Depoimento de João Francisco Navarro Garcia
Entrevistado por: Daniela Lima e Claudia Leonor
Araraquara, 17 de Setembro de 1999
P/1 - O senhor pode começar falando seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é João Francisco Navarro Garcia, nasci em Nova Europa, uma cidadezinha bem pertinho aqui de Araraquara, no dia 09 de março de 1940.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - Meus pais, meu pai é João Navarro Peres, minha mãe é Maria do Carmo Garcia.
P/1 - E os avós?
R - Meus avós, é Maria Peres Plazzas, avós paternos e o meu avô João Navarro Saes.
P/1 - Eles são daqui de Araraquara?
R - Os meus avós vieram da Espanha, não pra Nova Europa, eles vieram pra Jaú e depois foram pra Nova Europa. Já o meu pai, meu pai também nascido em Jaú e depois foram pra Nova Europa, e meu pai e minha mãe até hoje estão em Nova Europa.
P/1 - E os avós maternos também...
R - Maternos também, depois eles foram embora de Nova Europa. Eles foram pra uma cidadezinha do Paraná, onde eles vieram a falecer.
P/1 - E a atividade profissional dos seus pais e os avós?
R - Dos meus pais e avós, eles eram lavradores, né? Os avós tanto paternos como maternos, eles eram lavradores. Meu pai também se aposentou como lavrador, trabalhador na roça.
P/1 - Ele tinha um sitiozinho? Como era?
R - Tinha. Eles eram proprietários de sítio em Nova Europa, tanto os meus avós paternos como maternos. Depois meu pai herdou, depois meu pai vendeu, agora ele tem, mora na cidade, casinha própria.
P/1 - O senhor chegou a passar a infância no sítio com os seus pais ou já quando eles casaram?
R - Ah, sim. Não, não. Eu passei no sítio a minha infância, bem no sítio mesmo. Depois, fui embora pra Nova Europa com cinco anos, fui na escola em Nova Europa aos quatro anos que tenho até o 4º ano do 1º grau depois tinha de trabalhar no comércio. Inicialmente comecei a trabalhar na roça, cortar cana pra uma fábrica de água ardente, lá em Nova Europa, que hoje...
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Entrevistado por: Daniela Lima e Claudia Leonor
Araraquara, 17 de Setembro de 1999
P/1 - O senhor pode começar falando seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é João Francisco Navarro Garcia, nasci em Nova Europa, uma cidadezinha bem pertinho aqui de Araraquara, no dia 09 de março de 1940.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - Meus pais, meu pai é João Navarro Peres, minha mãe é Maria do Carmo Garcia.
P/1 - E os avós?
R - Meus avós, é Maria Peres Plazzas, avós paternos e o meu avô João Navarro Saes.
P/1 - Eles são daqui de Araraquara?
R - Os meus avós vieram da Espanha, não pra Nova Europa, eles vieram pra Jaú e depois foram pra Nova Europa. Já o meu pai, meu pai também nascido em Jaú e depois foram pra Nova Europa, e meu pai e minha mãe até hoje estão em Nova Europa.
P/1 - E os avós maternos também...
R - Maternos também, depois eles foram embora de Nova Europa. Eles foram pra uma cidadezinha do Paraná, onde eles vieram a falecer.
P/1 - E a atividade profissional dos seus pais e os avós?
R - Dos meus pais e avós, eles eram lavradores, né? Os avós tanto paternos como maternos, eles eram lavradores. Meu pai também se aposentou como lavrador, trabalhador na roça.
P/1 - Ele tinha um sitiozinho? Como era?
R - Tinha. Eles eram proprietários de sítio em Nova Europa, tanto os meus avós paternos como maternos. Depois meu pai herdou, depois meu pai vendeu, agora ele tem, mora na cidade, casinha própria.
P/1 - O senhor chegou a passar a infância no sítio com os seus pais ou já quando eles casaram?
R - Ah, sim. Não, não. Eu passei no sítio a minha infância, bem no sítio mesmo. Depois, fui embora pra Nova Europa com cinco anos, fui na escola em Nova Europa aos quatro anos que tenho até o 4º ano do 1º grau depois tinha de trabalhar no comércio. Inicialmente comecei a trabalhar na roça, cortar cana pra uma fábrica de água ardente, lá em Nova Europa, que hoje não existe mais, né? E depois, resolvi entrar no comércio em 1957.
P/1 - Quantos anos o senhor tinha?
R - Eu tinha 17 anos, na ocasião. Entrei no comércio com 17 anos, trabalhar num armazém, naquele tempo era Secos e Molhados e Armarinhos em Geral, então se vendia tudo, naquele tempo, valia tudo.
P/1 - Tem irmãos, irmãs?
R - Eu tenho só um irmão, mora em Nova Europa até hoje, é comerciante.
P/1 - Mais novo?
R - Mais novo, mais novo, é comerciante.
P/1 - Como é que era Nova Europa nessa época quando era pequeno?
R - A Nova Europa era uma cidadizinha pequena, né? Levou o nome de Nova Europa, porque quando ela foi fundada, foi só gente da Europa que foi morar lá, então levou o nome de Nova Europa por esse motivo. Uma cidadezinha pequenininha, naquele tempo, sem asfalto. Depois, hoje, já uma cidadezinha um pouquinho mais bonita, asfaltada, né? Naquele tempo, não era município, hoje é município. Aquele tempo pertencia, era dependente de Tabatinga. Hoje já é município, uma cidadezinha muito gostosa, que gosto muito de lá. Eu vou sempre lá, mesmo porque tenho meus pais lá, também né?
P/1 - O senhor passou a sua infância em Nova Europa? Brincava com o seu irmão?
R - A minha infância, naquele tempo a infância, não tenho assim, foi uma infância muito pobrezinha, então não foi uma infância assim muito gostosa, né? Mas, naquele tempo, pra mim foi muito gostosa. Uma cidadezinha pequena que não existia muitos divertimentos, né? Então foi uma infância... E os meus colegas de escola alguns tenho ainda lá em Nova Europa, outros foram se distanciando, a maioria não sei onde é que estão. Mas gosto de Nova Europa, até hoje eu vou sempre à Nova Europa.
P/1 – Com quantos anos começou a estudar ?
R - Eu comecei a estudar com 7 anos.
P/1 - Já em Nova Europa?
R - Sete anos, em Nova Europa.
P/1 - Como foi o seu contato com a escola?
R - Muito difícil quando entrei na escola, porque fui criado com os meus avós e só falava em castelhano, eu entrei na escola, foi um sufoco, não sabia falar em português, meu Deus do Céu! Isso foi o mais duro da minha vida, viu. Entrar na escola e não saber falar em português, Nossa Senhora! Mas depois fui me adaptando, fui me adaptando e fiz o 4o ano de escola lá, aí as coisas foram melhorando.
P/1 - Essa ascendência espanhola refletiu de alguma maneira na casa, nos costumes?
R - Ah, ficou. Até hoje... Eu gosto muito de ser descendente de espanhol, porque me acostumei inclusive, na ocasião, com as comidas espanholas. Mas depois me casei com uma mulher que também era descendente de espanhol, então muita coisa a gente continua na casa da gente até hoje. Aquilo que é de bom, como a comida, alguma comida. Até hoje a gente guardou o que era de bom da descendência, acho que consegui guardar.
P/1 - Que comidas são essas? Que o senhor gosta mais?
R - Comida espanhola, eu diria o quê? O espanhol gosta muito da lingüiça de porco, feita em casa, sei lá. O tempero espanhol, a batata... quê mais eu diria.
P/1 - Na época do sítio, seus avós faziam, matava o porco, fazia uma comida no sítio?
R - Matava porco, fazia o chouriço no sítio. Ate hoje, quando tenho oportunidade, tanto eu quanto a minha mulher, nós fazemos o chouriço até hoje. Está um pouco mais difícil hoje, quando nós temos oportunidades que a gente vai passear na casa dos parentes, onde eles porco, no sítio, que eles matam o porco, até hoje a gente faz um chouriço famoso.
P/1 - Tem lembranças então dessa época, quando chegou na escola falando espanhol e os amigos todos português?
R - Ah, sem dúvida, viu.
P/1 - Teve bastante amigos, logo no começo, ou demorou um pouco?
R - Não. Eu tive dificuldade por isso, viu. Às vezes, os meninos da escola, os meus companheiros de escola, eles davam risada por causa da minha língua e até de vez em quando a gente fazia uma briguinha, viu. Mas depois fui me adaptando e foi indo cada vez melhor.
P/1 - Jogavam bola, brincavam juntos?
R - Naquele tempo, bolinha de gude, pião. Bola, nunca fui muito chegado, mas bolinha de gude, pião, isso aí a gente... A pipa, né? Isso aí a gente fazia muito junto.
P/1 - E os professores? Como eram, ajudavam pelo contato com outra língua?
R - Ajudavam. Fui muito ajudado por minhas professoras. Uma delas ainda é viva em Nova Europa.
P/1 - Quem é?
R - A dona Alice Funfas Kfouri, ainda é viva, as outras, uma Ivete, não tive mais contato com ela, não sei se ela vive ainda. Acredito que sim. E outras que já faleceram, dona Dinair...
P/1 - A disciplina era muito rígida?
R - Bem rígida, bem rígida, muito rígida. A revista nas unhas, né? Não podia ter unha cumprida. Ah, se tivesse unha cumprida!
P/1 - O que que acontecia?
R - Ela fechava mãozinha da gente e batia com a régua assim, na pontinha: "Olha, amanhã você não vem com a unha cumprida, não."
P/1 - Não deixava?
R - Não deixava. Mas sempre fui muito cuidadoso. Acho que muito poucas vezes que eu fui repreendido, viu. Eu acho que não deixava a minha unha cumprida não. Porque via os meus companheiros, às vezes, serem repreendidos, então me cuidava pra não acontecer com a gente.
P/1 - Dentro de casa era muito rígido também, os pais, os avós? Foi criado com os avós?
R - Não. Eu tive uns avós de ouro. Puxa vida! Meus pais também, nossa! Meus pais são um carinho, sempre tiveram muito carinho por mim. Não tenho queixa, acho que todo mundo gostaria de ter os pais que tenho, viu. Eu acho que sim.
P/1 - Tinha grupos de amigos, quando já foi ficando mais jovem, 14, 15 anos?
R - Aí já, já fui ficando moço, já tinha os meus amigos escolhidos, naquele tempo. Os amigos que andavam de bicicleta junto comigo, né?
P/1 - Moravam em Nova Europa?
R – Moravam em Nova Europa. Alguns deles, Nova Europa tenho poucos, que me recorde. Alguns deles moram aqui em Araraquara, estão aposentados: o Denir, que foi meu bom companheiro de baile. Eu gostava muito de baile, sempre gostei muito de baile. Então, a gente não perdia os bailinhos.
P/1 - Como eram os bailes?
R - Os bailinhos à base de valsa, de baião. Depois, mais na minha juventude mais avançada, o bolero, né? É muito gostoso. Foi uma juventude muito gostosa, gostosa mesmo. Me diverti minha juventude lá em Nova Europa de uma forma muito sadia, gostosa, que tenho certeza que eu não vou esquecer não.
P/1 - A cidade promovia festa? Onde que era o baile lá na cidade?
R - Nós tínhamos um clube, Clube da Sociedade Alemã, que foram os fundadores, ainda existe o clube, só que ele mudou de nome agora. Mas, naquele tempo, no meu tempo era Sociedade Alemã. É um clube muito bom, composto de uma sociedade bastante honesta, sadia. Então era muito gostoso ir lá. Um clube que, dificilmente, você via briga. Foi muito bom, minha juventude foi muito gostosa.
P/1 - O senhor tirava as moças pra dançar?
R - Ah, sim. Oh!
P/1 - Tinha muitas paqueras? Muitas amizades?
R - Ah, tinha. Tinha muito boa amizade, paquera.
P/1 - Como era a moda? Como eles se vestiam pra sair, pra ficar em casa, pra trabalhar?
R - A moda, naquele tempo, na minha juventude dificilmente você via uma moça com calça comprida, não via. Naquele tempo não via. Vestido pra baixo do joelho, tudo muito bem cobertinho. Pra você ver alguma coisa era meio difícil. Mas foi muito bom, acho que valeu a pena.
P/1 - E os homens? Como se vestiam?
R - Os homens normal, calça. Naquele tempo, nos bailes, principalmente no da Sociedade Alemã, era exigido traje passeio, terno, gravata. Depois é que foi mudando. Mas, no meu tempo, precisava, exigia traje pra entrar no baile, viu.
P/1 – O senhor falou Sociedade Alemã, né? Quais eram as imigrações, os europeus que tinham ido pra Nova Europa, que eram característicos, que dá pra identificar? Os alemães?
R - Os alemães, os espanhóis, italianos. São as três raças mais fortes de Nova Europa, viu. Alemães, italianos, espanhóis, é essas três raças são as mais fortes que vieram pra Nova Europa.
P/1 - E tinha sociedades? Como é que elas se organizavam? Você reconhecia uma pessoa na rua pela etnia dela?
R - Como a gente conhecia, a gente conhecia as famílias alemãs, os alemães, conhecia os espanhóis. Eu entrei muito cedo pra trabalhar no comércio, então eu tinha contato com todo esse pessoal. Então, eu conhecia, tinha as fichas dos espanhóis que eram colonos, naquele tempo. Os proprietários e os empregados. Quando lembro, hoje, que a gente vendia por ano sem cobrar juros...É até curioso a gente falar isso aí hoje, mas antes a gente vendia por ano sem cobrar juros. A empresa que eu trabalhava, a gente vendia, nessa colheita de café aqui, pra ele pagar na próxima colheita de café, com preço marcado, sem cobrar juros gente!
P/1 - Confiança, né? Havia mais acesso.
R - Os proprietários de sítio, de fazenda, eles iam no armazém e garantiam ao empregado, dizia: " Você pode vender pra ele, que na colheita que vem eu te pago." Podia ficar tranqüilo que na próxima colheita eles vinham pagar lá, sem juros e sem correção monetária.
P/1 - Esses diferentes imigrantes se misturavam ou não? Os alemães andavam com os alemães, os espanhóis com os espanhóis...
R - Não. Eles se misturavam. Eu sei que eles se misturavam, porque o meu sogro, ele era muito amigo do pessoal que era da Sociedade Alemã de Nova Europa, então, aos sábados, meu sogro, ele ia pra cidade pra fazer as compras dele. Então, ele se juntava com esses alemães e eles iam tomar cerveja nos bares. Eles se misturavam, sim. E esses alemães, principalmente esses alemães de Nova Europa, que eram mais conhecidos, que é a família Gronner, eles tinham uma fábrica, naquele tempo, de carroça, de arados, então, todas as raças se misturavam porque eles, um dependia do outro também, né? Um dependia do outro. Os espanhóis eles dependiam desses alemães porque eles tinham essa indústria onde eles, e os italianos também, onde eles fabricavam arado, o tombador de terra, eles fabricavam charrete, naquele tempo. Então as raças se misturavam sim, porque uma raça dependia da outra lá.
P/1 - Os espanhóis mexiam com que tipo de comércio?
R - Os espanhóis e os italiano, mais era roca, mesmo. Plantio de arroz, feijão, algodão, amendoim, certo. Hoje, você não vê mais nada disso lá, você só vê laranja e cana, né?
P/1 - É o que predomina?
R - Predomina laranja e cana.
P/1 - Voltando um pouco, ainda na juventude, como era a primeira namorada que teve, já foi a sua esposa ou teve algumas antes?
R - Não, namoradinha assim tive diversas, né? Agora, namorada eu acho que assim pra valer, como a gente dizia naquele tempo, namorada mesmo, acho que foi só a minha esposa, namorada pra valer mesmo. Porque, às vezes, eu digo namorada porque às vezes paquerava outras, mas depois no finzinho vinha paquerar a minha esposa. Então acho que namorada mesmo foi ela, viu. Porque as outras eu acho que brinquei, mas nos tempos de hoje diria que fiquei, com as outras, mas só que eu já fiquei há 36 anos com essa, que é a minha esposa. acho que não foi a primeira namorada, namoradinha, mas ela foi a minha namorada mesmo, a namorada pra valer mesmo, as outras não viu.
P/1 - E como o senhor conheceu?
R - Nos bailes. A gente ia em baile, a gente se conhecia em baile, começamos a dançar. Depois u comunicava o outro: " Olha, sábado nós vamos em tal baile." " Vamos, sábado nós vamos naquele lá." " Tá bom, então vou lá também." E assim nós fomos indo.
P/1 - E os pais dela, eram de origem espanhola também.?
R - Também.
P/1 - Eles eram muito rígidos ou já tinha amizade com os pais dela?
R - Amizade tinha, mas mesmo assim eles eram rígidos. Não vê que eles deixavam as filhas à vontade. Por exemplo, a minha esposa, ela não saia de casa pra bailes sem que a mãe fosse junto, né? Ah, de jeito nenhum.
P/1 - E mãe acompanhava?
R - Minha esposa, a minha sogra, a mãe dela acompanhava, sem dúvida. Acompanhava sim, todos os bailes, todos, todos, todos que eu fui, ela nunca deixou a minha esposa ir sozinha comigo em baile. Isso aí não deixou mesmo, viu.
P/1 - E o senhor ficou em Nova Europa até quantos anos?
R - Eu morei em Nova Europa 33 anos. Agora fazem 26 que estou aqui em Araraquara, no comércio de Araraquara.
P/1 - O senhor começou trabalhando no comércio em Nova Europa?
R - Comecei trabalhando no comércio em Nova Europa.
P/1 - Qual foi o primeiro contato com o trabalho fora o comércio que o senhor teve lá? Com quem que foi? Quais os patrões?
R - O meu primeiro trabalho foi com o proprietário do armazém, era Vadir João Jordão, em Nova Europa. Lá eu trabalhei 16 anos, com ele. Depois de um tempo, mudou o nome porque ele se aposentou e passou pra P. Jordão, foi a esposa dele. Mas a empresa era a mesma, só mudou a razão social por questão de aposentadoria. E continuei ainda com o P. Jordão, trabalhei 16 anos na firma Vadir João Jordão e P. Jordão.
P/1 - E como é que chamava, é nome fantasia, como é que chamava a Loja?
R - Loja São Benedito de Vadir João Jordão.
P/1 - Qual era a principal linha de produto que o senhor falou?
R - A principal mesmo era armazém e roupas. Naquele tempo, a gente vendia muita roupa pra roça. O principal mesmo era o armazém: era arroz, feijão, açúcar, farinha de trigo e roupa. Naquele tempo não se vendia muito roupa feita, se vendia o tecido em metro pra que a pessoa fizesse camisa, calça pra trabalhar. E a gente vendia tudo que era usado na roça, tudo, tudo, calçado, carroça , naquele tempo, a gente falava sapatão. Então é isso aí que a gente vendia lá.
P/1 - E o que o senhor vendia, qual era a sua atividade nesse armazém?
R - Ah, nesse armazém, eu era vendedor. É, naquele tempo, acho que vendedor, poderia ser atendente. Porque hoje a gente é vendedor comissionado. Naquele tempo, não. Naquele tempo a gente era atendente. A gente vendia tudo. Eu, além de vender tudo, a empresa tinha peruas pra gente fazer entregas de despesa nas fazendas vizinhas, sítios vizinhos. Entoa eu vendia e entregava.
P/1 - O senhor era motorista?
R - Motorista, vendedor, entregador, cobrador, tudo que tivesse o serviço lá. eu fazia.
P/1 - Vinha muita gente das fazendas comprar nos armazéns?
R - Bastante. Pessoal da redondeza tudo ia comprar em Nova Europa nos armazéns. Naquele tempo, em Nova Europa tinha três armazéns, só. Então o movimento era dividido nesses três armazéns que tinha em Nova Europa.
P/1 - Quais eram?
R - É o que eu trabalhava, que era loja São Benedito, Jorge Miguel Marum e Farlo Fragi, os três armazéns em Nova Europa.
P/1 - Como era o interior dessa loja, como é que ficavam as prateleiras, onde é que ficavam os produtos?
R - Nas prateleiras, os tecidos ficavam nas prateleiras exposto, pra que a pessoa pudesse ver a estampa pra escolher. Agora, os gêneros alimentícios era tudo em um tipo de uns caixões, onde ficavam nesses caixões, um caixão ficava com arroz, o outro com feijão, o outro com açúcar, o outro com farinha , que a gente vendia a granel, naquele tempo, farinha por quilo. Você comprava o que você queria de farinha: 1/2 quilo, 1 quilo. Então tinha aquelas conchas, a gente pegava tudo com a concha. Era dessa forma, tudo bem exposto, é.
P/1 - Era quase tudo a granel?
R - Quase tudo a granel, viu. Sal a granel, você comprava de sal a quantia... tudo a granel, quando comecei, quando entrei no comércio. Depois é que saiu a farinha em pacotes, o sal em pacotes, mas quando eu comecei a trabalhar no comércio era tudo a granel, tudo solto. Você comprava a quantia que você queria.
P/1 - Trabalhavam muito, faziam comida com gordura de porco?
R - Gordura de porco.
P/1 - Existia o óleo de soja, especificamente?
R - Existia. Mas o mais que se vendia naquele tempo era banha mesmo. Banha em lata de 20 litros. Você comprava também a quantia que você queria. Depois, foi saindo a banha em pacotes de um quilo. E foi mudando.
P/1 - Além desses, existia outro comércio fora os armazéns, como farmácias?
R - Não. Existia farmácia.
P/1 - Médicos? Eles trabalhavam na farmácia, trabalhavam em casa?
R - Não, médico trabalhava em casa. Naquele tempo, o médico ia muito na casa do paciente, se precisasse. Mas nós tínhamos um médico em Nova Europa, uma farmácia, uma cidadezinha pequena. Na cidade mesmo, acho que nós tínhamos uma farmácia e um médico só.
P/1 - E como era a tradição dos medicamentos? Eram remédios caseiros ou mais das farmácias mesmo?
R - Não. Era recomendado remédio caseiro, mas o remédio de farmácia vendia muito sim.
P/1 - E a sua família, fazia os remédios, tem alguma tradição nesse sentido de conhecer o medicamento?
R - Naquele tempo, se usava muito pra gripe chá de cidreira. E se fazia muito remédio em casa sim, viu.
P/1 – Depois, com quantos anos mudou pra Araraquara? Qual foi a sua impressão, quem veio junto com o senhor?
R - De momento eu vim sozinho pra Araraquara. Eu vim procurar serviço em Araraquara, porque eu estava com vontade vim embora de Nova Europa pra cá. Eu cheguei aqui, em Araraquara, o primeiro lugar onde fui procurar emprego, ele disse assim: "Você começa a trabalhar amanhã." Eu disse: "Mas amanhã não, não posso sair de lá, já fazem 16 anos que estou lá, eu não posso começar amanhã." "Começa comigo aqui, você está perdendo tempo. Vem pra Araraquara, aqui é bom."
P/1 - Onde era?
R - Na casa Racy. Hoje não existe mais, Casa Racy.
P/1 - E com o que trabalhava?
R - Tecidos e confecções em geral, Casa Racy.
P/1 - Por que quis sair de Nova Europa e vir pra Araraquara?
R - Porque eu já tinha amigos aqui em Araraquara que eles tinham trabalhado comigo em Nova Europa, e eles diziam: "João, você esta perdendo tempo aqui em Nova Europa, precisa ir pra uma cidade maior." Mas eu tinha muito medo de sair de Nova Europa, porque eu tinha lá pai, mãe, sogro e sogra morando quase junto comigo. Eu tinha muito medo de sair, né? Mas, de repente, resolvi vir pra Araraquara, Graças a Deus.
P/1 - O senhor já era casado, quando veio pra cá então?
R - Quando eu vim, já era casado, era o meu maior medo. Se fosse solteiro, acho que eu não contava muito não. Mas já era casado, eu tinha dois filhos, um casal de filhos então tive muito medo de vir pra Araraquara.
P/1 - Veio com a esposa e com os filhos?
R - Eu vim sozinho procurar serviço, achei serviço, vim trabalhar sozinho. Fiquei 30 dias trabalhando sozinho aqui em Araraquara, sem lugar pra ficar. De repente, vi que deu certo, muito certo, então eu procurei um lugar pra morar, uma casa pra morar. E vim morar em Araraquara até hoje, aí vim com a minha família, vim com a esposa e os dois filhos.
P/1 - O senhor já conhecia Araraquara? Já tinha vindo visitar?
R - Conhecia muito Araraquara. O comércio de Araraquara eu conhecia. Eu conhecia porque Nova Europa dependia de muita coisa aqui de Araraquara, muito produto que vendia lá em Nova Europa era comprado aqui em Araraquara. O armazém onde eu trabalhava, muita coisa comprava aqui. E como, naquele tempo, eu era motorista, então estava sempre aqui em Araraquara com perua pra levar as coisas que se vendiam lá em Nova Europa.
P/1 - O senhor que buscava as mercadorias de Araraquara e levava para o armazém?
R - A maioria das vezes era, viu. Eu é que levava pra lá.
P/1 - Conhecia alguma família aqui de Araraquara? Tinha algum contato?
R - Conhecia família aqui em Araraquara também. Tinha contato.
P/1 - Parentes?
R - Parentes, eu tinha aqui.
P/1 - Esses 30 dias que ficou aqui, onde que morou?
R - Esses 30 dias que fiquei aqui, ficava um dia em casa de cada pessoa conhecida que tinha aqui, é. Então, dormia na casa de uma família e voltava almoçar na casa dessa família, depois à noite eu ia dormia em casa de uma outra família e voltava almoçar na casa. Os 30 dias fiquei fazendo isso aí, pra ver se realmente eu me adaptava. Medo de vir pra cá e perder, e não me adaptar e perder o emprego lá em Nova Europa também. Esperei pra ver se me adaptava, quando eu achei que me adaptava, aí trouxe a minha família pra cá.
P/1 - O que foi decisivo pra essa adaptação?
R - Decisivo, que me fez vir pra cá mesmo, foi a diferença de ordenado. Entre Nova Europa e Araraquara. Esse não teve jeito, viu?
P/1 - Era muito diferente?
R - Muita diferença. Eu trabalhava em Nova Europa com salário fixo, eu vim trabalhar aqui em Araraquara comissionado, certo. Eu não estava acostumado a trabalhar pra valer mesmo, cheguei aqui em Araraquara, comecei a trabalhar com todas as minhas forças, com tudo o que tinha aprendido lá em Nova Europa e a diferença de salário foi muito grande que não teve jeito, precisei vir embora pra Araraquara, Graças a Deus, viu.
P/1 - A Casa Racy é uma casa de tecidos?
R - Tecidos e confecções.
P/1 - Quem era o proprietário?
R - Orlando Assad Racy, era o proprietário.
P/1 - Era descendente de árabes?
R - Árabes. Eu não sei dizer pra você se árabe ou sírio, mas era de lá.
P/2 – Como era a loja...
R – O senhor Orlando já me conhecia e eu conhecia ele também, então eu me adaptei muito rápido a trabalhar aqui em Araraquara, certo. Mesmo com uma diferença de movimento de Nova Europa pra cá no comércio, o comércio aqui era muito bom, Nova Europa é uma cidadezinha pequena, só tinha movimento maior aos sábados, lá em Nova Europa. Então, cheguei aqui em Araraquara, um movimento fechado, de segunda a sábado, terrível. Mas, como eu disse, como comecei a trabalhar bastante e ganhar dinheiro, então, o mais rápido possível, procurei me instalar aqui em Araraquara e instalar minha família, colocar meus filhos na escola e tudo bem.
P/1 - De onde conhecia o senhor Orlando ?
R - Conhecia também de Nova Europa. Às vezes, vinha também buscar roupas aqui, ele tinha uma seção de atacado e, como a gente vendia roupas lá, às vezes a empresa que eu trabalhava comprava roupa dele aqui pra vender lá, eu também vinha buscar, com isso a gente tinha contato.
P/1 - Tinha alguma dificuldade no início das vendas com roupas?
R - Não. Não tive dificuldade. A maior dificuldade que eu encontrei aqui em Araraquara, foi quando cheguei no dono da casa que fui alugar, ele olhou assim pra mim, disse: "O senhor precisa me trazer um avalista." Essa foi a maior dificuldade que encontrei aqui. Só que cheguei na loja, no outro dia, muito triste porque eu disse assim: "Olha, fui ver uma casa, gostei tanto pra morar porque é o que posso pagar e a mulher me pediu um avalista, eu não tenho isso aí." Ele, muito mais que depressa, disse: "Olha, se eu servir como teu avalista, volta lá e diz que você vai morar na casa." Foi a maior satisfação da vida! Certinho.
P/1 - Onde foi morar, em que bairro?
R - Eu vim morar no São José, no bairro São José, aqui em Araraquara.
P/1 - E a loja ficava em que rua?
R - Ficava na rua 9 de Julho.
P/1 - Como era a rua 9 de Julho, nessa época? Em termos de comércio, o que ela tinha?
R - Muito movimentada. Mas a rua 9 de Julho, aqui em Araraquara, daquele tempo pra hoje não mudou muito não. Mudou bastante porque as empresas foram fechando, certo. Mas a rua 9 de Julho em si, não mudou muito, não. Eu estou há 26 anos na rua 9 de Julho. Esses 26 anos, eu trabalhei em duas quadras só, na rua 9 de Julho. Então, percebo que não mudou muito não.
P/1 - Quais as principais lojas que tinha nessa época que chegou aqui, consegue visualizar?
R - Consegue. Quando cheguei aqui, tinha a, no comércio de tecidos, confecções, tinha a Casa Racy... Deu branco agora.
P/1 - Não tem problema. Alguma em especial? Alguma que chamava a atenção, uma inovação na cidade?
R - Vitrines onde a gente colocava linho, tergal. Tem as vitrines, que os tecidos de melhor qualidade ficavam na vitrine pra não sujar, pra não pegar poeira. Porque, naquele tempo, na nossa redondeza aqui, tinha pouco asfalto. Então, a cidade não era assim tão limpa como é agora. Os tecidos de melhor qualidade ficavam guardados em vitrines, fechadinho. Pra vender, a gente abria a vitrine e ia vender.
P/1 - A vitrine funcionava também como uma espécie de armário?
R - É, fechadinho, com porta de vidro, pra proteger de poeira.
P/1 - Gostava de trabalhar com comércio? Se identificava desde criança, desde mocinho?
R - Ah, sim. Eu tenho cliente meu de mais de 20 anos, que eles são meus clientes. E eu digo isso aí, porque o que me segura no comércio até hoje , eu sou aposentado há 10 anos já, aposentei em 1989 , mas, pelo fato de eu ter uma clientela de preferência, que muitos deles são meus clientes há mais de 20 anos, então esses clientes me sustentam, até hoje é o que me faz trabalhar no comércio.
P/1 - Quem são esses clientes mais tradicionais, quem tem ainda contato com o senhor?
R - Ainda tenho clientes de Nova Europa, que são meus clientes, que eles vem, telefonam. Então, eu teria talvez muitos nomes pra falar, mas, sei lá, o nome Nelson Fortunato, me chama muito a atenção, é uma pessoa muito boa, até hoje ele é meu cliente, né? A sogra dele, dna. Olinda, a Petronila Jordão, sei lá, por aí. Eu tenho a impressão que se eu começar a falar, eu devo ter muita gente pra falar e vou deixar muita gente pra trás também , que, às vezes, eles gostariam, que são meus clientes também, que eles vem aqui e me procuram. E que se não tiver eles me esperam. Talvez eu possa esquecer de falar algum nome desses e... Tenho uma clientela muito boa até hoje.
P/1 - Por que acha que tem essa clientela assim tão fiel?
R - Eu diria que a minha honestidade, consegui ser honesto com eles até hoje. Porque eu acho que se você comprar de uma pessoa, pode até ser muito querido, mas o dia que eles não for mais honesto com você, você não vai mais procurar ele, tenho certeza disso. E as empresas que trabalhei também, que elas permitiram com que eu usasse a minha honestidade, que ninguém interviu e consegui ser honesto até hoje.
P/1 - Na Casa Racy como era a exposição dos produtos, as prateleiras, eram divididos em setores?
R - Setor. Cada um tinha o seu setor pra cuidar, pra arrumar. À tarde, quando ia fechar a loja, cada um tinha o seu setor pra enrolar o tecido de novo e guardar, deixar guardadinho pro dia seguinte estar pronto pra começar a trabalhar de novo.
P/1 - Os funcionários tinham alguma especialização de como tratar o cliente, como dobrar, de como organizar as prateleiras? Como era, quem que organizava isso?
R - Nós tínhamos, naquele tempo, o seu Orlando é quem organizava e orientava a gente de como deveria expor o tecido. Não tinha tanto gerência. Porque, hoje em dia, a gente não conhece os patrões, né? Naquele tempo, a gente trabalhava direto com os patrões. Então eles mesmos que davam as cartas.
P/1 – Como eram esses contatos com os patrões ?
R - Bom. Um contato com os patrões como amigos, sem problema nenhum.
P/1 - Qual era o perfil da clientela da Casa Racy?
R - Da Casa Racy, o perfil era dividido. Uma parte da roça também, porque quando vim trabalhar se vendia, naquele tempo, muito tecido pra roça, tinha, naquele tempo também um pessoal que usava muito linho. A Casa Racy era a única que tinha linho 120, naquele tempo, linhos de muito boa qualidade. O pessoal procurava muito linho naquele tempo, era onde a gente encontrava pra comprar.
P/1 - Esse tecido pra roça, que tipo de tecido era?
R - Naquele tempo, era o brinhaço. Brinhaço pra calça. Era aquele brinhaço que você fazia calca e podia entrar no carrapicho, e não pegava, viu. Também você confeccionava a calça e colocava de pezinho e ela fica em pé, viu. Ficava em pé, e o carrapicho não pegava, podia entrar na roça que o carrapicho não pegava ele não. E o riscado pra camisa, era chamado de riscado naquele tempo.
P/1 - Por que riscado?
R - Porque a estampa dele era meio riscadinho, então era riscado pra camisa de roça.
P /1 - Era mais leve?
R - Não. Não era mais leve não, o riscado era um tecido resistente pra camisa também, viu.
P/1 - A loja, ela indicava os costureiros, os alfaiates?
R - Não, não. Cada um comprava o tecido e confeccionava na sua própria casa ou tinha a sua costureira. Não tinha.
P/1 - Porque hoje em dia já tem muitas lojas com roupas prontas por aí.
R - Já tem até o seu costureiro na própria loja. Comprei uma calça outro dia, dizia: "Tá um pouquinho cumprida, o senhor quer que faz a barra?" "Quero." Tudo bem, naquele tempo, não tinha disso não. Não, não.
P/1 - E os equipamentos da loja, máquina registradoras, com o que que você trabalhavam nessa loja?
R - Tesoura, lápis e um bloquinho de papel no bolso, um na gaveta, só isso, mais nada. Sem calculadora, hein.
P/1 – E o metro?
R - O metro, sem dúvida. Poxa, é, o metro.
P/1 - O que mais atraía os clientes? Havia promoções de tecidos?
R - No caso. a Casa Racy, ela fazia muita propaganda. Ela tinha, às vezes, aquelas peruas que iam pra Nova Europa com alto falante e fazia muita propaganda.
P/1 - Quem fazia? Quem organizava essa parte de propaganda?
R - A propaganda era organizada pelo próprio proprietário da loja. Ele tinha seu o motorista, ele soltava propaganda, folhetinhos com propaganda da Casa Racy. Chamava a atenção, sim pro pessoal de fora.
P/1 - Em rádios não tinha propaganda?
R - Rádio também tinha propaganda, também.
P/1 - O senhor lembra de algum nome, slogan, ou propaganda da época que mais atraia?
R - No, não lembro.
P/1 - Como eram os horários dos funcionários da loja? Horário que eles entravam, tinha hora de almoço?
R - O horário era muito bom, naquele tempo. Enquanto tivesse gente na loja, você estava trabalhando. É, sábado, domingo.
P/1 - Era muito cheia a loja?
R - Era. Enquanto tivesse um cliente na loja, você estava trabalhando.
P/1 - E mudou muito hoje?
R - Mudou bastante. Hoje sim, você tem seu horário de trabalho. Eu acho que para o empregado mudou bastante pra melhor, para o empregado. Porque naquele tempo, você não tinha horário pra almoço, enquanto tivesse gente lá, muitas vezes, você nem almoçava. Não tinha como almoçar.
P/1 – Em que horário vocês chegavam na loja, pela manhã?
R - Chegava 7:30 na loja, mais ou menos. O dia que era pra lavar a loja, chegava mais cedo.
P/1 - Sábado ia até que horas?
R - Sábado todo, enquanto tivesse gente, 8 horas da noite se tivesse gente. Em Nova Europa. Depois que eu vim aqui pra Araraquara não, viu?
P/1 - Já tinha horário?
R - Depois, aqui já tinha horário. Não era muito respeitado ainda. Agora em Nova Europa não. Agora tem horário, mas naquele tempo, não tinha não. Naquele tempo, a gente ficava de sábado enquanto tivesse um cliente no armazém, a gente ficava. E se aquele cliente fizesse uma compra e pedisse pra levar em casa, aí a gente fechava a loja e ainda ia levar o cliente com a compra em casa.
P/1 – Como era acondicionada essa compra que o levava?
R - Na maioria das vezes o cliente trazia saco de casa. Se ele não trouxesse, a gente acondicionava em saco vazio de açúcar ou de farinha do próprio produto que a gente vendia a granel na loja. A gente despejava aquele produto e acondicionava nos próprios sacos de tecido.
P/1 - Já que a gente voltou um pouco nesse armazém, Secos e Molhados, o que era o “Molhados”?
R - Azeitona, leite condensado, creme de leite, tudo que é líquido, né? Água ardente, cerveja... Secos e Molhados, né? Só não vendia carnes. Carne vendia, mas seca. E tecidos, como já disse.
P/1 - Tinha alguma marca de cerveja da época? Leite condensado era feito em casa, tinha marca?
R - Tinha. O leite condensado Moça é tradicional, de muitos anos. Cerveja, Antarctica, Brahma, a maior. Naquele tempo, só, a maioria era Antarctica e Brahma mesmo.
P/1 - Voltando à Casa Racy, até quando o senhor trabalhou lá?
R - Eu trabalhei de 72 a 76, trabalhei na Casa Racy.
P/1 - Aí o senhor foi pra onde?
R - Eu fui pra Mercantil do Lar.
P/1 - De quem era?
R - Mudei completamente o meu ramo, porque eu trabalhava com tecidos e confecções, passei pra móveis e eletrodomésticos, com outro medo danado de não de ganhar a vida, né?
P/1 - Por que que o senhor mudou assim radicalmente?
R - O que fez eu mudar, foi mais as pessoas que trabalhavam na Mercantil do Lar, nós tínhamos muito contato através do Sindicato dos Empregados no comércio de Araraquara. Então, a gente tinha muito boa amizade e eles compravam uniforme para os funcionários da Mercantil do Lar, comprava uniforme na Casa Racy. Eles convidaram uma vez, fiquei com medo de ir, porque era um ramo completamente diferente. Depois, na próxima vez que eles foram comprar uniforme lá, disseram: "Mas por que que você não vai trabalhar com a gente?" "Olha, eu tenho medo de trabalhar lá. Eu nunca trabalhei com móveis e eletrodomésticos e, às vezes, eu vou encontrar dificuldade pra ganhar a minha vida, como é que faz?" "Não. Você não encontra dificuldade. Pode ir lá trabalhar com a gente. Quanto você ganha aqui?" "Aqui, ganho tanto." Eu não lembro quanto era, porque o dinheiro mudou tanto que... Eu disse: "Olha, ganho tanto aqui." "Mas você ganha tanto aqui?" "É." " Então, você vai trabalhar comigo. Se você não ganhar isso, eu pago do meu bolso pra você." Poxa, vida! "Tá bom, vou dar uma pensadinha, eu te falo mais tarde." Quando fui levar as compras lá, que eles havia comprado uniforme pros funcionários, eu disse: "Pois vou passar a trabalhar com você, então."
P/1 - Quem conversou com o senhor?
R - Quem conversou comigo na ocasião, foi Antonio Fernandes Segura. Que ele era diretor administrativo da Mercantil do Lar. Depois ele me apresentou os proprietários de lá , que eu os conhecia, mas como a gente estava em ramos diferentes, não existia muito contato. Ele disse: "Mas pode..." , um outro também, diretor administrativo, na Mercantil, que foi o Carlos Alberto Aiello, eles trabalhavam os dois, o Segura e o Aiello, na parte de contabilidade, compras e contabilidade da Mercantil do Lar. Eles me deram tanta segurança assim, que eu disse: "Olha, vou trabalhar com vocês." Lá fiquei 14 anos e meio, trabalhando com eles, meia aposentadoria. Aposentei na empresa, na mesma Mercantil do Lar, aposentei, trabalhei dois anos aposentado. Depois, passei a trabalhar aposentado na J. Mahfuz.
P/1 - Como é que foram seus primeiros dias na Mercantil do Lar, quando mudou completamente de ramo?
R - Mudou completamente de ramo, mas eles deram muito apoio na ocasião. Disse: "Olha, nós temos muita clientela fora daqui que tem dificuldade pra vir, mas nós vamos dar pra você uma condução abastecida e nós vamos dar pra você as fichas desses clientes. Esses clientes que agente der a ficha, você pode chegar e vender na casa dele. Verdade.
P/1 - O senhor levava os produtos até a casa?
R - Não. Eu levava só a tabela e as fotografias do produto, viu. Eles me davam as fichas dos clientes e a tabela com as fotografias dos produtos, eu chegava na casa do cliente, sabia que era bom, porque a ficha estava na minha mão. E assim fui indo um bom tempo. Depois foi mudando o sistema. Eu me lembro muito bem que, uma das cidades e redondeza que eu vendia muito, demais, cheguei a tirar um salário maior vendendo em Matão e região de Matão, do que aqui em Araraquara.
P/1 - O que vendia na Mercantil do Lar? Quais era os produtos?
R - Na Mercantil, móveis e eletrodomésticos. Mas, o que mais vendia eram móveis, naquele tempo. Era cadeira, mesa, armários de cozinha, camas, colchões, tudo.
P/1 - Era dividido por setores também?
R - Não, não era.
P/1 - Tinha miudezas?
R - Tinha miudezas, faqueiros, panelas de pressão, tudo que você pensasse pra montar uma casa, eles tinham lá.
P/1 - Eles trabalhavam com uniformes? Como eram?
R - Com uniformes. Sempre uniformizados, sempre. Uniforme, calça, camisa de manga curta, sem gravata, com o nome de Mercantil do Lar no bolso. O uniforme era bem simples, não era muito complicado não.
P/1 - Quando saiu da Casa Racy, o senhor Orlando ficou triste? O senhor falou sobre a proposta?
R - Eu saí da Casa Racy por uma proposta também muito forte da Mercantil, mas o motivo mais da minha saída da Mercantil , foi porque a Mercantil estava encerrando as suas atividades. O senhor Orlando havia falecido, então a dna. Lídia, na ocasião, me deu muita força. Dona Lídia Assad Racy, que ficou, até hoje ela está viva. Mas, eles iam encerrar, aliás, não... Casa Racy, pra Mercantil do Lar. Você perguntou isso, né? Da Casa Racy, do seu Orlando, pra Mercantil?
P/1 – Você conversou com ele?
R – Não, na ocasião ele havia falecido, e havia ficado a dona Lídia, e ela disse :” Ah, não sai, porque vamos tocar isso aqui muito bem, de fato tocou um bom tempo. Mas como a proposta foi muito boa, então passei, resolvi passar, mesmo pra Mercantil do Lar, onde fiquei mais 14 anos e meio, como eu disse.
P/1 – E os patrões da Mercantil do Lar foram legais.
R – Foram legais, e como eu disse, deram muito apoio, deram fichas de clientes com conduta já garantida, então, não encontrei dificuldades , mas facilidades pra trabalhar.
P/1 – Nessas viagens, só levava fotos? Ou eram catálogos?
R – Não, tinha catálogos. Com fotos dos produtos. Das cadeiras, das mesas, dos armários de cozinha, mostrava a fotografia e vendia bonitinho pela fotografia.
P/1 – Que cidades fazia?
R – Fazia Matão, todas a região de Matão, as fazenda, Nova Europa, as fazendas em volta de Nova Europa, Américo, Rincão, Santa Lúcia, Motuca, toda a região.
P/1 – Ia nas fazendas, mesmo, como era isso?
R – Ia na cassa, batia palminha lá, saía o cliente e: “ Olha, eu sou da Mercantil do Lar, e como vocês são clientes, há já algum tempo que não compram lá, a direção da empresa pediu que eu visitasse vocês aqui”. Ah, mas era uma beleza. A venda saía na hora. Sem dúvida.
P/1 – E qual a forma de vender, crediário?
R – Crediário, duplicata... Quantos pagamentos, dez pagamentos, dez duplicatas.
E eles iam pagar as duplicatas na loja?
R- Na loja, a empresa tinha cobrador, naquele tempo, quem queria pagar na loja, ele ia, mas a maioria comprava , também, porque o cobrador ia receber lá e eles não precisavam vir pagar na loja.
P/1 – Pra pessoa ter o crediário aprovado, o que pesava naquele tempo?
R – Naquele tempo pesava , se fazia uma ficha do cliente, né, nome, endereço, pra quem ele trabalhava, e uma pessoa conhecida, local onde comprava, mas na verdade, naquele tempo, o crediário era mais aprovado olhando pra pessoa assim, e achando, você paga direito. Porque naquele tempo, pouca gente não pagava direito. Hoje é que é uma dificuldade, uma tristeza, mas naquele tempo, você conversava com a pessoa , já tinha certeza se ia pagar direito ou não.
P/1 – De onde vinha essa certeza?
R – A conversa da pessoa, você percebia a honestidade da pessoa, com quem ele trabalhava, há quantos anos trabalhava com aquela pessoa, com quem trabalhou anterior, e essas empresas, como Racy, Mercantil, eram empresas antigas aqui da cidade, e conheciam todo esse pessoal, os patrões, né, eram conhecidos .Então, a ficha era aprovada mais assim na confiança, viu? Na confiança. Pelo que você conversava com a pessoa.
P/1 – E quando uma ficha não era aprovada?
R – É como eu disse, é pela conversa, às vezes o cidadão trabalha dois dias aqui, cinco lá adiante, um mês lá no outro, é difícil aprovar uma ficha assim. Não sei, naquele tempo não tinha nem telefone pra poder informar por telefone. Mas, pela conversa da pessoa você já sabia se podia ou não aprovar a ficha.
P/1 – O senhor disse que levava as fotos da mercadoria. Quem organizava, era uma publicidade?
R – As próprias fábricas que vendiam as mercadorias para a Mercantil do Lar, forneciam,
e a gente aproveitava e levava.
P/2 – E tinha um slogan , falando sobre a loja, era feita propaganda em rádio, em TV, como era?
R – Em rádio também muita propaganda a Mercantil.
P/2 – Quais os primeiros produtos lançados na loja? Já vendia TV, geladeira?
R – É, quando entrei , estava começando o televisor Colorado, geladeiras Clímax, era o que mais se vendia, hoje não existe mais, fabricada aqui em São Carlos, né, vendia muito. Era um produto bom, tem muitas funcionando até hoje por aí. Tem, tem.
P/2 – Tinha bicicletas, vespas?
R – Não, bicicleta, só. Veículo motorizado, não.
P/1 – O carro era do senhor?
R – Não!, Naquele tempo eu não tinha carro, era carro da firma mesmo. Eles me davam uma caminhonete abastecida, pra trabalhar à vontade.
P/1 – Tinha logotipo?
R – Mercantil do Lar, em letra bem bonita. Em verde e amarelo, escrito na porta.
P/1 – Tinha Mercantil do Lar em outras cidades?
R – Tinha. Tinha. Depois que eu entrei aqui, que comecei vender em Matão, como a venda era muito alta, eles abriram em Matão, Ibitinga, Campinas, diversas.
P/2 – E o estoque de produtos, pedia antecipadamente, como era?
R – Não, a Mercantil, como a matriz era aqui em Araraquara, tinha um depósito muito grande aqui, com produtos à vontade pra gente vender.
P/2 – De onde vinha essa mercadoria?
R – São diversas fábricas que forneciam, né, eu não me recordo, agora. Lembro de Casa Verde, produtos Casa Verde, não sei onde é fabricado, mas era muito vendido. Clímax, Colorado, o televisor, Philips.
P/1 – Falando em televisor, o senhor pegou a mudança da preto e branco para colorido?
R – Peguei.
P/1 – Qual foi o impacto?
R – Foi uma época muito bonita. Passar de assistir em branco e preto pra colorido,, quem podia comprar, sem dívida nenhuma comprava mesmo. Foi muito bonito quando passou da imagem preto e branco pra colorido, uma coisa muito gostosa. Quem podia comprar, comprou.
P/1 As vendas aumentaram?
R – Ah, bastante. Bastante.
P/2 – E discos, quais eram os de mais sucesso?
R – Naquele tempo, era o disco grandão, o long play. O sertanejo, sempre vendeu muito bem.
P/2 – O senhor lembra de algum específico?
R – A Mercantil vendia muito naquele tempo Tonico e Tinoco, Zé Fortuna e Pitangueiras, Irmãs Galvão, esse pessoal que ainda hoje alguns estão ainda no mercado. Vendia muito. Gênero sertanejo sempre teve muito sucesso. Foi muito procurado
P/1 - Vamos dar uma paradinha e tomar uma água?
R – Vamos...
P/1 - Retomando a nossa entrevista. O senhor ficou na Mercantil do Lar até 16 anos?
R - Não, 14 e meio. Eu fiquei até 91, porque fazem 8 que eu estou na J. Mahfuz, é 91. Eu fiquei até 91.
P/1 - O senhor foi pra J. Mahfuz por quê?
R - Pra J. Mahfuz eu fui, porque a Mercantil do Lar estava encerrando as suas atividades, fechou. Então, antes que fechasse , ela foi vendida pra Casas Bahia , antes que fechasse, eu havia sido convidado pra trabalhar na J. Mahfuz. Então, fui pra J. Mahfuz por convite da direção da empresa.
P/1 - Quem convidou o senhor?
R - Na verdade, na ocasião, foi o gerente de vendas da J. Mahfuz, que foi o Arnaldo Brasão, naquele tempo. Ele que me convidou pra ir trabalhar lá.
P/1 - O ramo de atividade era, mais ou menos, o mesmo?
R - Igual, sem diferença.
P/1 - O que é que mudou?
R - Mudou um pouquinho o estilo de trabalho. Já eu percebi uma empresa com estilo de trabalho diferente. Na venda não, na administração, né? A administração da J. Mahfuz percebi que era diferente da que a administração da Mercantil. Agora nas vendas não. Os mesmos produtos que a gente vendia na Mercantil, a gente passou a vender na J. Mahfuz, só que com o estoque muito maior, na ocasião. Na verdade, fui levado na J. Mahfuz por convite de um gerente de vendas, que ele já me conhecia, e também porque a Mercantil iria encerrar suas portas.
P/1 - A Mercantil foi vendida?
R - Eu não sei ao certo se ela foi vendida ou a Mercantil fechou, e Casas Bahia abriu no lugar, no mesmo ponto, correto.
P/1 - A J. Mahfuz é uma empresa de fora?
R - A J. Mahfuz é uma empresa de São José de Rio Preto. A matriz é São José do Rio Preto.
P/1 – Lembra quando ela chegou em Araraquara? Já tinha, ainda tinha a Mercantil ou já tinha fechado?
R - Sim. Eu não tenho bem certeza, mas acho que J. Mahfuz, quando eu entrei em 91, ela já tinha aí seus cinco anos de vida na cidade. Mais ou menos, viu. Não tenho bem certeza não.
P/1 - O senhor levou os clientes pra J. Mahfuz?
R - Levei. Os meus clientes eu levei pra J. Mahfuz. Eles estão comigo até hoje.
P/1 - Como fez pra avisar? Fez alguma coisa?
R - Ah, fui avisando, quando eu encontrava com eles. Procurei avisar e eles foram me procurando lá. Até hoje, eles estão comigo lá.
P/1 - O senhor trabalhava ainda com entregas, quando entrou na J. Mahfuz?
R - Não. Não mais. Aí era só vendas mesmo, só vendas.
P/1 - Qual o setor no qual mais se destacou em vendas?
R - Não. Como eu vendia, era geral. Eu tanto vendia móveis, como vendia eletrodoméstico, como vendia tudo o que tinha: faqueiros, o que mais? Colchões, televisores, rádios portáteis. Não tinha assim uma sessão específica pra gente trabalhar. Então vendia tudo o que a empresa trabalhava a gente vendia.
P/1 - Sr. João, o senhor lembra, na época de promoção, Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais, como eram esses dias? Essas épocas?
R - Em maio, nós tínhamos o mês das Mães, naquele tempo o movimento era maior, bem maior. Mas, o mês de maior movimento sempre foi no Natal. Agora não, né? Agora, continua sendo assim de grande movimento. Mas, naquele tempo, a diferença de movimentos do Natal pros outros meses era muito grande, muito grande. Hoje não é tão grande assim, não. Mas, naquele tempo, o Natal era tido como a época melhor de vendas do ano. O Natal, na época do Natal.
P/1 - Através do que percebe essa mudança de movimento de antes pra hoje, no Natal?
R - Olha, acho que talvez, o poder aquisitivo do povo causou um movimento menor. Ainda se vende mais no mês de Natal, sim, mas não tem aquela diferença enorme, como tinha há muitos anos atrás.
P/1 - Desde o começo vendia no crediário, até hoje se vende?
R - Até hoje. Depois que vim pra Araraquara, até hoje tem crediário, sem problema. Só que, naquele tempo se vendia em 36 pagamento, hoje já não mais. Mas o crediário existe sim, desde aquele tempo.
P/1 - Eles já trabalhavam com cheques, desde quando começou a se introduzir o cheque no mercado, o senhor lembra? Logo que o senhor veio pra Araraquara ou foi um pouco depois?
R - Não, depois.
P/1 - Quem eram esses clientes que começaram a trabalhar com cheques?
R - No começo, não tinha muito cheque não. Não se pegava muito cheque não. Depois é que foi introduzindo o cheque pré-datado. Mas o cheque pré-datado já é uma coisa mais nova, viu. Se lidava mais com dinheiro, naquele tempo.
P/1 - No caso do cliente ter feito crediário e estar meio atrasado, como vocês cobravam?
R - Na Mercantil do Lar se cobrava através de cobrador, mesmo. Tinha uma pessoa que ia lá cobrar, ia ver porque que a pessoa não havia pago e ia cobrar, procurar receber.
P/1 - E conseguia?
R - Conseguia. Conseguia receber.
P/1 - Acontecia de não conseguir receber?
R - Até acontecia, não tanto como hoje. Porque, naquele tempo, às vezes a pessoa atrasava por uma questão de doença, por uma questão bastante clara. Hoje não, hoje às vezes o sujeito deixa de pagar porque é malandro mesmo, né? Mas, naquele tempo, não. Naquele tempo, às vezes o cidadão tinha atrasado a conta por questão de doença. Então, logo em seguida ele colocava a conta em dia, ele pagava, sem problema.
P/1 - E hoje, o que vocês fazem quando a pessoa não paga?
R - Hoje, no geral no comércio, se a pessoa não paga ela é colocada no SPC, é protestado. E mesmo assim não paga, e tudo bem. O que tem de inadimplência hoje não está escrito. (risos) É, hoje é terrível.
P/1 - Vocês chegam a pegar o produto de volta ou não?
R - Também chegava a pegar de volta sim, quando você achava o produto. Muitas vezes, vocês não acha nem o produto. Mas, quando acho o produto pega o produto de volta, sim. Se ele não paga mesmo, você primeiro lida, pra receber dele de qualquer forma, muitas vezes até perdoando o juro, quando você vê que é uma causa justa, que a pessoa... Então, muitas vezes até se perdoa o juro. Mas, muitas vezes não, a pessoa não paga mesmo e então, você se obriga a mover uma busca e apreensão e buscar o produto na casa dele, aí não te jeito.
P/1 – Como é que o comércio lidou com essas mudanças de moeda?
R - Mudança de moeda o comércio também foi obrigado a se adaptar, a acompanhar essas mudanças. Em 86, percebi a mudança mais difícil do comércio, porque começou a se vender muita coisa que depois nem tinha mercadoria pra entregar. Então, foi uma época muito difícil, a gente vendia mais, a procura estava sendo muito maior que a oferta, no ano de 86, 87. Uma mudança de moeda aí, que mudou pra... mudou tantas vezes que eu não me lembro qual foi a moeda que foi introduzida na ocasião. Mas eu sei que...
P/1 - Houve perdas?
R - Perdas, assim, perda de venda sim. Porque às vezes, você procurava um produto e você não encontrava no comércio pra comprar. Procurava uma lavadora, você não encontrava uma lavadora. As vezes, você ficava, você deixava o seu nome e endereço bonitinho lá, pra quando chegasse a lavadora, pro vendedor entrar em contato com você, e você viria comprar, porque não tinha o produto. Hoje não. Hoje, o comércio está abastecido. O que você procurar, você encontra.
P/1 - O senhor se aposentou na J. Mahfuz, não?
R - Me aposentei na Mercantil do Lar.
P/1 - Mesmo assim, o senhor preferiu continuar trabalhando?
R - Mesmo assim, preferi continuar trabalhando.
P/1 - Por quê?
R - Por dois motivos: porque percebi uma disposição muito boa, e também porque a aposentadoria não era muito avantajada e, pra juntar a minha aposentadoria com o meu trabalho, consegui levar uma vida um pouquinho melhor, né? A verdade é isso aí.
P/1 - Hoje, como é o seu dia-a-dia ? Como é o seu cotidiano ?
R - Hoje, ainda a minha vida é bastante corrida, se for falar da minha vida. Da minha vida profissional? Minha vida profissional é muito boa, não tenho problema. A minha vida é corrida porque eu tenho alguns problemas com família também, com doença, e é por isso que a minha vida é um pouquinho mais corrida. Mas profissional, não. Entro às 7:30, tem horário, vai almoçar às 10:30, volta às 12:30, enfrenta aí até às 18 horas. Tudo muito bem controladinho, não tem problema. Loja informatizada, uma beleza. Onde, se você quiser saber quanto tem, você aperta um botãozinho lá e você já sabe quantas peças tem, se você pode vender ou não. Então é uma facilidade hoje. A vida profissional não. A minha vida é corrida porque tenho um neto paralítico, ele não anda, então, tenho que levá-lo em fisioterapia, e isso aí me faz ficar um pouquinho com a vida corrida. Mas, a vida profissional não, é muito boa.
P/1 - O senhor almoça tão cedo assim por quê?
R - Porque nós somos em duas turmas, e o das 10:30, tem que chegar às 12:30, senão ele vai almoçar muito tarde.
P/1 - Já pegou um hábito, então?
R - Ah, sim. Já na outra empresa já ia almoçar cedo.
P/1 - E como tem sido, desde trabalha, a relação patrão/empregado? Sempre foi boa ou teve alguma dificuldade?
R - Não. Nunca tive dificuldade com patrão e empregado meu. De jeito nenhum. É, por incrível que pareça, eu trabalhei em três empresas, na 3a aposentei, este é o 4o emprego meu nunca precisei, pra acertar uma saída minha de uma empresa, levar um patrão num sindicato, nunca precisei levar. Nós sempre mantivemos uma relação muita boa com empregado e patrão, com todos eles. Sem problema nenhum. Mesmo porque, eles foram honestos pra mim, eu também fui pra eles. Eu acho que nenhum tem queixa do outro.
P/1 - Enquanto consumidor, o senhor gosta de comprar o quê?
R - Como consumidor, o que gosto de comprar. Poxa vida, gosto de comprar tudo. Mas, o que é esse tudo, né? Eu gosto de comprar automóvel, quando posso comprar um automóvel mais novo, sou chegado. Sei lá, um aparelho de som, quando posso comprar um de um recurso melhor, né? Por exemplo, eu tinha um aparelho de som que tocava o disco grande, de plástico, depois, saiu o CD, então, é evidente que quando eu pude algum CD eu também fui lá e comprei. Mas, gosto sempre ser atualizado, sempre procurar ter, se eu puder Ter, aquilo que é de moderno. Gosto muito de comprar. Eu só não compro mais porque eu não posso.
P/1 O que não gosta de comprar?
R - Medicamento. Tenho pavor de comprar medicamento.
P/1 - O que faz mais nas horas de lazer? Pratica esporte ou gosta de passear, hoje em dia?
R - Hoje, gosto muito de passear. Se eu pudesse, parava de trabalhar só pra passear. Mas começar a passear, o dinheiro não dá, então preciso trabalhar e o dinheiro não dá muito. Mas gosto muito de passear. Gosto de praia, né? Passeio, no geral, eu gosto. Gosto de conhecer outras cidades que não conheço. Aprecio muito um churrasco, gosto nas minhas horas de folga se puder fazer um churrasco, se eu puder participar de um churrasco, gosto. É isso aí que eu gosto, viu.
P/1 – Ainda tira férias?
R - Tiro férias. Trinta dias por ano. Não deixo de tirar minhas férias não.
P/1 - Nós estamos caminhando pro final da entrevista. Se pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o que mudaria?
R - Se pudesse mudar... Se eu pudesse, se a minha aposentadoria fosse maior, eu pararia amanhã de trabalhar. Isso aí eu mudaria sim, viu... Você diz mudar o quê? Mudar isso? Seria uma das coisas que mudaria, sim. Se a minha aposentadoria fosse maiorzinha, gostaria de parar de trabalhar.
P/1 - Dessa carreira toda voltada pro comércio, quais foram as lições que tirou e que pode estar passar pra gente como comerciário?
R - Como comerciário, acho que fui muito bem sucedido. Eu tive uma carreira que não me trouxe tristeza nenhuma. Eu trabalhei todos esses anos com muita alegria, trabalho até hoje com muita alegria, muito contente. Eu fui muito bem sucedido como comerciário. Sempre procurei trabalhar com cabeça no lugar. Tudo que ganhei procurei aplicar pro meu conforto, pro conforto da minha família, certo. Então. não tenho queixa, foi uma carreira muito bonita, pra mim. Eu acho que foi muito bonito. Eu acho que não tenho nada a acrescentar. Eu acho que não mudaria muita coisa, não. Se fosse pra começar de novo, começaria com a mesma vontade de construir o que eu construi, nesses 42 anos de comércio que tenho.
P/1 - Tá jóia. O que achou de ter ficado esse tempo com a gente conversando, falando da sua vida do comércio?
R - Olha, também gostei muito. Eu cheguei aqui, não sabia o que eu ia fazer, certo. Mas, achei muito bacana, gostei muito, demais. Vocês me fizeram lembrar de muita coisa que fazia muito tempo que ninguém me fazia lembrar, né? É isso aí, foi muito bacana. Valeu mesmo, viu.
P/1 – A gente agradece, o Museu da Pessoa, o SESC de São Paulo agradece a sua colaboração .
R - Eu é que agradeço a vocês, por vocês terem me dado essa oportunidade. O que vocês puderem aproveitar, aproveitem. pra mim, foi um motivo de bastante alegria passar esse tempo aqui com vocês, tá.
P/1 - Que bom.
R - É com muito bom gosto, viu. O que vocês precisarem, vocês podem me procurar. Tá bom. Tá legal.
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