacêutico e um amigo que o conheceu disse que ele não usava verbo, ele falava sem verbo, era uma característica, eu cheguei a conversar com ele duas ou três vezes por telefone e além dele tem o Vicente Amato Neto também...
P/2 – Que é médico e professor né?!
R – É, é um sujeito fantástico.
P/2 – Que coincidência né?
R – É a família Amato, já faz um tempinho, mas a cada dois anos se reúne lá no Circulo Italiano e um dia quando eu estava chegando ele estava um cheque lá pra pagar um negócio, quando eu olhei, eu conheço de fotografia e de jornal né?! Ele não me conhecia e a moça perguntou assim: “Qual é o seu nome?” eu disse: “Vicente Amato” ele me olhou: “Neto?” – “Não, Sobrinho” – “Me dá um abraço, eu não sabia” o cara, nossa, quis tirar foto comigo, o cara era ao contrário. Era muito humilde e depois como você fez, eu fui avaliar, ele é um dos melhores infectologista do mundo.
P/2 – É, verdade.
P/1 – Indo agora pra uma fase mais de avaliação agora, se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória, o senhor mudaria alguma coisa senhor Vicente?
R – Algumas coisas eu mudaria com certeza.
P/1 – O que?
R – Eu talvez deveria ter um pouco mais de atividade porque parece brincadeira, mas com toda essa atividade que eu tenho eu ainda tenho tempo e talvez investisse cada vez mais em conhecimento, em estudo, realmente assim fazer um curso, eu tenho feito vários cursos, mas um curso normal, tradicional, fazer uma faculdade hoje eu não tenho mais como, mas eu deveria ter feito.
P/1 – E quais lições que o senhor tirou ao longo da sua carreira na área de comércio?
R – Que você tem que ser sempre a mesma pessoa, quando está por alto, por cima, quando está por baixo, você não pode ficar deprimido quando a situação não está boa e você não pode querer bancar o bacana quando a coisa está boa, você tem que ser sempre o mesmo sujeito, equilibrado.
P/1 – E olhando para o mercado de atuação do senhor que é a questão do comércio atacadista de papel, o que o senhor acha que se o senhor pudesse mudar o senhor mudaria?
R – Eu faria um decreto impedindo o fim do papel (risos).
P/1 – Bom, fazendo a última pergunta, o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista, falando um pouco da sua experiência, o que o senhor achou de ter participado?
R– Ah, foi excelente, muito gostoso porque eu revivi um passado aí que há muito tempo eu não lembrava da Vila Esperança, há muito tempo eu não lembrava do Externato São José e foi prazeroso, extremamente prazeroso.
P/1 – Eu queria agradecer em nome do SESC, em nome do Museu da Pessoa a sua participação, muito obrigada.
R – Eu que agradeço.
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