Projeto Memórias do Comércio de São José do Rio Preto - 2020/2021
Entrevista de José Luiz Fernandes – Padaria Pão Sagrado
Entrevistado por Luís Paulo Domingues e Guilherme Foganholo
São José do Rio Preto, 04 de maio de 2021
Entrevista MC_HV0065
(00:00:36) P1- Zé Luiz, pra começar eu queria que você dissesse o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R- Tá. Meu nome é José Luiz Fernandes. Eu nasci dia 11 de agosto de 1962, aqui em São José do Rio Preto, na Santa Casa.
(00:55) P1 – Legal. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R- Meu pai é um nome meio estranho: Boaventura Fernandes Pedro. E minha mãe é Maria Amélia Marques Pedro.
(01:09) P1 – Legal. E você teve contato com seus avós, você conheceu seus avós, conviveu com eles?
R – Sim. Eu tive a oportunidade de, em 1986, ir à Portugal e conhecê-los. Os dois eram vivos. E eu casei em 1990, a minha avó já havia falecido, o meu avô veio no meu casamento.
(01:35) P1 – Certo. Isso da parte do seu pai, né?
R – Isso. A minha mãe... eu só tinha a minha avó. A minha avó morreu há seis anos, com 107 anos. A raça é ruim de morrer viu, não morre fácil, não!
(01:50) P1 – (risos) Legal.
R – Demora. (risos)
(01:53) P1 - E eram todos descendentes de portugueses? Além dos seus avós que moram...
R – Sim. É, eles eram todos portugueses. Todos. Eles vieram para cá por causa da guerra. Até é bom eu comentar isso, porque é muito importante: as pessoas, para virem para o Brasil, tinham que ter uma carta, uma carta de apresentação. E eu gostaria de gravar um nome que ajudou muito Rio Preto e o Brasil inteiro, que é João Alves Veríssimo. Ele que mandou a carta para o meu pai vir para o Brasil e para o meu tio também. Aí veio, quer dizer, um do lado e outro do outro, mas foi ele que patrocinou isso tudo, entendeu?
(02:43) P1 – Sim.
R - Esse nome é muito importante. O J Alves Veríssimo é o dono do Shopping Eldorado, em São Paulo.
(02:51) P1 – Ah, sim.
R - Toda a rede de mercados Eldorado, é uma pessoa muito importante na história de São Paulo e do Brasil inteiro.
(02:59|) P1 – Sim, que legal. E ele também era português, né? Ele é português?
R – Ele era português. Inclusive, do centro de Portugal, ao redor da terra do meu pai.
(03:14) P1 – Sim. Qual que era a terra deles lá? Eles vieram da onde?
R - Meu pai é de Proença-a-Nova e minha mãe é do Castelo, no centro de Portugal. E vieram se encontrar aqui no Palácio das Águas, em Rio Preto.
(03:29) P1 – Rio Preto, né?
R – É.
(03:31) P1 - E você sabe... eles vieram por causa da guerra, né?
R – Sim.
(03:34) P1 - E vocês sabem se eles vieram direto para Rio Preto, já se estabeleceram com trabalho, assim? Como foi?
R – É, meu pai sim, né? Meu pai já veio pro J Alves Veríssimo. Agora, o resto da família, cada um foi para um lugar. Uma parte foi para uma cidadezinha próxima aqui, que chama Populina. Uma parte foi para Guapiaçu, que é aqui perto também. Uma parte foi para Mogi das Cruzes, próximo a São Paulo. E uma parte foi para o Paraná, para Maringá. E assim foi distribuído.
(04:08) P1 – Certo. E você sabe o que o seu pai veio fazer, assim? Ele veio por causa da guerra, mas aí ele se estabeleceu trabalhando com o quê?
R- Então, meu pai veio para cá carregar saco. Ele era saqueiro. Ele ficou careca de tanto saco que ele carregou.
(04:30) P1 – Certo. (risos)
R – Lá no J Alves Veríssimo. Outra parte da família também foi pro Dias Martins, que é outro português. E ele abriu em 1959, 1958, um armazém chamado Casa Salgueiro, no Centro de Rio Preto. E aí depois nós fomos para São Paulo. Nós não, né? Eu não era nascido ainda. Eu nasci em 1962. Ele foi para São Paulo e abriu uma mercearia, depois ele abriu um armazém também, aí depois abriu uma padaria. Inaugurou em 1965, na Vila Maria, em São Paulo. Desde então nós estamos no ramo de padaria.
(05:18) P1 – Ah, certo.
R - Nesse ponto eu estou há 32 anos.
(05:23) P1 – Sim.
R - Só nesse ponto.
(05:25) P1 - Só nesse ponto. Olha que legal! E aí, como que ele conheceu a sua mãe?
R – Então, por intermédio de um tio. Porque lá em Portugal, você há de convir que não tinha nem telefone, né? Quanto mais internet. Não existia nada, só era por carta. Então, na terra da minha mãe, moravam quatro irmãos e quatro irmãs, cada uma de uma família. Três casaram com três da outra família. Lá é... então, através desse relacionamento, aqui no Brasil, eles conseguiram se encontrar, através de outro tio. Então, um negócio meio engraçado, sabe? Mas era assim que funcionava.
(06:16) P1 - Era muito comum no passado, né, não só com português, de casar os primos, né? Foi primos distantes, né? E aí seu pai conheceu sua mãe em Rio Preto, né?
R – Isso.
(06:32) P1 - Ela já foi com ele para São Paulo. E como é que foi essa volta...
R – Não.
(06:37) P1 – Não?
R - Se conheceram em Rio Preto.
(06:40) P1 – Rio Preto.
R - Eles se conheceram aqui em Rio Preto. Se casaram em Rio Preto, aí depois foram para São Paulo.
(06:47) P1 – Para São Paulo.
R - Foram atrás da vida.
(06:49) P1 - E você nasceu mais tarde, né? Eles já estavam em Rio Preto de volta ou não?
R – Não. Eles foram para São Paulo em 1958, 1959. A minha irmã mais velha nasceu em 1960, já nasceu aqui em Rio Preto. Aí que foram para São Paulo. Foi nesses idos. Aí eu nasci em 1962, em Rio Preto, mas só nasci. Aí já voltei, já morava em São Paulo.
(07:19) P1 – Certo. E, José Luiz, o que você lembra da sua infância lá em São Paulo? Você morava aonde, qual bairro? E como que era o bairro?
R – Então, eu morava na Vila Maria, Vila Maria Alta. A Vila Maria Alta recebeu muito nordestino, bastante nordestino. E tinha muito movimento, porque eram poucos estabelecimentos. Então, a vida era difícil, né? Por exemplo, é até bom que fique gravado: não tinha leite para todo mundo. O leite era servido em litros de vidro e a maioria das pessoas não tinha geladeira em casa. Isso era um artigo de luxo. Conclusão: eles levavam uma embalagem de um quartinho de leite, que era para você pôr e punha o papelzinho em cima, para ele levar para casa, para ele tomar só naquele momento. Ou meio litro, ou um litro, se a família fosse grande, entendeu? Era bem difícil a situação. E, por exemplo, se a pessoa chegasse na padaria e não levasse pão, meu pai não vendia o leite. (risos) Você vê? Que marketing lascado, né? Nossa, incrível. (risos) Ou leva pão ou não leva leite.
(08:47) P1 – Sim.
R – O leite vinha do engradado com 12 litros, de ferro. Eu com quatro anos e meio varria a padaria e eu punha o papelzinho em cima para selar o vidro, para a pessoa levar para casa. Mas a vida era difícil, não era fácil, não.
(09:13) P1 - Eu imagino. E a clientela lá era o pessoal do bairro mesmo? Pessoal que...
R – Era do próprio bairro. É, poucas pessoas tinham automóvel, né? Como estou te falando, no começo era bem difícil mesmo. Para comprar um carro, assim, era complicado, não era fácil, não.
(09:33) P1 - É verdade.
R – Fazer um empréstimo e tal.
(09:36) P1 – E, José Luiz, o que você fazia na rua, né? Porque naquela época o pessoal vivia mais livre, né, do que hoje, que todo mundo fica dentro de casa, no computador. O que você lembra? Como é que era a rua, você brincava do que com seus amigos?
R- Ah, isso é fácil! Soltar papagaio era o principal. A gente adorava soltar pipa. Jogar bolinha de gude. A, à noite a gente pega, pega-pega, esconde-esconde, mãe da rua, que era atravessar a rua com uma perna só. E coisa desse tipo assim, era muito divertido, muito dez.
(10:20) P1 – Legal.
R- E, para você ter uma ideia, eu vi asfaltando a rua da padaria, que era super diferente, o esquema totalmente diferente. O asfalto está lá até hoje, não tem nem buraco. É bom falar com os prefeitos de hoje em dia. (risos)
(10:39) P1 – Era pedra? Era tipo paralelepípedo, ou não?
R – Não, era terra, terra mesmo. Era terra. Aí asfaltaram. Aí fizeram as galerias, fizeram tudo direitinho, como tem que ser.
(10:55) P1 - Quando você foi morar lá na Vila Maria Alta, depois da Vila Maria, já acabava São Paulo ou ainda tinha mais coisa?
R – Não, tinha muito bairro ainda. Devia ter, porque ali já estava quase emendado com Guarulhos. Tinha pouco espaço vazio até Guarulhos, mas tinham vilinhas até lá. Então, praticamente já era unido. Tinha muito espaço vazio, mas era unido.
(11:28) P1 – Legal. Eu não sei...
R – Você está em São Paulo?
(11:32) P1 – Não, eu estou aqui em Bauru hoje. Mas eu já morei em São Paulo, eu lembro da Vila Maria. Fui lá.
R – Então, a Timóteo Penteado já tinha aquela avenida, que é que vai até em Guarulhos. Ali tinha bastante espaço vazio, mas já tinha corrutelas, né? Então, já era Grande São Paulo. Para tudo que é lado.
(11:53) P1 – Certo. E, José Luiz, sobre a escola, o que você lembra? Você ia a pé para a escola? Como é que era o grupo escolar lá, que você estudou?
R – Então, eu estudei numa escola famosa, São Teodoro de Nossa Senhora do Sion. Fica na Mere Amédea, na Vila Maria Baixa. Eu, com 11 anos, iniciei na época na quinta série, eu ia de ônibus e voltava a pé, voltava de ônibus, dava uns quatro quilômetros. Mas normalmente ia a pé. Aí, depois, eu fui estudar no Paulo Egídio, que é próximo. Eu ia e voltava a pé. Aí dava uns quatro quilômetros e pouco. Era a pezão, mesmo.
(12:41) P1 - E o que vocês faziam lá? De final de semana seu pai te levava para algum lugar, tipo cinema, passear na praça? Qual que era a diversão com a família?
R – Não. A gente ia em algum parque. Mas era difícil, né, porque padaria, né? Nem sempre tinha folga, né? Mas a gente ia na praia, ia num restaurante mais longe. Normalmente próximo do mato, que eles gostavam é de ficar assim, no campo mesmo. Então, fazia piquenique, fazia algo extraordinário, era gostoso, entendeu? Era o que tinha na época, né? Não tinha muita coisa.
(13:22) P1 – Sim. E, na escola, você gostava de quais matérias? Quais que você se destacou mais? Tinha alguma coisa que já levava você a pensar que você ia seguir no ramo do comércio ou foi mais aprendendo com seu pai? Como foi isso?
R - Não, eu gostava de todas as matérias, eu não tinha nada, assim, contra elas. Tinha algumas assim... por exemplo, eu aprendi Francês, né? Então, era meio difícil também e tal, mas arrastava, fui arrastando também, né? Bom, eu não sei se por causa disso ou não, né, a primeira faculdade que eu fiz foi Mecânica. Foi Engenharia Mecânica. Só que, no meio do segundo ano eu larguei, eu não gostei, sabe? Não era aquilo que eu gostaria de fazer. E eu namorava uma menina que fazia Publicidade, eu assistia mais aula da faculdade dela do que na minha. Aí me apaixonei por Publicidade, por Marketing. Aí, agora, há poucos anos eu fiz, eu me formei.
(14:34) P1 - Em Publicidade?
R – Em Publicidade.
(14:36) P1 – Ai, que legal. Então, mas quando você começou a trabalhar foi com seu pai mesmo, na padaria, né?
R- Isso. Eu trabalhei com meu pai, nós tivermos a padaria, tivermos casa de esfiha, tivemos restaurante na praia, mercado. Aí depois nós mudamos para Rio Preto, abrimos uma outra padaria. Aí foi quando eu ingressei na faculdade em São Paulo. Aí eu fiquei morando em São Paulo, trabalhando numa indústria de mangueiras hidráulicas.
(15:16) P1 – Certo.
R - Aí eu fiquei uns quatro anos lá. Aí desisti da faculdade e voltei para Rio Preto. Aí montamos outra padaria. Aí viemos para o ramo de padaria. Ó, é o seguinte: caiu farinha no umbigo, não tem jeito, vai ser padeiro. (risos)
(15:32) P1 – Vai ser padeiro. (risos)
(15:33) P2 – E desde então é a mesma padaria, José?
R – Não, não. Nós tivemos... vou falar por nome, para ficar mais fácil. Quando eu vim, Padaria Ipiranga. Aí nós abrimos outra, foi a Padaria América, em outro bairro. Aí nós abrimos essa, que é a Padaria Pão Sagrado. No intermédio, nós compramos uma outra, que era Pão Gostoso, mas que ficou pouco tempo. Então, só que essa daqui nós estamos há trinta e dois anos. No mesmo ponto.
(16:03) P1 – Sim. Legal.
R - É divertido aqui, porque eu vi as crianças nascerem. Hoje eu não posso segurar no colo, né, mas eu pego filhos dos meus clientes, que eram crianças, no colo.
(16:21) P1 – Sim, legal. José Luiz, quando você ia convivendo com a sua família, tinha bastante tradição portuguesa? Comida portuguesa, música portuguesa?
R – Tem.
(16:38) P1 – Tradicionais, religiosas?
R- Tem.
(16:41) P1 - O que você lembra dessa parte?
R – Ah, olha, a música portuguesa que a gente gosta é o fado, né? Então, em todo evento, a gente toca fado. No velório da minha avó foi tocado fado. No meu casamento foi tocado fado.
(17:01) P1 – Certo.
R - Quer dizer: meu pai cantava, entendeu? Então, acompanha a gente. A comida também acompanha. Os pratos típicos portugueses da nossa região. Que tem um que chama ‘filhoses’, outro chama ‘cavaca’, entendeu? Bacalhoada sempre, né? Sempre um bacalhau. Então, sardinhada, na festa, no clube em São Paulo, a Portuguesa de Desportos, era a melhor festa junina de São Paulo. Então, a gente juntava a galera, os portugueses, se reuniam tudo lá, para comer sardinha e tomar vinho. Então, essa é uma tradição muito grande. Era muito gostoso.
(17:45) P1 – Sim. Que legal! Quando você entrava no estádio do Canindé tinha aquele negócio redondo grande, né, que servia caldo verde. Não tinha essas coisas?
R – Então, nessa época eu já não estava morando mais lá. Mas era típico o caldo verde.
(18:11) P1 - O caldo verde, né? Muito bom.
R – Era típico. Eu fui na inauguração do Canindé.
(18:15) P1 - Sério?
R – Sério.
(18:18) P1 - Mas o Canindé não é anterior ao seu nascimento? Ou não?
R – Não. O terreno foi comprado do time do São Paulo. A inauguração acho que foi em 1973.
(18:32) P1 – Certo.
R - Tinha um jogador, um negão, rapaz, mas pensa num cara forte mesmo! Eu era pequenininho, o bicho era um gigante! Ele comprou um carro na época, lançamento, um SP2, que era da Volks. E eu olhava para ele e falava assim: “Me diga como você entra aí dentro desse carro? Não cabe você!” (risos) Mas era um barato! Foi na inauguração. Muito, muito bom!
(18:58) P2 - E você tem até hoje essa ligação com a Portuguesa, José Luiz? Você acompanhou durante muito tempo?
R – Eu acompanhei durante muito tempo. Eu torço para a Portuguesa ainda, era sócio, né? Inclusive teve o pai de um amigo meu que estudava comigo, era presidente da Portuguesa. O meu primo foi diretor também, de esporte, viajou muito com a Portuguesa, em competição de natação. Até acabei de falar agora, estava passando hóquei no gelo e o time da Portuguesa era hóquei sobre rodas. Foi campeão, campeão do Brasil. Não tinha time, era imbatível, ninguém ganhava.
(19:39) P1 – Era?
R - São umas coisas interessantes, né?
(19:45) P2 – Sim.
R - Você sabia que eles construíram o Canindé e esqueceram um trator lá dentro?
(19:51) P1 - Eu já ouvi essa história, mas eu achava que era mentira.
R – Não, tiveram que desmontar! Tiveram que desmontaram o trator para passar, porque não tinha guincho, eu acho, não lembro por quê. (risos)
(20:04) P1 – Sim.
R - Mas falar que português é burro, não. É mentira, isso é fake. (risos)
(20:09) P1 – Eu sei. Que legal! (risos) A sua família, então, tinha um grande envolvimento com a comunidade portuguesa, né? Vocês viviam todos juntos, né? Devia ser legal. Com as outras famílias de Portugal que tinha, né?
R – Sim. Era tudo unido. Até hoje são todos unidos. É muito difícil ter uma discórdia entre a família, sabe? É muito unido. E, se tiver também, aí tem as pessoas que vão ponderar. No ano passado eu fui à Portugal para tentar resolver um problema lá que... a parte de herança, inclusive eu era um herdeiro lá, também. Então, é uma situação meio complexa. Nunca teve nenhum problema, de repente apareceu um problema que não é nem o meu tio, é casado com a minha tia, que gerou uma...
(21:04) P1 – Uma discórdia?
R – Mas infelizmente é assim que funciona. Nem todo mundo lá é igual, né? É complicado.
(21:14) P1 – E, Zé Luiz, e essa parte aí de São Paulo? Quando você ficou sozinho aí, você foi trabalhar na indústria e fazia faculdade, as duas coisas?
R – Fazia. Eu estudava, eu fiz Fatec, né? Porque eu fiz a Fatec, porque depois eu poderia, com mais dois anos no Mackenzie, sair engenheiro. Aí teve uma manobra, os engenheiros lá entraram com um processo lá e tal, que não podia mais. Não podia assinar mais planta acima de setenta metros. Então, aí ficou inviável para mim. Eu já não estava gostando, aí aconteceu isso, eu resolvi desistir.
(21:57) P1 – Certo.
R – Entendeu? Mas eu morava no Ibirapuera, eu passava na Rui Barbosa, ia na faculdade da namorada e depois ia para casa. Era pertinho. (risos)
(22:05) P1 – (risos) Certo. Muito bom. (risos) E aí você desistiu da faculdade e foi para Rio Preto? Como é que foi?
R – Vim para Rio Preto. Vim trabalhar. Aí eu tinha três padarias. Aí eu trabalhei, viu!
(22:23) P1 - Você já veio com certo poder aquisitivo, né? Você já tinha um pouco de dinheiro para montar essas padarias, você veio de São Paulo já com dinheiro pra montar?
R – Não, o dinheiro que eu ganhei do meu acerto da firma em São Paulo, eu torrei tudo em Bauru, se você quiser saber. (risos)
(22:45) P1 – Ah é? Sério?
R - Se você quiser saber. (risos) Eu cheguei em Bauru na quarta-feira, que a minha prima estudava aí. Ela fazia Nutrição. Eu cheguei, fiquei quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo na farra, gastei tudo nas boates aí e nos bailes. Aí, na segunda-feira eu vim embora. (risos). Ai, ai... mas aí, aqui, meu pai já tinha padaria.
(23:11) P1- Ah, você foi trabalhar com ele?
R – Aí eu entrei junto com ele. Isso. Mas cheguei mais duro do que pedra. (risos)
(23:15) P1 – Está certo. Sim, imagino. (risos) Mas aí, Zé Luiz, você já conhecia o mundo das padarias, né, por causa do seu pai. Mas aí você entrou para fazer o que, na padaria? Atendimento ao cliente, compra, venda, o quê?
R – Não, eu faço tudo, eu fazia até pão. Tocava tudo que era lado, o que precisava fazer eu fazia. Só que, em 1979, quando nós viemos de São Paulo para cá, que nós abrimos a primeira padaria, que era a Pão de Mel, aí eu aprendi a fazer pão.
(24:02) P1 – Sim.
R – Entendeu? Eu aprendi a fazer praticamente quase tudo. Aí, depois abrimos outra padaria, ajudava a confeitar bolo também. Eu ia entendendo um pouquinho de cada coisa e eu ajudava todo mundo. Mas o meu forte é balcão.
(24:19) P1 – É balcão. Atender o cliente, né?
R - Isso. Atendimento direto a cliente. Uma porque eu falo muito, né? E tem outra: isso aí é o dom, né? Você nasce com dom. Não adianta, você nasce para o comércio ou não nasce. Tem pessoas que vêm trabalhar comigo aqui e que não dão certo. Não consegue, na hora de atender, né, fica... mas é assim que funciona, cada um no seu, né?
(24:50) P1 – Legal. E, nessa padaria, não sei se você lembra de mim, eu fui te visitar na sua padaria, antes de começar a pandemia. Uma semana antes de fechar tudo, eu fui lá e era na zona norte, né? Você me contou que, quando você montou lá, era um lugar meio longe da cidade, né? Era um lugar que logo depois já tinha sítio. Como é que foi essa ideia de estender para lá? Se você já tinha...
R – Essa ideia foi do meu pai. Não. O meu pai comprou uma área aqui, que tinha uma casa no fundo. E na época saiu um bairro aqui que chamava Solo Sagrado. Por isso que a padaria chama Padaria Pão Sagrado, em relação ao bairro. Mas estava começando, só tinha rua de terra, tinha pouca gente morando. E ele investiu aqui. São quinhentas e trinta ruas, é um bairro gigante. Ele investiu aqui e deu certo. Ele tinha sorte para negócio.
(25|:53) P1 – Sim, mas ele já visualizou que o lugar iria crescer, né?
R – Ah, ele era esperto para isso. Para isso ele era muito esperto. Aí ele comprou a área, nós fizemos primeiro a estrutura metálica e depois erguemos a padaria. Demorou um pouquinho, demorou dois anos.
(26:16) P1 – E você ficou aí e ele ficou na padaria, mais para o Centro da cidade? Como que vocês se dividiram?
R - Então, que aí eram três padarias e nós éramos em quatro sócios.
(26:29) P1 – Sim.
R – Você entendeu? Então, eu que fechava as padarias. Eu fechava essa oito e meia. Aí eu corria para a Ipiranga, onde meu primo Eugênio, fechava lá nove, nove e meia. Aí eu ia para a padaria onde ficava o outro meu primo, que meu pai, a essa altura, já estava em casa. Fechava dez da noite. Aí eu ia para casa. Aí no outro dia, quatro e meia, eu estava de novo na Padaria Ipiranga.
(26:59) P1 – Olha!
R – Era duro, não era fácil, não.
(27:02) P1 - O horário difícil, né? De todas as padarias.
R – Era. Eu trabalhava muito naquela época.
(27:10) P1 – Sim. E você me contou também que como tinha bastante sítio ali, teve uma vez até que o jornal fotografou uma vaca que entrou dentro da sua padaria.
R – É. A vaca era chamada de ‘Mocha’. É interessante, porque na frente da padaria tem um posto de gasolina hoje, na época era um terreno e essa vaca ficava por lá. E ela vinha aqui na padaria comer pão. E teve um dia que um cara chamou, né? “Não, eu vou chamar o jornal, o Diário da Região, para fotografar isso, porque é inédito”. Mas ela nunca tinha entrado na padaria. Mas aí eles falaram assim: “Não, vê se ela entra”. Aí eu a chamei lá dentro da padaria com uma bengala na mão e ela entrou.
(28:00) P1 – Sim. (risos)
R – Ela entrou e comeu e eles fotografaram. Saiu no Diário da Região no dia 30 de dezembro de 1989. Na capa, mesmo.
(28:12) P1 - Eu vou até marcar aqui: 30 de dezembro de 1989?
R - Isso.
(28:20) P1 – Legal.
R – Não é da capa, é da contracapa. Da parte de trás.
(28:24) P1 – Sim. Legal, eu vou procurar. Hoje está tudo digitalizado, eu vou procurar a foto também. E, Zé Luiz, como é que o negócio foi se desenvolvendo aí na Pão Sagrado? Demorou bastante para virar um bairro? Porque eu fui aí já era um bairro gigantesco, tem shopping aí, tem tudo, né?
R – Tem, demorou bastante tempo. É porque aqui... bom, como vocês não conhecem, vou contar mais ou menos a história. Aqui tinha uma dobradinha, dois prefeitos: Manoel Antunes e Toninho Figueiredo. Então, os dois iam comprando as áreas aqui em volta. Compravam baratinho. Aí, depois, vendia para a prefeitura carinho e montava um bairro. (risos)
(29:14) P1 – Sim. (risos)
R - O Toninho Figueiredo inaugurou o Solo Sagrado. Aí, o ‘Mané’ Antunes inaugurou o Jardim Antunes, entendeu? E assim foi. Então, foi crescendo mais por razões indevidas, sabe? Mas para mim, graças a Deus, né? Me ajudaram bastante. (risos)
(29:36) P1 – Foi para o lado da sua padaria, é verdade. (risos)
R – Foi para o meu lado, veio para o meu lado. (risos)
(29:43) P1 - Zé Luiz, e as outras padarias? O que aconteceu com elas, ao longo do tempo?
R – Então, a primeira padaria Ipiranga nós vendemos, porque o prédio não era nosso. Aí, na padaria América, o prédio era nosso. Só que o meu pai queria aposentar e eu casei. Então, eu trouxe meu primeiro sogro para cá, para trabalhar comigo nessa Pão Sagrado. E meus primos ficaram na outra padaria, então nós dividimos. Foi uma separação legal. Inclusive eles moram em cima da padaria. Nós construímos em cima. Então, ficou uma coisa legal, uma boa divisão, sem briga, sem nada.
(30:28) P1 – Legal.
R - Até ele trabalha comigo aqui. O meu primo, que era dono também, trabalha aqui comigo.
(30:38) P1 – Ah, legal. E você acabou de falar que aí, nessa época, você casou, né? Como é que você conheceu sua esposa?
R - A minha esposa conheci aqui em Rio Preto. A primeira, né? Através de uma amiga e tal e ela era de São Paulo, da Mooca.
(31:01) P1 - Essa não era da faculdade que você ia?
R – Não, aquela da faculdade, não. Aquela lá ficou em São Paulo. (risos)
(31:11) P1 – Tá certo. (risos)
R – (risos) Mas eu fui viajar com ela em 1986 para a Europa. Viajei vinte mil quilômetros de mochila com ela, de mochileiro. Tá vendo? Amor antigo. (risos)
(31:26) P1 – Sim, sim.
R - Mas ficou em São Paulo. Ficou na época. Depois eu vim para Rio Preto.
(31:34) P1- Mas a que você está hoje você conheceu em Rio Preto? Ou não?
R - Isso. E agora eu sou casado novamente. Conheço aqui de Rio Preto também.
(31:44) P1 – Ah, legal. E aí, quais que foram os desafios na Pão Sagrado? Como é que você conseguiu bastante cliente, era a única padaria ou você teve que fazer propaganda? Como é que você turbinou, né?
R – Não. Aqui é tipo uma vicinal antiga, né? Então, tinha muito sítio para frente e tal. Então, aqui era o caminho, né? Meu pai visualizou isso, era o caminho. Quando nós viemos para cá era tudo terra, não tinha asfalto, não tinha nada. Era terrão mesmo, nem ônibus num passava. O ônibus chegava aqui e parava, não passava. Quando chovia, acabava.
(32:30) P1 - Na lama.
R – É.
(32:31) P1 - E hoje, como é a sua clientela? Quem são seus clientes aí?
R – Olha, a maioria são vizinhos, até três quarteirões. Mas tem muita gente que vem de longe para ser atendido aqui. Agora mesmo veio um amigo meu, que ele saiu do outro lado para vir tomar cerveja, só para você ter uma ideia. Mas é carisma, né? Isso aí você tem que conquistar, né? Durante esses trinta e dois anos acho que eu conquistei bastante coisa. Muitas amizades, entendeu? Evitando ao máximo inimigos, graças a Deus.
(33:09) P1 – Claro. E você tem uma vantagem, que eu percebi, que você mora aí também, né?
R – É, moro aqui do lado.
(33:17) P1 – Pertinho. Então, você é uma pessoa conhecida do bairro mesmo, não só pela padaria, né? Isso leva mais gente.
R – É, mais pela padaria, né? O pessoal me conhece mais por aqui, mesmo. É muito tempo aqui, né?
(33:33) P2 - José, eu fico curioso assim, como você falou, você passou por várias padarias, imagino que vários estilos diferentes. Como é que você pode dizer um pouco desse estilo da Pão Sagrado? Ela se modificou ao longo dos anos, vocês têm diversos tipos de produtos, você pegou um pouco da onde você trabalhou? Como que você pode falar, assim, sobre esse desenvolvimento aí da padaria?
R - Aqui já aconteceu de tudo, viu? Primeiro era uma padaria básica, né? Aí depois teve uma época que nós começamos a fazer show, videokê. Aí, meu filho, isso aqui lotava até uma e meia da manhã, duas horas, era uma doideira. Aí, depois nós paramos com isso, tivemos um problema com um policial vizinho, sabe, que não queria. Aí nós resolvemos parar. Mas já teve várias fases. Teve fases boas, fases que caiu bastante o movimento. Por exemplo: quando começou a abrir muito mercado para cá, a nossa venda de pão caiu bastante, em relação a preço, né? Então, a gente pondera tipo na qualidade, né? Nossa qualidade é a mesma, igual de 1965. A única diferença é que antes não tinha fermento e agora tem, a gente põe fermento na massa, mas o descanso da massa e tudo é igual antigamente. Por exemplo: o pessoal congela pão. Isso aqui não tem. Aqui a gente chama de ‘massa direta’, sabe? A gente faz o pão, espera crescer e assa. Igual em casa. Não tem esses retardamentos, essas coisas que antigamente existiam, né?
(35:18) P2 – E que horas que começa essa produção aí do pão, diariamente?
R - Quatro horas da manhã. O padeiro chega às quatro. Só que aqui nós fizemos uma mudança. As padarias aqui em volta abrem às seis horas. Eu abro às sete. Só que elas fecham nove e dez e eu fecho meia-noite. Então, digamos assim: o que eu perco de manhã, eu ganho à noite. Aí quando veio a pandemia me atrapalhou um pouco, porque o pessoal não pode ficar mais bebendo até meia-noite, né? Mas a gente dá um jeito, né? Vende aqui meio...
(35:57) P1 – Sei. Dá uma meia abridinha na porta, né? Eu sei. (risos)
R – (risos) É o jeitinho brasileiro.
(36:04) P1 – Sim. (risos) E o carro-chefe, óbvio que deve ser o pão, né? Mas que mais que vende bastante? Doces, salgados? O que você tem aí? O que mais?
R – Doce, pão doce. Salgado a gente também tem bastante salgado, pizza. A pizza vende bastante também. Mas é pedaço aqui, não é para entregar, não é para levar, só se a pessoa encomendar. Mas é padaria mesmo, basicão. Mas vende bastante, o pão, graças a Deus.
(36:39) P1 - E tudo feito aí?
R - Tudo feito aqui. Não, desculpa. O salgado, não. O salgado eu terceirizo. Inclusive uma pessoa que já trabalhou comigo, que abriu uma firma e fabrica. E são ótimos os salgados.
(36:56) P1 – Que legal! E como é que você faz propaganda? Ao longo do tempo isso foi mudando, né? Hoje em dia tem muita rede social. Mas você punha anúncio no rádio, no jornal, folhetinho?
R - Eu tenho até vergonha de falar para você, como publicitário. Eu só tinha cartãozinho. Mas você há de entender. Quer ver? Além dos meus amigos, ninguém vai sair de outro bairro para vir buscar pão aqui. Ou o cara mora vizinho de uns três, quatro quarteirões, ou ele está de passagem. Porque senão ele vai em outra padaria, é complicado esse negócio. Hoje em dia tem muita concorrência, né? Combustível no preço que está, então o cara vai ponderando, né? Só os amigos mesmo que vem de longe, o resto é daqui. Mas a melhor propaganda boca-a-boca, né? “Ó, vai lá que aquele pão é maravilhoso”. Então, é isso aí, não mudou muito, não.
(38:03) P1 - É, né? Ainda mais no comércio de bairro, né? Como você disse, comércio de bairro todo mundo já está sabendo. Quando você fazia a noite musical aí, o karaokê, aí precisava fazer uma propaganda para atrair mais gente? Ou não?
R – Não. (risos)
(38:22) P1 – Não? Já ia...
R – Não. (risos) Porque começava o barulho assim, os caras paravam o carro, meu. Os caras: “Nossa, olha o furdunço. Vamos parar”. E parava. Era muito dez, muito gostoso. Só que era cansativo para caramba, né? Tipo: eu chegava a vender vinte caixas de cerveja numa noite. Era muita cerveja. Ia comprar cerveja, comprava de cem caixas. O bicho pegava mesmo, não tinha dó, não. Neguinho queimava dinheiro, mesmo. Mas...
(39:00) P1 - E rede social? Você usa rede social?
R – Não.
(39:07) P1 – Na padaria, não?
R – Não. Tem no Google, se você entrar, Pão Sagrado, você vai ver, mas só.
(39:14) P1 - Vai ter lá?
R – Não tenho.
(39:16) P1 – Sim.
R – É, aparece lá horário, essas coisas, mas só isso.
(39:21) P1 – Sim.
R – Assim, eu não tenho um grupo da padaria, um Whatsapp: “Grupo da Padaria Pão Sagrado” e tal. Postar foto e toda a produção.
(39:33) P1 – Sim, sim. E, Zé Luiz, durante todos esses anos o Brasil passou por um monte de crises econômicas, né? Você passou por todas elas, né? Porque você pegou a época do cruzado, eu acho, né, já, do Sarney? Você já estava com a padaria aí?
R – Sim. Esse homem quase me matou. Ele quase me matou.
(40:00) P1 – Por quê?
R – Por exemplo: ele tabelou tudo, né? Ele não queria saber o preço de nada. Por exemplo: eu vou citar creme dental, que eu me lembro muito bem. Eu paguei um real. Um exemplo. Ele tabelou a noventa centavos. Quer dizer: aí eu me ferrei, aí eu me ferrei, eu entrei no vermelho, mas entrei com força. Aí naquela época tinha o overnight, overday. Aquelas loucuras de juros e tal. E eu entrei no Banco no tal de hot money, que era dinheiro para pagar, porque eu estava vendendo tudo no prejuízo. E vinham aquelas fiscais do Sarney, aquelas ‘véinha’ com as tabelas na mão, eu falei: “Meu Deus do céu, o que eu vou fazer?” Aí tinha gente que vendia com ágio, né? Que nem, não tinha cerveja. Mortadela, o cara chegava na padaria e falava assim: “Quanto que é a mortadela?” Eu falei assim: “Cinco reais o quilo” “Ah, corta um quilo” “Rapaz, um quilo?! Você vai levar dez pães” “Corta um quilo, não tem problema, deixa sobrar” Então, era muito difícil. Foi uma época que eu passei apurado, mesmo. Nós pensamos que íamos perder tudo. Graças a Deus que depois conseguimos reverter a situação. Mas foi uma situação... 1985 para nós foi muito ruim, muito ruim... 1984, 1985, foi trash.
(41:40) P1 - Depois teve a poupança do Collor. Essa aí não te afetou tanto assim, ou afetou?
R – Ah, então, mas eu podia pagar as coisas, né? Eu não podia retirar o dinheiro, mas podia pagar, então fomos levando. O Collor me ajudou, porque, por exemplo, os carros, que ele falava que eram uma carroça. Aí você viu, trouxe um monte de carro bonito para cá. Aí ele conseguiu parcelar, que nem, passagens aéreas. Aí a minha lua de mel foi na Europa. Aí ó, tá vendo, ele me ajudou. O Sarney me ferrou, mas ele me ajudou. Ele foi um lazarento, mas me ajudou. (risos)
(42:20) P1 – E como é que foi a sua lua de mel na Europa? A sua mulher não é portuguesa, ou é? Sua esposa.
R – Não, ela é descendente de italianos. A família Vecchi. Aí eu tenho parente na França, tenho parente em Portugal, tenho amigos na Espanha. Então, foi um passeio gostoso, divertido. Mas a levei também na Itália.
(42:44) P1 – Que legal!
R - Fui até em Veneza, numa casa lá que é o mesmo sobrenome que ela. E não é parente dela, mas assina Vecchi também. É, curiosidades, né?
(42:56) P1 – Sim.
R – É, foi bom.
(42:58) P1 - Zé Luiz, o mais difícil na profissão do comerciante é como que se coloca preço numa coisa, né? É uma ciência, né? Você sabe que você está comprando tanto de matéria-prima, quanto é que eu vou vender o pão, quanto é que eu vou vender o biscoito. Você já teve sempre isso claro na cabeça ou é difícil para burro?
R – Não, é meio complicadinho, não é uma coisa muito simples. Porque tem produtos que você consegue colocar a margem de lucro um pouco maior. E tem outras que você não pode. Por exemplo: você não pode intitular 50% em cima de tudo. Não, isso não. E agora, com muitas mudanças tributárias, começa a complicar mais ainda, porque muitos produtos aumentaram muito o preço e você não consegue repassar. Se você repassar, você não vai vender. Então, fica muito difícil, aí você tem que diminuir a margem de lucro e tal. Mas o que faz é fácil. Você põe o produto lá. Você mesmo vai perceber que aquela coisa está muito barata. Você pode aumentar um pouquinho, que a pessoa vai aceitar, entendeu? Tem coisas que você não pode aumentar. O pão precisa tomar cuidado, porque os mercados, tem alguns uns dias por semana que vendem muito mais barato, entendeu? Por exemplo: eu vendo a onze e cinquenta o quilo do meu pão. Tem supermercados que vendem, num dia da semana, a quatro e noventa.
(44:48) P1 – Nossa!
R - Aí minha venda de pão também cai. É complicado. O mercado é pertinho daqui. Então, a questão de preço é difícil.
(45:00) P1 – É uma concorrência que acaba sendo desleal, né? Porque eles não precisam lá, eles vão vender o resto, né?
R – É, um negócio desses é chamarisco, né? É chamar para dentro do mercado. Haja visto que as padarias de mercado são sempre no fundo, nunca é na frente. Para ir na padaria tem que passar e visualizar tudo. (risos)
(45:23) P1 – Olha, nunca tinha prestado atenção nisso, mas assim, não sabia o porquê. Mas é no fundo, porque você tem que passar por tudo, né?
R – Tem que passar e ir pegando. É o marketing.
(45:40) P1 - Sim. Zé Luís, e quanto à pandemia, né? O ano passado começou com esse negócio, o vírus, né? E como é que isso te afetou e como você conseguiu enfrentar isso, né? O que você precisou fazer?
R - Foi complicado, porque nós tivemos que mudar tudo, o sistema de trabalho e tal. O meu lucro caiu muito, porque caiu muito a venda. Eu tinha, obviamente, um suporte, porque senão, por exemplo, se o prédio aqui não fosse meu, talvez eu tivesse que ter fechado, entendeu? Porque um aluguel nessa área aqui é um pouco caro. Se eu tivesse que estar pagando, eu talvez não fosse dar conta. Porque, por exemplo, que nem cerveja, o estoque de cerveja que eu tinha ficou tudo encalhado, não podia vender. E coisas desse tipo. Que nem o estoque de farinha. Foi meio complicado. Por isso que muita gente fechou aqui na nossa região. Porque, quem não tinha uma estrutura certinha, boa, complicou. Muita gente aqui abandonou, mesmo, largou, não tinha condições nem de pagar aluguel.
(47:05) P1 - E os funcionários? Quantos funcionários você já chegou a ter? Quantos funcionários você precisa, para fazer a padaria funcionar?
R – Então, não são muitos. Eu já tive assim... porque também a estrutura ajuda, né? Mas que nem, eu não atendo mesa, eu só fico no balcão. Então, a gente trabalha mais ou menos três no balcão, porque também não cabe mais, senão fica trombando. Então, na seleção você tem que escolher ‘fininho’, se for meio avantajado, não passa. (risos) Tromba um com o outro, né? Mas a maioria é três, às vezes a gente pega alguém provisório lá fora. Quando, por exemplo, final de semana, um feriado, às vezes tem, serve... a gente não, eu aluguei um espaço para uma pessoa fazer refeição. Então faz espeto, serve refeição. Então, às vezes a gente põe alguém especial, uma pessoa, um coringa, né, para servir as mesas, essas coisas. Mas aqui dentro da padaria trabalha em um, talvez dois, no máximo, por causa da produção, né?
(48:22) P2 - E você comentou que, por exemplo, os funcionários seus para trabalhar no comércio às vezes uns não dão jeito. Você falou, né, que uns parece que não dá, não nasceram para isso. Na cozinha você trabalha só com gente que já trabalhou na cozinha? Ou vocês também já chegam e ensinam o pessoal? Ou é sempre o pessoal que já tem certa experiência e vocês não fazem essa parte?
R – Então, essa parte de cozinha eu não tenho aqui, né? Só tenho padeiro. Essa parte de comida quem tem é o rapaz que alugou um espaço do lado de fora. Eu tenho um espaço do lado de fora, então ele cozinha. Mas ele é cozinheiro. O cara é chique, é parente, primo da minha esposa atual, entendeu? E ele pegou esse espaço, ele paga aluguel para mim. Eu não tenho nada a ver com ele, mas ele cozinha muito bem.
(49:17) P2 – Ah, sim.
R – Entendeu? Então, a gente tem, nessa fase, a gente pode pôr as mesas para servir refeição e a gente serve bebida também, né? Restaurante pode abrir até às sete. Então, a gente fica aberto.
(49:29) P2 – Sim.
R - Mas ele cozinha bem. Agora, a mão de obra dentro de cozinha, eu tenho uma balconista minha, que é cozinheira também, então às vezes eu preciso fazer uma pizza, alguma coisa, ela se vira bem para caramba também. Cozinha industrial também.
(49:44) P1 – Certo. E o padeiro é difícil? Arrumar padeiro bom. O cara tem que ter a manha ou tem que fazer um curso, tem que ser técnico, já? Como é que é?
R – Ah, padeiro é um bicho meio difícil, viu? Às vezes o cara faz um curso técnico e não dá certo, entendeu? Porque a farinha muda muito, sabe? Cada safra de farinha é de um jeito, o fermento vem de um jeito também, que é vivo, né? Então, é complicado. O cara tem que entender muito, sabe? Tipo assim, de pôr a mão na farinha assim já e falar: “Essa farinha aqui está muito úmida, está muito seca”, e assim vai. Faz uma massa depois, já vê o que está acontecendo. E aí vai preparar outra receita para ver, entendeu? Se põe uma que tem mais fermento, se põe um açúcar, você entendeu? Porque tem farinhas que o pão sai tipo muito branco e seco, aí você tem que acrescentar um pouco de açúcar, que é para ele dourar mais rápido no forno. Aí ele perde menos água. Mas isso é coisa de padeiro mesmo, isso vai aprendendo aí.
(51:02) P2 – E é um padeiro só, o mesmo padeiro aí todo dia?
R - É, o meu é.
(51:07) P2 – E faz tempo já que ele trabalha, assim, com vocês? Você não muda muito, sei lá. Ele já conhece a casa aí também?
R - Oito anos.
(51:15) P2 – Ah, tá.
R - Está há oito anos aqui, entendeu? Eu acho que ele não quer sair, não. Acho que eu que vou sair com ele, primeiro. (risos)
(51:29) P1 – (risos) E o público? Você acha que o público conhece essas diferenças do pão?
R – Ah, conhece, né? Já vai falando. Ele fala: “Olha, eu quero mais moreninho”, que ele gosta mais seco, né? “Olha, eu gosto mais branquinho”. E a gente, quer dizer, fideliza, né? Eu já sei o freguês que eu tenho. Então: “Espera aí, que eu vou buscar para você”. Então, tem uns que gostam do pão do meio, alguns não gostam da ponta, outros já gostam da ponta e assim vai. Então, você fidelizando o cliente, o chamando pelo nome e sabendo o que ele quer...
(52:14) P1 – Sim.
R - ... não tem jeito dele sair daqui.
(52:16) P1 – É verdade.
R – O cigarro que ele fuma, a cerveja que ele toma. Aí é mais fácil. E ter boa conversa, né? Conversando bem, ter história para contar. (risos)
(52:26) P1 – É verdade.
R - Tudo isso é importante.
(52:30) P1 - E a tradição das padarias, lembra que existia - você pegou isso aí já, pelo menos com o seu pai - a caderneta, você já teve isso? A pessoa marca na conta, paga...
(52:42) R – Eu tenho.
P1 – Ah, existe ainda?
(52:45) R – Eu tenho ainda. Eu tenho.
P1 – Era muito comum no comércio, né?
(52:50) R – Não é pouco, não. Antigamente era cadernetinha.
(52:52) P2 – O pessoal paga certinho?
R – Ah, tem uns que furam, né? Mas paciência. Mas hoje é ficha, né? Eu tenho uma ficha e eu vou anotando. Mas a cadernetinha era fatal. Chegava no final do mês, o cara mandava somar e pagava mesmo, não tinha erro. Em São Paulo, principalmente, era feroz. Eu não sei se vocês vão relatar isso, mas minha família teve comércio em Populina, cidadezinha bem pequena e o pessoal marcava na caderneta e só pagava na safra, quando eles vendiam a safra.
(53:38) P1 – Ah é? (risos)
R – Entendeu? E a safra era de seis em seis meses. O cara bancava o outro seis meses. Arroz, feijão, óleo, gordura, jabá, que vendia bastante, para pagar depois de seis meses. Aí era complicado.
(54:01) P1 - Eu já tinha ouvido falar dessa história, porque o pessoal das fazendas de café e tal, depois que foi passando um tempo, eles trabalhavam de meieiro, né? Então, esse povo recebia também de seis em seis meses, né? Aí ia pagar. (risos)
R - É complicado. Mas a maioria morava na fazenda. Aqui, quando eu abri a padaria, tinha um ‘seu’ Mário Takara, ele tinha uma fazenda aqui que era uma colônia. Ele vinha fazer compras aqui, ele trazia dois tratores com as carretinhas cheia de mirolada. Mirola é quem pega algodão. Ele trazia (risos) o povo tudo para fazer compras aqui. E parava aqui na padaria. Era uma baderna que eu ficava louco, puta bagunça. Mas era uma época. Mas ele pagava por mês, ele não dependia da safra dele, entendeu? Já era bem diferente, mas era uma colônia, tinha tudo lá dentro, só não tinha comércio, mas tinha toda a infraestrutura para eles.
(55:15) P1 - Legal. Zé Luiz, e quanto ao futuro? Você pensa o que, assim, que você pode melhorar a padaria ou você pode abrir filiais? Ou abrir em outras cidades? Você pensa sobre isso?
R - A padaria eu vou vender.
(55:32) P1 – Ah, é? (risos)
R- É. Eu vou abrir um bar agora. Eu tenho uma chácara próxima daqui, eu vou abrir um bar lá na chácara.
(55:45) P1 - Que legal!
(55:46) P2- Faz tempo, sempre teve esse sonho de abrir um bar ou surgiu de repente isso daí?
R – Não, começou agora, depois da pandemia. Porque lá é uma estrada boiadeira. Faço tripé. E lá passa trilha a pé, passa bike, passa moto. Então, lá não tem nenhum lugar assim legal para estacionar, para tomar uma água, um suco. Então, minha esposa deu a ideia da gente montar um bar lá na chácara. E é em frente a um jatobá. Então, o bar vai chamar Jatobar Trilhas.
(56:25) P1 – Legal.
(56:26) P2 – Muito bom!
R – Acho que daqui uns três meses já vai estar funcionando.
(56:30) P1 – Que legal!
R - Eu quero ver como que eu vou dar conta, né, de cuidar da padaria e do bar ao mesmo tempo. É complicado.
(56:34) P1 – Sim. O bar vai ser mais de final de semana, né? O pessoal que anda de bike.
R – Não, lá tem trilha todo dia.
(56:43) P1 – Ah, é?
R – Tem trilha todo dia. Deve ter uns quinze condomínios lá em volta. Então, o pessoal sai ali naquela trilha direto. E é uma volta legal, bonita. Vamos nessa, vamos ver o que vai acontecer. (risos) Tomara que dê certo!
(57:04) P1 – Tá bom. Zé Luiz, e o que você gosta de fazer, quando você não está trabalhando? O que você gosta de fazer na vida?
R – Beber.
(57:16) P1 – Tomar uma cerveja?
R – Beber. Oxi, nossa Senhora! Ficar com os amigos, fazer churrasco. Eu gosto de ficar na minha chácara, gosto de pescar. Nesse próximo domingo é Dia das Mães, eu vou ficar com a minha mãe, mas no outro domingo eu vou pescar numa fazenda.
(57:34) P1 – Ah, que legal, gosta de pescar, mas você pesca aqueles peixões grandes mesmo ou só peixinho? Você manja?
R – Não, peixe grande. Ali na fazenda tem bastante. Mas vamos ver se pesca, né?
(57:52) P1 – Sim.
R - Mas é bom, só de ir para cá, relaxar, já está chique. Já vale a pena.
(57:56) P1 – Beleza.
R- É pertinho.
(57:59) P1 – Guilherme, você tem mais perguntas para fazer, que você gostaria?
(58:05) P2 - Não sei, José, se você tiver mais alguma coisa para falar também, eu gostaria só de, assim... achei bem legal o papo todo, né? A influência portuguesa aí na sua família, né? Não sei. Faltou a gente falar alguma coisa aí sobre a Pão Sagrado, sobre essa história aí, José? Tem alguma coisa aí que você gostaria de citar?
R – Não, acho que eu falei tudo. Eu falei do meu pai, né? Que foi ele que imaginou, né? Empreendedor.
(58:36) P1 – Sim.
R - E se não fosse a ajuda da minha mãe também, acho que não tinha acontecido, porque a força da mulher é importante. Mas eu acho que a garra da família, de todo mundo ajudar. Acho que foi importante isso.
(58:57) P1 – Legal.
(58:58) P2 – Bacana.
(58:59) P1 – E o que você achou de dar essa entrevista e saber que agora sua história vai ficar num museu, no maior museu virtual do mundo? Museu de Histórias de Vida.
R – Ah, a história é ótima, né?
(59:14) P1 – Sim, sim.
R - Eu fico o dia inteiro contando história. O pessoal fala que eu sou uma enciclopédia de história, né? Tenho história para tudo que é lado. Então, é importante, eu fico muito contente, agradeço a vocês.
(59:36) P1 – Legal. Zé Luiz, nós que gostaríamos de te agradecer. Muito importante o comércio na região da zona norte de Rio Preto, muito legal. Gostamos muito da sua entrevista. E o nosso fotógrafo aí do Sesc de Rio Preto vai entrar em contato contigo, para um dia, mais para frente aí, fazer uma sessão de fotografias aí com você na padaria, tá?
R1 – Está ótimo!
(01:00:04) Se você tiver fotos antigas que ele possa copiar e te devolver, para a gente poder colocar no material que vai sair, de toda essa pesquisa, tá legal?
R - Está ótimo, eu vou verificar. Eu devo ter, acho que eu tinha duas fotos só do prédio antigo, como que era.
(01:00:22) P1 – Não, mas se você achar. Senão, ele faz a sessão de fotos aí mesmo, com você do lado.
R - Está ótimo.
(01:00:33) P1 – Então, falou, muito obrigado, José Luiz. Agradeço muito, viu?
R – Obrigado vocês, foi um prazer, viu? Quando vocês estiverem em Rio Preto, venham me visitar aqui.
(01:00:42) P1 - Faço questão, vou tomar uma cerveja aí.
(01:00:43) P2 – Opa! Com certeza iremos um dia, José. Muito obrigado! Foi um prazer! Tchau, tchau.
R - O prazer é meu, tá? Tudo de bom, obrigado! Tchau.
(01:00:53) P1 – Tchau!
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