Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto 2020-2021
Entrevista História de Vida HV_050
Renato Caramori - Sorveteria do Geraldo
Entrevistado por Luís Paulo Domingues e Cláudia Leonor
15 de abril de 2021
Transcrito por Selma Paiva
P1: Bom, ‘seu’ Renato, para começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que o senhor nasceu.
R1: Meu nome é Renato Caramori, eu nasci em Ribeirão Preto, no dia 03 dezembro de 1964 e resido aqui até hoje, com eventuais deslocamentos. Morei algum tempo em São Paulo, mas vivo aqui desde 1964.
P1: Muito bom. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe? Mesmo falecidos, já.
R1: Meu pai é falecido, se chamava Geraldo Caramori e minha mãe Neide Rigoni Caramori.
P1: Legal. E você...
R1: Naturais de...
P1: Dá onde que eles são? Pode falar.
R1: ... de Franca e São José da Bela Vista.
P1: Sim.
R1: Que são cidades próximas aqui. Você deve conhecer bem.
P1: Sim, sim. E os seus avós? O senhor conheceu os seus avós?
R1: Sim, sim. Ambos de __ (01:39), tanto os paternos quanto os maternos, eu os conheci e tive um convívio __(01:49) num tempo razoável, mas conheci e consegui apreender um tanto da vida deles. A minha avó, inclusive, a minha avó materna, muitos têm bisavós, que vieram da Itália, bisavós, mas os meus avós é que vieram da Itália. Isso é bem engraçado, eu sou praticamente a segunda geração...
P1: No Brasil.
R1: ... no Brasil, desses italianos que viviam na região de... é o norte da Itália, Treviso.
P1: Sim, sim.
R1: Né? Então, tanto o meu pai também teve essa situação, é bem engraçado isso. E, na Itália, esses meus bisavós, viviam também próximos. Isso é bem... é uma curiosidade, até uma curiosidade que...
P1: Será que eles já se conheciam, lá?
R1: Não se conheciam, vieram a se conhecer aqui na região.
P1: E o senhor sabe... assim, para ficar registado na entrevista, o senhor lembra do nome deles? Tanto paterno quanto materno.
R1: Lembro.
P1: Fala aí.
R1: O meu avô materno era Hector Rigoni e a minha avó Elisa Páscoa Bragagnolo Rigoni.
P1: Hum.
R1: O meu avó paterno era o Albino, José Albino Caramori e minha avó Amélia Suavinho Caramori. Suavinho, até a gente brincava com isso: suava vinho, né? Vinho. ((Risos)) Então, era...
P1: É uma coisa bem italiana.
R1: Ela era portuguesa, portuguesíssima.
P1: Ah...
R1: A minha avó materna, portuguesíssima, Amélia Suavinho.
P1: Ah, que legal.
R1: Lembro deles ________ (03:39).
P1: O senhor sabe o que eles vieram fazer no Brasil, onde que eles moraram primeiro, antes de chegar na região de Franca e por aí...
R1: Eu tenho uma breve noção. Eles vieram pelos... na época, pelo problema econômico-financeiro da Itália, era pós Primeira Guerra, era pós Primeira Guerra. A Itália vivia uma situação, tanto que essa situação que eu disse que era, sendo eu a segunda geração, eles vieram - houve uma situação muito... a minha bisavó, eu vou te dar um exemplo para pegar uma situação, porque senão acho que nós nos estenderíamos muito aqui na... - a minha bisavó veio para o Brasil, não gostou, ela quis voltar para a Itália __ (04:31) e não teve outra saída (risos) a não ser voltar para o Brasil, voltando já com a minha avó. Então, a minha avó veio, foi a primeira, ela já era... ela nasceu na Itália e veio para cá junto com a minha bisavó. O meu avô, inclusive, participou da Primeira Guerra e sobreviveu. Ele é um sobrevivente de guerra, meu bisavô materno. E creio também, que o meu... mais ficou muito batente, isso que ele ficou durante oito anos na guerra, na Primeira Guerra Mundial. Então, existe umas histórias, assim, que ele... sobre traumas de guerras, coisas que a minha mãe conta. Isso são coisas que vão se perdendo, não é? São coisas que vão se perdendo e a gente, às vezes, não atenta muito. Eu hoje conversava com a minha mãe sobre essa entrevista e disse para ela: “Mãe, como foi bom nós conversarmos para...”. Eu retomei aqui alguns dados, para falar com vocês. Como eu disse, eu não queria ter uma entrevista que falar: “Olha, eu não...”. Pelo menos um básico queria ter para passar para vocês, né? E um dia calmo, né? Então, não sei...
P1: Legal. ‘Seu’ Renato...
R1: ... se a minha...
P1: ...o senhor sabe o que eles vieram fazer no Brasil? Trabalhar com...
R1: Trabalhar na agricultura, porque eles eram já... já tinham uma tradição de agricultores. Eram pessoas que moravam em vilas e viviam da agricultura, né? De... eram lavradores. Hoje, tem pessoas que têm pavor: “Ah, lavrador”. Parece que diminui. Mas meu pai, até nos documentos antigos dele, profissão: lavrador. Meu pai era um lavrador, ele plantava mesmo, ele arrendava terras, plantava -antes da sorveteria - verduras, hortaliças e batata. Meu pai era um cara que entendia... ((risos)) Hoje: “Vá plantar batatas”. Pra vocês entenderem melhor isso, que é bem... e eles vieram para a agricultura, aqui, que o Brasil sempre teve essa tradição de...
P1: Legal. E como que eles se conheceram? Porque o seu pai e a sua mãe... desculpa, não ouvi o final, mas...
R1: Não, eu só... pode falar, Luiz. Fique à vontade.
P1: Como que eles se conheceram? Porque um morava em Franca e o outro morava na Boa Vista, que o senhor falou.
R1: É.
P1: Né?
R1: São José da Bela Vista.
P1: Ah, da Bela Vista.
R1: É, São José da Bela Vista é uma cidade bem próxima. Hoje, eu que... há algum tempo era um distrito, hoje passou a ter a autonomia de município. Hoje, não, há algum tempo, eu não sei te precisar isso. Hoje já é um município. Mas eles tinham esses... eles moravam em sítios próximos, já em São José da Bela Vista. E eles brincavam, quando crianças, na infância e o meu pai sempre foi apaixonado pela minha mãe, desde a infância. É um negócio meio... meio... é uma história bonita, uma história que a minha mãe conta de um balanço, que o meu pai arrumava o balanço para ela, tal. E ele era todo encantado com a minha mãe, desde a infância. E em Franca, eles tiveram, assim, algumas mudanças para Franca. Meu pai, junto com os irmãos, arrendaram umas terras, um irmão mais velho dele e era... aquela época, os irmãos mais velhos eram mais, assim, os dominadores, né? Eram os direcionadores da família. Eles arrendaram uma terra, para o plantio de hortaliças e batatas. E ele foi para Franca, um período e depois voltou a São José da Bela Vista. Foi quando eles se conheceram e se casaram, em São José da Bela Vista, Franca, posteriormente, vieram para Ribeirão. Dentro dessa...
P1: E o senhor sabe... desculpa, pode continuar. É que às vezes dá uma... um atraso.
R1: O que eles faziam era ligado à agricultura, à produção de hortaliças, batatas e outros legumes, em geral, cebolas. Eles produziam isso. Eles arrendavam terras, tinha alguma até, já tiveram terras, mas na maior parte do tempo, eles arrendavam terras, para plantio e produção.
P1: Ah, muito bom.
R1: É ‘seu’ Albino.
P1: E aí eles vieram para Ribeirão Preto, o senhor sabe já na expectativa de algum emprego? Fazer o que, em Ribeirão?
R1: Na época, dando continuidade a essa situação do plantio, da lavoura etc, eles tiveram... o meu pai teve uma série de problemas com geadas. Ele plantava as batatas, ele teve... a região de Franca, o clima era muito mais frio. E conforme ele teve... ele teve uma sequência de problemas com a plantação, com as plantações.
P1: Sim.
R1: E ele destinou isso com o meu irmão já nascido, em 1962, meu irmão, ele viveu essa situação de ter que vir para Ribeirão, tentar alguma coisa nova. Ele juntou algum dinheiro, vamos dizer, que ele tinha, alguns valores que ele tinha, alguns pertences e veio para Ribeirão, tentar algo novo, para melhorar essa situação, para tentar uma vida nova na cidade. Que a dificuldade, o país sempre viveu esse êxodo, que eu acho que os interiores precisavam ser mais bem desenvolvidos. Então, não mudou (risos) muita coisa. Vieram para a cidade, porque não existe uma capacidade de subsistência. Eu vejo isso acontecer aqui, a lavoura, com a cana, com... engolindo os sitiantes pequenos, que produzem alimentos de qualidade. Porque não compensa hoje, não é? Então... mas acho que a história parece, infelizmente, se repetir, né, nesse nosso país. Eles vieram em busca de uma vida melhor. E foi quando ele se deparou com um emprego numa sorveteria, que eu até, assim, preciso mencionar, porque o meu pai não... meu pai sempre cozinhou, nós somos uma família que gosta de cozinha, me divirto na cozinha até hoje. Meu pai gostava de cozinhar e ele entrou como empregado numa sorveteria chamada Oscarino. Por volta de...
P1: Oscarino.
R1: ...1964 eu nasci... por volta de 1963, aproximadamente. 1963, por aí. Foi quando ele começou a trabalhar como empregado. E, trabalhando, ele deu continuidade. Esse foi o princípio. Saindo da situação precária da lavoura, com crise, problemas de geadas, porque eles apostavam, eram pessoas que viviam o dia, não é? Não havia tanta possibilidade, tanto crédito, tanta chance de... se alguém falhasse com uma plantação, uma geada, não havia segunda chance. ((risos)) Era muito pior, né? Então...
P1: Ô, ‘seu’ Renato, aí o senhor nasceu em 1964, já em Ribeirão, o seu pai...
R1: Em Ribeirão Preto.
P1: ... trabalhando aí. Sim?
R1: Sim, sim.
P1: E aí, onde que era a casa de vocês? O senhor lembra da casa que o senhor nasceu, o senhor foi... passou a sua infância?
R1: Lembro.
P1: Onde era, como que era...
R1: Eu tenho uma vasta memória e até tenho... é engraçado isso, você mencionar, porque eu tenho, ainda, sonhos, assim, eu sei o local. Foi na rua... eu nasci na Vila Virgínia, Vila Virgínia em Ribeirão Preto. A rua era Rangel Pestana, eu não me lembro se 1982. Isso é uma memória... e havia um rio próximo, um córrego e aquele córrego me aterrorizava. Eu passava, às vezes, ele tinha umas cheias, assim, umas chuvas e quase alagava aquilo e isso sempre ficou na minha memória. Eu tinha um certo pavor daquilo ((risos)) e isso ficou. Eu me lembro, sim. Posteriormente, nós fomos morar, não me lembro bem como se chama o bairro, é quase uma região central, próximo ao Bosque Fábio Barreto.
P1: Sim.
R1: Próximo ao Bosque Fábio Barreto, a rua eu não me lembro. Benjamin Constant, Rua Benjamin Constant.
P1: Sim.
R1: O número eu não me lembro. Aí é ((risos)) muito memória.
P1: Mas não é nem pra o senhor lembrar assim, exato...
R1: E nós ficamos por vários anos, alguns anos e meu pai... eu não sei se eu posso continuar falando para você, porque eu posso te dizer de como ele chegou a constituir essa sorveteria. Se você quiser me interpor alguma pergunta, que facilite para você, senão, eu posso...
P1: É, eu acho seria legal a gente, antes de o senhor falar da sorveteria, uma pergunta só antes, é assim: como que foi sua infância? Do que o senhor brincava, como que era a rua, se era rua de terra, de asfalto, quais eram as brincadeiras com os vizinhos, o ambiente, né? Porque a Vila Virgínia era... não era... hoje é pertinho do Centro, né? Mas naquela época, já era mais afastado.
R1: É. Eu...
P1: O que o senhor lembra?
R1: Na Vila Virgínia, eu era um... eu era novo, eu vivia... eu não tinha, assim, uma autonomia de brincar, eu passei pouco tempo por lá. Depois também, na Rua Benjamin Constant, eu tive... eu fiquei ali até os quatro anos. Eu lembro que eu brincava na rua, eu tinha os vizinhos, eu tinha vizinhos que... eu tinha uns vizinhos muito amorosos, assim, muito... eu vivi uma infância muito boa, uma infância que... de liberdade, vamos dizer. Essa época, me lembra muito liberdade, eu tinha vizinhos... eu lembro que tinha vizinhos que preparavam frutinhas para a gente, a gente ia lá, doces, mas eu fiquei pouco tempo. Aí depois, aos cinco anos, por volta dos cinco anos, eu me mudei para o bairro, para um bairro, que hoje é onde existe uma das sorveterias até hoje, que é uma das... não é a mais antiga, a mais antiga é a da General Osório, que se iniciou em 1966. Esse bairro, os Campos Elíseos, contempla a sorveteria, que é uma sorveteria que veio depois. Eu passei a minha infância nos Campos Elíseos, na Rua Amazonas. Grande parte da minha vida, adolescência. Ali era um local... na verdade, não era bem os Campos Elíseos, era o Alto dos Campos Elíseos, que pouca gente sabia, se chamava Vila Galante, o nome que era o Alto dos Campos Elíseos, que... engraçado, você disse terra, se eu brincava... ela era um limite. Existia o Bosque Fábio Barreto, que era uma área que nós explorávamos muito, tinha o teatro, ali não havia... depois vieram... hoje já são bairros até degradados. Engraçado, né? Porque a cidade sofreu uma degradação. É engraçado isso, houve um... as cidades... a cidade vai se sobrepondo. E a minha infância eu passei nos Campos Elíseos, havia o bosque, então nós vivíamos explorando o Bosque Fábio Barreto, que era, assim, uma preservação de Mata Atlântica, o Bosque Municipal, eu acho muito mal aproveitado, como tudo, infelizmente, que acaba sendo público e o que deveria ser valorizado, público, né, um capricho, um esmero, não é. Infelizmente, o bosque, hoje, é meio complicado. Mas eu passei a minha infância muito livre. Eu fui um menino solto. Até eu fico... eu brigo com o meu filho hoje, que fica participando... as aulas dele são on line, eu falo: “Meu Deus, sai, rapaz, vai para rua, toma um ônibus”. Eu, por exemplo, fui uma... então, a minha... foi de muita liberdade, eu saía de bicicleta. Eu tinha... eu saía de bicicleta e ia para outras cidadezinhas da região. Nós fazíamos expedição de bicicleta. Eu tinha um cachorro, eu tinha um suporte na bicicleta, que eu colocava o meu cachorro, ele ia junto. Nós andávamos 20 quilômetros de bicicleta, a gente...
P1: Sim.
R1: ... se machucava, quebrava braço, quebrava dente, cicatriz na testa. Era aquela coisa perigosa, né? (risos) Vivíamos perigosamente. Então...
P1: Sei, sei.
R1: ... é diferente. Eu vivi uma infância... a minha infância se concentrou até a adolescência, até uma vida adulta lá. Eu morei... passei, morei em São Paulo, depois fiz cursos jurídicos, tive um... aí vim a casar, aí morei em outro bairro. Mas a minha infância foi muito boa. Eu gosto de lembrar da minha infância, me dá muito prazer me lembrar dos meus amigos. Mantenho, uma coisa que eu digo muito para o meu filho|: “Dizem que amigo é qualquer pessoa... o melhor amigo é qualquer pessoa, até que você o teste, né? Até que você o prove”. ((risos)) E, né? Porque não é fácil ter bons amigos de verdade, né? Às vezes falo para o meu filho que eu tenho bons amigos de verdade. Eu tenho amigos que... de cinquenta anos. Quando eu me mudei para Rua Amazonas, com cinco anos eu conheci alguns amigos, que eu mantenho até hoje. Eu tenho um amigo, um agrônomo, trabalha com meio ambiente, que mora em Ubatuba, tem outro daqui. Tem alguns que eu vejo, mas tenho uma estima enorme, temos respeito. Fiz grandes novos amigos, até eu digo tenho amigos de... tenho grandes amigos de pouco tempo, eu falo, né? Às vezes você conhece uma mulher, se casa, você conhece, namora seis meses e casa, vivem a vida toda com a pessoa, não é o tempo que define muitas vezes. Mas eu tenho e consegui manter amigos de cinquenta anos, por cinquenta anos. Meu amigo Farid, de Ubatuba, me liga toda semana, não há uma semana que nós não tenhamos um contato. Então, foi muito boa. Em suma, foi muito boa. Fiz muita maluquice. Hoje eu aprendi até perdoar, porque hoje as pessoas parecem ser mais tolerantes, mas não são. Na época, as pessoas... nós fazíamos umas maluquices, umas coisas que, se hoje, se fizer, é perigoso alguém matar uma criança, ((risos)) pelo que faz, entendeu? Eu acho que as pessoas parecem ser mais tolerantes, mas não são. É engraçado, eu vivi essa tolerância e fiz muita bagunça na rua. Eu era construtor de pipas, eu fazia... eu vendia pipas, eu fazia... eu tive uma infância muito boa. Em suma, foi boa, foi boa a minha infância. Foi muito boa.
P1: E, ‘seu’ Renato, Ribeirão era uma cidade muito diferente de hoje, né? No final dos anos sessenta lá, quando seu pai montou a sorveteria, em 1966, o senhor ainda tinha dois anos, né?
R1: Isso.
P1: Aí, conforme o senhor foi crescendo, como é que o senhor se dividia? Assim, Ribeirão era menor, então era uma cidade, como o senhor disse, muito mais aprazível para se transitar, para ir para qualquer lugar, mas como se dividia seu dia entre a escola... o senhor ia para sorveteria ajudar o seu pai? O que o senhor fazia no dia a dia assim? Como que era a escola?
R1: Houve uma época, até... eu ajudava, eu ajudei sim, uma época, por volta de uns sete anos. Eu ia mais passear mesmo, na sorveteria. (risos) Eu era um garoto. Eu estudava na Escola Fábio Barreto, era aquela questão do primeiro grau, do primeiro ao quarto ano, aquela primeira série do primeiro grau, eu estudei na escola primária, se chamava Escola Primária Fábio Barreto. Comecei em 1969. É, em 1969. E uma coisa curiosa, você disse da cidade. Eu tenho uma... eu digo para o meu filho assim, a cidade era arranjada, havia... eu acho que os políticos eram mais bairristas, eram mais... hoje, eu não sei, eles cuidavam melhor da cidade. E uma coisa interessante que eu posso te falar, que eu falo muito, é que o meu pai me levou para conhecer o caminho da escola uma vez só. Com quase sete anos, eu nem sete anos tinha. Eu morava... ele me levou até a Rua Tamandaré, onde passava... já existiam os ônibus grandes em Ribeirão. Ele falou: “Ó, você vai ter que pegar esse, esse ônibus ou esse, ou esse, todos eles vão lá para o Terminal Carlos Gomes”. Chamava-se Terminal Carlos Gomes, onde é ocupada toda a extensão... hoje existe a extensão. Existe a Praça XV de Novembro, que se estendeu onde havia um terminal de ônibus bem considerável. Ainda existe uma parte, existe ainda uma parte de terminal, mas a praça se estendeu. E o ônibus parava ali e eu descia até a rua... era na Álvares Cabral. Eu acho que era Rua Álvares Cabral, se não me engano, a escola. É uma escola até de uma construção sóbria, é um estilo clássico, um clássico com uma... é uma escola meio gótica, assim, alguma coisa... aquela escola é meio... ((risos)) ela era bem fechada. Mas havia muita disciplina e nós gostávamos. Eu tinha que usar um uniforme, aquela meia alta. Mas o que era legal: o meu pai me levou na escola, no ponto, me levou no ônibus uma vez só. Ele teve carro, ele tinha carro na época, tudo, mas eu tive autonomia, eu ia sozinho. Às vezes eu me perturbava em perder a hora da aula porque, se eu falhasse, a escola era rígida, aquela época tinha uma certa rigidez e você aprendia a cumprir horários. Tanto que eu falei: “Olha, eu quero estar nessa entrevista bem-posto, bem-preparado”. Se eu chegasse um minuto, o diretor colocava um cadeado, o cadeado era um símbolo para você não falhar. O cadeado ficava do lado de fora, ele fechava. E você: “Não, por favor, deixa eu entrar, tenho prova” “Não”.
P1: Perdia aula.
R1: Aí você voltava para casa arrasado. Né? Mas se consertava, aprendia não chegar atrasado de novo. Agora, o interessante é que eu podia circular pela cidade. Quando você fala de sorveteria, desse ponto, eu caminhava, eu ia, andava pelo Centro todo, eu vagava pelo Centro da cidade. E onde é a sorveteria hoje, é uma região extremamente degradada, infelizmente, na General Osório, tanto que não houve a possibilidade, com tempo, de se manter ali, foi uma região que foi se degradando. Em todos os sentidos...
P1: Próximo da rodoviária ali, né?
R1: Sim.
P1: Perto da rodoviária, né?
R1: Isso. Se degradou. Ali era um lugar bom. Existia o mercadão, existiam lojas. Eu caminhava até ali e ir lá era uma diversão para mim, era uma parte da minha infância, porque eu ficava com o pessoal da sorveteria, ficava nas lojas. Existiam as lojas dos sírios, dos libaneses, alguns poucos japoneses. Tinha um japonês que eu adorava ficar na loja. Existiam as lojas... ontem eu fiz até uma... essa... eu rememorei com o Zé, que é o nosso parceiro...
P1: Ãhn.
R: ... ele me fez um apanhado geral do que havia, para me ajudar a lembrar. E eu fiquei fascinado. Eu até falei com a... foi a Cláudia que me ligou, até citei isso. Eu ficava de loja em loja, tanto que me apelidaram de Tiririca, que é uma praga que vai dando, né? Vai criando raiz para todo lado. ((risos)) E me chamavam de Tiririca, na época. “Lá vem o Tiririca”. Né? Que eu ficava... eu ia na loja... existia uma loja de cristais, louças finas, chamada Princesa, eu ficava muito. Existia do lado da sorveteria, Ótica Cica e em frente havia uma loja de roupas dos libaneses, que eu gostava, existia um incensório, ele tinha... algumas lojas dos árabes tinha muito incensório, aquilo me... sempre ficou marcado, eles balançavam o incensório, ele gerava uma... ele... para alguns era bom; para outros, não. ((risos)) Aquele aroma todo, mas era bem pitoresco aquilo e as coisas... e existia uma coisa que eu até falei com a Cláudia, assim, numa situação bem livre, eu disse para ela que existia uma loja de máquinas tipográfica, né, máquinas de escrever da Olivetti e era um show aquilo, né? Em frente, era uma diagonal da sorveteria. Falei: “Poxa, quando é que eu vou ter uma, hein?”. Era mais ou menos uma... eu posso... vou desligar esse telefone. Posso parar aqui?
P1: Pode, pode. Fica à vontade.
R1: Foi o detalhe que eu esqueci: desligar o telefone. Eu tenho telefone fixo aqui, só liga Banco e gente chata. Eu vou acabar com essa linha.
P1: Não, tudo certo.
R1: Tinha uma máquina, tinha uma loja da Olivetti, que era o meu sonho, eu falava: “Um dia eu vou ter uma máquina de escrever”. Você vê, hoje, como... eu conto isso para o meu filho, falo: “O nosso sonho era ter uma máquina de escrever”. Aquilo era um sonho. Tinha umas Olivetti pequenas, grandes. Tinha umas que pesavam quase cem quilos, assim, aí eu ia lá, ficava todo encantado. E havia também as pensões. O Hotel Brasil, que foi tombado, mas acho que o pessoal da prefeitura entendeu o tombamento como uma coisa diferente, acabou, está lá podre e __________ (29:34) ((risos)). E é bonito o Hotel Brasil, na esquina da Avenida Jerônimo Gonçalves.
P1: Sim.
R1: Era um hotel muito bonito. Era um hotel que ele tinha, assim, uns vitrais, assim, uns... ele tinha um... no hall de entrada, ele tinha todo um detalhamento clássico, era muito bonita a escadaria. Hoje, não existe mais nada. Hoje, ele está destruído. Eu não sei em que pé que ficou.
P1: Eu conheci.
R1: Conheceu?
P1: Eu conheci o Hotel Brasil, eu fui visitar, só que tem uns tapumes agora lá. Ele é do século XIX ainda, o Hotel Brasil e são lindos os detalhes que tem lá. Eu fiquei encantado, apesar do estado de abandono.
R1: Se não se faz alguma coisa agora, a tendência é piorar, né? A restauração chega a ser quase impossível. Como umas casas aqui na Avenida Caramuru: “Ah, essas casas são tombadas”. Esse negócio de tombamento tem gente que confundiu, né? Fala: “Vão derrubar isso logo”. ((risos))
P1: Preservar, né? Pois é.
R1: Ao invés de uma preservação histórica, cultural, se torna uma demolição, né? Confundiu tombamento com demolição. Aqui é complicado.
P1: Ô, ‘seu’ Renato, e os passeios em Ribeirão, quando o senhor saía com o seu pai, de final de semana, com a sua mãe, era em que tipo de lugar? Porque, naquela época, muita gente ia para o campo, né, no final de semana, mas também tinha atrações em Ribeirão, né? Tinha o Teatro Dom Pedro II, a Praça XV. Onde que o senhor ia, nos passeios?
R1: Olhe, eu... meu pai sempre foi um amante da natureza, tanto que ele morou até... ele faleceu, inclusive, ele teve um... ele faleceu no lugar que ele queria, eu acho que ele... eu não sei se ele poderia escolher a morte, talvez, a gente não gosta nem de falar, em morte nenhuma. Que morte você escolhe? Nenhuma. Mas ele morava numa chácara extremamente arborizada, meu pai sempre __ (31:50) a gente até falava: “Puxa...”. Rancho, meu pai... nós íamos para um rancho. Nós... o Rio Pardo passa aqui. Eu conheci, eu tive o privilégio de conhecer o Rio Pardo antes das usinas e depois das usinas, que todo mundo falava: “Ah, cana”. Acho que a cana é bom, mas acho que foi mal dimensionada, a cana tomou muito, não precisava tanto, né? Como eu te falo, eu falo sempre para as pessoas: eu acho que a cana é bom, cria uma suficiência, o Brasil é praticamente... tirando essas políticas de preço, nós temos nenhum produto... agora, não precisava invadir tanto. Eu conheci o Rio Pardo antes da chegada das usinas de cana, de açúcar e cana. E meu pai tinha um rancho muito bonito. Muito bonito. Quando eu... meu pai teve... quando ele começou com a sorveteria, ele teve uma ascensão muito boa. Então, assim, nós passamos dificuldades. Sim, nós passamos muitas dificuldades. A vida não era assim. Mas eu, assim, por volta de seis anos, cinco anos, eu já tive... o meu pai já tinha vivido uma ascensão boa. Então, o meu pai... e ele continuou com aquele prazer de ter uma terrinha aqui, um negocinho ali. E a gente até brincava: “Quem...”. Rancho não é bom negócio, né? Porque você gasta (risos) dinheiro, você vai __ (33:28), dá trabalho. Falava: “Mas por quê?” Hoje, eu penso diferente. Tinha uma época até falava: “Mas como é que alguém vai comprar rancho?” Eu me diverti muito nesse rancho. Então, a gente ia para o rancho, nós tivemos chácara. Até o falecimento dele, o meu pai morou numa chácara, num residencial fechado, a chácara era uma das mais arborizadas, assim, nós tínhamos árvores de trinta... temos, as árvores estão lá, né? Vão continuar, além de nós. Então, era rancho. Na cidade, eu ia muito para praças, rua; na juventude nós íamos... aqui em Ribeirão... você conhece Ribeirão, né? Conhece.
P1: Conheço.
R1: A Avenida Nove de Julho, em... vamos pensar aí há uns quarenta anos, era um ponto de reunião das pessoas, daquela coisa de caminhar e encontrar as meninas. Era lotado, todo o final de semana... e a cidade, mas existia também alguns polos, por exemplo, a Avenida Treze de Maio era polo de bares. Bares, boates. A Avenida Independência, tinha várias boates também. Na continuação da... me foge um pouco. Na Avenida Portugal também havia várias boates e bares. E uma coisa interessante: eu tenho esses amigos, como eu te disse, nós saímos assim - há 17 anos, 18 - e nós vagávamos pela cidade. Às vezes a polícia parava. Parava a gente: “O que vocês tão fazendo?” “Ah, nós estamos indo ali” “Olha lá, hein? Vão, vão embora. Circula”. Era muito difícil você ter um confronto de sair, voltar sem relógio. Era muito raro. A minha infância, sete anos, eu passei em 1969, né? Era o auge, assim. Mas eu tinha uma liberdade. E, poxa vida, eu não sei como eu posso dizer para um garoto de 18 anos, como é isso. Eu andava de ônibus, coisas que... alô?
P1: Oi? Estou ouvindo.
R1: Aí. Coisas que eu não consigo explicar bem para o meu filho, sabe? Tipo, a coisa de vivência. Eu, por exemplo, falo: “Vai, vai, vai. Sai um pouco, pelo amor de Deus, sai”. Ele estuda, graças a Deus, estuda bastante, né? Puxou o tio. ((risos)) E ele estudioso, calmo, sai pouco. Ainda bem, né? _________ (36:30), ainda bem. Mas...
P1: E, ‘seu’ Renato, não, concordo plenamente. A juventude de hoje, os mais novos, é muito diferente do passado, não tem como até nem mensurar a diferença da liberdade que tinha. Mas e aí, chegando no ponto da sorveteria, o seu pai conseguiu... o senhor nasceu em 1964, em 1966 ele montou a sorveteria...
R1: Sim.
P1: ... partindo de um comércio que ele já trabalhava, né?
R1: Hum hum.
P1: Como que ele conseguiu know-how e tudo mais e ele se enfiou nessa aventura comercial?
R1: Ele trabalhava em cozinha, ele era os serviços gerais, não é? Dentro desse enquadramento de bar e restaurante, existe o enquadramento que você pode contratar para serviços gerais. Então, ele era mais ou menos um faz tudo: ele atendia, cozinhava. Como ele já tinha essa tradição de cozinha, ele se adaptou, conheceu, analisou, viu, em pouquíssimo tempo resolveu montar uma própria. Eu posso até te fazer uma apresentação já, assim, meio em... quase um cronograma, para você ter uma visão. Talvez, se eu fugir um pouco, você me alerte, me diga, que eu.... ele saiu e alugou um ponto na Rua General Osório, número 71. E, na época, o dinheiro era curto, ele teve até o apoio do meu avô materno e meu avô materno não... os financiamentos eram difíceis para você... ele ajudou um tanto e meu pai depois, com o tempo, honrou esse empréstimo, até com muitos cuidados pessoais, meu avô, sempre... meu pai. E meu tio, que era irmão da minha mãe, também foi sócio, meu avô trouxe o... eles começaram juntos. Meses depois, veio um outro funcionário da primeira sorveteria, que é o José Aparecido Cândido, que está conosco até hoje, que nós, assim, temos um carinho especialíssimo, são pessoas muito especiais. Aliás, todos são. Depois, talvez, mencione para você, são pessoas que herdaram... eu digo que são mais herdeiros da... eu conheço a produção, sei tudo, mas devido a minha vida particular e tratando-se de sorveteria, eu tenho um respeito enorme por eles todos. Vivem muito bem, apesar de ser um comércio simples, é um... eu digo que ela parece um comércio antigo por fora, mas é moderna por dentro. Eu acho que muita gente não pensa isso, né? Todos... todos vivem bem. Não só eu, mas todos. Meu pai teve essa visão, de não querer só para ele, né? Ele... isso acho que fez com que perdurasse. Eu acho que é até interessante, porque vocês estão fazendo uma pesquisa de um comércio que ficou 56 anos em pé, né? É difícil.
P1: É muito.
R1: E o segredo, não é muito segredo, tá, em repartir um pouco o... um tanto. O seu negócio não tem que ser só você, você não vive para sempre, né? Então, a coisa tem que continuar independente, enfim. Mas ele inaugurou essa sorveteria com pouco dinheiro, com esses apoios, iniciou. E, na época, ele não tinha dinheiro nem para pôr letreiro. Eles fizeram, pintaram: “Aqui, breve, uma sorveteria”. E o meu pai tinha uma mão muito boa para cozinha, ele aprendeu muito bem. Ele começou a criar receitas próprias, ele fazia um sorvete de _________ (40:55), com aquele vermouth Florio. Existe até hoje, é bem caro hoje em dia, na época não era caro. Ele fazia o crocante com torrone especial, sorvete de coco. Tudo era muito mais difícil. Até ontem lembrava com o Zé, que a gente não tinha um fornecedor... porque tudo que se faz na sorveteria, os sorvetes de frutas são feitos com frutas, mesmo. O sorvete, hoje, migrou para uma produção mais industrializada, mais fácil, vamos dizer.
P1: Com essência, né? É, com essência, né?
R1: Muita gente... é, exato. Hoje, até hoje... só que hoje nós temos uma pessoa que nos fornece o coco descascado. Mas é um coco descascado em pedaços grandes.
P1: Sim.
R1: Nós temos o sitiante ainda que nos fornece a goiaba, nós temos o sitiante que traz o mamão. Então, nós temos uma ligação na cidade, muito antiga, uma coisa até gostosa. O cara já chega, já... isso, agora acabou um pouco, né? Acredito. Mas aquele comerciante que vem e que nos traz o mamão, traz a família para consumir. Então, nós criamos um movimento muito aberto, muito prazeroso. E meu pai tinha muito prazer nisso, em comerciar, né? De fazer... e a relação com a sorveteria. A minha era de ir lá e eu era muito novo, mas...
P1: Tomar sorvete. O senhor ia lá tomar...
R1: Tomar sorvete eu enjoei, né? ((risos)) Eu até enjoei de sorvete, mas eu tomo. Eventualmente, eu tomo. Tomo assim, até bem, eu provo, eu tenho que fazer provas etc. Mas a sorveteria iniciou de uma forma simples, sem letreiro. É ainda simples, não é nada sofisticada, mas nós estamos firmes aí. Inteiros, né? Tudo feito à mão. Por exemplo, o coco eu dei um exemplo, eu ajudava, com cinco anos, a descascar coco. Eu tinha que quebrar o coco com alguma coisa, porque vinha aquele coco sem a casca, aquele coco maduro, com a polpa já firme e nós tirávamos. E até tinha uma coisa, uma curiosidade, que quando a gente quebrava o coco, em cima de uma peneira, nós colhíamos a água, muita água de coco. E todo... isso era bom, né? Eu tomei, eu tomava muita água de coco. Essa água dos cocos ficava sempre gelada, pronta lá para gente, era uma coisa... era um... e então era... tudo ainda hoje, o limão, ainda é tudo... é limão, é... tudo que você pensar em fruta, melancia, nós fazemos ainda com a fruta mesmo, né?
P1: Na época, era a única sorveteria que fazia com fruta natural?
R1: Não, eu creio que existia outra, outras. Eu até me esqueci o nome, me perdoe. Eu estou tentando lembrar.
P1: Não, não.
R1: Mas, assim, nós chegamos a um momento, em que nós erámos praticamente os únicos que exploravam assim, o chocolate. Porque são muitos. Hoje, eu até fiz uma conta. Você vê que é uma coisa bem autêntica, o que eu estou falando para você, porque oscila os... conforme, por exemplo, frutas da época. Nós estamos agora com o cajá. E cajá também nós... uvaia, melancia sempre agora, porque não há problema. Antes, havia uma questão de sazonalidade. Aí vieram outras espécies de... abacate, por exemplo, você tinha era só o abacate manteiga, você não tinha... hoje começaram o avocado e outros... outras frutas, que você tem mais disponibilidade de frutas hoje, né? Mas também não adianta, às vezes o exótico não vende. ((risos)) Tem que tomar cuidado. Não é? “Ah, nós fazemos frutas __ (45:24). Eu esqueci o nome daquela fruta exótica que o meu pai tinha na chácara inclusive, é uma... ela é toda vermelha... cor de rosa. Esqueci o nome dela agora. Aquilo você faz, vem um apreciador aqui, ali, mas não dá comércio, né? Não dá. Não dá comércio, como eu digo, né?
P1: Mas, ‘seu’ Renato, aí o senhor já falou na entrevista que a sorveteria fez sucesso, né?
R1: Sim.
P1: Alavancou o negócio. Quando que o seu pai abriu a segunda unidade?
R1: A segunda unidade, por incrível, foi até uma boa pergunta, porque ela segue um caminho... a segunda unidade foi a Barão do Amazonas, em 1970, que foi a sorveteria onde ele começou a trabalhar, ele a adquiriu do patrão. Ele comprou do patrão. Ela ficava...
P1: Ah, que legal.
R1: ... na esquina da Rua Barão, com a São Sebastião. Meu pai teve um tal sucesso, que ele acabou por adquirir a sorveteria do patrão, do Oscarino.
P1: Ah, que bom.
R1: E lá foi onde eu mais... era onde eu mais gostava de ficar, para falar a verdade, porque era uma parte mais nobre. Ribeirão, a Rua Barão do Amazonas, era onde havia um comércio mais chique, era uma coisa mais... eu lembro... eu posso te dizer de alguns vários comércios, que ontem eu fiz uma reciclagem mental aqui, eu parei para... ((risos)) eu dei uma atualizada no sistema e eu poderia te dizer muito dessa... dos comércios. E essa sorveteria foi a segunda. A terceira depois, também, foi uma área que não nos compensava mais por problema de estacionamento, calçadas nas... as mesas de calçadas foram restritas ali naquela região. E é uma coisa... até fazer um aparte, essa questão, que eu torço muito para que isso aconteça - eu gosto, eu vou em shopping, mas não sou muito de ficar em shopping. Eu vou objetivamente. Eu falo que eu sou um cara que ou eu vou para algum restaurante ou eu vou comprar alguma coisa e tchau. Eu não sou de ficar perdendo muito tempo - pela revitalização. Acho que esse pós-pandemia, que voltem as cidades a serem revitalizadas, a serem valorizadas, porque as pessoas foram fugindo da briga, né? Fugindo. “Eu não vou me envolver, o negócio está ruim. Ali tem muito problema de tráfego, eu vou embora daqui”. Parece até que ela... parece uma série, aquela... não sei se eu... parece a _________ (48:23): mudou alguma coisa ali, os caras querem destruir o que aparece de novo, ou de ruim, o que quer que seja, mas não enfrentam. Então, as cidades foram ficando sectadas, foram... a cidade foi ficando sectada, foi ficando... e essa região da Barão, ficou... também não é um... então, nós acabamos, nós fomos... ele foi para Barão, ficou um tempo, depois não foi interessante. Foi quando surgiu, logo em seguida, 1975, a Saudade. Ele adquiriu o ponto da esquina que, ao lado, hoje, atualmente, é o Bradesco, farmácia, tem vários Bancos ali, é um local de... é um local simples, o prédio tem em torno de uns cem anos. Nós tentamos uma época fazer uma reforma, mudar alguma coisa, mas o engenheiro falou: “Se vocês mexerem num pilar aqui, desaba o quarteirão inteiro. Tem que deixar. ((risos)) Não adianta, não adianta mexer”. Inclusive, está passando por obras. A prefeitura... a nossa situação, como você diz, de comerciantes, não é não... comerciante de rua, olha, todos mereciam medalhas, sabe assim: “Olha, vamos dar medalha”. O comerciante, o comércio de alimentação de rua. Esses caras precisavam ir para um pódio assim, fazer homenagem, todo mundo cantar, porque não está... não é fácil. Porque essa pandemia veio a ineficiência do poder público, fazendo uma reforma, eles esburacaram, para fazer um corredor de ônibus que eu até... eu fui participando da reunião da ACI eu falei: “Não, ótimo, maravilha. É bom para cidade, a gente... nós vamos perder um pouco de calçada, né? A gente...”. É um local que possibilita as calçadas... as mesas na rua e eu apoiei, só que tem um problema: a obra não termina. Então, nós tivemos pandemia, uma obra que não acaba. Eu não sei, eu brinco, falo: “Poxa, tem um pessoal do poder público”. Eu não quero entrar em política, de forma alguma. Eu sou apolítico, __ (50:26), mas tem um pessoal que parece que acorda de manhã, fala: “Eu vou para o trabalho, que eu vou tomar um copo de pinga, né?” Porque só isso pode já explicar uma obra. Poxa, qualquer pedreiro vai lá e faz o negócio rápido, os caras estão... então nós tivemos problema... mas é um ponto onde nós estamos, que foi o terceiro ponto e tem o Jardim Independência, que veio logo depois de 1978, que continua. Atualmente, nós continuamos com esses dois pontos: na rua... na Avenida Saudade, esquina com a Rua Anita Garibaldi, que tem uma história também e no Bairro Jardim Independência, que é um bairro retirado, né? Como o meu pai tinha os imóveis ali, ele tinha essa esquina, ele ocupou, ele adquiriu, porque lá é um espaço maior, que nos serve até para fábrica.
P1: Sim.
R1: Assim, nós temos uma ideia de uma expansão, mas continuando com a tradição, fazia um moderno conservador. Como é que eu posso dizer? Porque é como outro dia eu dizia para uma... “Vocês não vêm para Zona Sul”. Falou: “Olha, a Zona Sul pode ir até nós também. Lá existe vida, lá existe consumo, talvez muito maior”. Porque na Zona Sul o pessoal, às vezes, sai pouco. As pessoas que vão às ruas, ainda são as pessoas que têm aquela tradição da cidade... não podemos, né, deixar que a cidade fique adstrita a esse movimento de __ (52:23). Não, acho que as autoridades tinham... quem pensa em público, em sociedade, tinha que pensar que os bairros não podem ir se degradando dessa forma.
P1: Sim.
R1: Daqui a pouco vai ter só uma parte da cidade preservada, boa. O resto, né? Porque vai virando um feudo aquilo, né? Você vai virando uma coisa, uma estrutura feudal. Queira ou não queira, é quase uma coisa bem colonial, né? A cidade vai apodrecendo __ (52:59).
P1: Isso.
R1: Então, mas nós apostamos muito na rua, o estilo bar carioca. Eu, por exemplo, adoro o Rio, eu vou, de vez em quando eu vou. Fala: “Ah, mas você vai para o Rio? Rio tem...”. Pô, eu vou, eu fico em Copacabana, gosto de ficar em Copacabana, para ver a muvuca mesmo. ((risos)) Eu gosto dos bares cariocas, né? Aqueles barzões de rua. Além de venderem bem, que muita gente não sabe quanto vende esses bares cariocas, (risos) além de venderem muito bem, é aquela tradição da rua: você está ali, você vê o pobre, você vê o rico, você vê político de esquerda, de direita, de centro, do que for. Você vê aquela confluência de gente. Isso é bom. E essa foi a linha que o meu pai tinha. Meu pai tinha essa linha.
P1: Ô, ‘seu’ Renato, desculpa...
R1: O que é isso! E eu que disse que era tímido para falar, ainda estou falando feito papagaio.
P1: Não, mas para gente isso é ótimo. Pior coisa é o entrevistado que não fala nada. ((risos)) O senhor está ótimo. Deixa eu perguntar: o senhor, pelo que me contou na entrevista, não se preparou para ser um comerciante, se preparou para ser um advogado, né? O senhor fez Direito, né?
R1: Sim.
P1: E, ao longo da escola, nada sugeriu ao senhor, que o senhor poderia assumir a sorveteria e tomar conta dela? O senhor já tinha paixão pelo Direito?
R1: Já.
P1: Como que foi isso?
R1: Não, não, eu vou ser bastante sincero com você: eu sempre acompanhei a sorveteria, sempre foi uma paixão. Eu, mesmo quando, desde os primeiros anos de Direito, acompanhava o meu pai. Meu pai, eu era o famoso “resolvedor de problemas”, há muitos anos, desde o primeiro ano. Isso aí desde... meu pai até brincava, todo mundo falava assim: “Ih, Renato, ó, lá vem o teu pai”. Falou: “Ó, tem um problema aqui, tem um cara que está me procurando, não sei o quê. O que eu faço?” Falo: “Daqui, deixa eu falar com ele”. Então, eu sempre estive envolvido em tudo, desde contratação... inclusive, uma coisa interessante: nós nunca tivemos uma reclamação trabalhista, em cinquenta e poucos anos. Nós não formamos... nós não temos empregados, nós temos... e eu também não gosto de usar esse negócio de colaborador, parece que você quer fazer ficar bonitinho. É empregado, porque é um emprego, né? Hoje, ficar enfeitando atrapalha, né? E fica uma coisa meio, né? Ah, é uma coisa... mas nunca tivemos reclamação.
P1: Sim.
R1: Por quê? Então, eu cuidava dessa parte de... conheço, máquinas, eu sempre estive. E, ao longo do tempo, como é um negócio virtuoso, eu tenho um irmão médico, ele é professor na Unesp, meu cunhado é médico, uma família toda com uma vertente médico. Eu sou advogado, eu tenho empresa também, tenho outra empresa na área de seguros e finanças também. Minha esposa também é advogada. Então, temos... mas eu sempre me preparei... chegou um dado momento, que eu acho que a gente, nós todos, nós temos que ter uma visão, como eu digo, uma visão organizada de sucessão. Meu pai começou a envelhecer, eu falei: “Poxa, tem as pessoas que vão dar continuidade, elas... eu vou dar continuidade”. Meu irmão sempre isso ficou muito claro entre nós, pacífico que, se ele viesse a falecer, eu continuaria, né? Ou arrendaria, ou venderia. Mas eu preferi continuar, porque eu tenho uma paixão por esse negócio, entendeu? Eu gosto, eu... como é que eu digo? Hoje, nós temos 25 funcionários. Eu não consigo dizer para você que tenha um que eu não goste. É engraçado, eu gosto de todos e tenho orgulho em dizer. Eu vou até... posso citar alguns nomes aqui? Se...
P1: Pode, pode.
R1: O José, o Zé Aparecido Cândido, são... ele está conosco desde 1966; o Carlos, que eles têm participação numa das empresas, né? São... temos o Aurelino, temos o Alessandro, cuida da produção; o Marcos Duarte, José Alves Cardoso, Benildo Duarte, Luís Antônio. O Luís Antônio Coelho, que está conosco aí há uns trinta anos, por aí ou mais. São vários: Fábio, Varley, Geraldinho. Então, são pessoas que estão conosco há muitos anos. E qual é o meu orgulho assim, que era o orgulho do meu pai, que eu abracei isso com carinho, com amor, porque eu não olhava... se fosse para eu olhar para o negócio como um mero negócio, que não envolvesse paixão humana, que não envolvesse esse lado social, eu nem ficaria por perto. Todos trabalham bem. Hoje têm casa, têm veículo próprio. Os que, logicamente, melhoram, têm uma vida, têm uma resposta melhor, financeira. E digo também assim, nós, o nosso pensamento, era uma expansão. Em 2020, eu estava pronto a... meu pai faleceu em 2017, em 2018 eu me acomodei com a situação, 2019, entre 2019 e 2020 eu pensava numa expansão. Tanto para dizer que não era uma visão financeira, seria... eu seria muito leviano, vamos dizer, mas a empresa precisa crescer, não só por mim, pelos funcionários. Tem funcionários que precisam também assumir outros postos. Então, é mais do que hora dela ter um outro passo. Porque, senão, ela vai se limitando e não há como você fazer milagre, gerar finanças, para pagar melhor todo mundo. Ela tem que crescer, eu tenho gente capacitada. Então, é necessário isso. Então, todos ali, eu tenho muito carinho, foi por isso que eu abracei isso. Eu não sou a pessoa que eu não consigo estar nas duas casas, mesmo se tiver três ou quatro e, como ocorria, a gente não consegue estar em todas. Então, nós dependemos dessas pessoas, né? A Saudade, principalmente o José Cândido e o Carlos Correia, que são... o Carlos e o José são quase irmãos para mim, eu não consigo... ou pais também, né? Às vezes confundo as coisas, eu tenho muito... é como, muitas vezes, eu confundo a pessoa da... a amizade até com uma... com um toque paternal deles para comigo, eu com eles. É uma coisa muito... nós somos muito unidos. Porque não houve (01:00:52).
P1: Ô, ‘seu’ Renato...
R1: ... um aspecto bem social. Ela é uma empresa que eu não... eu procuro sempre favorecer. Eu, graças a Deus, pelo trabalho, pela minha vida, eu sempre... eu plantei, eu acho que eu sou filho de lavrador, então ((risos)) eu plantei boas coisas e sempre fui uma pessoa muito... né, não quero dizer de mim, mas assim, eu colho sempre coisas boas. Então, com essas pessoas, eu procurei viver o melhor e procuro viver, o destino vai dizer, a gente... nós estamos em movimento, em continuidade, eu não sei o que será amanhã, mas é assim que pensamos, é a base do nosso pensamento, como pequena empresa.
P1: Sim. Ô, ‘seu’ Renato, essa expansão que o senhor imaginou, a gente sempre pergunta sobre projetos futuros para os comerciantes, né? Essa expansão seria uma expansão de abrir mais uma unidade ou uma expansão de modernizar o negócio, talvez, quem sabe. O senhor nunca pensou em abrir uma marca para vender no supermercado, em outras cidades? Uma franquia, que pudesse ter no Rio de Janeiro, em Manaus e... assim, eu estou exagerando, mas assim...
R1: Não, não.
P1: ... que tipo de expansão o senhor imagina que o senhor pode chegar a ter?
R1: É uma pergunta muito pertinente, muito exata, porque eu já pensei e pensamos muito. O grande detalhe desse... até é interessantíssimo, a sua pergunta foi, assim, genial para mim, foi... era algo que sim, nós pensamos. O grande problema: para se manter. Nós trabalhamos, o nosso tipo de sorvete, muitos abandonaram. Por quê? Porque com essa... são máquinas Carpigiani ainda muito fortes, elas são muito robustas, essas máquinas, é um modelo SED 30/40, a maior parte delas, são... cada casa deve ter umas cinco máquinas, quatro... quatro. Eu tenho à disposição umas nove máquinas dessas. São antigas, robustas. E elas são batedeiras. Elas têm uma torre de resfriamento que abastece, faz circular a água e álcool gelado e onde existe uma paleta que bate o leite ou o sorvete a base sem lactose e eles criam consistência. É onde nós conseguimos fazer um produto... eu não gosto, acho ruim de falar, natural. Tudo é natural, né? Até... ((risos)) tudo. Mas é um produto in natura, assim, feito na hora, com frescor. O nosso leite é comprado, é entregue praticamente todos os dias. Nós não conseguimos deixar... esse tipo de sorvete não vai emulsificante, conservante, ligas neutras artificiais ou não.
P1: Sim.
R1: Ele tem leite, tem açúcar, tem muito... né, é um doce, um doce. Mas, além disso, ele tem frutas e ele é feito no dia. Nós não conseguiríamos entregar o mesmo produto de forma industrializada. Aí teria que ser um outro produto, teria que trabalhar com __________ (01:04:37) artificiais, com conservantes. Porque sorvete, a verdade, vou te falar: se você coloca um sorvete, você vê um sorvete que ele fica lá, não vou citar nomes, algumas marcas, né? Tem algumas marcas que você vê, você vê o sorvete está ali, você passa depois de três dias, ele está ali, mole. E isso tem segredo. O sorvete, a tendência do sorvete feito... se você fizer... você pode fazer sorvete em casa, bater no... colocar para congelar, dá um trabalho danado. Tem gente: “Ah, vi uma receita lá, bato no liquidificador, deixo na geladeira, depois bato de novo”. Trabalheira do inferno, né? Mas esse sorvete, se você deixa, ele cria cristais de gelo, ele começa a ficar ruim. Então, o nosso prazo, o nosso sorvete, ele tem que ser, até, equilibrado, para ter uma consistência. Então, ele não dura muito. Eu teria que mudar toda a sistemática. Eu, atualmente, tenho procurado uma forma, tenho... inclusive, como eu te disse: a pandemia não só atrapalhou ((risos)) a nossa locomoção, a nossa vida humana, mas atrapalhou muita coisa. Eu estava... entre 2019, eu ia para São Paulo, fazer um reconhecimento de várias marcas, italianas, tem uma ítalo-polonesa, tem várias máquinas que... eu estou estudando uma série de produtos, assim, de... até produtos mais com a linha vegana, sabe? No momento, não. No momento, nós fazemos aquele sorvete tradicional mesmo, porque...
P1: Natural.
R1: Ah, outra coisa: franquia. Franquia, eu tenho que mudar o sistema. Não pode ser esse sistema tradicional. Para trabalhar com essas máquinas, batedeiras, elas... você precisa de gente especializada. É como um padeiro. Imagine: você vai abrir uma padaria. A padaria tem isso, ela tem... você tem treinamento e cursos. Para sorveterias, as coisas criaram uma vertente de máquinas e as máquinas que trabalham praticamente sozinhas. Você põe lá, mistura. Igual aquele sorvete da... também não vou citar daquela famosa marca americana, que tem o M lá, né, eu não gosto de citar marca. Aquilo ali é um preparado, o cara coloca, ela tem uma batedeira, ela cria uma aeração, tem conservantes, é aquele sorvete soft.
P1: Sei, sei.
R1: Então, a tendência, infelizmente, foi partida, o mercado foi partindo para essa... é difícil você falar: “Ah, eu quero fazer um sorvete de cajá, de jabuticaba”. Nós fazemos. Nós temos fornecedor de jabuticaba, vêm o cara do sítio, traz a jabuticaba. Então, é um nicho, se eu... como é... a grande questão era: para eu ter uma franquia, eu teria que ter uma pessoa muito especializada. E eu não consigo. Tem gente que me liga e fala: “Não, que não sei o que, eu quero... eu...”. É complicado. Primeiro que a gente não vai entregar um... né? É uma questão de confidencialidade, é uma questão... como eu falo: aparentemente, nós somos muito simples por fora, mas muito atentos por dentro, né? Não dá para a gente... todas as pessoas que trabalham ali, que aprenderam a trabalhar e produzir, elas sabem que é difícil. Você tem que tirar o sorvete, você tem que ter as colheres de pau. É um trabalho, realmente, artesanal, ainda. Então, ele dá esse sabor, esse frescor. Tem gente que toma sorvete de manhã. Isso é engraçado. Nós temos clientes que falam: “Puxa...”. Eu não diria assim, eu não quero entrar nesse assunto, que isso é meio contraproducente para mim, mas eu... o cara, nove horas da manhã, está tomando um copão assim. Por quê? Porque é o horário que começa a ficar pronto e o sorvete tem uma cremosidade que só...
P1: ... naquela hora.
R1: E eu tenho fregueses velhinhos, muitos velhinhos, assim. Esses dias, uma... foi muito até triste com essa situação da pandemia, uma senhora completou 98 anos e pela primeira vez ela não pôde comemorar, que ela adora chupar um sorvete. Pela primeira vez, ela não pôde comemorar: “Mas vocês não têm um jeito aí de me receber escondidinha?” Eu falei: “Olha, é complicado”. Né? É bastante complicado isso. E ela... e, mesmo assim, nós fizemos, todos os funcionários ligaram para ela. Ela ficou numa alegria! Então, é engraçado, o pessoal toma sorvete cedo. Por quê? Porque essa... e é difícil reproduzir isso numa franquia. Já pensei e eu vou tentar. Só que eu ia tentar 2019 e 2020, não deu certo, porque não pude ir. Todo aquele trabalho pessoal que eu ia fazer, foi impedido. Eu falei: “Agora 2021 não passa”. Lá ia eu de novo, fazer toda a pesquisa. Não deu. Mas vai acontecer, sim. Eu vou trabalhar... a nossa ideia, se não for uma coisa regional, maior, assim, maior, mais expansiva, mas que seja regional. Nós pretendemos, sim. É preciso, eu preciso fazer, não por mim, entende? Não por mim. É pelos meus empregados, meus parceiros. Eles precisam de crescer mais, eles precisam ganhar mais.
P1: ‘Seu’ Renato...
P2: Renato, deixa eu fazer uma pergunta, Lú, nessa sequência? Oi, Renato...
R1: Oi.
P2: ... estou aqui escutando já faz tempo, viu?
R1: Tá.
P2: Estou com água na boca. ((risos))
R1: Quando você vier, mando fazer algo especial para você.
P2: Então, você falou assim, dessa questão dessa senhora de 98 anos, do rapaz que vai logo cedo, como se fosse um café da manhã, né? E esse cuidado todo, desse preparo desse sorvete, artesanal, né, que a gente... quase artesanal, né? Uma produção. Eu queria que você falasse da clientela. Você deve ter, assim, clientes de longa data, assim, que têm essa coisa da memória...
R1: Sim, sim.
P2: ... do cheiro, do gosto.
R1: Sim.
P2: Queria que você falasse um pouquinho da sua clientela.
P1: É, quem são...
R1: É, nós temos... Oi, Luís, pois não.
P1: Só completando, assim: quem são os seus clientes, né? E os que você lembra mais?
R1: São muitos. Eu tenho clientes de... a gente tem, assim, eu quero... nós temos clientes de todas as classes, todos os tipos, todos... tem muitos idosos, tem muita gente nova. Tem gente... existe um processo, muita gente me diz: “Você precisa ir para um bairro”. Porque os bairros onde nós estamos, são tradicionais. São bairros que tiveram processo de envelhecimento, mas são bairros normais, são lugares de circulação, tem empresas, tem tudo. Nós temos jovens, nós temos idosos. Tem muitos idosos que adoram, até pela vida. Tem a família dessas pessoas. Porque você conquista o cliente com carinho, com bom atendimento, isso é uma coisa que a gente... nós exigimos assim. Não é uma exigência tosca, brutal: “Ah, pô!”. É uma coisa natural. É uma coisa natural. Porque não é fácil lidar com o público, você nunca vai agradar a todos. Você tem problemas... tem pessoas traiçoeiras que... eu tenho concorrência desleal, cara que acessa lá o Google... como é que chama?... Google Negócios, Google Business, né? Que vão lá para... fazem comentários: “Ai, não sei o que, estava muito doce”. Tem gente que nós já descobrimos isso, até desagradável. Mas nós temos uma gama de clientes muito grande. Desde criança... agora, o que nós precisamos, assim, tratando-se de negócio, é firmar a marca com essa geração nova, né?
P1: Sim.
R1: Inclusive, assim, há uma sugestão, que eu ainda não acatei, eu não abracei ainda essa, que é a mudança de Sorveteria do Geraldo. Isso era muito comum, o meu pai veio da Sorveteria do Oscarino, tinha o Bar do José, o Bar do Japonês. Isso era uma muito... uma coisa antiga.
P1: Sim.
R1: Hoje as marcas tendem a ser mais... tendam a simplificar, né? Assim, existe: “Poxa, vocês deviam passar ‘Geraldo Sorvetes’”. Criar. Porque eu tenho registro de marca, tudo. Mas eu ainda fico... eu estou aguardando ainda porque, se eu fizer essa migração, a Sorveteria do Geraldo vai estar do lado. Inclusive a logo, eu fiz uma... eu tenho uma logo que eu fiz quando eu era... você me perguntou quando, como eu participava. Essa logo que você vê, acho que você já viu, “Sorveteria...”. Na época, eu procurava, as pessoas tinham umas ideias, tinha uns publicitários ruins, eles vinham com umas coisas. Eu falei: “Ó, quer saber? Eu vou fazer”. Eu era novo. Como chamava aquele programa? Aquele programa ancestral que tinha lá que era o... Draw. Não, não era o Draw. Como que era, meu Deus?
P2: Paint Brush?
R1: Oi?
P2: Paint Brush?
R1: Eu acho que era. Isso mesmo.
P2: Bem simples.
R1: É, que você puxava e fazia. Isso mesmo. Fui eu que fiz. Eu inclinei as letras ali e fiz. Então, há muito tempo eu venho acompanhando isso. Agora, os novos precisam... a gente tem muito a fazer, tem muito a fazer. Eu acho que sempre a gente tem a fazer. Enquanto empresa, a gente tem que pensar uma coisa: a empresa é dinâmica. Ela não pode pensar... eu não posso pensar... eu tenho muitos amigos empresários que pensam só neles. E eu falo: “Qual o maior erro de vocês?”. Eles só pensam neles. “Pô, dane-se, eu estou bem, que o mundo se exploda lá fora”. Não. Eu penso diferente: eu preciso criar oportunidades, para que os meus parceiros cresçam também. E trazer a clientela nova. Fazer com que eles conheçam o produto, essa história do sorvete. Porque é um sorvete, realmente, artesanal. Eu não consigo abrir uma... aliás, é trabalhoso, é muito trabalhoso para se fazer esse sorvete artesanal. Não é uma... não é um sorvete que você mistura uma formulazinha, um preparado aqui, ali e ele fica pronto. Não. Você tem que picar abacate, à época do abacate. Cajá-manga, nós estamos tendo. Eu até anotei aqui, frutas, atualmente, hoje, nós temos: abacaxi, abacaxi com hortelã, cajá-manga, caju, cajá, limão, maracujá, melancia, uvaia, uva, tamarindo e jabuticaba. Mas é de jabuticaba mesmo, não é alguma essência de jabuticaba, não. É jabuticaba, mesmo. Então, ele é trabalhoso. Atualmente, uma unidade está com... nós estamos com 64 sabores; a outra, um pouco menos, porque nós equilibramos isso.
P1: Sim.
R1: Mas o público é em geral, a partir da pergunta do Luís, nós temos aí um público de todas as idades. Inclusive as crianças são, assim, o nosso... elas adoram, né? Tem dias que... tem até o nosso... uma pessoa que trabalha com a gente, que faz, geralmente pede autorização, filma as crianças, tal. A criançada, tem criança que falam: “Não, vamos lá na outra sorveteria”. Fala: “Não, a gente quer ir lá no Geraldo”. ((risos)) E é isso. Todas as idades. Todas as idades.
P1: ‘Seu’ Renato...
R1: Pois não.
P1: ...o senhor aprendeu todos esses segredos da ciência da sorveteria observando o que seu pai fazia, né? E o comércio? Porque o comércio também tem uma ciência, né? O senhor tem que trabalhar com contabilidade, com compra de material, colocar preço, atender cliente. Como que o senhor aprendeu tudo isso?
R1: Olha, engraçado, esses dias - eu vou te fazer um aparte, também não citando nomes - dentro do nosso... de um espaço nosso, numa rede social, nós vimos uma pessoa oferecendo uma consultoria para sorveteria.
P1: Sei.
R1: E um amigo nosso resolveu contatar essas pessoas. “Há quanto tempo vocês estão no...” “Ah, nós inauguramos faz um ano o negócio”. O cara fez - não desmerecendo, veja só, por favor, hein? Não, nada, sem desmerecer - um curso de gestão de negócios, acho que no Senac um tempo e resolveu dar uma consultoria para empresas que montem, uma boa aventura. Como é que nós vamos aprendendo isso? A gente aprende... nós aprendemos sofrendo, errando, acertando, se angustiando. A parte contábil, também nós somos bem assessorados. Eu leio. Chega um momento que eu acompanho as convenções coletivas de trabalho, eu procuro levar tudo à risca: horário, tudo, vale alimentação. Chega um momento, que a empresa... essa administração fica natural. Por exemplo: fornecedores. O lidar com fornecedores, por exemplo. Num dado momento, você tem mil fornecedores que vão te oferecer o melhor ao melhor preço. Você vai apurando quem são, realmente, os melhores, os que cumprem, os que não te aborrecem tanto. Não é? Você apura isso, quem são. A coisa tem que ser facilitada. Eu até digo: “Tem pessoas hoje mais preocupadas...”. Isso quem diz muito é o Carlos, inclusive, o Carlos Correia, o José. Eles falam: “Pô, esse pessoal está enchendo muito as paciências da gente”. Eles gostam. “Enquanto a gente está preocupado em fazer o sorvete, o cara quer: ‘Ah, vamos colocar não sei o que, fazer um trabalho’. Poxa, o produto está aqui, está ótimo. Venha”. Sabe? Lógico que tem o aparato eletrônico e tudo, mas as coisas fluem, começam a fluir naturalmente, você vai aprendendo. Você vai selecionando quem são seus fornecedores. Isso se torna, com o tempo, uma cadeia simples, não é uma... eu vejo que o comércio tem que ter uma simplificação. Tem gente que inaugurou coisas fabulosas, que fecharam, que não sobreviveram à pandemia e a outras situações. E a outras situações. Muitos comércios fecharam. Eu tenho conhecidos. Por quê? Porque, talvez, deixaram de lado uma regra básica: aprenda quem são... com quem você pode comercializar, com quem você pode negociar, os preços, os melhores preços. Lógico, você busca, mas nem sempre o melhor preço vai te trazer, no futuro... às vezes tem um cara aventureiro, que ele quer te conquistar no preço, para depois... depois você perde a ligação com aquele que tinha um preço médio. Nem sempre você vai ganhar todas. Tem gente que não quer perder nada, o cara quer viver naquela avareza, naquela coisa e acaba não entendendo que perder, num dado momento, é ganhar também. Você se... você fazer bons parceiros, né? Isso foi o que eu aprendi. Vender é bom atendimento. Aposto que você vai a algum lugar, onde você chega e fala: “Puxa, fui mal atendido”. Você tem aquela sensação de indiferença, de frieza.
P1: Sim.
R1: Hoje, as pessoas, também está complicado. O cara ao invés: “Ó, não gostei”. Ao invés dela reclamar, ela vai lá no Google: “Eu odiei e tal”. E fala um monte. Por que não vai lá e conversa? Fala: “Olha...”. Eu faço assim. Eu tenho... eu sou freguês de alguns restaurantes aí, de alguns lugares, onde eu vou e, se não está bom, eu falo na hora. Falo: “Escuta, ó, não está legal isso, não. Não, isso não está bom”. Mudou. É uma concepção, as pessoas, parece que estão perdendo essa capacidade. Mas é isso: você ir aprendendo legislação. É um conjunto: legislação, é o trato, é a questão de lidar com o ser humano, entender. Nem todos os dias as pessoas vão estar bem. Hoje você pode estar de bom humor, amanhã teu temperamento é outro. Isso oscila. Mas, no geral, é manter uma certa harmonia, uma... é isso. Eu acho que é bem isso que eu aprendi com ele. E eu segui isso. Eu acho que a gente não... eu falo assim: “Eu tenho o meu estilo?” Tenho. Senão, não seria eu. Tem muita gente que fala, eu estou falando um negócio, assim, até falo mais dele do que de mim, que é _______ (01:23:16). Se for, por exemplo, o Carlos, Carlos Correia ou o José. Eles são pessoas que eu tenho, assim, que posso dizer que trabalham de uma forma tão natural, tão... “Os abacaxis, cuido eu”. Entendeu? “Eu cuido dos abacaxis”. Eu procurei deixá-los à vontade para... eu acho que cada um tem a sua participação, fazer, o outro... então, nós temos um conjunto, é uma equipe que é esse equilíbrio. É isso. Agora, uma consultoria... por exemplo, tem gente que, pô, está um ano aí, o cara quer dar consultoria? Pô, espera lá. Eu acho que é até respeitável, quem sabe ele traga... mas não tem muito de novo. Por exemplo: eu já fui assistir coisa. As coisas giram por aí. “Ah, conheço...”. Tem uma maneira de complicar o simples, sabe? Assim, ((risos)) tem uma questão de pessoas que querem complicar o simples.
P1: O simples.
R1: É por aí.
P1: ‘Seu’ Renato...
R1: Pois não.
P1: ... na pandemia, quando começou a pandemia, o ano passado, né, foi terrível para os comerciantes, né? O comércio foi o que mais sentiu, de todas as áreas. Mas muitos comerciantes conseguiram se...
R1: ... se manter.
P1: Se manter com o delivery. Mas o sorvete dá para entregar? Como que o senhor fez?
R1: Dá, sim.
P1: Não dá para pegar...
R1: Dá, sim.
P1: Ah, dá?
R1: Outra pergunta interessante. Muita gente pergunta. Não que nós não tivemos problemas, né? Nós tivemos, sim. Mas eu não entrei... nenhum dos nossos funcionários teve perda salarial, nós não fizemos suspensão de contrato de trabalho, nem diminuição de carga horária, não entramos em banco de horas. O pessoal trabalha bem tranquilo. Todo mundo recebe. Quando... se eu não puder pagar, eu falo: “Gente, acabou. Tchau. ((risos)) Encerrou”. Mas foi assim: o que que nós tínhamos, na pandemia? Primeiro: eu acho que muito comerciante precisa ter uma antevisão. O comércio, você... isso eu aprendi, vivi, participei, até ajudei muito o meu pai, no meio desse caminho tem muitas imperfeições, muitas falhas, mas um ensinou ao outro muito, sobre isso com os meus parceiros também, aprendi muito com eles. Tem até um menino novo, que eu tenho um gerente administrativo lá na casa do Jardim Independência, que é extremamente prático. Ele veio de Salinas, lá da terra da cachaça, aquela cachaça maravilhosa lá e ele era um menino simples, assim. E qual é a capacidade de uma pessoa, né? O cérebro. Ele tem uma capacidade de me ajudar... eu aprendo também, eu não tenho... eu vivo aprendendo com eles. E a pandemia foi uma... porque nós tivemos, entre aspas, uma ‘sorte’, de ter, já, um trabalho de delivery desenvolvido. Principalmente a Saudade, nós tínhamos... como nós... esse lado popular que eu te digo que os fornecedores, as pessoas sentem a sorveteria como se fosse uma extensão da sua casa: “Ah, vou lá, tal, conversa com o Zé, eu vou lá conversar com o Geraldinho” - que é o funcionário, Geraldo - “eu vou conversar”. Então, essa dinâmica que nós tínhamos e temos, isso ajudou muito. Porque nós tínhamos também um grupo de motoqueiros, entregadores, que já eram praticamente fixos. Eles já ficavam ali. Nós tínhamos um trabalho assim: “Ah, vocês têm o aplicativo tal?”. Não. “É o fulano que está pedindo”. A gente conhece a cidade. É uma coisa bem empírica, mesmo. Eu até não mudei isso muito, não. Eu trabalho com iFood, eu trabalho... tenho, nós temos iFood, entregamos bem. Só que, pô, o iFood cria uma impessoalidade, até é meio relativo. Gosto muito, não vou... mas o que que aconteceu? Não mudou muito. Nós pegamos uma onda, assim, nós fechamos uma época. Nós fechamos, nós ficamos... foi péssimo, foi horrível. Foi uma sensação horrível. Foram... nós ficamos 21 dias fechados, três semanas. Mas tão logo nós pudemos, nós fomos a todo vapor. Ninguém perdeu. E essa experiência que já tínhamos os motoqueiros, já era uma coisa antiga, foi assim... foi... não vou te dizer que não, porque a demanda pelos motoqueiros era grande. Então, nós tivemos. Ainda estamos tendo uma queda considerável de vendas. Agora, sobre a pergunta da conservação, que é a embalagem. Nós trabalhamos com... se fala isopor, como é que se chama? É um isopor, né? Vamos falar. Isopor é uma marca. É com embalagem de conservação grossa, larga. Então, se você hoje pegar um sorvete, por exemplo: “Ah, eu vou levar para São Paulo”. Nós temos pessoas de São Joaquim da Barra que ligam: “Ó, eu vou passar hoje aí, vocês deixam aí”. O que nós fazemos? Nós colocamos na embalagem, no isopor e deixamos um tempo no congelamento. Ele fica mais firme. E o sorvete fresco, cremoso, chega tranquilamente, dura bastante, até uma... quase uma hora. E em Ribeirão Preto, se você pegar no nosso ponto, ele chega. Então, o sorvete é algo que é tranquilo. Nós mandamos embalagens fechadas de copinhos, de copo comestível...
P1: Sim.
R1: ... pazinhas. Isso tudo vai tudo embaladinho, tudo limpo, hermético. Tudo tranquilo. Isso chega tranquilamente. Não é um produto como churrascaria, né? Churrascaria é triste, porque você vai: “Me manda um churrasco”. Não chega bem. Não sei se você já teve essa experiência, pedir um filé que é maravilhoso... esquece.
P1: Não vai chegar.
R1: Não chega bem. Só chega pizza. Pizza sempre... as pizzarias estão ganhando muito, né? Pelo que se sabe, né?
P1: Sim, sim.
R1: E o sorvete, lógico, tivemos... mas ele chega bem. Então, nós não tivemos assim... e há a possibilidade de, se você for para São Paulo: “Ah, eu vou passar, vou para São Paulo”. Nós temos clientes que pegam e levam para São Paulo. O que nós fazemos? Nós congelamos um pouco, damos uma gelada no sorvete e a pessoa pega, chega tranquilo. Ela põe no congelador lá. Lógico que tem que esperar... mas dá para levar, tranquilo. Então, não houve... tem uma embalagem um pouco mais fininha, aquela não. Aquela...
P1: É ruim.
R1: ... é 15 minutos. Mas nós trabalhamos, ela é mais cara, inclusive. Mais cara.
P1: ‘Seu’ Renato, o senhor investe muito em propaganda? Antigamente, todos os negócios faziam propaganda no jornal, na rádio. Hoje não sei, né? Como que é o senhor?
R1: Não, eu... é engraçado: o nosso boca a boca já funcionava assim, a ponto de ter um excesso até de... atendimento sempre foi uma coisa de rua, já era conhecido... é uma formação de uma marca, de um negócio, que não é um ano. São 56 anos, né? Não é uma coisa... então, uma coisa é boca a boca e haja boca, né? Gente falando, falando, falando. Isso já existe. Já existia. Nós fazíamos publicações em jornal, eventualmente em rádio, alguma coisa. Mas era pouco. Agora, com o advento de redes sociais, nós temos, sim, uma pessoa, que é o Caíque, ele é fotógrafo, ele é publicitário, ele tem uma formação muito boa, que faz um trabalho. Mas nada assim, tão... nós temos uma... Facebook, Instagram, ou no Google, ele me ajuda a responder tudo. E, eventualmente... que há um tempo, era necessário alguma coisa. E também aquela publicidade assistencial, né? Vinha o jornalzinho da igreja lá que ajuda... ((risos)) “Ah, vocês publicam...”. Era caro pra caramba essas coisas. ((risos)) Ficava mais caro acho que... não, era uma tirinha lá. Nós fazíamos, sim, até por carinho ao pessoal. É uma troca. Às vezes a gente fazia. O pessoal dos jornais, jornal A Cidade, sempre foram muito amigos, muitos clientes, jornal O Diário.
P1: Sim.
R1: Jornal A Cidade ficava próximo da sorveteria da Barão. Eu ia ver de vez em quando lá. Eu ia no jornal. Então, virou essa... é uma troca. Eu acho que é o que eu falo: se você não gasta muito, você fica muito... isso eu falo para quem vive de comércio, né? Cara muito: “Eu não gasto, não gasto”. Também não vende. O dinheiro vai, mas volta. Então, essa dinâmica nós praticamos. Isso é uma... é algo que eu aprendi. Eu não sou muito... eu sou um cara até meio gastão, você sabe? Assim, às vezes... não no sentido... porque eu sei que vai e volta. Os nossos funcionários aprenderam isso também, assim. Por quê? Cada funcionário cria seus amigos de rua, ele tem suas famílias, ele traz clientes também. Então, essa dinâmica, pouca gente pensa. Tem gente que trabalha parece que num aquário ruim, né? Um aquário ruim. Que eu falo que, assim, eu até digo, eu falo para os funcionários: “Gente, não é que aqui está tudo bem...”.
P1: Sim.
R1: “... vamos maneirar tal coisa. Ó, paga a luz”. Para economizar. Não vamos ter essa visão do aquário, né?
P1: Certo.
R1: Que às vezes você vive dentro do aquário. É um aquário no meio de um mar perigoso, né? Você fica ali protegidinho. Se quebrar aquilo ali, vem tubarão, vem tudo te pegar.
P1: Sim.
R1: Então, a gente não pode ter essa visão de aquário, né? De ficar isoladinho e então, eu acho é essa interação. Isso que eu posso te dizer de...
P1: Legal. Resumindo: a Sorveteria do Geraldo já é tão sólida, a presença dela em Ribeirão, que ela se vende sozinha, né?
R1: Sim.
P1: Tanto é que foi o próprio Sesc daí de Ribeirão que falou: “Não, a Sorveteria do Geraldo tem que fazer entrevista com eles, porque é a sorveteria da cidade”.
R1: E, olha, eu te digo, nossa, com as obras da Saudade ali, nós estamos precisando urgente pintar. Ela é simples, viu? Não é um lugar sofisticado. Parece assim ó, o nosso estilão, é estilo bar carioca: é mesinha na calçada.
P1: Sei.
R: Eu brinco, a cidade tem um espaço pequeno. Como eu te falei, é um cantinho. Nós temos uma outra casa que serve de depósito, tem a cozinha. Ela é bem... ela é pequena. A outra casa também é antiga. Não vá pensar que é nada sofisticado, mas elas são pontos firmes. Tem gente que vai lá, eu não sei, virou uma cultura, um funcionário ensina o outro. Eles... por que disso? Porque todo mundo vive bem. Você implanta. Aquele negócio que você assiste e fala: “O cara lá, o restaurante foi mal, não sei o quê”. Por trás, tem uma história. Por trás disso tem uma história. Às vezes são pessoas que não tratam as pessoas com dignidade, com respeito, com chance, às vezes, não... poxa, você vai fazer uma retirada financeira, poxa, porque eu não posso favorecer o... pelo menos os melhores? __ (01:36:22), favorecer, participam. Então, é esse conjunto, né? Agora, publicidade, nós temos feito, sim, assim. Mais é rede sociais, você lança uma coisa mais forte. Que é o que funciona hoje, né? Hoje, vou dizer para você, é difícil... esses tempos, eu fui... recebi um contato de uma pessoa de um jornal, um jornal. Puxa, o cara: “Eu fiz com você”. Falei: “Cara, mas isso aqui está mais caro do que se eu impulsionar o Google”.
P1: É.
R1: “O Facebook, se eu fizer um impulsionamento, dá para fazer miséria com esse valor”. O cara: “É, não sei o quê”. Vira aquela coisa, aquela tirinha lá. Tem o cara que vende calendário de futebol, que eu nem ligo para futebol. A gente faz ainda uns negócios, deixa lá no balcão, o pessoal pega. A gente faz. Geralmente, se faz. Tem essa parceria. Funciona. Tem que fazer. Você é lembrado de alguma forma. Mas tem coisas hoje que, sinceramente, sem efeito, né? Tem...
P1: Sim.
R1: ... jornais pequenos. Isso é uma situação meio... um sinal dos tempos, né? Tem muito jornal, né?
P1: De tira. Verdade. Ô, ‘seu’ Renato...
R1: Pois não.
P1: ... o senhor costuma ficar pensando em inventar novas receitas de sorvetes, à noite, assim? ((risos)) Fica resolvendo...
R1: Eu tenho... eu, juntamente com os Carlos, nós temos uma série de novos sabores aí que nós estamos estudando aí. Uma série de coisas. Mas dependeria também, nós precisamos, é desse outro movimento, assim. Se eu... porque o sabor novo, ele precisa... engraçado, falando de comércio: o que vende bem ainda são os... você tem sessenta e... hoje, 64, tem dia que varia. Tem época que tem 58, 53. Hoje, na Saudade, nós temos 64 e eu creio que no Jardim Independência, uns cinquenta e poucos. É um pouco menos. Por quê? Porque lá é bairro que tem um movimento... então, como é um sorvete perecível, ele... nós não podemos nos arriscar. Inclusive, com a pandemia, houve um consumo menor de alguns sabores. Eu precisei excluir dez sabores, que eram sabores que fazia uma quantidade pequena. De maçã com canela. Agora nós retomamos o maçã com canela. Eu, particularmente, não gosto, mas tem gente que adora. Né? ((risos)) Então, eu precisei excluir sabores. A gente... nós temos esse controle. Porque, como é perecível, não adianta, se eu rebatesse esse tipo de sorvete, como ele não tem muitos produtos artificiais, ele não fica bom. Eu não posso me queimar. E do jeito que eu não posso me queimar, eu também não posso queimar dinheiro jogando sorvete fora, porque é descartado. Grande parte dele assim, quando ele está num ponto, o pessoal leva, os funcionários. O pessoal lá nem toma mais sorvete assim, já enjoou, né? Prova. Porque sobra. Nós temos sobra. Nós apostamos, às vezes... de repente, a meteorologia fala: “Ah, sol a semana inteira”. Você abre a janela, vem uma tempestade, chove a semana inteira. Acontece. Você perde. (risos) Você perde material, você perde... você perde.
P1: Está certo.
R1: Nós nunca negamos sorvete para pessoas de rua. Nós sempre deixamos um... é uma tradição nossa também. Apesar de que hoje, está muito difícil, viu? Até o pessoal de rua anda meio... eu digo assim: hoje o aspecto criminal é muito pior. Hoje, é difícil. Enfrentar as ruas, é muito difícil. Apesar de que as ruas é que sobrevieram, né? Imagina quem tem comércio dentro de shopping. Imagina quem...
P1: Muito pior.
R1: __ (01:40:56) porque você tem aí o __ (01:41:00) dentro... puxa... por exemplo: eu, graças a Deus, eu tenho um número de sapatos até bom, não precisei, mas imagine você comprar sapato... eu acho que nas ruas dá, né? Nas ruas dá ainda para você ir lá. Como é que você vai experimentar? “Ah, me manda o sapato, aquele modelo tal”. Chega, não dá certo. Eu não sei, eu acho que fica uma coisa tão... eu precisava de uns óculos, também tive uma certa dificuldade. Eu precisava trocar o meu... estou com uns óculos que eu preciso trocar. E shopping... agora, rua é difícil também. O comércio de rua está, assim... é difícil. É difícil.
P1: Ô, ‘seu’ Renato, bom, estamos chegando no final assim, da entrevista, eu gostaria de saber se o senhor tem... alguma pergunta que eu não fiz, que o senhor gostaria de falar, assim.
R1: Eu acho que eu explanei bem o espírito do negócio.
P1: Sim.
R1: Pelo fato de você ter me dito que foi lembrada a sorveteria, que a empresa foi lembrada, eu falo mais em nome do meu pai, do que em meu próprio nome. Falo mais em nome dos meus funcionários, quero deixar isso bastante, assim... eu quero que... eu quero deixar que isso nos lisonjeia, nos deixa orgulhosos.
P1: Sim.
R1: E creio que, se houver uma possibilidade, porque a gente sempre sonha com essa outra vida, meu pai ficaria muito feliz de ter acompanhado essa continuidade. Isso pode ser ilusório, pode não ser, eu não quero entrar nesse campo. Isso aí é assunto para horas e horas a fio, né? Mas eu fico muito feliz com essa entrevista. Estou muito feliz. Eu quero deixar aqui, se eu puder deixar uma homenagem para os funcionários, para o Alessandro Duarte, para o Elton Ferreira, o Luís Antônio Coelho, o José Alves Cardoso, o José Aparecido Cândido, o Carlos Correia. Todos eles são... o Aurelino. Todos. Geraldinho, Fábio, o Toinho, que nós chamamos de Toinho, ((risos)) que é um baixinho. E todo pessoal que está conosco aí, assim, os que têm menos anos de casa, já vão aí para os seus... mais novinhos assim, são uns quatro anos.
P1: Sim.
R1: Teve um recentemente que teve dois anos, mas assim, a maioria dos funcionários ali tem... nós temos pessoas de 56 anos de casa, quarenta, trinta, vinte. Então, eu queria deixar essa homenagem para eles. Essa... que essa entrevista, eu quero deixar claro, que ela atende, de coração, mais ao que o meu pai deixou, aos meus parceiros, a mim, no resguardo disso, mas eu quero deixar esse crédito mais a eles até, do que a mim. A mim, eu faço a minha parte. Quero que essa tradição continue. Falo sempre isso. E o que eu queria acrescentar é isso: que nós pretendemos continuar fazendo um sorvete que alegra. Porque numa época... eu assisti um documentário sobre refrigerante. “Ah, o refrigerante é um horror, tal”. E entrevistaram um dos caras mais antigos de uma indústria de refrigerante. Ele falou: “Se o refrigerante não...”. Porque é diferente, o sorvete que a gente faz tem nutrientes, né? Tem bastante. Mas o refrigerante é uma coisa questionável, né? O refrigerante não é uma coisa nutritiva. Muito pelo contrário, quer dizer. Mas entrevistaram... isso é uma resposta que ninguém me fez essa pergunta, mas eu estou dando uma resposta, a uma provável imaginação assim. Perguntaram para esse senhor dessa indústria de refrigerante: “Qual a finalidade? Porque é um xarope açucarado que, com água e gás, quando você toma o gás, dá aquela sensação de sabor. Para quê? Não serve para nada”. Ele falou: “Serve sim. Serve para o prazer. Só. Tinha que ter mais alguma coisa?”. ((risos)) É o prazer. Eu quero continuar com a sorveteria, que a sorveteria continue, para levar esse prazer, para que as pessoas continuem se alimentando financeiramente desse negócio. Que é a verdade também.
P1: Sim.
R1: Se nós começarmos: “Ah, tudo...”. Não. Todo negócio visa lucro, mas se o lucro não estiver de braços dados com algum princípio bom, a coisa pode tomar um rumo estranho. Onde muita gente... você fala que muita gente... você comentou: muita gente sofreu na pandemia, talvez por não ter administrado. Talvez por viver glamour demais. Fala: “Opa, olha o dinheiro aqui. Deixa eu... isso aqui é muito bom”. E não pensou em guardar. Não pensou que aquelas famílias: “Ah, vai ter a suspensão do contrato de trabalho”. Ninguém teve suspensão de contrato de trabalho. Ficou fechado, eu paguei o salário do mesmo jeito. O pessoal tirou as férias coletivas. ((risos)) Foi uma beleza. Mas é esse comprometimento. Talvez muita gente não tenha esse comprometimento. Eu aprendi. Por isso que eu digo que não é só... essa entrevista eu acho que é uma extensão do que eu faço, isso, é como se ele... eu pretendo passar para você um pouco do pensamento dele. Eu seria muito pretensioso, muito convicto a dizer que eu acompanhei, ajudei, participo, mantive viva, já são quatro anos do falecimento dele, mas nisso tudo tem o espírito dele. E todos que trabalham lá, respeitam. Eu acho que isso foi muita bacana. São muitas famílias. Nós tivemos empregados que são ______ (01:47:40) hoje, saíram, lá não é um lugar para início e fim, pode ser só uma passagem. É uma empresa, que a pessoa pode entrar, amanhã sair. Mas é um lugar bom. É isso que eu queria...
P2: Maravilha. Renato, deixa eu fazer uma pergunta que eu gosto, nesse momento do encerramento, né? E dessa experiência de você ter contado a sua história, a trajetória do seu pai, do negócio. Como é que foi para você perceber que essa entrevista vai estar parte do Museu da Pessoa, das Memórias do Comércio de Ribeirão Preto? Acho que travou.
P1: Travou.
P2: Travou.
P1: Mas acredito que foi isso que ele falou.
P2: É. Vamos esperar, ver se ele volta. Para a gente encerrar, mesmo, aquela pergunta, né? O que você achou de você ter dado a entrevista? Essa experiência de você falar sua história, sua trajetória, do seu pai.
R1: Eu achei incrível e eu achei muito interessante esse projeto, eu não conhecia, vou procurar conhecer, porque é uma forma de resgatar a história, porque tem muita coisa... se você, hoje, for até uma Junta Comercial, que era ali, só se você fizer uma pesquisa. Eu, como advogado, tive um... tenho um exemplo a dar: eu defendi uma pessoa que alegava ter passado um período em uma escola que era... ele era cego, ele tinha um curso, era um curso especial, além de braile, ele tinha... e ninguém conseguia provar. Então, eu comecei a correr atrás de relatos e consegui juntar relatos. Ao final de tudo, é que eu consegui um documento. Então, é muito difícil se obter a história de uma cidade, de uma empresa, de uma... de situações de vida, sem um relato humano. Eu acho que o relato humano, o relato pessoal, é muito importante. Eu gostei muito de participar. E eu até... vocês até me instigaram uma... eu vou fazer um trabalho com o José, que ele já tem uma idade avançada, que está conosco, que ele é uma verdadeira... ele tem uma memória, assim, prodigiosa, foi onde me fez lembrar ontem, coisas que... eu me preparei, assim, um pouco, né? Eu falei: “Eu vou juntar umas partes para não... para caso o Luís me perguntar, eu não ficar: ‘Acho que era tal’”. Não. Eu anotei umas coisas, mas ele me ajudou muito e me fez lembrar também. Isso foi muito... então, resumindo: eu acho... eu achei muito interessante isso. E desejo a vocês que isso progrida mais e se expanda. Se vocês precisarem de algum contato aqui em Ribeirão Preto, alguma coisa que vocês queiram entrevistar, eu só tenho a recomendar. Vocês foram muito simpáticos. Uma experiência muito boa. Muito bom, em todos os sentidos. E acho muito proveitosa para a história, para a cultura e para as coisas que vão se apagando, porque a gente não pode deixar com que a história não seja contada, que a história se apague por falta de relatos, né? Tem pessoas que... “Como que era ali?” “Sei lá”. Né? E vai acontecendo. Essa geração nova não tem mais essa visão. É um sei lá.
P2: Maravilha.
R1: Então, adorei. Adorei, Cláudia. Adorei, viu? Muito obrigado. Foi um prazer.
P1: Muito obrigado. Agradeço muito ao senhor, Renato. E assim que a gente estiver em Ribeirão, nós estaremos aí. Vou conhecer pessoalmente.
R1: Será um prazer.
P1: Um abraço.
R1: Abraço para vocês todos.
P2: Tchau, tchau, obrigada, Renato.
P1: Obrigado. Tchau, Cláudia.
P2: Tchau, Lú, tchau, Tiago.
R1: Tchau.
P2: Superobrigada. Foi ótimo.
R1: Eu que agradeço. Obrigado!
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