P/1 − Bom dia dona Angela, vamos começar falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R − Meu nome é Angela Fioravante, eu nasci em 09/01/1949 em São Paulo.
P/1 − Qual a sua atividade atual?
R − Eu sou consultora e eu presto serviços para o Instituto Avon.
P/1 − Qual o nome dos seus pais?
R − Meu pai se chamava Arlindo Fioravante e minha mãe se chama Inês Diego Fioravante.
P/1 − E qual era a atividade profissional deles?
R − Meu pai era servidor público e minha mãe, como eu costumo dizer, gerencia a família toda.
P/1 − E qual é a origem da sua família, de onde ela vem?
R − Meus bisavós paternos vieram da Itália e o meu avô materno era libanês, chegou ao Brasil com 19 anos, veio do Líbano.
P/1 − Nossa que interessante! E a senhora tem irmãos?
R − Eu tenho dois irmãos, eu sou a mais velha, tem o Rogério, depois o caçula, o Arlindo que está com cinqüenta e poucos.
P/1 − Novo.
R − Novo(risos).
P/1 − Vamos falar um pouquinho da sua infância, onde a senhora morava?
R − Eu morava na Zona Norte, perto de Santana, num lugar chamado Vila Ester, que ficava entre Jardim São Bento, Imirim, por aí.
P/1 − A senhora lembra como era casa, o cotidiano da família naquela época?
R − Eu tive uma infância maravilhosa porque morava numa rua que não era asfaltada. Eu tinha um pátio, um lugar maravilhoso pra brincar, nós tínhamos um grupo grande de criança, então eu fui criada brincando na rua, com várias crianças e com festa junina na rua, com fogueira, então eu tenho ótimas recordações da minha infância.
P/1 − Que bom, e qual era a sua brincadeira preferida?
R − Pular corda, andar de bicicleta, carrinho de rolimã, fazer pipa, soltar pipa...
P/1 − Tá bom, a senhora falou que tem muitas lembranças boas dessa época, cita algumas pra nós.
R − Ah, as festas...
Continuar leituraP/1 − Bom dia dona Angela, vamos começar falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R − Meu nome é Angela Fioravante, eu nasci em 09/01/1949 em São Paulo.
P/1 − Qual a sua atividade atual?
R − Eu sou consultora e eu presto serviços para o Instituto Avon.
P/1 − Qual o nome dos seus pais?
R − Meu pai se chamava Arlindo Fioravante e minha mãe se chama Inês Diego Fioravante.
P/1 − E qual era a atividade profissional deles?
R − Meu pai era servidor público e minha mãe, como eu costumo dizer, gerencia a família toda.
P/1 − E qual é a origem da sua família, de onde ela vem?
R − Meus bisavós paternos vieram da Itália e o meu avô materno era libanês, chegou ao Brasil com 19 anos, veio do Líbano.
P/1 − Nossa que interessante! E a senhora tem irmãos?
R − Eu tenho dois irmãos, eu sou a mais velha, tem o Rogério, depois o caçula, o Arlindo que está com cinqüenta e poucos.
P/1 − Novo.
R − Novo(risos).
P/1 − Vamos falar um pouquinho da sua infância, onde a senhora morava?
R − Eu morava na Zona Norte, perto de Santana, num lugar chamado Vila Ester, que ficava entre Jardim São Bento, Imirim, por aí.
P/1 − A senhora lembra como era casa, o cotidiano da família naquela época?
R − Eu tive uma infância maravilhosa porque morava numa rua que não era asfaltada. Eu tinha um pátio, um lugar maravilhoso pra brincar, nós tínhamos um grupo grande de criança, então eu fui criada brincando na rua, com várias crianças e com festa junina na rua, com fogueira, então eu tenho ótimas recordações da minha infância.
P/1 − Que bom, e qual era a sua brincadeira preferida?
R − Pular corda, andar de bicicleta, carrinho de rolimã, fazer pipa, soltar pipa...
P/1 − Tá bom, a senhora falou que tem muitas lembranças boas dessa época, cita algumas pra nós.
R − Ah, as festas na rua, as festas juninas. A vizinha se reunia e as mães faziam bolo, faziam pipoca, faziam doce, a gente montava a fogueira, era muito bom e com muita liberdade, e então a gente brincava bastante, eu tinha as minhas primas, adorava passar férias na casa das minhas primas porque nós brincávamos, tínhamos uma imaginação fértil. Naquela época, não havia televisão, então a nossa imaginação era fértil, nós brincávamos de teatrinho, brincávamos de pular corda, conversávamos muito, então a convivência era muito grande, nós tínhamos uma convivência com as pessoas mais próximas, nós tínhamos um contato mais próximo com as pessoas.
P/1 − E essas primas, moravam onde?
R − Moravam perto de casa.
P/1 − E essas festas eram todas feitas na rua?
R − Na rua.
P/1 − Então não tinha trânsito?
R − Não, não, era uma rua que não tinha muito trânsito. O trânsito ficava mais na avenida, então ali, a gente podia fechar a rua, e tinha casa só de um lado, do outro lado era um terreno, que a gente chamava “chácara dos padres”, a gente podia entrar, brincar, bem arborizado e dava assim, um ar bucólico para o bairro, né, o bairro era bem bucólico, estava longe de ser uma cidade que é hoje, longe de ser uma cidade que é hoje...
P/1 − Era bem melhor?
R − Ah sim, era bom, muito bom.
P/1 − Que bom. E a senhora começou estudar com quantos anos?
R − Com sete anos eu fui para o primário, naquela época. Já fui mais ou menos conhecendo bem a cartilha, porque nós usávamos cartilha e a minha mãe ensinava, começou me ensinar em casa, eu comecei a aprender a ler em casa.
P/1 − Certo, e como que era a escola?
R − Era uma escola pública, muito organizada, hoje eu tenho sentimento de tristeza quando vejo o descuido com o ensino, com as escolas em geral, e porque eu me lembro do cuidado da minha escola. Minha escola era muito bem cuidada, tudo limpinho, tudo organizado, as professoras sempre foram muito amáveis, amigas, eram enérgicas, mas tinham uma disciplina, mas a gente confiava, eu confiava muito nas professoras, e gostava muito delas.
P/1 − E era no bairro?
R − Era. Era no bairro. Me lembro que eu morava assim bem distante da escola, tinha que fazer um trajeto bem longo, mas a minha mãe me levou com sete anos apenas duas, três ou quatro vezes, depois eu já ia sozinha a pé, e atravessava avenidas, com sete anos. Então, naquela época, nós tínhamos essa liberdade de ir e vir, que hoje em dia, infelizmente a criança não tem.
P/1 − É verdade.
R − E eu acho que é essa liberdade, traz um amadurecimento, traz uma autoconfiança, melhora a autoestima da pessoa.
P/1 − E a senhora fez o primário na escola, ou fez...
R − Fiz o primário, fiz o ginásio, porque na época era ginásio, depois eu mudei para uma outra escola para fazer o colegial, aí eu já fui num lugar bem mais distante e eram acho que dois ou três bairros a frente do meu, e diferente do meu e eu ia a pé, fazia esse percurso a pé. Se eu fizesse, quisesse utilizar ônibus, eu teria que tomar duas conduções, dois ônibus, um até Santana e um outro pro Alto de Santana, onde era o colégio que eu estudava.
P/1 − Aí a senhora fez colegial?
R − Eu fiz clássico, naquela época ainda. Logo quando eu terminei o clássico, foi unificado para o segundo grau, mas aí eu já estava no término do clássico e eu já entrei na faculdade, eu fiz serviço social numa faculdade agregada da PUC, e enquanto eu estava fazendo a faculdade, eu já entrei na Avon pra fazer meu estágio e aí eu fiquei.
P/1 − E o que é que influenciou a senhora escolher essa carreira?
R − Bom, eu não sei, acho que era um pouco pensamento mágico, porque quem faz serviço social quer resolver os problemas do mundo e tinha uma coisa naquela época, a situação não chegava nem perto do que é hoje, mas me incomodava muito ver os homens na rua, homem abandonado, homem de rua, jogado dormindo no chão! E eu acho que naquele meu pensamento de jovem, eu queria trabalhar com isso, para promover melhores condições de vida para o homem de rua. Mal sabia eu que a situação ia se agravar e hoje temos famílias inteiras morando na rua em condições precárias. Infelizmente.
P/1 − Em que ano que a senhora fez a faculdade?
R − Em que ano? Eu acho que em 1967,1968. Em 1971 estava terminando.
P/1 − A senhora fez mais algum curso depois?
R − Fiz vários cursos, mas assim, não fiz uma especialização formal, fiz inúmeros treinamentos, capacitações... Comecei a fazer uma faculdade de administração de RH, até foi interessante porque eu fiz um vestibular e não comentei com ninguém, porque fazia muito tempo que eu não voltava a escola, a faculdade, mas aí eu não consegui concluir. Na época do plano Collor, depois começou a aumentar muito e eu pagava já a escola pro meu filho, tive que optar, ou eu continuava a faculdade ou eu pagava a escola do meu filho, então eu parei de fazer administração, mas fiz inúmeros cursos, inclusive curso sobre terceiro setor, fiz dois cursos de extensão mesmo, um na GV e outro na faculdade de saúde pública, que foram assim, bem interessantes para minha atividade atual.
P − E com quantos anos, a senhora começou a trabalhar?
R − 18.
P/1 − Com 18, na faculdade já?
R − Não, eu estava no colegial ainda, eu estava terminando o clássico.
P/1 − E qual foi o seu primeiro emprego?
R − Eu trabalhava em banco, eu brinco que, eu trabalhei ali na Álvares Penteado, Boa Vista, então eu ia de banco em banco, onde pagava mais eu mudava.
P/1 − Ah é?
R − Então eu trabalhei em vários bancos ali, trabalhei num Banco Alemão, trabalhei no Banco Transatlântico, trabalhei no London Bank. E do Banco Alemão, eu saí para ir trabalhar na Avon.
P/1 − E como que a senhora começou a trabalhar na Avon? Como foi isso?
R − Como foi? Eu ganhava bem no banco, tinha um ótimo salário pra minha idade, pra minha experiência, lógico. Mas eu precisava fazer um estágio e eu estava procurando desesperadamente. Eu fiquei sabendo de uma vaga, num laboratório, em Santo Amaro, e fui pedir licença no banco e fui fazer o teste, e encontrei com uma amiga minha, amicíssima, uma colega de grupo também fazendo o mesmo teste, então ficamos as duas assim sem saber o que fazer. E a assistente social na época, me entrevistou e entrevistou minha amiga, e ficou muito em dúvida quem ela iria escolher, e ela escolheu minha amiga, e eu fiquei assim, frustradíssima a época, porque era um estágio, era um valor bem próximo daquilo que eu recebia no banco, porque os estágios que eu estava encontrando eu ia ganhar 50% menos, e eu que custeava meus estudos, quer dizer, eu me mantinha já naquela época, fiquei assim chateada. E a noite eu procurei a coordenadora do grupo de estágio, eu falei pra ela, “ah, eu não consigo achar...” ela disse “olha acabei de ouvir que a Avon está procurando uma estagiária”. Já no dia seguinte eu estava na Avon. E aí foi ótimo, amei a empresa, fui muito bem recebida, e logo eu fui admitida e foi melhor do que o outro, porque era um estágio de um ano, e na Avon eu já entrei como funcionária. E o estágio, naquela época não me lembro mais qual era a moeda, mas vamos supor, o estágio era de oitocentos reais, se eu ganhava mil reais no banco, mas eu, fui muito questionada “como que você quer vir pra cá, pra ganhar menos?” eu expliquei que queria fazer o estágio, e a minha surpresa foi quando peguei minha profissional eles não diminuíram meu valor, eles me deram os mil reais, então naquela época existia esse cuidado do empregador, pelo menos na Avon. Essa sorte eu tive, de eles terem esse critério de não diminuir meu salário, recompensar a minha opção, foi muito bom.
P/1 − E a senhora conhecia Avon antes disso? Antes de ir pra lá?
R − Conhecia porque tenho uma tia que vendia Avon, eu tinha umas pessoas conhecidas. E eu, desde criança, sempre fui muito vaidosa, sempre gostei muito de produto de beleza, e eu ficava encantada com tudo, sempre gostei. Mas nunca imaginei que um dia eu fosse trabalhar na Avon. E aconteceu um fato interessante comigo: meu pai, quando eu era criança, jovem adolescente, ele tinha por hábito reunir os filhos, pôr no carro e passear. E um dia ele foi passear, queria pescar. Ele foi lá pelo lado de Interlagos, mas procurando a represa que também não conhecia muito bem, mas acho que ele ia lá pra longe, em alguma chácara, e eu passei em frente a Avon. A Avon acho que estava sendo construída ainda, e eu não sei, olhei pra aquele lugar lindo, eu achei tão bonita, aquela frente da fábrica, falei: “Nossa, tomara que aqui tenha serviço social, porque eu quero trabalhar aqui, que eu já sabia que eu ia fazer serviço social, ‘um dia eu vou trabalhar nessa empresa’. Então foi, eu nem lembrava disso, depois que cheguei na Avon pra fazer a minha primeira entrevista, é que eu percebi, que eu lembrei, que era ali que tinha passado, e eu acho que algum anjinho falou ‘amém’, eu trabalhei lá 35 anos”.
P/1 − E qual foi a primeira impressão que a senhora teve quando chegou lá na Avon?
R − A melhor possível, sabe, uma empresa linda, muito organizada, eu nunca tinha entrado numa empresa, antes eu só tinha trabalhado em banco, embora os banco que eu trabalhei, eram enormes, eram bem organizados, mas em empresa, foi a primeira que eu entrei. Então, eu achei a primeira impressão muito boa! Eu estava muito feliz, muito contente.
P/1 − E lembra do seu primeiro dia trabalho?
R − Não lembro, assim, exatamente. Mas lembro que na área que eu trabalhei, o ambiente era muito acolhedor, as pessoas eram muito amigas, eu fiquei muito à vontade, eu fiquei muito impressionada com o restaurante da empresa, um ótimo restaurante, as instalações eram muito boas.
P/1 − A senhora começou já em Jurubatuba, em Interlagos?
R − Então, como nós tínhamos duas unidades, eu ficava lá e cá. A Avon mantinha peruas que fazia traslados de uma unidade para outra. Eu ficava um pouco lá, na João Dias, que era o escritório, e um pouco na fábrica, onde funcionava toda a fabricação. Um pouco em Interlagos, onde era a fábrica. Logo depois, não sei quanto tempo depois que eu trabalhei, a assistente social que me contratou, saiu da empresa. Aí, eu trouxe uma amiga minha pra trabalhar comigo, e comecei a assumir o cargo de supervisora, logo depois eu comecei a coordenar a área e a desenvolver o trabalho.
P/1 − Isso ainda na João Dias?
R − É... eu ficava nos dois lugares.
P/1 − E quando fechou a João Dias?
R − Aí foi todo mundo pra lá, porque foi construído o escritório. Foi mais ou menos, lembro bem dessa data, porque foi quando nasceu o meu filho em 1976. Eu saí de licença, ainda tinha meu escritório, minha sala, na João Dias, e quando voltei de licença maternidade, já estava lá no escritório novo, em Interlagos, mais ou menos isso mesmo.
P/1 − Aí quando a senhora voltou da licença, já estava em Interlagos?
R − É.
P/1− Tá bom. Conta pra gente, como foi sua história lá em Interlagos, como é que foi sua trajetória.
R − Bom, eu assim, um orgulho de olhar pra essa trajetória e perceber que eu tive oportunidades incríveis, de conhecer pessoas excelentes, de realizar um trabalho com a colaboração de equipes ótimas, sempre contei com apoio dos meus gestores, sempre contei com apoio dos meus colaboradores, das pessoas que trabalhavam comigo, foram equipes excelentes, pessoas que se dedicavam, que tinham um amor muito grande por aquilo que faziam. Me sinto privilegiada por isso. Não é fácil lutar por um ideal, lutar por uma causa, nós encontramos barreiras, dificuldades, que são normais, que são pertinentes a qualquer outra luta, a qualquer situação, então dentro da empresa, eu pude enfrentar certas questões com apoio de gestores, com apoio de colaboradores, mas nunca recebi um “não”, porque como a minha função era trazer melhores condições de vida para o público interno e nós tínhamos uma equipe muito boa pra isso, nós sempre tivemos respaldo dos nossos gestores. As vezes questionamentos, as vezes algumas dificuldades, mas nunca um “não”. Eu sempre tive liberdade, que hoje eu até fico admirada, como nós tínhamos liberdade para agir, pra ir e vir, e pra implementar programas, serviços, pra atender o funcionário, pra ir buscar, pra ir levar, pra suprir necessidades, pra atender situações críticas. Então, isso foi muito bom! E há algumas coisas que me marcaram muito, por exemplo, o berçário, aquela limitação de berçário, foi muito difícil porque não existia nenhuma experiência, nenhuma referência. Era muito difícil você poder ir visitar uma empresa que tivesse um berçário pra poder saber como fazer. A ideia que a gente tinha, era berçário de hospital. Não tinham muitos como hoje. Então evoluiu muito, o berçário da Avon tem mais de 25 anos. Hoje você pode ir numa escolinha, você tem matéria ,você tem importação de material, naquela época você não tinha nada como referência, mas nós conseguimos fazer um espaço adequado, um espaço que foi assim, logo reconhecido por toda comunidade da Avon. Embora fosse um benefício pra 30 mulheres pode se dizer, mas todos os funcionários tinham orgulho daquele espaço. A crianças iam nos ônibus com as mães, voltavam pra casa com as mães, então os outros funcionários se sentiam também recompensados, se sentiam felizes, por saber que a empresa cuidava bem daquelas crianças. Isso pra mim foi um privilégio. Acho que toda a equipe do berçário desde o inicio foi uma equipe assim, muito unida, que cuidava, que fazia o trabalho com todo amor, com todo respeito à mãe, e ele tem evoluído muito. Hoje a Elza cuida do berçário, assim de uma forma exemplar. Ele sofreu várias reformas, tá bem moderno, bem atual, tem mais crianças, o tempo foi estendido. Porque na época ele foi criado pra amamentação, praticamente pra atender essa questão de facilitar pra mãe poder amamentar o filho e aí, aos poucos, a gente foi estendendo, de seis meses pra um ano e de um agora pra dois anos. Então, é um benefício assim, que toda empresa podia manter porque traz uma segurança muito boa da mãe pra criança, pra família. Depois eu tive também a oportunidade de implementar o programa de dependência química, recuperação de dependentes químicos. Esse é um programa muito importante, na época não foi fácil, porque nem mesmo eu, que trabalhava na questão social, conhecia mais de perto essa questão, eu não entendia muito bem o que era e fui aprender, eu fiz cursos, participei de inúmeras reuniões, me especializei nessa questão de recuperação, me especializei para implementação interna, não pra tratamento em química, e fiz um trabalho de divulgação muito forte na comunidade. Eu participava de uma associação que reunia empresas, profissionais de RH. Fizemos divulgação, fizemos palestra, capacitação e na Avon, não foi um benefício que foi implementado assim logo de início, mas, por meio do atendimento de determinados casos específicos, o trabalho foi ganhando corpo, foi ganhando aceitação, reconhecimento por parte da diretoria. No início, a gente não tinha budget, verba, mas eu solicitava o pagamento do tratamento e ele era liberado para aquele caso específico. A não ser que fosse um caso conhecido, mas se fosse um sigiloso, a diretoria não se incomodava em saber quem era, quem não era. Ia pra clínica, tratava. Lógico que o chefe imediato era avisado, e o funcionário ia, voltava, nós fazíamos todo um trabalho junto à chefia pra realocar, pra receber o funcionário de volta. Ele participava de reuniões de grupo porque a recuperação continua no dia a dia. Nós tínhamos grupo interno de funcionário, tínhamos grupos familiares, as esposas vinham e, com isso, foram surgindo os caso que nós não tínhamos conhecimento. A primeira vez que uma psicóloga se tornou minha amiga, chegou pra conversar comigo sobre essa questão, ela falou: “Quantos alcoólatras têm aqui?” Eu falei: “Olha, não tem nenhum”, porque lógico nunca vi ninguém bêbado dentro da empresa. O alcoólatra não vai trabalhar alcoolizado. Dificilmente. A não ser quando ele tá pedindo socorro. E aí comecei a aprender, a equipe começou a aprender junto e nós começamos o trabalho. E, segundo a Elza, até hoje esse trabalho existe. Existe o acompanhamento, existe o convênio, a parceria com clínica especializada que não é um tratamento psiquiátrico, é um tratamento de recuperação mesmo, sem medicação, é um método diferente.
P/1 − E os funcionários procuravam por vocês, voluntariamente pra fazer o tratamento?
R − Então(risos), na época era muito difícil porque eles não se sentiam seguros, e não tinha conhecimento, não tinha informação, nós acabávamos abordando o dependente em função de pedido da esposa, dos filhos, da chefia. Muitas vezes, a questão chegava pra nós de uma forma indireta, o supervisor procurava a gente “Flora, o funcionário tá doente, ele tá faltando, ele tem isso, ele tem aquilo” e ai quando nós íamos conversar e abordar, descobríamos que o problema não era bem aquele, que ele realmente era uma pessoa que tinha uma doença, mas era o alcoolismo. A chefia, muitas vezes, trazia em função do desempenho, em função das faltas, familiares, amigos, vizinhos.
P/1 − Por que foi divulgado?
R − Foi divulgado, e outra coisa, um passo para o outro corre muito rápido. Quando você cria recursos dentro de uma empresa, logo as pessoas vão passando um para o outro. A esposa de uma pessoa em recuperação contou pra outra e assim foi sendo divulgado. Nós tivemos assim um grupo grande de pessoas e uma ajudando outra. Depois nós criamos um curso, uma orientação pra o supervisor, trazendo pessoas especializadas para abordar o assunto, pra dizer a importância da participação dele, a importância do confronto. O alcoólatra nunca vai admitir que a bebida atrapalha a vida dele, então você precisa criar um grupo de pessoas que tenham interesse, que gostam dele, pra dizer “olha nessa área da sua vida, aconteceu isso e isso”, a família, o filho, Quando você junta um grupo de pessoas, ele não tem quem manipular, ele não pode pode mudar essa situação, ele tem que encarar e aí, diante do confronto, chefe, família, amigos, se oferecia a oportunidade dele se recuperar. Isso era muito forte, porque vindo do empregador, ele fica numa situação mais difícil de dizer “não”. Porque pra família ele diz não, mas ele não quer romper, a família ele sabe que pode romper, fazer tudo que ele vai ter sempre a família lá, mas o empregador, ele não quer cessar a fonte de renda dele. Então, muitas vezes tem, na época principalmente, eu tô falando uma coisa meio passada, eu não sei como tá hoje, como funciona hoje, mas há uns 20 anos(risos), e era uma iniciativa quase que pioneira, porque eles falavam nessa questão empresa, era muito difícil uma empresa abordar a questão da dependência química, a dependência do alcoolismo e da dependência de drogas, então eu acho que sou uma pessoa privilegiada, tive essa oportunidade e pude sentir o sucesso da empresa, da iniciativa, porque realmente foram reabilitados muitos funcionários que vieram a ser promovidos, que retomaram com as suas famílias, e tudo mais.
P/1 − E a Avon, oferecia outros recurso também para os funcionários? A senhora falou do berçário, falou desse outro projeto...
R − É, na época eu coordenava toda área de benefícios. A Avon tinha uma série de benefícios: tinha transporte, tinha assistência médica, a assistência médica à gerentes. Tinha assistência médica à gerentes de setores que moram no Brasil todo, por telefone. Quando necessário eu viajava pra encontrar em algumas situações, com as gerentes, e elas tinham todo o apoio da empresa nessa questão pessoal, era com o serviço social, nós é que dávamos atendimento à elas, nós é que acompanhávamos as situações. E o público interno também. Por exemplo, toda assistência para doenças graves, terminais, inclusive isso já era normal, o acompanhamento por parte do serviço social quando um funcionário tinha algum problema de saúde grave, saía fora do convênio, a empresa pagava tudo que fosse necessário para que aquela pessoa tivesse um atendimento adequado. Eu me lembro bem que quando surgiu essa questão da Aids, ficou todo mundo alvoroçado, não sei, vocês são novinhas, eu acho que vocês não lembram, mas foi uma coisa muito complicada porque ninguém sabia como lidar com essa questão da Aids. E nós tivemos que enfrentar essa situação dentro da empresa, analisar, estudar como é que nós iríamos lidar, nos informar a respeito e trabalhar essa questão com o funcionário. Então, a empresa inteira passou pela sala de treinamento, onde nós discutimos o assunto, esclarecemos a dúvida, passamos filmes para os funcionários e desenvolvemos uma política. Aí nós aproveitamos para oficializar já o cuidado que a empresa tinha com as doenças graves e terminais. Nós não fizemos uma política pra Aids, que era o que estava sendo solicitado, “ah, precisamos ter uma política pra Aids”, nós aproveitamos aquele trabalho que já existia e transformamos numa política que incluía também o atendimento ao funcionário com Aids, e aí foi divulgado pra todos os funcionários o respeito sigilo e a garantia de emprego, para que o funcionário ficasse tranquilo. Ele ia ter medicação, ele ia ter atendimento médico, tudo que fosse necessário ele ia ter o apoio da empresa. E foi interessante porque, na época se discutia muito, “ah, como...”, mas a gente já faz isso, nós não estamos mudando nada, a empresa já dá essa atenção, e isso foi bom. Atendemos alguns casos, acompanhamos alguns casos, a empresa deu total cobertura, funcionário trabalhou enquanto ele pode, enquanto foi possível e hoje por exemplo, já não se morre mais por Aids, felizmente, os medicamentos são ótimos e as pessoas têm uma vida normal, mas naquela época quando não tinha ainda um atendimento adequado, às vezes as pessoas tinham o problema, nem sabiam que estavam com essa doença, e aí, um ou dois casos vieram à óbito. Mas hoje em dia as coisas estão mais sob controle, as pessoas têm uma qualidade de vida normal e se cuidam, esse problema está superado. Mas a questão do preconceito naquela época, foi muito forte. E as pessoas na sala questionavam porque que a empresa não fazia exame pra todo mundo, “tem que fazer exame em todo mundo” e nós costumávamos devolver para o grupo, mas pra quê? Nós vamos dividir? Quem for portador vai ficar numa sala, quem não for vai ficar em outra? E as pessoas ficavam nervosas, agitadas, e esse diálogo foi extenso, nós tínhamos que conversar muito com algumas pessoas e explicar que...
P/1 − Porque era desconhecimento geral, né?
R − Geral, e como que você vai saber, se você tá num ônibus, a empresa não pode segregar as pessoas que têm o HIV positivo, elas não são doentes, são pessoas que vão ter vida normal, agora se fosse levar sem conhecer o contágio como que funciona, se você ficar assustado nesse ponto, você não vai mais poder sair de casa, criança não vai poder ir a escola, você não vai mais poder ir à pizzaria, como é que você vai saber que o pizzaiolo ou que o motorista de táxi… Então isso foi muito forte na época porque era pânico, as pessoas ficaram apavoradas. Todos ficamos, porque a doença se apresentava de uma forma muito cruel, muito feia inclusive. Felizmente hoje o problema foi superado, as pessoas já lidam melhor até inesperado demais porque as pessoas não se preocupam com a proteção necessária.
P/1 − Quer falar mais um pouquinho dos benefícios?
R − Não, acho que já foi.
P/1 − Foi? Então tá, então vamos falar um pouco sobre o programa “saúde da mulher”, a senhora explica pra gente como foi a criação.
R − Vou ser(risos). Tá bom. Bem, a área de comunicação na Avon, tinha uma diretora, que numa das idas pra Nova York, participar de reuniões da Avon global, recebeu uma incumbência de desenvolver um programa comunitário, um programa voltado para as mulheres, voltado para comunidade. E a área, naquela época, fez uma pesquisa, consultou, levantou várias possibilidades e acabou fazendo uma pesquisa junto a um grupo de mulheres, grupos feministas, para buscar uma possível inspiração num trabalho voltado para as mulheres aqui no Brasil. Ela encontrou no Conselho Estadual da Condição Feminina uma proposta bem interessante. Naquela época, o movimento de mulheres tinha desenvolvido uma ação para promover o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher), que era um plano de atenção a saúde da mulher. Estava mais ou menos parado na saúde pública e buscava dar um atendimento mais integral à mulher. Havia a necessidade de se gerar uma demanda, de se divulgar, de fazer a mulher conhecer seus direitos, conhecer seu corpo, saber que ela tinha que ser uma agente da própria saúde. E aí, este programa, foi o que inspirou a Avon criar o programa “Saúde da Mulher”. A Avon reuniu uma equipe de mulheres muito atuantes nesta questão da saúde da mulher, e essas mulheres criaram todo um trabalho, um plano, formulários, cartazes, folders. E se criou uma oficina para dois tipos de público: um, as revendedoras do Brasil todo, começamos por São Paulo, essa oficina era uma duração de quatro horas; e o outro formato era pra gerente de setor, que eram dois dias de capacitação, como a gerente de setor é líder, lida com inúmeras mulheres no Brasil todo, a Avon entendeu que ela seria a multiplicadora dessas informações. E esse projeto dura de 1994 a 1997. Ele passou por uma fase piloto e foram feitas algumas oficinas. E, em 1997, foi lançado oficialmente aqui em São Paulo no Palácio do Governo, porque era uma parceria com o governo do estado e com o governo federal por meio do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Eu, como trabalhava na área social da Avon, tinha muito contato com essa diretora e conversava muito com ela. Eu adorava esse trabalho. Tive oportunidade de participar da primeira oficina que foi realizada aqui. Fiquei encantada com o trabalho. Foi quase uma semana de capacitação, eu gostava muito e sempre ia buscar informação com ela, sempre nas horas vagas, no final do expediente eu subia, aí, conversava com ela e o tempo foi passando. Em 1997, quando o programa Saúde da Mulher foi lançado oficialmente, eu entendo que ela sentiu necessidade de uma pessoa pra coordenar esse trabalho internamente, quer dizer, uma pessoa da Avon pra coordenar esse trabalho e fazer essa articulação com um grupo de mulheres no Brasil inteiro. E ela me chamou e eu voei, fui voando, fui de braços abertos e abracei essa causa que me encanta até hoje porque nada como você levar informação pra mulher. A mulher cuida de todos e dela mesma acaba se esquecendo, e isso, infelizmente, não acontece só nas classes menos favorecidas. Hoje a gente sabe que a mulher tem uma carga horária dupla, tripla, e ainda tem que estudar e provar que sabe. E a sociedade exige muito desta mulher e ela acaba renegando em segundo plano os cuidados com a sua própria saúde. Então, eu comecei a trabalhar, a coordenar este trabalho, a levar as oficinas, toda uma estrutura de uma oficina para diversos bairros aqui de São Paulo, fizemos parceria com Senac, com Senai, que nos possibilitavam a utilização das suas dependências para fazer as oficinas. Foram várias técnicas, vários facilitadores de oficina que prestavam serviço pra Avon nessa época. E depois, comecei a viajar com o programa pra várias capitais fazendo parceria com os conselhos locais e com as organizações de mulheres locais. Fomos quase que para o Brasil inteiro, levando esse trabalho, levando essa informação, foram inúmeras cartilhas distribuídas, CD sobre saúde da mulher. Também foi um trabalho que nós fizemos porque tínhamos aqui uma certa, eu ficava apreensiva pelo fato da logística das oficinas não permitir que a gente tivesse em todos os lugares ao mesmo tempo, então reuni a equipe aqui, discuti uma forma de desenvolver um material que chegasse até a mulher mais rapidamente e aí, nós criamos o CD áudio em formato de programa de rádio com: dicas, entrevistas médicas, respondendo cartas, esclarecendo dúvidas. Então, a mulher coloca este CD no rádio e ouve como se tivesse ouvindo seu programa preferido e as ONGs, as associações de mulheres poderiam usar esse material para iniciar algum debate, levar informação para os seus grupos, para sua população, assistida e atendida. Foi um sucesso. Esse CD tem um prêmio da Avon Global, chama Prêmio Polares. Na finalíssima com o Japão e os Estados Unidos, o Brasil ganhou. Na época foi um motivo de muito orgulho, muita festa, porque realmente foi um trabalho reconhecido pela Avon mundialmente. E o programa se deu durante bastante tempo levando informação. Neste meio tempo surgiu muito fortemente a campanha “um beijo pela vida”, “kiss goodbye to breast cancer”, que é uma campanha global. Aí, tivemos que dar um pouco mais de atenção para formatação e estruturação dessa campanha. A capacitação e levar informação para as mulheres continuou, mas nós tivemos que concentrar esforços na campanha, na arrecadação de fundos do beijo pela vida, no direcionamento desses fundos, como que nós vamos organizar este trabalho. Aí nós chamamos, escolhemos, eu participei do levantamento de várias assessorias, várias empresas que prestam consultoria para as empresas nessa questão de trabalho social, de trabalho voltado para comunidade, e nós tivemos a felicidade de escolher o (Ides?), que é uma organização social reconhecida e tem apoiado inúmeras empresas no seu trabalho voltado para comunidade. Tivemos assim, uma sorte incrível de escolher o Ides. O Ides nos apoiou, nos capacitou, nos orientou e tivemos a oportunidade de discutir muito essa questão e organizar de forma adequada o trabalho. Tanto é que, hoje, o Instituto Avon no meio médico que atua diretamente com a população é reconhecido como uma organização que apóia a detecção precoce do câncer de mama. Nós conseguimos esse reconhecimento. Felizmente. E ai, passamos a estruturar na época. No primeiro ano, a Avon lançou alguns produtos com a marca do “beijo pela vida”. Eram produtos voltados exclusivamente pra apoiar a causa. Aí nós entendemos que precisaria criar um braço social da Avon, criar uma organização social Oscip que viesse a organizar, direcionar essa verba. Foi aí que nós lançamos o Instituto Avon. Organizamos toda a parte do instituto. Ele foi formalmente lançado, é uma organização social independente da Avon, embora dependa financeiramente, e aí surgiu uma questão, “peraí, mas nós não vamos ficar criando produto para o Instituto Avon?” Porque é muito complicado. Você tem controle de estoque. É uma loucura! Não tem como criar. Aí nós lançamos, conversando com os gerentes de produto, conversando com o pessoal de marketing, identificamos uma saída: não existe necessidade de ter um produto específico, a cada campanha um ou dois produtos podem apoiar a causa, e aí se vocês olharem no folheto de ofertas sempre tem ou a cada duas campanha ou a cada três campanhas, isso depende do planejamento de marketing, existem produtos da linha normal da Avon que apóiam a causa. Estes produtos, naquela campanha, vão destinar 7% da venda para o Instituto Avon. Isso foi uma coisa que resolveu a questão da arrecadação porque nós não precisávamos ficar preocupados em criar produto, em ter o produto para vender. A própria linha da empresa foi estimulada a apoiar o Instituto Avon. No início não foi fácil porque você mexe com margem, o gerente do produto _______, “peraí, mas tô lutando pra aumentar e depois eu tenho que...”, sabe, foi uma coisa assim, mas aos poucos, com muito trabalho, com muita explicação, chegar próximo de marketing e conversar sobre essa questão, a aceitação acabou ocorrendo de uma forma mais tranquila, as pessoas entenderam que isso era algo importante e passaram a apoiar a causa, não o Instituto mas a causa. Este valor que o produto arrecada é destinado para a causa. Então se vai fazer uma cartilha, se vai apoiar um projeto, se vai apoiar um evento voltado para o câncer de mama, essa verba traz esse apoio financeiro. A Avon mantém o Instituto, então a Avon destina verbas pra algumas questões, para manutenção do Instituto. São duas fontes de arrecadação que o Instituto tem. E aí o Instituto começou a desenvolver essa linha de atuação convocando organizações para apresentação de projetos com base na detecção precoce do câncer de mama. Isso foi uma experiência incrível! Ah, nós temos uma diretora médica, a dra. Rita, que é uma pessoa importantíssima na constituição do Instituto porque ela trouxe o conhecimento técnico, a aproximação com as organizações, universidades, associações de mastologia, associação brasileira, FEBRASGO, que é a federação brasileira de ginecologia e obstetrícia. A Rita é uma pessoa, além de ser uma apaixonada pela causa também, é de fundamental importância para o desenvolvimento do Instituto. E aí nós começamos a ter uma aproximação muito forte com os projetos, com as organizações no Brasil todo, se não me engano, hoje o Instituto mantém o relacionamento e apoio a 79 projetos, deve ter mais, é que agora eu tenho o número correto e projetos assim, do Norte ao Sul. Temos projetos em Rondônia, Manaus, Piauí, Pará, Rio Grande do Norte, Bahia. O Instituto foi parceiro de um hospital na Bahia que mantém uma unidade móvel viajando pelo interior da Bahia fazendo mamografia para as mulheres. Agora tem um outro projeto, outra unidade móvel enorme também, sendo lançada, lá Bahia também, fazendo mamografia para as mulheres e assim por diante. Nós temos parcerias em Barretos, Ribeirão Preto, tem em inúmeras cidades. Então, esse trabalho com o Instituto foi assim coroado de muito aprendizado e de muito êxito. Eu me lembro muito bem que no lançamento do Instituto Avon foi feito uma espécie de planejamento estratégico com toda diretoria, então se lançou uma pergunta para aquele grupo de diretores: “O que vocês imaginam para o Instituto Avon lá na frente, daqui cinco anos, que manchete de jornal vocês querem ver em relação ao Instituto”? E eles discutiram, discutiram e chegaram a conclusão de que eles gostariam que a Avon fosse reconhecida como uma organização referência no apoio à detecção precoce do câncer de mama. Passados os cincos anos, nós atingimos esse objetivo porque o Instituto Avon, embora não seja conhecido por uma parte da sociedade, mas pelo menos no meio médico, e para essas mulheres que têm sido atendidas pelos projetos, ele é reconhecido como uma organização que apóia realmente a detecção precoce do câncer de mama no Brasil e nós sabemos que detecção precoce é a única forma de salvar vidas e a única forma também de se poupar recursos. Porque um câncer detectado logo no início oferece condições pra que essa mulher retome a sua vida normal sem o alto custo de um câncer avançado. Após essa fase de implementação do Instituto Avon, dos procedimentos, nós retomamos a questão do programa “saúde da mulher” e retomamos com uma reflexão, com planejamento estratégico, reunimos a equipe “vamos repensar”, e repensando o programa, entendemos que além das oficinas que nós organizamos diretamente para as mulheres, tínhamos que trabalhar um pouco com a atenção básica, um pouco com os gestores de saúde, levar essa sensibilização pra esse grupo que atua diretamente com a mulher. Apresentamos um projeto, o Instituto Avon aprovou e nós começamos a trabalhar com as cidades em torno de São Paulo, em torno do Centro de Distribuição ali da Raposo Tavares. Trabalhamos com cinco cidades inicialmente: Osasco, Carapicuíba, Itapevi, Jandira e Barueri. Fizemos contato com o secretário de saúde de cada cidade, apresentamos o plano, eles ficaram assim muito entusiasmados, sensibilizados e a proposta é trabalhar intersetorialidade, não é só o tema saúde integral da mulher, é provocar a secretaria de saúde pra convocar seus parceiros, convocar outras secretarias para trabalhar em conjunto o tema. Então, eu não tô trabalhando só com quem já atua na questão da saúde, mas com a secretaria da educação, secretaria da cultura, justiça. Outras secretarias destacaram seus profissionais para formar o grupo de pessoas para desenvolver um plano de ação para cidade. Por que é importante a intersetorialidade? Porque a gente trabalha na questão da promoção de saúde, não é só me dizer “hoje em dia curativo está fora de moda”, as secretarias têm que trabalhar promoção da saúde, e com isso elas têm que trabalhar conjuntamente. Iniciamos o trabalho com esse grupo, fazendo um alinhamento de conceitos, trazendo a política nacional de atenção a saúde da mulher, que é recente. Tá aí para ser implementada nos municípios. Hoje, a responsabilidade da atenção básica é do município. O município é que tem que se organizar para dar um atendimento à população, recebe verbas para isso. Nós fazemos esse alinhamento, trazemos material para esse grupo discutir e criamos um ambiente onde eles criam as suas propostas, eles fazem um levantamento do perfil dessa mulher, do contexto que essa mulher vive, coisa que eles não têm a oportunidade de no dia-a-dia parar para pensar. É uma oportunidade para esse grupo olhar pra mulher do município, olhar para o contexto que ela vive, olhar quais são as políticas públicas e programas existentes, quais precisam ser otimizados, quantos tem atendido realmente a população, quantos precisam ser revisados. E este trabalho tem surpreendido esse grupo, porque eles ficam, “puxa, mas eu não sabia que era feito isso”. Sabe, é uma coisa que tem provocado mesmo, tem sensibilizado essas pessoas a fazer mais e descobrir que tá nas mãos deles fazerem. Eles não têm que esperar governo, não têm que esperar decisão, lógico algumas ações dependem de verba, mas na verdade eles, enquanto gestores, podem influenciar o conselho de saúde, os vereadores para aprovar lei, provocar deputado estadual para ir buscar uma emenda, pra ir buscar verba lá fora, pra trazer mais verba para o município, tá na mão da população. Quando você trabalha esse programa, estou percebendo, nós não estamos trabalhando só a saúde da mulher, estamos trabalhando a cidadania. Quantas pessoas podem se empoderar pra resolver coisas locais, resolver suas questões do dia-a-dia. Nós cidadãos estamos acostumados a esperar que alguém faça, isso é o gestor, isso sou eu como mulher da comunidade e assim vai, esperando que alguém resolva, discutindo questões partidárias, e esquecemos de olhar pra gestão pública, de olhar para os recursos. Hoje fico muito orgulhosa quando vou a alguma cidade e lá no grupo, que é um grupo intersetorial, que traz pessoas da comunidade e tem uma senhorinha lá da comunidade que faz parte do OP, que é o orçamento participativo, com toda simplicidade dela, fala “não, mas eu já conversei com fulano de tal que é deputado aqui da nossa região e ele tá com uma emenda...”, sabe, e os outros que estão ali no dia-a-dia, atendendo e resolvendo problema, apagando incêndio, nem ouviram falar o que é OP, não sabe nem o que é orçamento participativo. Então eu me sinto uma pessoa privilegiada por ter nessa minha trajetória hoje essa oportunidade de tá trabalhando com essa comunidade, de tá ouvindo, tá aprendendo muito, porque muito a gente aprende, pouco a gente ensina. E criar oportunidade para as pessoas discutirem, conversarem e trocarem informação, isso está sendo assim excelente.
P/1 − Vou falar um pouquinho agora da relação do Instituto Avon com a Avon Foundation, qual é a relação deles?
R − Olha, nós procuramos um alinhamento com a Avon Foundation. Logo quando começamos a organizar ou pensar no Instituto, na estrutura do Instituto, o Lírio foi, o Lírio vai poder falar muito melhor do que eu sobre isso, ele foi fazer uma visita lá junto com o dr. Marcos, que é o presidente do Ides, fizeram uma aproximação. Na verdade, não existe assim uma necessidade do Instituto estar subordinado, não existe isso, a gente tem a liberdade de trabalhar aqui. Lógico, quando surgem os programas globais, o Instituto vai acolher, como agora o Instituto está acolhendo a questão da violência, mas, nós tivemos assim, essa preocupação de ir buscar inspiração na Avon Foundation e buscar os caminhos, buscar como, saber mais sobre a causa deles, era muito forte essa questão do câncer mama na época. O programa “saúde da mulher”, que foi mantido pelo Instituto Avon, era uma iniciativa nacional brasileira nossa, não tinha nada a ver com a Avon Foundation, mas o Instituto abraçou e manteve até hoje essa questão do programa saúde da mulher, que é uma necessidade local. Mas a relação é ótima, uma relação de troca de experiência, uma relação de apoio mútuo até. Os primeiros cinco mamógrafos que o Instituto Avon doou para cidade de São Paulo, vieram da Avon Foundation e foi uma iniciativa inédita, porque o que é arrecadado lá, é aplicado para lá. Por exemplo, na Inglaterra, o que é arrecadado, fica para comunidade da Inglaterra e assim por diante. O que é arrecadado no Brasil é do Brasil e lá também, mas como nós estávamos começando, nem tinha ainda o Instituto Avon, nem estava formalizado, nós pedimos, como área social, o apoio, para os primeiros cinco mamógrafos, nós não tínhamos arrecadação ainda e foi uma luta, e foi uma argumentação forte, mas conseguimos numa situação inédita que eles nos apoiassem. É uma relação importante, interessante de troca e de vivências. Troca de informação, de apoio.
P/1− O instituto tem várias publicações. A senhora pode falar um pouquinho sobre elas?
R − Então, o Instituto continuou distribuindo a cartilha do programa, que já chegou assim, quase que nos quatro cantos do país. Nós continuamos distribuindo a cartilha “cidadania também é beleza”, que é uma publicação que teve uma aceitação assim excelente, que fala sobre direitos da mulher. Ela já foi para o Brasil inteiro, as advogadas da OAB, quando desenvolveu o curso de promotoras populares sempre solicitavam, porque é um material rico e que fornece informações importantes para as mulheres. Nós temos o “Corel Rachel” que é uma publicação voltada para detecção precoce do câncer de mama, prevenção, informação para as mulheres, temos a “Bem Querer Mulher”, que é uma outra cartilha voltada para questão da violência que também foi feita em parceria com Unifem. E aí, nós temos os boletins, relatórios anuais, essas são as publicações que o Instituto mantém. Agora está sendo elaborada uma cartilha que trata da questão da violência, deve ser lançada nos próximos meses. O instituto produziu com essa nova causa que foi assumida, lançada recentemente. Na Avon global vai lançar vídeos sobre violência, muito bem feito viu e muito interessante. Esse vídeo vai ser divulgado para gerente de setor nas reuniões com revendedoras e vão ser distribuídos também provavelmente para as Ongs, para organizações de mulheres. Esses são os produtos. Ah, eu lembrei de comentar com vocês que no programa da saúde da mulher, nessa nova versão, o Instituto desenvolveu, nós desenvolvemos um kit para os participantes do grupo por cidade, são trinta kits por cidade, então no kit, o participante vai encontrar um álbum seriado com gravuras para facilitar a multiplicação de informação, o guia do multiplicador que é o roteiro para organizar uma oficina para mulheres, a mama amiga e cartilhas, então esse kit está sendo distribuído nas cidades parceiras do programa saúde integral da mulher para os participantes do grupo de trabalho.
P/1 − A senhora falou que passou por várias dificuldades e desafios nessa sua trajetória. A senhora quer destacar algum momento assim que ficou mais marcado, uma dificuldade que a senhora teve maior(risos)?
R − Estou pensando. Acho que esses desafios fazem parte do amadurecimento da ideia. Lógico que quando a gente está envolvida na situação, parece que são intransponíveis as barreiras, as dificuldades, mas com a experiência, com o amadurecimento, hoje entendo que todos os desafios fizeram parte do processo, fizeram parte do amadurecimento da ideia, da lapidação da ideia. Então eu não sei assim as dificuldades ocorrem, mas eu não sei destacar uma que fosse a mais complicada, não é fácil. Por exemplo, eu trabalhei sempre com público interno, quando eu comecei trabalhar com público interno, com esses grupos de mulheres, não foi fácil porque eu tive que aprender a lidar, eram outras formas de pensar, existia um pouco de resistência por parte delas que são mulheres atuantes que trabalham com comunidades, resistiu um pouco a empresa principalmente uma multinacional, “o que vocês querem?”. Isso foi um desafio bem importante, mas pela seriedade, pelo respeito, pela capacidade de articulação e de diálogo, nós fomos aos poucos transpondo essas dificuldades e limpando um pouquinho os preconceitos em relação a empresa, ao capital e fomos transformando isso numa parceria sólida, tanto é que nós estamos trabalhando até hoje. Hoje se eu ligo pra organizações de mulheres no Brasil todo, tenho fácil acesso e tenho uma parceira em potencial. Se eu precisar ligar lá, como aconteceu agora, nós estamos levando essa semana, uma oficina sobre saúde da mulher para os funcionários no Ceará, e eu liguei para dra. Dirlene, que é uma feminista que atua nessa questão de saúde da mulher e fizemos um acordo, ela vai fazer a oficina, então nós conseguimos essa credibilidade pela seriedade pelo empenho e por acreditar na causa.
P/1 − Foram 35 anos na Avon?
R − Que eu nem percebi passar.
P/1 − Quais foram as maiores alegrias que a senhora teve trabalhando lá?
R − Nossa! São tantas, tantas(pausa), muitas oportunidades, é difícil, eu não sei se eu sou uma pessoa que valoriza muito o que faz , no sentido do resultado, que traz para as pessoas e que valoriza cada dia, cada etapa. Pra mim foi uma experiência importante, uma experiência positiva, mesmo quando não dava certo. Porque eu aprendi muito com o que não deu certo, a gente aprende mais com o que não dá certo do que com o que dá certo. Então, pra mim, uma mãe que trazia o filho para o berçário e que ficava emocionada, um pai que ia visitar o filho no berçário, nós tínhamos muito caso lá na Avon, o marido e a mulher trabalhando, o pai que ia lá brincar com seu filho pra mim uma alegria. Um dependente químico que ia fazer um depoimento para um grupo de gerente de coordenadores e dizer “Eu tô aqui graças a esse programa porque senão eu já teria morrido, se não fosse esse tratamento, eu não estaria mais aqui”, isso não precisa de diploma, não precisa de cargo, não precisa de nada, mas pra você se sentir uma pessoa realizada. Eu pude vivenciar certas vitórias nessas pessoas que me contemplaram, que me fizeram sentir feliz com essa trajetória e são inúmeras, os amigos, sabe, as pessoas que são maravilhosas, que vocês vão ter oportunidade de conhecer. Existia muita união. É lógico que nessa trajetória, eu não vou lembrar das coisas que não foram tão interessantes porque não ficaram, eu não guardei muito questões que foram desagradáveis, porque sempre veio a superação e a superação me trouxe maturidade, me trouxe entendimento, me trouxe experiência, então também as coisas ruins que aconteceram me serviram de aprendizado, de estrutura, montar minha estrutura hoje. As dificuldades me fizeram chegar até aqui. Nessa nova fase do programa da saúde da mulher, o trabalho realizado junto aos municípios foi finalizado com dois seminários, um sobre saúde integral da mulher e outro sobre violência. Mais, discutindo a questão prática, que é de implementação da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência. A nossa ideia era finalizar o trabalho com seminário sobre saúde da mulher, onde os secretários de saúde, os gestores de saúde de cada município, apresentassem seus planos, discutissem questões pertinentes a saúde da mulher. E também, nós trouxemos pessoas da secretaria de estado e outras pessoas da FEBRASGO pra falar sobre a questão da saúde integral da mulher. Além desse seminário, surgiu outro por uma demanda de todos os municípios. Todos os municípios estão sensibilizados e empenhados em desenvolver trabalhos relacionados a violência contra a mulher, então para atender essa demanda, nós organizamos, a equipe organizou, esses dois seminários com o apoio do Instituto Avon. O Instituto Avon deu todo apoio logístico, a cidade ofereceu o local, a contrapartida da cidade, ela ofereceu o local e todos os grupos se reuniram nesses seminários. Foi muito interessante porque no seminário, por exemplo, sobre violência, nós trouxemos uma pessoa do ministério que falou dos pactos contra violência, da assinatura do pacto contra a violência, ofereceu informações preciosas para as equipes que estavam ali presentes, indicando formas de encaminhamento de projetos para apoio financeiro por parte do governo federal. E, logo no começo do ano, nós já começamos a receber informação de municípios que tinham recebido o dinheiro para montar centro de referência de atendimento a mulher para capacitar equipes no atendimento a mulher vítima de violência. Então eu costumo dizer que tenho uma sorte de ter essa oportunidade. Porque quando nós começamos trabalhar nisso, a Avon não tinha nem lançado a questão da violência e nós já trabalhávamos com essa questão, então é bem atual o nosso trabalho, ele vai ao encontro das necessidades e demandas da comunidade e população feminina, dos municípios. Esses seminários realmente fecharam com chave de ouro a primeira etapa do trabalho. Nessa segunda etapa nós estamos trabalhando com novos municípios, já assinamos os termos de compromisso, faltam só dois para assinar e vamos finalizar no ano que vem novamente com seminário e trazendo experiência, trazendo gente de fora, se for o caso, pessoas do ministério que se disponham vir pra cá pra passar essa orientação para os técnicos aqui dos nossos municípios.
P/1 − Angela, o que você considera sua principal realização na Avon?
R − (risos)
P/1 − Eu perguntei, você.
R − É difícil, na verdade, veja, tudo o que eu realizei, nunca realizei sozinha, sempre tive um grupo de trabalho comigo. Eu não posso dizer “olha eu fiz isso”, porque ninguém faz nada sozinho, nós trabalhamos sempre em conjunto. Difícil responder essa pergunta, é uma pergunta muito difícil porque cada época tem a sua motivação, sua importância, seu foco de atenção, eu não sei, não saberia destacar nada assim que fosse o principal porque na verdade, eu atendi necessidades, busquei contemplar as demandas, e acho que o meu principal feito foi sempre acreditar naquilo que eu estava fazendo, não medi esforços, e ser determinada, eu acho que isso sempre foi o meu melhor como pessoa, sabe, me dedicar sem medir esforços e sem me preocupar com os outros obstáculos. Os obstáculos pra mim, sempre foram uma alavanca pra eu alcançar aquilo que eu queria, não uma dificuldade, sempre foi uma possibilidade de transpor, então eu acho que não ficaria com uma coisa porque tudo que foi realizado foi importante para época, para o contexto, para a situação. Não dá para eu dizer “olha isso aqui foi melhor”, a cada situação é algo que eu tenho orgulho, então eu tenho orgulho de tudo, eu(risos), não consigo separar um, uma situação.
P/1 − Você quer falar um pouquinho da sua família?
R− Da minha família? Então, eu tenho um filho de 32 anos maravilhoso (risos). Não podia deixar de ser, pelo fato de eu ser uma mãe coruja. E ele é um rapaz consciente, um rapaz bacana, um jovem aí, que tá lutando pra desenvolver seu trabalho, pra se colocar profissionalmente e financeiramente. Mas é um rapaz de princípio, é um rapaz educado que tem uma preocupação com o semelhante. Eu acho que ele sempre me viu nessa atuação, então ele tem essa visão. Eu tenho minha mãe, que tem 82 anos, que como eu disse, continua gerenciando a família inteira, é uma pessoa assim, muito ativa, bastante ativa e que ainda cuida de mim. Nós moramos lado a lado. Moro num apartamento, ela mora no outro, no mesmo andar.
P/1 − É maravilhoso(risos).
R − É, a melhor coisa que podia acontecer. E eu tenho meus dois irmãos que também moram no prédio que eu moro, eu fui trazendo todo mundo. Todo mundo mora junto. Só meu filho que mora em outro lugar, outro bairro, e nós somos muito unidos. É uma família que um pode contar com o outro pra qualquer situação. Tem minhas sobrinhas, meus dois irmãos cada um deles tem duas meninas, duas moças, uma tá com 26, outra com 23, outra 19 e outra 15. Duas moram em Brasília, uma tá chegando da Bélgica agora, ficou um ano lá. E meu irmão caçula é casado pela segunda vez e me deu um presente agora que é um sobrinho maravilhoso de 3 anos, já que eu não tenho neto ainda. Mas esse sobrinho tem preenchido essa necessidade de curtir um neto. É uma graça de menino, muito inteligente. Nós começamos falando da infância, hoje a infância é diferente, mas em compensação as crianças têm uma prontidão, uma aptidão para o aprendizado incrível, e ele é muito inteligente, muito perspicaz, tem uma capacidade associativa que eu fico impressionada e me divirto com ele, renovou todo mundo na família, trouxe uma alegria incrível. Então é isso, minha família mais próxima é pequena, tenho inúmeras primas amigas, quando faço aniversário da minha mãe que sempre é surpresa, escondido porque ela nunca quer, são 80 pessoas, sabe, assim, ainda porque não veio todo mundo, mas dá no mínimo umas 80 pessoas.
P/1 − Vamos partir para fase de avaliação agora, tá bom, falar mais um pouquinho da Avon. Na sua visão, qual é a importância desse sistema de venda direta, essa venda de porta a porta que a Avon faz?
R − É fundamental. Porque a Avon foi pioneira, desbravou território, criou condições para inúmeras mulheres alcançarem uma certa independência. A Avon ensina, ou pelo menos ensinou por muitos anos, donas de casa a noção do que é lucro, como _____ lucro, ou como ter uma meta. Isso sempre me encantou, porque a principal necessidade da mulher é ter uma autonomia financeira, pra ela criar seus filhos, pra ela poder cuidar da sua própria vida, e hoje nós falamos disso, mas é diferente. Você imagina a 50 anos, que a gerente de vendas tinha que pedir licença para ao marido para a mulher vender a Avon, porque só com a autorização do marido que ela podia fazer o que ela precisava. E a Avon sempre teve um respeito enorme, sempre foi muito cuidadosa, sempre criteriosa, sempre chegou com muito respeito e com muito cuidado na casa das pessoas. Fico imaginando quando a Avon começou no Brasil, em algumas regiões, eu lembro que Ulisses contava, Ulisses é um gerente de vendas que provavelmente vocês vão entrevistar.
P/2− O Gobe?
R − O Gobe.
P/2 − A gente já entrevistou.
R − Então, ele contava que quando eles foram para o Nordeste para abrir frente de trabalho, as pessoas não tinham carteira de identidade, não tinham documento. Então, isso foi feito no Brasil inteiro, porque você imagina a mulher, dona de casa, hoje nós temos profissionais, hoje nós temos a mulher aí, estudando, mas naquela época, a Avon teve uma importância fundamental na vida de algumas mulheres. Então, eu trabalhava em benefícios, eu muitas vezes tinha contato com outros estados, com outras situações, e eu não me lembro bem porque, uma vez ligou um advogado, eu não lembro que situação que era, não sei bem o que aconteceu, ele falou: “Olha eu sinto maior orgulho pela Avon por que eu devo meu diploma a Avon, a minha mãe me formou vendendo Avon”. Histórias como essa são inúmeras, então várias mulheres nesse Brasil inteiro que eu fui, sempre falavam “olha a minha primeira geladeira eu comprei...”, então eu acho que foi fundamental, sabe. E depois, surgiram outras, mas a Avon ficou muitos anos sem ninguém trabalhando com essa sistemática de vendas, e é uma sistemática sem dúvida nenhuma que dá liberdade, a mulher pode vender Avon, pode vender Natura, pode vender lingerie, pode vender bijuteria, ela é uma vendedora autônoma com liberdade de atuar comercialmente falando, ela não sofre nenhuma restrição por parte da empresa.
P/1 − Como você avalia o fato dos produtos irem aos mais diversos e distantes lugares dentro do País? Você falou que ele foi até o Nordeste para abrir caminho. Como foi pra você isso, da Avon conseguir chegar...
R − Isso mostra a estrutura da empresa, a organização, isso demonstra e chega não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Eu ouvi uma história uma vez, que eu acredito seja verdade, que na China, depois quando foi implementado o comunismo, depois com a abertura existiu mulher que nunca tinha visto batom, porque com o regime instaurado houve a questão da vaidade, isso foi suprimido e com uma certa abertura, quando a Avon começou a entrar, as mulheres não sabiam o que era batom, não sabiam passar batom porque gerações ficaram sem ter produtos de beleza e tal, então eu acho que essa capacidade de infraestrutura que a Avon criou de fazer o produto chegar lá, é importantíssima. Porque nós temos mulheres no Brasil inteiro e em lugares de difícil acesso, onde não chega nada, nenhuma revista, nem um jornal, mas o folheto da Avon chega.
P/1 − Angela, quais foram os maiores aprendizados de vida que você obteve trabalhando na Avon?
R − Olha, foram com as pessoas, com os funcionários que me ensinaram muito, eu aprendi muito com as pessoas, sempre. Aprendi muito com os meus gestores, aprendi muito com os amigos, com as pessoas mais simples grandes lições, grandes lições! Eu aprendi bastante e tive a oportunidade de me desenvolver em função dos desafios, cada situação eu tinha que superar e tinha que aprender e aprender rápido. Me lembro bem, essa questão de informática que na época foi muito complicado para as pessoas da minha idade aprender lidar com computador, mas eu sempre fui muito curiosa, muito interessada, e não existia computador pra todo mundo como tem hoje, era só pessoa da informática, não assistente social não precisa de computador, era só o pessoal de informática que lidava, mas eu fui, eu saí em férias e fui para o Senac e fiz um curso. P paguei o curso e comecei. Mas, naquela época, não tinha o Windows, você tinha que digitar comando, era um negócio complicadíssimo, não era fácil, cada coisa que você queria, tinha que digitar um comando, decorar aqueles comandos, eram umas coisas bem complicadas e eu ficava a noite organizando minhas coisas, porque eu tinha que pegar um computador que não tivesse ninguém e era só depois do expediente que eu podia fazer isso, e eu ficava lá e geralmente quem cuidava nos departamentos desta parte, eram estagiários, jovens que pegavam para trabalhar nos computadores, só eles sabiam mexer naquilo, ninguém mais. Então era engraçado, porque eu ia lá, começava mexer e aquilo apitava e eu assustava. Foi bem interessante e eu pegava esses estagiários para me ensinar e eles detestavam ensinar, então eles começavam “não é assim” “não, calma, você me falar e eu vou anotar” e eles ficavam bravos, não tinham paciência, mas foi, foi e eu fui, e fui fazendo os cursos e fui aprendendo e para conseguir um ou dois computadores para minha área foi um sacrifício, mas eu punha tudo no computador. Um dia cheguei para um diretor meu e falei “olha já pus o budget” porque nós fazíamos o planejamento de despesa anual, a gente fazia em Agosto, Setembro para o outro ano naquele formulário de 12 colunas, gente, era um horror, uma tragédia e subia para avaliação da diretoria, “não, tem que diminuir 10%” aí tinha que apagar, eu já achava aquilo arcaico naquela época, aí, a primeira coisa que eu fiz, foi botar o budget na planilha e apresentar. Nossa! Quer dizer, eu com trinta e poucos anos, 35, 40 anos, já era velha, já era uma senhora, imagina se ela vai aprender informática, porque informática era pra jovem de 18 anos, 19 anos, então foi um desafio interessante, um aprendizado, nem sei o que você perguntou mais(risos), um aprendizado importante(risos). Uma superação, foi uma superação porque pra quem nunca tinha visto computador, pra vocês que já nascem com computador na mão mexendo, e meu sobrinho com 3 anos já sabe o que mouse, já mexe, já liga, já vai... Mas a gente, e foi ótimo, aprendi tudo lá, edição de texto, powerpoint. Nossa, quem de vocês não passaram por essa necessidade, mas quem pra fazer uma apresentação, tinha que escrever em flip-chart, os textos. Ah! Eu detestava aquilo. Por exemplo, eu ia fazer uma integração de funcionários, tinha que escrever tudo aquilo, você ia fazer um curso, tinha que escrever, hoje você vai no powerpoint, prepara, põe filme, põe foto e vai e faz, datashow, resolveu tudo. Mas sou dessa época. Participei de toda essa evolução, essa mudança. Então, eu sei valorizar o que a tecnologia nos ajuda hoje (risos).
P/1− Que bom, Angela. O que você acha da Avon estar resgatando a sua memória através desse projeto?
R − Ah! Maravilhoso. Acho que é bom para a Avon, porque a empresa, às vezes, não tem o tempo que histórico ou o tempo certo de registrar o material humano, o quanto os seus talentos, as vivências, as experiências, isso passa e se perde e não volta mais, se não houver uma trabalho desse. Então eu achei que essa iniciativa foi de uma lucidez maravilhosa e a Avon merece isso porque, pelo o que eu conheci, passou por ela, passaram por ela pessoas incríveis, pessoas muito importantes, muito interessantes e pessoas apaixonadas, acho que vocês estão percebendo isso, com as pessoas que passam por aqui. Porque eu tenho certeza que não sou só eu que tenho essa vibração, que sinto essa emoção. As pessoas com as quais eu convivi são pessoas especiais.
P/1 − E o que você achou de ter participado dessa entrevista?
R − Pra mim foi um privilégio e eu só tenho que agradecer essa oportunidade de deixar esse registro aqui. Eu acho que a história da Avon, é uma história incrível, uma história importante, uma história que merece destaque. Tenho certeza que trabalhei 35 anos na Avon porque encontrei lá muita seriedade, muito compromisso, pessoas que tinham princípios e valores, que tinham sintonia com os meus princípios e valores, é lógico que eu sempre procurei me associar a essas pessoas. Lógico que num ambiente, numa comunidade, você encontra de tudo, mas a ressonância maior foi de pessoas sérias, pessoas apaixonadas, pessoas que acreditavam e muitas vezes, Lírio falava, né, “o que é a companhia? A companhia somos nós, cada um de nós faz essa companhia, cada um de nós faz o certo e o errado, não existe um ser que diz que tem que ser assim, a gente age de acordo com os nossos princípios”. Isso é verdade. Eu tive essa chance de viver, de trabalhar 35 anos. Mas primeiro, nunca cai na rotina, porque eu sempre tinha um desafio novo e diferente para enfrentar. Segundo, as pessoas sempre me alimentaram, me realimentaram, me trouxeram vida, os desafios também, então eu não vi esses 35 anos passarem, realmente passou rápido, rápido demais e o momento mais difícil é ter que me separar, foi separar dessa empresa que era a minha vida e num momento ainda muito produtivo da minha vida, onde a minha experiência tá aí, pronta para continuar sendo usada. A grande vantagem foi que eu pude continuar o trabalho como consultora, prestando serviço para o Instituto, isso foi manter esse canal aberto e manter esse trabalho pulsando como ele vem sendo extremamente importante.
P/1 − Quer falar mais alguma coisa?
R − Acho que eu já...(risos) com certeza, quando eu chegar em casa vou lembrar de mais alguma coisa, mas por aqui tá bom, aí eu volto correndo.
P/1 − Então em nome do Avon e do Museu da Pessoa, nos agradecemos muito a sua entrevista.
R − Eu é que agradeço essa oportunidade maravilhosa de deixar registrado aqui as minhas impressões.
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