P1 – Rafaela, pra começar eu quero que você me fale seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Rafaela Palma Pinto, eu nasci em Cantagalo, interior do estado Rio de Janeiro, em 18 do fevereiro de 1975.
P1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Erli José da Silva Pinto e Nereida Palma Pinto.
P1 – E o que eles fazem?
R – O meu pai é aposentado atualmente, mas tem um bar. E na época em que ele trabalhava, trabalhava em um laboratório da fábrica de cimento, na minha cidade tem muita fábrica de cimento, ele trabalhava no laboratório de química. Mas não é que ele seja formado, mas por falta de mão de obra na época. E minha mãe é professora, mas agora já é aposentada também.
P2 – Professora de quê?
R – Matemática.
P1 – E seus avós, você conheceu seus avós?
R – Conheci, todos meus avós. Mas o meu avô paterno, quando eu tinha três anos, faleceu. Agora, os outros eu conheci.
P1 – E você se lembra?
R – Me lembro, eles faleceram quando eu era mais velha.
P1 – E eles são daqui, do Rio?
R – Não, todos são de Cantagalo, só minha avó materna, é de Monjolo, que fica no distrito de Itaboraí, não tenho certeza. Ela nasceu lá, mas logo criança foi pra Cantagalo. Meu avô materno eu acho que também. Eu acho que eu tenho que falar uma coisa também: eu trato como meu avô, minha avó, mas não são porque minha mãe é filha adotiva. E o pai da minha mãe e a mãe da minha mãe reais eu não conheci, não conheço até hoje.
P1 – E você sempre soube disso?
R – Não. (risos) Vocês querem que eu conte? (risos) Eu não sabia, dessa história de adoção, pelo menos lá no interior era muito complicado, hoje em dia eu acho uma coisa tão natural, uma coisa tão bonita, um ato bonito. E antigamente era muito complicado, era escondido. Minha mãe foi criada a vida toda até o dia que ela viu na...
Continuar leituraP1 – Rafaela, pra começar eu quero que você me fale seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Rafaela Palma Pinto, eu nasci em Cantagalo, interior do estado Rio de Janeiro, em 18 do fevereiro de 1975.
P1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Erli José da Silva Pinto e Nereida Palma Pinto.
P1 – E o que eles fazem?
R – O meu pai é aposentado atualmente, mas tem um bar. E na época em que ele trabalhava, trabalhava em um laboratório da fábrica de cimento, na minha cidade tem muita fábrica de cimento, ele trabalhava no laboratório de química. Mas não é que ele seja formado, mas por falta de mão de obra na época. E minha mãe é professora, mas agora já é aposentada também.
P2 – Professora de quê?
R – Matemática.
P1 – E seus avós, você conheceu seus avós?
R – Conheci, todos meus avós. Mas o meu avô paterno, quando eu tinha três anos, faleceu. Agora, os outros eu conheci.
P1 – E você se lembra?
R – Me lembro, eles faleceram quando eu era mais velha.
P1 – E eles são daqui, do Rio?
R – Não, todos são de Cantagalo, só minha avó materna, é de Monjolo, que fica no distrito de Itaboraí, não tenho certeza. Ela nasceu lá, mas logo criança foi pra Cantagalo. Meu avô materno eu acho que também. Eu acho que eu tenho que falar uma coisa também: eu trato como meu avô, minha avó, mas não são porque minha mãe é filha adotiva. E o pai da minha mãe e a mãe da minha mãe reais eu não conheci, não conheço até hoje.
P1 – E você sempre soube disso?
R – Não. (risos) Vocês querem que eu conte? (risos) Eu não sabia, dessa história de adoção, pelo menos lá no interior era muito complicado, hoje em dia eu acho uma coisa tão natural, uma coisa tão bonita, um ato bonito. E antigamente era muito complicado, era escondido. Minha mãe foi criada a vida toda até o dia que ela viu na documentação da escola como filha de verdade, nunca foi contado a ela que ela era filha adotiva. Até que um dia na escola, ela viu na certidão algo de “adoção” e ficou sabendo mais ou menos. Mas ela sempre guardou isso como um segredo e nunca contou para ninguém. O resto da vida dela nunca foi comentado, como se fosse uma estranha, uma coisa secreta, uma coisa errada uma pessoa ser criada por outra família. E aí eu não sabia de nada, o meu irmão não sabia, eu tinha quase dezoito anos quando eu fui descobrir, de uma maneira muito ruim. Porque eu estava no supermercado lá da minha cidade, comprando e aí chegou um senhor perto de mim e perguntou da minha avó. Eu falei que ela estava bem, até então eu achava que a minha avó era a pessoa que eu convivia. Aí ele falou: “Não, sua avó nada, sua avó está doente, não sei de quê”, começou a questionar. Eu falei: “Não, minha avó...” “Ué, você não sabe não, ela não é sua avó não.” E aí que ele me contou assim de sopetão e eu saí do supermercado desorientada, e ao invés de ir pra casa eu fui pra casa da minha avó e falei que tinha acontecido isso. A minha avó foi e realmente me contou. Na hora eu chorei muito, pela maneira que havia recebido a notícia. Depois, minha tia veio, conversou comigo, meu tio, porque eles já sabiam. Mas aceitei, e logo depois tratei naturalmente, pra mim não tem nada de mais. Na verdade aquela, que hoje ela é falecida, é a minha avó, aqueles são meus tios. Eu nem conheço realmente a família da minha mãe, nem faço questão de conhecer. Então aquilo hoje é natural pra mim, na hora foi um choque, hoje em dia eu não tenho nenhum problema quanto a isso. Depois contaram para minha mãe que eu já sabia, e eu ajudei de certa forma minha mãe a se libertar desse problema. Porque você passar a vida toda sabendo que você é filho adotivo e não poder contar, conversar daquilo com ninguém, como se fosse uma coisa proibida, uma coisa errada, esconder de filho, esconder de sobrinho, esconder uma coisa sem necessidade. Até meu pai sabia disso porque minha avó contou, mas depois de muito tempo de casado que meu pai foi falar pra minha mãe que ele sabia, minha avó pediu pra contar. Foi um grande segredo. E foi bom, que aí acho que minha mãe se libertou um pouco desse peso, porque é um fardo pra pessoa carregar uma coisa sem necessidade. Aí depois de algum tempo eu deixei o meu irmão crescer mais, que ele é um pouco menor que eu, muito imaturo também. Eu contei pra minha mãe e para o meu irmão essa história. Hoje em dia a gente encara naturalmente sem problema algum.
P1 – Você se lembra de quando você foi falar com a sua mãe que você sabia?
R – Se eu me lembro? Não foi eu que falei, foi todo mundo, fomos para casa da minha avó e ela contou para minha mãe que eu sabia. Ela ficou assustada. Minha mãe é uma pessoa, muito frágil, muito delicada, muito sensível, complicada, sabe? Ela tem dificuldade de encarar os fatos, encarar a realidade, sempre muito dependente, muito... “Ai, tudo é muito difícil, tudo é muito complicado.” Então eu acho que foi muita coisa que ela carregou durante muito tempo e acabou se tornando assim.
P1 – E você sabe a ascendência dos seus avós, a origem?
R – Sei. Minha avó real ela era empregada na casa da minha avó que eu tratei a vida toda como avó. Minha avó de verdade ela ficou grávida de um rapaz muito novo também, na época devia ter uns dezessete anos e a família dele, logo depois disso, desse acontecimento aí que a moça engravidou... moça! (Risos) A minha avó, mas é porque eu não tenho contato, nem nunca vi. Eles foram embora, a família foi embora pra Campos, e aí meu avô mora, atualmente não, atualmente ele mora no nordeste, mas ele morou a vida inteira em Campos, fez família lá, construiu a vida dele em Campos. Engraçado, ele é muito bem de vida hoje em Campos, muito bem mesmo, uma pessoa assim muito rica. Assim, uma parte antiga de Campos, esses casarões, essas coisas, tudo pertence a ele.
P1 – O seu avô que era o menino que engravidou...
R – Na época, é.
P1 – E aí, a sua infância, você morou lá em Cantagalo mesmo?
R – Morei a infância toda lá em Cantagalo, meu pai, minha mãe. Minha mãe trabalhava como professora e meu pai trabalhava o dia inteiro na fábrica, saía às cinco horas e ficava o dia todo. E para minha mãe trabalhar eu ficava na casa da minha avó, por isso essa afinidade tão grande com ela. Eu fui criada a infância toda com ela, pelas manhãs minha mãe saía pra trabalhar e eu ficava na casa dela, à tarde ela me deixava na escola, eu só via minha mãe à noite, porque tinha dias em que ela saía pra trabalhar e eu ainda estava dormindo. Então eu tenho muito mais ligação da minha infância e de presença materna com a minha avó, eu ficava mais tempo com ela do que com a minha mãe.
P1 – E ela morava numa casa?
R – Minha avó morava numa casa grande, bonita. As casas antigas, elas eram muito grandes, tinha a sala de estar, sala de jantar, copa, cozinha, muitos quartos e eu adorava a casa da minha avó. Eu me sentia feliz porque ali tinha muito lugar pra brincar, tinha um quintal imenso, tinha um morro, tinha muita fruta, tinha um quadradinho que a gente chamava de tanque. Era uma piscina pequena para criança e a gente brincava ali, eu gostava muito de ficar na casa da minha avó.
P1 – Quem que ia lá brincar com você?
R – Alguma criança que morava na rua e meu irmão, minha prima, meus primos, era mais nós. Até minha prima às vezes ficava na casa da minha avó também, meu irmão, éramos nós que brincávamos na casa da minha avó.
P2 – E qual era o nome do seu irmão?
R – Meu irmão se chama Fabrício.
P2 – Qual a diferença entre os anos?
R – Três anos.
P2 – Três anos. Então sua infância foi brincar com ele também... como é que eram as brincadeiras, que você mais gostava de brincar?
R – Ah não, na infância não era só na casa da minha avó, no interior a gente tem muito mais liberdade. Lá tem uma praça e tem um jardim, e esse jardim ele é muito até bonito, hoje está um pouco descuidado, mas tem muitas árvores, ele é todo de areia, tem aquele repuxo, não sei se vocês sabem, com peixinho. Assim: é um coreto, vocês sabem o que é coreto? Em volta do coreto tem um repuxo que é um pequeno lago, nesse lago tem uns peixinhos, e tem um lugar que chama toco. Tem um problema: não bebe água do toco porque se não (risos) porque tem que ficar numa posição um pouco constrangedora para beber água do toco, aí é uma brincadeira que fazem, uma gozação. Lá é muito bonito, esse jardim. Eu brincava muito na rua, brincava de pique, de pique-bandeira, de correr, de pular, brincava lá fazendo bolinho, de panelinha, de comidinha. Do lado da minha avó tinha um parque infantil mesmo, e eu ia. No interior eu ia de um lugar pro outro, a manhã toda, livre, solta, criada assim muito livre, muito solta. Estava no parque e depois falava: “Vovó, estou indo no jardim” e saía correndo. Depois voltava pra casa praticamente na hora de tomar banho, me arrumar, almoçava e ir pra escola. À noite tinha dia que a gente brincava e não era na praça, que era em frente à minha casa, que de manhã eu ficava na casa da minha avó. Na praça a gente brincava, de pique-bandeira. E final de semana que às vezes a gente, já um pouquinho maior, ou ia na de colega, assim, que durante a semana era difícil minha avó deixar ir pra casa de colega, preferia que ficasse aonde ela tinha como olhar.
P1 – E sua avó, como você lembra dela nessa época?
R – Eu lembro muito da minha avó, muito mesmo. Quando minha avó faleceu, eu já tinha o quê? Minha filha já era nascida, foi quando ela fez dois anos, tem doze anos que minha avó faleceu. Eu me lembro muito, fui muito criada pela minha avó. E eu tenho grande admiração pela pessoa, e aí um tempo atrás eu vim saber algumas coisas, sobre ela. É engraçado, pra mim às vezes eu tenho mais relação com minha avó do que minha própria mãe. Mas eu vim saber umas coisas, sobre ela que eu falei: “Gente, a pessoa morreu, eu tenho umas lembranças ótimas dela, pra mim era tudo, pra mim era minha avó.” Eu não quero saber, porque melhor nem procurar saber coisas que são desagradáveis e desinteressantes, deixa eu guardar a imagem, a memória, a ideia da minha avó como eu tenho, então eu nem procurei saber, mas eu tinha verdadeira admiração pela minha avó. E eu sempre tive uma preocupação muito grande, que eu falava: “Gente, o dia que a minha avó vier a falecer eu não sei o que vai ser de mim.” Eu tinha muito medo, eu ficava assim mais preocupada de perder minha avó do que de perder minha mãe. O dia que minha avó faleceu eu fiquei, assim, muito tranquila. Deus que explica essas coisas, a força que a gente tem, minha mãe chorava, se desesperava, minha tia chorava e eu tranquila, eu ajudei a arrumar minha avó, eu coloquei ela dentro do caixão, eu não desgrudei dela nenhuma hora, fiz tudo que ela sempre pediu. Minha avó tinha também muita ligação comigo, ela sempre falava: “Rafaela, quando eu falecer eu quero que você faz isso, isso e isso.” Foi tudo feito, tudo como ela quis, eu ajudei todos os instantes, maquiei, arrumei, enfeitei, tudo ali e numa tranquilidade, numa paz, numa serenidade que aquilo ali não era natural, só a mão divina pra explicar aquilo ali. E foi muito tranquilo, fui no cemitério, esperei enterrar, vi tudo, que até hoje não sei explicar a força. Mas eu falo isso, assim, com uma tranquilidade que não tem explicação, só Deus pra poder dar essa força na gente na hora que a gente mais precisa. É isso.
P1 – E quais são suas lembranças dela na casa dela? O que você via ela fazendo?
R – Ah, via minha avó o dia inteiro, minha avó costurava, fazia crochê, maravilhosamente bem. Minha avó acordava, aí ela ajeitava as coisas dela, ela sempre teve, graças a deus, meu avô e minha avó tiveram uma vida mais ou menos boa economicamente. Ela sempre tinha alguém que ajudasse ela em casa. Mas as pessoas que trabalhavam mais limpavam a casa, ela nunca deixou ninguém fazer comida pra ela, até o ultimo dia de vida ela cozinhou pra ela, fez tudo. Uma pessoa de oitenta e poucos anos já não tem muito pique, não é? Tudo que precisava na casa ela sempre procurou fazer, mas o que mais me despertava em minha avó, que me chamava a atenção era a comida. Nossa, minha avó cozinhava maravilhosamente bem, muito bem mesmo! As coisas dela sempre foram muito gostosas e ela tinha prazer em fazer comida, fazer e distribuir, fazer para agradar as pessoas. Se você chegasse lá e falasse: “Ah, eu queria tanto...”, não tinha tempo ruim, não tinha hora, não tinha indisposição, não tinha nada, ela fazia o que fosse, perto de Minas tem muita compota, muito doce caseiro, muita cocada, muito pé de moleque, muito doce, essas coisas. Ela fazia e distribuía pra rua toda, ela não se contentava em fazer só pra gente, ela fazia pra agradar a todas. Sabe, essas coisas que gente antiga faz pra agradar a todo mundo? Isso que mais me chamava atenção na minha avó. Eu sou muito comilona, aí minha avó fazia almoço, eu já nem ficava mais lá, que eu já tinha minha casa, as sobras do almoço ela deixava lá guardada, na hora do meu lanche, ao invés de eu lanchar, eu ia lá comer as sobras do almoço, eu almoçava de novo três horas da tarde. (risos) E é assim, a lembrança melhor que eu tenho da minha avó é: assim, os momentos difíceis ela sempre estava ali presente, me dando força, me ajudando. Nos momentos que ficava feia a coisa na minha casa eu corria pra casa da minha avó. E da comida, dela fazendo crochê, dela costurando, essas coisas que me marcaram mais.
P2 – E qual era a comida que você mais gostava?
R – Coisa difícil que você me faz, a pergunta. Eu como muito, eu gostava muito de comer e na minha avó eu me lembro, de doce. Olha, tinha um pudim de clara que era maravilhoso, tinha um bolinho de ovo que era maravilhoso, cocada, um doce de amendoim que ela fazia que era muito bom. Nossa, tinha muita coisa boa que minha avó fazia, ela fazia umas comidas maravilhosas, todo mundo adorava ir lá comer.
P2 – E ela te ensinava a cozinhar?
R – Apesar de não ser verdade hereditária, mas comparando à minha mãe, minha tia, minha prima, eu sou a que cozinho melhor, eu faço a comida por prazer. Tem dia que eu chego em casa e digo: “Ai, não aguento mais trabalhar.” Aí eu invento, de ir pro fogão pra fazer não sei o quê. E aquilo ali me distrai, me deixa feliz, satisfeita e eu gosto, gosto mesmo e faço direitinho, ninguém nunca reclamou não.
P1 – Tinha criação na casa da sua avó?
R – Não. Criação não.
P1 – E aí vocês compravam...
R – Na casa da minha avó tinha nascente, vocês estavam comentando sobre nascente, eu esqueci de falar, era tudo água de nascente, no lugar que a gente tomava banho que a gente chamava de tanque era água de nascente. Gelada! Mas a gente estava lá.
P1 – E aí tinha que ir lá buscar? Como que era essa rotina?
R – Não, a nascente é assim: tinha um lugar onde foi colocado um cano, um cano mais grosso passava para um cano mais fino, e minha avó fechava, arrolhava ali quando não queria que vazasse. Quando a nascente estava muito cheia, tinha uma gruta, um lugar que você conseguia chegar até a nascente, que era cavado na encosta do morro. Quando a nascente estava muito cheia, já querendo transbordar, aí tinha que desarrolhar e deixar a água vazar um pouco. Se não, se não tivesse muito cheia deixava lá, a hora que queria pegar água, queria fazer qualquer coisa, beber, porque a água era muito pura mesmo, podia ser bebida, hoje em dia já não é tão pura, mas naquela época sim, podia ser bebida e fazer o quisesse com a água, lavar roupa, tudo.
P1 – E as brincadeiras com água, o que você gostava?
R – Eu era muito comportada. (risos) Não tinha muita brincadeira de água, de fazer bagunça não, eu só usava a água mesmo pra tomar banho lá e pra fazer “comidinha”. Mas, nada assim, que eu sempre molhasse, fizesse bagunça, nada disso. Eu era comportada, obediente, eu gostava mais de brincar na rua.
P1 – E a cozinha era fora da casa ou era dentro?
R – Não, a cozinha era dentro da casa. Era uma cozinha grande, espaçosa, coisa de casa antiga mesmo, a casa que minha avó que hoje não existe mais, já foi demolida, mas tinha uns cem anos a casa.
P2 – E como era o convívio com a sua mãe?
R – Bom na medida do possível. Como eu vou explicar? Era bom, mas a minha mãe era uma pessoa complicada de se conviver, eu vou explicar pra vocês o que acontece, nem sei se é minha mãe que é complicada de viver. A história é que minha mãe e meu pai não tinham uma vida muito boa dentro de casa, meu pai era uma pessoa muito e continua sendo, muito grossa, muito estúpida, muito grosseirão, não aceitava nada, por exemplo: se ele chegasse em casa nós tínhamos que estar sentados eu e meu irmão direitinho no sofá, quietinho, o chinelo dele na porta. Culpa da minha mãe também que não soube se impor, falar: “Espera aí, vou fazer o que eu quero, é do jeito que eu quero, não tem nada disso.” Claro que ela foi submissa, mas meu pai também é uma pessoa muito difícil, e o casamento lá na minha casa nunca foi tão bom, tranquilo, não. Aliás, vocês veem essas histórias aí que bater traumatiza, que pai espancar mãe, mãe espancar filho, se isso tudo traumatizasse eu ia ser tão traumatizada e eu nem sei, eu ia ter que ir pro psicólogo, porque minha mãe e meu pai tiveram um casamento ruim. E, assim, meu pai espancando minha mãe desde que eu tinha meses e eu não lembro, mas foi minha infância toda. Sabe, meu pai batia na minha mãe, minha mãe chorava, socava mesmo, coisa feia mesmo, violência mesmo. Quando eu era pequena eu não entrava no meio porque eu tinha medo, ficava assustada com os barulhos. Mas a principio, quando eu era muito nova eu não via, eu não sei se eu não via ou se a gente apaga da memória certas coisas ruins. Eu não via, só escutava o barulho e aquilo me assustava muito quando eu era pequena, barulho de tapa, de soco, de “tum” na parede e porta, essas coisas assim. Aí eu não via muito, mas depois eu via, assistia tudo e to aí, não é, mas foi uma infância difícil dentro de casa, muito desagradável.
P2 – E como é que era sua relação com seu irmão?
R – Boa. Boa, eu buscava, assim, proteger ele disso tudo. Essas histórias todas aí me deram muita força pra vida, sabe? Ai, espera. (choro) Vocês querem que conte?
P1 – Se você quiser contar.
R – Tranquilo, só...
(PAUSA)
R - Fingir que nada aconteceu. E o meu irmão, o que acontece? Por ser menor, eu buscava, assim, proteger ele ao máximo como era capaz naquela idade, e minha relação com ele era muito boa, eu tinha pena do meu irmão. Eu me lembro, assim, de uma situação, coisa... eu tinha três anos, mais ou menos três anos e pouco, não, devia ter quatro na época, meu irmão tinha um aninho e eu, sem querer, esse negócio de criança pequena: “Ah, me dá!”, “Não dou!” “Me dá!” “Não dou!”, um empurra o outro, eu empurrei meu irmão, tadinho, ele... tinha uma cadeira, nessa cadeira tinha um parafuso, no fundo da cadeira. Eu empurrei, ele estava sentado, ele passou pelo vão da cadeira e arrastou a cabeça no parafuso, cortou. Aquilo ali foi um trauma, eu muito pequena, essa parte eu me lembro direitinho: eu empurrando e, tadinho, cortou a cabeça do meu irmão, abriu aqui, foi um fim. E pra falar com a minha mãe que tinha sido eu que empurrei? Acho que até hoje ela não sabe que foi eu quem empurrei, porque a minha intenção não era de machucar ele a esse ponto, foi intenção, assim: “Me dá!” “Não dou!”, a gente estava brincando, acho que era de quebra-cabeça, alguma coisa assim, acho ele bagunçou, ou ele me deu alguma coisa que eu empurrei ele e ele saiu passando a cabecinha pela cabeça e aí cortou. Aquilo foi péssimo pra mim, teve que dar ponto na cabeça, péssimo. Eu buscava sempre proteger o meu irmão dessas histórias todas. E aí o que acontece? Minha mãe, por ter essa vida difícil em casa, por ser muito submissa a meu pai, escondida, aquele segredo de ser filha adotiva, submissa, ela era muito nervosa, também assim, cobrava muito, muito agressiva, muito cruel até, muito mesmo. De bater na gente, de dar castigo, de humilhar com palavras, que a gente pensa que bater só, mas com palavras dói mais. E ela fazia certas coisas com meu irmão que eu me lembro mais, que me dava dó de ver aquilo ali e ela fazia assim com uma crueldade de me espantar. Por isso que eu ficava lá na casa da minha avó, eu preferia. E eu me lembro de uma situação que a gente tinha uma cadeirinha que a gente ficava de castigo. Uma vez meu irmão estragou um negócio lá em casa, minha mãe pegou... um dia antes tinha sido aniversário do meu irmão, aí ele ganhou um monte de bonequinho, coitado! (choro) Eram esses bonequinhos de Homem-Aranha, de Batman, essas coisas, ele ganhou um monte. Aí, não sei o que aconteceu, eu não me lembro bem, nós ficamos em casa sozinhos e aí ela foi na rua, eu acho que o meu irmão estragou alguma coisa lá em casa. Quando ela voltou, que ela viu que a gente tinha estragado, caramba, ela quebrou todos os bonecos do meu irmão que ele tinha ganhado um dia antes. Pegou a cadeira, jogou em cima de mim, quebrou a cadeira no meio porque eu abaixei a cabeça se não tinha me matado. (choro) E aí tem muitas situações de violência que eu tenho pra contar, muito difícil. Mas, vamos falar de coisa boa.
P1 – Você levava seu irmão pra passear?
R – Não.
P1 – Pra casa da sua avó?
R – Levava, pra casa da minha avó, tomava conta dele depois que ele cresceu mais, aí tinha dias que a gente não ia pra casa da minha avó mais, ficava em casa tomando conta do meu irmão. Era aí que eu, mais tomava conta do meu irmão, mas levar pra passear, não muito.
P1 – E festa, tinha festa no coreto, na cidade?
R – Tinha, tinha até hoje tem umas festas tradicionais lá.
P1 – É? Quais?
R – Tem uma que chama festa dos carecas (risos) que acontece em Julho, Junho ou Julho, tem essa festa dos carecas, tem o carnaval que lá é muito bom, tem a festa da cidade, que é no aniversário da cidade. De resto, na época de festa junina, tem muita festa junina, muito... só.
P1 – O que é a festa dos carecas?
R – Essa festa começou há muitos anos logo assim que o município foi fundado, é uma festa mais tradicional, busca resgatar, o sertanejo, coisas mais rurais, como vou explicar? Hoje fugiu muito, aquela época era assim: era violão, que se tocava com serestas, essas coisas. Hoje em dia já fugiu um pouquinho, mas sempre tem aquela parte que resgata o violão, a sanfona, essas coisas, forró. Não é o forró que a gente às vezes vê tocar, é mais rústico, sabe, coisa de interior mesmo. Essa festa é mais tradicional, ela busca resgatar essas coisas.
P1 – Você lembra de quando você era criança de ir nessa festa?
R – Não, não tenho, lembrança, eu sei que eu ia, mas nenhuma lembrança dessa festa, as lembranças que eu tenho é de maior, mais velha.
P1 – Tinha igreja na praça?
R – Tem a igreja, em volta da igreja uma praça, que é em frente à casa que eu morei a vida toda até casar, e do lado tem um jardim. Coisa do interior, toda cidade do interior tem aquela... a igreja com a praça, coreto, essas coisas.
P2 – Descreva melhor a cidade: ela tinha quantos habitantes? Vivia em função de quê?
R – Hoje deve ter uns trinta e poucos mil habitantes, ela vive em função das fábricas de cimento, tem três fábricas de cimento lá, é o terceiro maior pólo de cimento do Brasil. É uma cidade calma, tranquila, baixo índice de violência, quase nenhum, não é muito turístico, mas tem lugares muito bonitos, muito preservada, muita natureza, muita cachoeira, é uma beleza. Essas coisas de meio-ambiente, pra quem gosta de mato, como fala, (risos) pode ir pra lá que vai gostar, eu não gosto, eu já enjoei, a vida toda lá.
P2 – E o que você gosta mais de fazer na época que você era criança? Os passeios, algum lugar específico?
R – Que eu me lembre não tem um lugar que eu gostasse de fazer não.
P2 – E seu bairro, você gostava de seu bairro, sua rua?
R – Eu morava no centro, em frente à igreja, a praça. E gostava.
P1 – E onde que vocês compravam comida? Tinha armazém?
R – Tinha, supermercado.
P1 – E como que era? Vendia tudo?
R – Vendia. Não. (risos) Esse tudo é relativo. Deixa eu explicar: tinha o supermercado, a princípio o supermercado só vendia gêneros alimentícios, não vendia hortifrúti, antes, quando eu era criança. Hoje em dia tem outros que vendem de tudo agora.
P1 – E como que vocês faziam então pra comer verdura?
R – Não, tinha quitandas, tinham várias quitandas, ainda tem quitanda lá. E os supermercados só vendiam gêneros alimentícios mesmo, padaria, onde a gente comprava leite e pão, supermercado não vendia pão e leite naquela época, carne a gente comprava em açougue, não vendia em supermercado também, não. Nem produto farmacêutico não vendia em supermercado naquela época não, era em farmácia. Cada um com sua função, hoje em dia supermercado vende de tudo.
P1 – E quando você começou a ir pra escola?
R – Com três anos.
P1 – Era uma creche? Como que era?
R – Não, era educação infantil, era o prézinho, na época, na escola, eu estudei a vida toda na mesma escola, desde o pré até me formar, na mesma escola.
P1 – E você lembra dessa época de criança, a primeira infância, assim, na escola?
R – Me lembro, ir à escola era muito bom, adorava ir para escola brincar. Me lembro das duas primeiras professoras que eu tive com muito carinho, conheço até hoje, elas estão vivas. Me lembro, adorava ir pra lá, escutar historinha, e na hora da história não era livro de história naquela época, era álbum seriado, que iam passando as páginas grandes, aquilo me encantava, adorava, era a hora que eu mais gostava era a hora da história. Não era aquele livro que eu via na minha casa, era uma coisa grande, eu ficava maravilhada, gostava muito de estudar.
P1 – Como é esse álbum seriado?
R – É assim: é um cavalete, com um fixador, um pauzinho, comprimido, e tem um negocinho...
P1 – Uma borboleta.
R – Isso, essa borboleta e as páginas dos desenhos, que era tudo desenhado a mão, pintado a mão, ficavam presos ali. E a professora ia contando e ia virando a página de cada vez e ia aparecendo. Você só via a figura, a capa na frente, cada hora que ela ia contando ela virava a página. Aquilo para uma criança, eu achava aquilo maravilhoso, grande, colorido, que eu adorava a parte de contação de história na escola.
P1 – Elas que faziam?
R – Elas que faziam.
P1 – Inventavam.
R – Não, às vezes eram até histórias mesmo de livros, mas elas passavam para esse papel, porque às vezes eram grandes e um livro não ia dar pra todo mundo ver. Também não sei por que que eu trabalhava com educação e usava na maioria das vezes livro, mas naquela época quando eu era criança era assim que eram contadas as histórias, eu achava aquilo maravilhoso.
P1 – E como que era esse momento?
R – A gente sentava no chão, cantava uma música e a professora lá, em pé do lado do cavalete, ia virando as páginas e contando a história.
P1 – E nas férias? Você costumava ficar na cidade? Você lembra quando você era criança?
R – Quando eu era pequena sim, eu comecei a viajar eu devia ter uns sete anos, que eu comecei a ir para as praias no verão, a princípio eu ficava na cidade quando eu era novinha, depois quando eu passei a ter uns sete anos que eu viajava, no verão, ficava às vezes o mês de Janeiro inteiro, às vezes quinze dias dependendo da praia que a gente fosse.
P1 – E vocês iam acampar?
R – Não, ficava em casa, meu tio tinha uma casa, tem até hoje, uma casa em uma praia, e na maioria das vezes a gente ia para essa casa. Tinha anos da gente alugar outra casa em outra praia ou pousada, hotel, alguma coisa assim. Mas era mais difícil, era mais frequência ir pra casa do meu tio na praia. Aí quando era na casa do meu tio a gente ficava o mês todo, quando era alugada a gente ficava quinze dias.
P2 – E você gostava?
R – Nossa, adorava! Adorava, eu sou apaixonada por praia, por água, então eu adorava aquilo, adorava, ficava feliz da vida, não tinha a menor vontade de voltar.
P1 – Como era? O que vocês faziam lá na praia?
R – Eu acordava, ia pra praia, ficava na praia até na hora do almoço, andava a praia toda todo dia, ficava na água porque eu adoro. Praia pra mim não serve pra ficar fora da água, ficava na água o tempo todo, pulando onda, aproveitava ali. Ia pra casa, almoçava, dormia um pouquinho e voltava pra praia, ficava na praia até anoitecer, voltava pra casa. E a noite a gente ia pra, hoje é boate, na minha época era discoteca. E era assim todos os dias, a mesma coisa mais ou menos todos os dias, a mesma coisa.
P1 – Teve alguma vez que você se lembre em especial, assim, uma dessas idas?
R – Teve, deixa eu me lembrar. Várias foram especiais: uma que eu fui com meu tio sozinha, era ano novo, aí eu cheguei lá quase meia-noite, estava todo mundo na praia, foram passar o réveillon na praia, aí eu cheguei lá quase meia-noite. Esse dia foi muito legal porque eu fui sozinha, estava adorando aquela história de ir sozinha a primeira vez, eu tinha ido passar o réveillon sozinha, foi muito bom. Outras vezes também que eu fui com umas amigas também que foram pra casas próximas também, foi legal. Quando eu era mais nova eu ia muito com família, só, depois começaram a ir colegas.
P2 – E onde é que era a praia?
R – Olha, essa praia que meu tio tinha casa é em Guaxindiba. Guaxindiba é uma praia próxima a Campos. São João da Barra, Campos, é ali essa casa do meu tio. Mas os outros lugares eu ia muito pra Rio das Ostras, Cabo Frio, pra Arraial do Cabo, Iriri, que é Espírito Santo, também fui muito a Iriri. Não tinha assim certo, às vezes ia pra um lugar, às vezes ia pro outro.
P1 – E essa vez aí que você foi sozinha, você foi com seu tio, mas não...
R – Não.
P1 – Como é que foi?
R – Os parentes do meu pai já estavam na praia, e aí eu fui com meu tio pra lá e fiquei lá, sem a minha mãe, sem meu pai, sem a minha família, eu e parentes, não pai e mãe. A primeira vez que eu fui sem pai e mãe foi essa vez do ano novo.
P1 – Você tinha quantos anos?
R - Acho que eu devia ter uns doze anos.
P1 - Vocês iam muito pra praia?
R – É, passar o réveillon lá, pular onda, essas histórias de quando passa réveillon em praia.
TROCA DE FITA
P1 – E os seus amigos?
R – De hoje? Onde eles estão?
P1 – De ir pra praia, você conheceu um pessoal lá na praia? As pessoas de lá?
R – Não, era assim: o meu tio tinha a casa e a casa era em um condomínio e muitas pessoas que tinham casa nesse condomínio eram da mesma cidade que eu. Então a gente combinava de ir na mesma época pra ficar... A gente conheceu, fez algumas amizades na praia, mas alguns a gente já combinava de ir na mesma época pra praia, a gente já tinha a turma certa de ir à praia.
P1 – O pessoal da cidade?
R – Da cidade.
P1 – E na cidade tem mais de um colégio?
R – Tem, têm vários.
P1 – E você se lembra de você se alfabetizando, assim, primeira série?
R – Eu me lembro da alfabetização, que eu sempre fui muito pequena, pequenininha naquela carteira imensa que até então na educação infantil, no pré-alfabetização era tudo pequeno, mesinha pequena, tudo pequenininho apropriado. Depois eu fui pra uma sala imensa, eu me lembro bem disso, com as carteiras muito grandes e uma professora grande. Essa ideia eu tinha, sentava lá atrás, era a última da fila, numa sala... Assim, as salas dessa escola são muito grandes, então não tenho noção assim de metragem, mas deve ser o quê? Uns sete metros, é muito grande a sala, cabe quarenta, cinquenta alunos, tranquilo na sala. Hoje eu trabalho nessa escola também. E me lembro disso, de eu muito pequena, aquela carteira, aquela professora, que ela falava muito alto, gritava, e eu muito pequenina, ela falava pra minha mãe que eu não falava nada dentro da sala, ficava sentada lá atrás.
P1 – Seu irmão frequentava o mesmo colégio?
R – Frequentava, nós dois estudamos lá até se formar. Minha mãe era professora dessa escola.
P1 – Como vocês iam pra lá?
R – A pé, andando.
P1 – E era perto?
R – Ah, uns quinze minutos a pé, não é longe.
P1 – E você lembra desse caminho, dessa paisagem?
R – Eu me lembro perfeitamente, eu faço isso três vezes por semana esse caminho, porque eu trabalho nessa escola. Mesma coisa, tranquilo, a gente às vezes andava, ia conversando, ia enrolando com os amigos, bem devagar pra chegar no colégio, na vinda mais devagar, vinha conversando, batendo papo, rindo, correndo, empurrava, tocava a campainha da casa dos outros, essas coisas de criança.
P2 – E no colégio tinha alguma matéria que você mais gostava? Um professor?
R – Olha, a matéria que eu mais gostava... eu sempre gostei de tudo, sempre gostei de estudar, sempre gostei de todas as matérias, não tinha preferência assim não. Hoje eu sou professora de matemática, mas eu cheguei a trabalhar com língua estrangeira, eu já fui professora de língua estrangeira, hoje eu sou professora de matemática. Então eu sempre gostei de todas as áreas, não tinha preferência.
P2 – E como é que era o dia-dia, a dinâmica nesse colégio? Qual era o nome do colégio?
R – Colégio Estadual Maria Zulmira Torres.
P2 – E como que era a dinâmica do ensino no colégio?
R – Como assim?
P2 – Se era integral, se era...
R – Ah, não, não era tempo integral não, por exemplo: três turnos, de manhã, tarde e a noite. De educação infantil, que é a pré-alfabetização, até a quarta série era à tarde; da quinta, sexto ano hoje, até se formar no terceiro médio ano era de manhã. Tinha de noite também, mas a noite estudava mais quem trabalhava durante o dia. E eu sempre estudei nesse colégio, quando eu fiz ensino médio eu fiz formação de professores nessa escola, eu estudava em outra... nessa escola eu estudava de manhã, eu estudava em outra escola a noite que eu fiz técnico em contabilidade também.
P1 – Tinha algum lugar desse colégio que você gostava de ficar? Onde era o lugar que você se sentia melhor lá?
R – É, a gente gostava... porque lá tem um casa de cultura colada com o colégio, chama Casa Euclides da Cunha, e nesse lugar tem uma calçada, a gente adorava ficar sentada na calçada, batendo papo, enrolando pra entrar pra sala, essas coisas. Ou então, na escola também tem um morrinho, um princípio de morro, e depois tem a cerca que acaba a divisa da escola. E ali é tudo gramado e a gente gostava de ficar ali brincando também, que têm várias arvores, de escorregar ali, quando era mais nova a gente adorava escorregar, descer ali, correr ali, se sujar todo. Depois a gente ficava sentada lá conversando, depois que a gente começou a crescer e ficamos mais comportados.
P1 – Você lembra de alguma história que você viveu nesses lugares?
R – Não, nada assim marcante.
P2 – Você tinha alguma amiga, algum amigo especial nessa fase?
R – Não, eu tinha várias amigas, da educação até terminar o ensino médio, nós sempre estudamos juntos na mesma escola, então a gente tinha um vínculo de amizade muito grande. Sempre o mesmo grupo, as mesmas meninas, até os mesmos meninos, que nós tínhamos alguns colegas também, muitas afinidades, a gente sempre estudou junto. Tenho vários até hoje, mas hoje cada um seguiu seu caminho, e de vez em quando a gente faz encontro pra juntar a turma. E é legal esse encontro, você fala: “Ah, como você está? Não sei quem casou.” Filhos de não sei quem nasceu, é muito bom. Mas eu tenho várias amigas, amigas, assim, de eu frequentar a casa delas, de elas virem na minha casa, de brincar junto, de dormir na casa às vezes sem necessidade, só pra poder fazer bagunça a noite, essas coisas.
P1 – Vocês iam na casa de cultura?
R – Raramente, porque a gente já conhecia aquilo de cor e salteado, ficava do lado da escola, tudo que tinha a ver, a gente era levado lá. Algum evento, alguma disciplina que tivesse a ver com o conteúdo que tem lá nessa casa, a gente ia. Então chegou um tempo que a gente já sabia tudo que tinha lá dentro, já estava saturado. Porque, quantos anos que a gente estuda? Muitos anos, uns quatorze anos, quatorze anos no mesmo lugar sempre, a gente já sabia tudo que tinha lá dentro. Então chegou um ponto em que a gente achava um saco ir lá.
P2 – E como era o uniforme do colégio?
R – Quando eu era criança era saia azul pregueada e a blusa do estado, uma blusa branca de gola, ou branca ou azul, de manga, emblema do estado do Rio de Janeiro. Tenho até uma foto. Quando eu fiquei mais velha já não usava saia pregueada, era calça jeans e a blusa, isso que era obrigatório. Jeans azul, preto, branco, cores neutras e a blusa do estado. Agora, sapato podia ir qualquer um.
P1 – E quando você foi pra quinta série, mudou? Como é que foi?
R – Aquilo foi uma maravilha, que você estuda no ensino fundamental você se acha uma criança, aí você entra na quinta série e fala assim: “Nossa! Estou na quinta série.” É uma maravilha, estudando de manhã, porque até então era tarde, quando você passa pra de manhã é outra história, você se sente mais velha, mais responsável: “Olha, estou estudando de manhã.” E, ao mesmo tempo, os que estão mais tempo já estudando de manhã fazem pouco caso: “Ah, vem a pirralhada pra de manhã. Iiiihhh!!! Vem essa turminha agora.” Aí depois a gente faz a mesma coisa com os que vem logo em seguida. Mas foi uma maravilha, adorei ir pra quinta série, achava o máximo entrar na quinta série.
P1 – E aí sua rotina deve ter mudado.
R – Mudou um pouco porque aí eu não ficava mais na casa da minha avó, de manhã eu ia estudar, à tarde eu voltava pra casa, ficava em casa, fazia as coisas, os exercícios, os serviços em casa e à noite ficava à toa, via televisão, essas coisas.
P1 – Que mais que tinha pra fazer na cidade nessa época? Você lembra?
R – Nada. (RISOS) Nada, lá não tem nada pra fazer não.
P1 – E você viajava de lá pra outros lugares que não fosse praia? Aqui pro Rio?
R – Coisa difícil, a gente vir pro Rio, só em excursão para ir para os pontos turísticos, só, pro Rio só. As outras cidades a gente não ia muito não. A cidade que a gente ia e vai mais é Nova Friburgo, que é muito próximo. E, assim, o que não tem em Cantagalo, tem em Nova Friburgo, então você encontra lá, tanto recurso quanto bem, alguns você encontra em Friburgo, Além-Paraíba. Além-Paraíba também é uma cidade maior, só que pertence ao estado de Minas, só que é muito próximo de Cantagalo. A gente vai lá, ou então Juiz de Fora que é Minas também, é grande e é próximo. Agora, Rio a gente não vinha muito não.
P1 - Você lembra a primeira vez que você veio pro Rio?
R - Eu não me lembro bem, que quando eu vim, eu acho, a primeira vez eu era muito pequena, devia ter uns quatro anos. Foi quando tinha excursão pra cá, minha mãe era professora da escola, ela vinha pra excursão e ela trazia a gente. Então desde muito nova eu vinha pro Rio pra conhecer pontos turísticos, passear no Rio, duas vezes, às vezes três vezes ao ano. Mas eu era muito pequena, eu me lembro de algumas situações, mas não é a primeira vez. Por exemplo, de Barra Shopping, eu me lembro no Barra Shopping eu muito toquinho mesmo, aquilo eu achava o mundo, tinha aqueles brinquedos que mexiam e piscavam a luz, eu ficava alucinada com aquilo, queria andar em tudo, ficava doida. Na época que eu vinha tinha o Tivoli Park, um parque de diversões também que eu ia e ficava doida, andava em tudo, eu gostava muito. Mas isso daí que eu me lembro já devia ter uns seis, oito anos, doze, vai por aí afora. Mas com quatro anos assim, três eu não me lembro de vir pra cá.
P1 - E Juiz de Fora, que aí já é Minas Gerais, não é?
R - Juiz de Fora a gente não ia pra se divertir, já ia assim, com função de comprar alguma coisa, resolver algum problema, pegar algum documento, tirar algum passaporte, qualquer... entendeu? Já ia com função certa, alguma coisa definida, não ia pra passear. Pro Rio a gente vinha pra passear, pra Juiz de Fora a gente ia pra resolver algum problema, alguma coisa.
P1 - E como que é lá a convivência dessas duas culturas, a mineira e a carioca?
R - Não, é tranquilo, aquilo se mistura, né. Ali carioca come comida mineira e acha que é o dia-a-dia. Pra gente é, não tem diferença, é comer feijão, comer feijão tropeiro, torresmo, aipim, couve, essas coisas fazem parte da nossa cultura lá, eu não sei se aqui se usa comer isso, mas lá, em Além-Paraíba que é divisa, a cidade mais próxima, coisa de trinta minutos, eles torcem pra time carioca, falam como carioca, tanto que quando uma pessoa de outro município sem ser Além-Paraíba, aqueles que fazem fronteira ali no estado do Rio, chegam, a gente já logo percebe que não é dali, falam: "Você é mineiro!", pelo sotaque, que é diferente. Já eles lá de Além-Paraíba falam que nem nós.
P2 - Em Cantagalo tem um prato típico da cidade?
R - Não, nem um prato típico.
P2 - Vocês consomem mais comida...
R - Comida caseira. Mais coisa assim, carne de porco, galinha caipira, peixe, essas coisas assim, peixe de água doce, porque o rio Paraíba do Sul passa lá, aí é peixe de água doce também.
P1 - E alguém da sua família pesca?
R – Não, não. O rio passa em Cantagalo, mas passa num distrito que é São Sebastião do Paraíba, que é um pouco distante de Cantagalo. Cantagalo é extensão territorial muito grande, são cinco distritos e mais a sede. Aí tem essas coisas, pra você chegar em São Sebastião do Paraíba que é o distrito onde passa o rio, tem uma serra que é estrada de chão até hoje. Então é um desafio, quando está chovendo então é uma aventura, aí não é tão simples assim.
P2 - E lá faz muito frio?
R - Faz, terra fria lá.
P2 - Como é que a maneira das pessoas se vestirem? Como é que é, é diferente?
R - Não, não, é tranquilo. Lá faz frio, um frio assim próximo ao de serra, bem próximo de Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, não chega tanto próximo, mas se veste normalmente. A gente não tem o problema de chegar igual em Nova Friburgo. Se você chegar lá em Nova Friburgo hoje as pessoas estão de bota, touca, cachecol, blusa de lã, aquela coisa de louco, que eles se agasalham demais. Lá a gente trabalha o frio naturalmente, veste casaco, mas tudo tranquilo.
P1 - E como que era a paquera aí na sua juventude, lá em Cantagalo, os namoricos?
R - Lá tem uma rua que tem o nome de um bar que funciona lá, que é movimentado, chama Rua do Gamas, porque nessa rua tem um bar que chama Gamas. E ali é um ponto pra você ir à noite, pra você namorar. Como é tranquilo, as pessoas não sentam dentro do bar, só vai pra dentro do bar, maior de idade, quem vai beber, mas os adolescentes, até crianças, ficavam do lado de fora. Porque esse bar, essa rua é em volta da praça, do jardim. Então a gente ficava sentada ali no murinho que cerca o jardim paquerando, só vendo os carros passarem, os garotinhos passarem, a gente ficava ali.
P1 - E você teve uma paquera nessa época?
R - Ah, várias.
P1 - Você se lembra de algum?
R - Me lembro, tive vários namoradinhos essa época, nada assim marcante.
P2 - E como é que era a moda?
R - É, nessa época já era os anos 80, final dos anos 80. O que a gente usava naquela época? A gente usa muito lá bota, a gente usava bota, saia curtinha, meia de lã, que mais que a gente usava? Na época do verão era vestido curto, rodado, lá as pessoas se preocupam muito com o modo de se vestir, sabe? Se vestir bem, não sei o quê, tem esse mau hábito, eu acho isso mau hábito, você não encontra isso em outras cidades. Uma preocupação muito grande em se mostrar e ficar desfilando pra lá e pra cá com a roupa novinha, só pra mostrar que está na moda. E aí as pessoas se preocupam muito com isso, de andar na moda, de comprar roupa, de se mostrar para os outros.
P2 - E quais eram as músicas, as bandas, o que você gostava de ouvir?
R - Dire Straits, quando eu era adolescente, quando eu era criança eu não me lembro não.
P1 - E onde vocês iam comprar roupa?
R - Lá, lá mesmo. Ou então em Friburgo, quando a gente ia, Além-Paraíba, por lá mesmo.
P1 - E disco também? Tinha loja de disco?
R - Disco tinha, mas a gente encontrava mais em Friburgo mais variedade. Tinha mas era aquele negócio, nem tudo que você queria você encontrava.
P1 - E clube?
R - Não.
P1 - Não tinha clube?
R - Só tem clube, deixa eu consertar a minha fala. Tem um clube aonde, assim, tem piscina, é isso que você está falando ou clube noturno?
P1 - Não, clube que tem piscina.
R – Ah, isso tem, tem três. Tem clube de piscina, sauna e bar, mesinha para você ficar conversando, quadra de tênis, de futebol, um campo grande mesmo de futebol e mais o quê? Vôlei, basquete, essas coisas tem clube.
P1 - E você ia no clube?
R - Ia, vou até hoje. Porque eu gosto, adoro água. Contava as horas pra chegar o verão pra poder ir pro clube todos os dias, nem todos os dias eu podia ir não, era só fim de semana, mas eu adorava, ficava lá.
P2 - Você ia com os seus pais?
R - Quando eu era menor eu ia com os meus pais só de final de semana, depois eu comecei ir final de semana só, depois eu passei a ir até dia de semana à tarde, porque eu estudava de manhã e à tarde ficava no clube. Tinha dia que eu não podia ir não porque tinha que estudar pra prova, essas coisas, mas eu ia pro clube à tarde, sozinha, com as minhas colegas e final de semana também.
P1 - E o que você fazia lá nas tardes que você ia?
R - Eu era mais piscina, ficava dentro da água.
P2 - Você praticou algum esporte na adolescência?
R - Eu, que graça, eu comecei a jogar vôlei, mas aí não deu muito certo, adivinha por quê? (risos) Aí eu desisti, só isso que eu me lembro.
P1 - Tinha festas no clube, tinha bailes?
R - Tinha, tinha baile, tinha baile não nesse clube, esse clube aí é sede atlética, tem a sede social, você já viu um negócio desse? Mas tem a sede social onde tinham os bailes com bandas, assim, da região, e na sede atlética lá tinha baile do Havaí, na época pré-carnavalesco. Mas eu peguei pouco disso, e quando eu pude ir já estava quase acabando, hoje em dia já não tem mais.
P1 - E aí você fez o ensino médio lá também?
R - Lá também.
P1 - E aí, como foi? Você estava me contando que conheceu o seu marido lá.
R - É que estudava em duas escolas: de manhã fazendo formação de professores, curso normal hoje, e a noite estudando em outra escola, que beleza! A escola do lado do bar na rua movimentada, à noite eu estudava lá, ou fingia que estudava. Mas eu consegui passar (risos) concluí o curso. E era nessa escola, e nessa escola que eu conheci meu marido, a gente estudava na mesma classe.
P1 - E como foi?
R - Eu já conhecia ele, assim, de “OI”, porque lá todo mundo já se viu pelo menos uma vez, mas eu não tinha intimidade. Aí estudando junto que eu fui pegando mais intimidade com ele, conversando.
P2 - E nessa época você já sabia o que você queria fazer?
R - Já.
P2 - Já tinha projetado? Quando é que você decidiu ser professora?
R - Eu não tinha feito essa escolha de vida, não. (risos) Não era isso que eu queria, você perguntou o que eu queria ser, se eu já tinha decidido. Tinha, eu já sabia o que eu queria ser, mas eu não consegui chegar lá.
P2 - E o que você queria ser?
R - Eu sempre sonhei em trabalhar no banco, depois eu fazia inglês porque eu queria ir embora do Brasil. Aí mudaram umas coisas, mas nada disso aconteceu por enquanto, mas vamos ver.
P1 - Conta pra gente como foi esse final da sua vida escolar.
R - Eu estudei lá no ensino médio, terminei o curso normal, tranquilo, era muito tranquilo mesmo, não tinha problema. Terminei o curso técnico também, só que aí, meu Deus, tem que falar tudo? Por que eu comecei a namorar o meu marido? Meu Deus, vou ter que falar. Foi assim: eu era muito namoradeira também, (risos) e eu fiz uma aposta com a colega minha. Se ela ficasse com o rapaz lá da nossa turma eu ficaria com o rapaz que hoje é meu marido. Aí ela falou assim: "Então tá, se você ficar, eu fico." Aí fomos nós duas, “toda toda” aí falei: "Se você ficar primeiro, eu fico." Aí ela ficou primeiro, eu falei: "Agora vou ter que ficar, né?!" Aí eu fui. Só que eu tinha uma implicância danada com meu marido, sabe aquela que desfazia da pessoa, não estava nem aí. E acabou que deu nisso, eu desfazia dele, não fazia questão de nada, brincava, implicava, debochava dele, chamava de tudo quanto é nome. (risos) E ela ficou, eu tive que ficar com ele. Aí nessa história, no dia seguinte estava lá na sala, não tem nada pra fazer e você fica de novo. (risos) Aí fui ficando, aí eu fiquei grávida, aí eu casei.
P1 - Foi uma gravidez programada?
R - Nada, programada nada, eu fiquei grávida com dezoito anos, me casei com dezoito. (risos)
P1 - E como que foi essa situação?
R - Difícil, muito difícil porque eu tinha terminado os estudos, terminei em Dezembro os estudos com dezessete anos, continuei fazendo inglês, fazendo vestibular pra ajeitar a minha situação. Quando foi no meio do ano eu fiquei grávida. Aí eu fui ver o que eu ia fazer da vida, achei que o melhor era casar, casei, eu tive que parar o inglês, na época eu já trabalhava, que eu terminei os estudos logo depois... Eu terminei em dezembro, em fevereiro eu comecei a trabalhar, continuei trabalhando no que eu estava trabalhando na época, eu não poderia grávida recém-casada largar o emprego, que era uma situação complicada. Aí continuei trabalhando no que eu estava trabalhando na época.
P1 – Que era?
R – Eu era balconista, continuei trabalhando, larguei o curso, aí eu tirei licença maternidade, fiquei um tempão em casa, quando voltei continuei balconista, só que aí eu passei pra outro emprego também balconista. Nessa história toda eu havia feito prova do município de Cantagalo, tinha passado. Havia feito prova pro CIEP [Centro Integrados de Educação Pública] que na época tinham inaugurado o CIEP. Ih, vou ter que consertar um negócio aí, foi assim: eu era balconista, ainda não sabia que estava grávida, passei na prova do CIEP e fui começar a trabalhar no CIEP, só que quando inaugurou era uma loucura o que eles planejavam fazer. Eu trabalhei lá três meses e aí foi assim uma confusão, porque eu acho também que não foi só isso. Era muito difícil trabalhar lá no sistema em que foi implantado. E mais, eu sabendo que estava grávida, aquele tumulto, eu não consegui ficar, porque entrava lá as oito e saía as cinco, só que lá a alimentação era complicadíssima.
P1 – No CIEP? Por quê?
R – Era de péssima qualidade e fora da realidade nossa, né, era assim, era servido uma alimentação que nem nós nem os alunos estávamos acostumados com aquilo. Então era muito difícil você ir pra lá e trabalhar o dia inteiro, um regime, assim, tudo certinho, regrado. A hora que sobe, a hora que desce, a hora que dá banho em aluno, que os alunos tomavam banho, a princípio quando foi inaugurado os CIEPs. De dar banho em aluno e leva não sei o quê, e praticamente passar fome porque ninguém conseguia comer a comida. E mais essa história da época ter descoberto que estava grávida eu abandonei, larguei o CIEP, e voltei porque havia passado na prova do município, só que na época eu me inscrevi pra ser professora infantil do município, eu não havia concluído o curso de educação infantil, que era uma exigência. Era necessário ter, mas no edital do concurso não havia isso escrito, o edital que rege o concurso, se ali não está pedindo, problema, o erro não é da pessoa que está fazendo. Aí eu passei e na hora de assumir eles não deixaram porque eu não havia concluído. Eu tive que entrar na justiça um longo tempo, recorrendo pra provar que o edital estava errado, aí eu segui tudo aquilo que eu tinha, e além do mais, eles tinham que ter me dado um prazo: se era agosto e eu terminava em dezembro, eles tinham que ter me dado esse prazo, tudo ficava legalizado, mas isso não foi feito na época e eu entrei na justiça. Ou seja, tinha abandonado o CIEP, grávida, sem emprego algum, voltei a ser balconista de uma outra loja lá, fiquei um tempo balconista até acertar essa parte do município, até me chamarem pra assumir realmente a vaga no município. E nessa história toda demorou um tempo bom, quando eu assumi já havia passado o tempo, eu recebi tudo direitinho, meus direitos foram todos ressarcidos, minha filha já tinha três anos e aí tudo se tornou mais tranquilo, porque quando eu trabalhava o dia inteiro até às sete da noite, era complicado ter filho pequeno. Quando eu comecei a trabalhar meio expediente como professora municipal minha filha já tinha três anos, o tempo que ela estava na escola eu trabalhava, deixava ela, pegava e tranquilo. Aí foi muito mais tranquilo, mas no início foi muito complicado.
P1 – Rafaela, me fala uma coisa, uma curiosidade: qual era a ideia do CIEP no começo? O que você percebeu dele, dos objetivos?
R – Eles buscavam uma escola modelo, aquela coisa assim... você tinha que chegar, tinha um pirulito, a gente chamava de pirulito, era um pauzinho com a letrinha, um círculo com a letra, por exemplo: cada turma tinha uma letra, você tinha que ficar ali com aquele pirulito, os alunos tinham que chegar, entrar na fila atrás daquele pirulito, o pirulito era afixado ao chão que tinha um lugar já pra colocar ali. Com os alunos iam tomar café junto e o professor levava, dali eles iam pra sala de aula, tinha aula. Só que eu, primeira vez que era professora, tive que pegar classe de alfabetização num método inovador que nunca tinha visto, sabe, foi implantado esse método de alfabetização nos CIEPs, e era muito complexo aquilo, livros diferentes, a gente não sabia trabalhar com aquilo, eu e as outras pessoas que começaram lá, a gente não sabia trabalhar com aquilo. Foi muito complicado, mesmo quem tinha assim, algum conhecimento, já tinha trabalhado, era muito complicado lidar com aquele material, era um material muito moderno, muito sofisticado, muito lindo, realmente, mas que não foi preparado nem o professor, pra lidar com aquilo, a gente não sabia como fazer aquele trabalho. E os alunos não eram adaptados àquilo. Mal ou bem, acho que a maioria de nós algum tempo atrás a gente era alfabetizado por aquele negócio assim: ‘família, ta, te, ti, to, tu’, não sei e não era assim, os alunos, a família dos alunos cobravam também. Você ia na escola, como você está alfabetizando se não tem isso, não é assim. Ué, mas eu... a classe que frequentava o CIEP era uma classe mais desfavorecida, de pessoas com pouco grau de instrução, que achava que a gente estava ali.. que não estava fazendo um trabalho direito, que não estava ensinando, que não era como eles foram, como eles conheceram a vida inteira a alfabetização, tinha essa problemática toda aí também. Aí depois tinha que almoçar, o almoço era... tinha dia que era bucho, era arroz, feijão, daquele marrom, que não é cultural nosso, bucho, eu nem me lembro bem da comida, só sei que era horrorosa, muito mal feita, parecia que era comida, assim, industrializada, aquelas coisas enlatadas, sabe? Tinha uma sopa horrorosa, tinha um mingau que era só colocar água, era um pó que era preparado um mingau que era só colocar água, aquilo ficava horroroso. A gente comia muito mal, os alunos reclamavam. E dali você tinha que levar o aluno... como que era? Eu só sei que depois tinha um horário que tinha que levar os meninos pra tomar banho, dar banho... Todo o horário o professor tinha que estar ali do lado, é... hora de educação física, aula de teatro, aula do que fosse o professor tinha que estar ali. E foi muito ruim essa experiência de CIEP, hoje em dia não funciona, mas, assim, perdeu tudo que foi esperado.
P1 – Essa outra escola pra onde você foi concursada é a mesma que você está até hoje?
R – Não, a primeira matrícula, essa que eu comentei com vocês no município, eu fui para uma escola que chama Escola Municipal Maestro Carlos Gomes Ferreira, uma escola junto com uma instituição que chama Casa Lar de Neném, eles trabalham junto com as crianças, trabalham fazendo... essa instituição Casa Lar de Neném é trabalho voluntário, bancado pela sociedade espírita lá do município e que busca, enquanto a escola dá formação, essa sociedade ampara crianças de creche. No meu município não tem creche não, gente! Sabe?! (RISOS) Não tem creche, então as mães mais carentes não têm onde deixar os filhos, então essa instituição faz esse trabalho de amparar crianças pequenas, elas ficam, a instituição dá brincadeira, alguma recreação, fica com pessoas, durante a manhã um turno, à tarde vai pra escola. Lá é servido almoço, café da manhã, tudo. E o outro turno é trocado: de manhã fica na escola e à tarde fica nessa instituição. Eu fui pra essa escola, e essa escola trabalha 99% com criança carente, de baixíssima renda, baixíssima instrução, lá no meu município tem bairros carentes, favelas, têm escolas nessas favelas, mas têm crianças que não se adaptam a essas escolas e vão pra essa escola que eu trabalhei. É outra escola muito difícil de se trabalhar, crianças extremamente revoltadas, agressivas porque não tem nenhum apoio, casa. As mães trabalham fora o dia inteiro, impacientes, tem muitos filhos, vão pra escola realmente todos sujos, todos cheios de piolho, de bicho-de-pé, de tudo, assim. E nessa escola eu trabalhei durante dez anos, dessa escola eu trabalhei durante dez anos e fui pra que eu estou hoje, que é a que eu estou aqui representando, que é a Evandro do Vale Moreira. E lá nessa escola eu trabalhei com educação infantil, eu já trabalho de quinta a oitava série. Só que nesse meio tempo eu já assumi uma outra matrícula do município também, já fui pra outras escolas do município, já pedi exoneração do município, já assumi matrícula do estado. (risos) Nesse meio termo já muita coisa aconteceu. Já trabalho no estado nessa escola que eu estudei a vida, aliás, no estado eu fui para uma escola, dessa escola eu já consegui ser remanejada pra essa escola que eu estudei a vida toda, mas continuo com GLP na escola que eu entrei no estado.
P1 – O que é GLP?
R – GLP é uma matrícula, é contrato de serviço, por carência de professor, aquele professor do estado, tanto do município pode ter três vezes dele, a dele e duas dobradas pode ter. Então por carência de professor na área eles fazem isso. Então a matrícula de GLP do estado, no estado eu trabalho nessa escola que eu falei que eu estudei a vida toda. No município eu trabalho na escola que eu estou representando. No colégio particular (RISOS) eu também trabalho num colégio particular que é o que a minha filha estuda. Trabalho também na pós-graduação do consórcio CEDERJ [Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro] pela UFF [Universidade Federal Fluminense], em Macaé. Só, por enquanto só, ano que vem tem mais uma.
P1 – E como é que foi voltar pra escola como professora, você lembra?
R – Olha, eu até me lembro que na época que eu estava lá, a escola particular que eu trabalho é alta, vários andares, e ela dá de frente, você chega na janela dá pra escola estadual, municipal, desculpe. Eu estava uma vez conversando com a diretora dessa escola estadual, a subdiretora na janela e falei assim: “Eu queria tanto um dia trabalhar lá, que eu estudei a vida toda, ia ser um sonho realizado.” Aí falei assim: “vou abrir o concurso e passar” eu preciso passar de qualquer jeito nesse concurso porque eu não aguentava mais trabalhar no município com educação infantil, trabalhei quinze anos com crianças de até cinco anos, de três a cinco anos. Dei minha contribuição e agora precisava seguir em frente, poxa vida, estudei tanto, fiz faculdade, chega. Aí eu estudei, passei no concurso. Aí cheguei pra escolha e não tinha... aliás, tinha uma vaga lá mas só tinha metade do tempo, eu não podia mais de manhã, porque se eu fosse de manhã eu ia ter que largar o colégio particular e eu não estava podendo largar o colégio particular por causa de problemas financeiros, porque se eu largo eu passo a ter que pagar a mensalidade da minha filha que é pouquinho caro, falei que não podia. Aí fui pra outra escola, à noite. Aí dessa escola à noite eu lutei, corri atrás, fiquei doidinha, consegui uma vaga nessa escola, ajeitei minha situação e aí to lá. Mas o primeiro dia eu cheguei na sala lá da primeira turma que eu entrei eu falei: “Gente, parece que eu to realizando um sonho aqui. To tão feliz de poder estar aqui, foi um sonho realizado.” Um sonho que eu realmente queria muito trabalhar naquela escola, fazer parte daquilo ali que eu participei desde muito criancinha, e eu tenho muito prazer em trabalhar nessa escola e falar que eu trabalho nessa escola, muito mesmo. Eu me orgulho de estar lá hoje. É assim, a melhor escola estadual de Cantagalo, uma das melhores mesmo assim, da região, de alunos brilhantes mesmo, fazerem faculdade, serem bem sucedidos na vida e saírem de lá. Muitos, muitos desembargadores ter estudado lá, não é antigo assim não, é recente, advogado, muita gente boa passou por aquele colégio, entendeu? Então é um colégio muito bem conceituado, gosto muito de trabalhar lá.
P1 – E as crianças continuam no morro, você viu coisas...
R – No morro?
P1 – É.
R – Continua tudo a mesma coisa, dá pena, tadinhos.
P1 – Teve alguma coisa que você viu que te chamou atenção em relação ao que é hoje e o que foi antes?
R – Houve um trabalho, como vou explicar? Só com a clientela vip. (risos) Pra eu poder explicar: quando eu comecei eu trabalhei nessa escola que realmente era a sobra dos alunos, o resto do resto, aquele que não se enquadra em lugar nenhum, muito carente, muita coisa eu assisti, eu vi. Assim, crianças muito pobres, crianças desnutridas, crianças de perder dedo de tanto bicho-de-pé, de falta de higiene, de mãe não fazer nada, crianças com problemas mentais, crianças que não falavam, crianças com n problemas. Crianças que não falavam que eram realmente surda-muda, crianças que não falavam por causa de trauma em casa, nossa! Muita situação eu passei, foi um aprendizado esses dez anos que eu trabalhei nessa escola. Na segunda matrícula do município, quando eu assumi no bairro que é visto como o mais carente de Cantagalo que é o BNH. Lá também é carente, mas não chega aos pés da rebeldia dessa outra escola. Existe a carência, mas a carência que você não tem nada, mas você tem o afeto em casa, você é carente economicamente, mas você tem família, você tem estrutura, você vai na igreja, você tem religião. Ali você encontra um afeto, um respeito, companheirismo. Aquele assim: “Eu não tenho o que comer hoje, mas meu vizinho tem, ele divide comigo.” Esse que eles falam que é o mais carente de Cantagalo eles não têm isso, o que comer, às vezes. Mas existe a solidariedade, existe o respeito, existe o valor, isso eu percebo. Agora, essa outra escola nem isso, eles não tem o que comer, mas é uma clientela realmente desprovida de tudo. Em casa não tem respeito, não tem amor, não tem companheirismo, não tem nada.
P1 – Eles eram rebeldes?
R – Tudo na vida é assim: aos trancos e barrancos e sopapos. Tudo mesmo, e é tão engraçado, nada é fácil, nada acontece assim, à toa. Tudo é por acaso e muita luta pra poder chegar lá, mas...
P1 – Intenso.
R – Não, faz parte, tranquilo. Tem que ser assim, senão não tem graça.
P1 – Você estava falando dos seus alunos lá do colégio. Como eles eram rebeldes, em quê?
R – A rebeldia dele vem assim...
P1 – O que acontecia lá?
R – Eles são carentes afetivamente, carentes de atenção, de carinho, de respeito, em casa... eu acho que o maior problema do país hoje é a educação. Por que isso? Porque as famílias hoje estão desorganizadas, essa desorganização familiar está causando um sério problema porque os alunos chegam na escola, a mãe que estava em casa com o namorado, aí por exemplo, não quis acordar pra botar filho pro colégio, aí chega atrasado. Os alunos estão perdidos aí chega dia de comemorar dia dos pais, eu tenho três pais, eu tenho quatro pais... é complicado trabalhar a família numa escola assim. Eles vêm muito... espancamento, tem muito maltrato, vivem em maus tratos, assim, de mãe não ter paciência de estar o tempo todo com o filho, de agradar, de agredir, essas coisas. A estrutura familiar está muito perdida, e aí está causando esses danos todos na criança, eles chegam na escola... muito difícil.
P1 – Mas como isso refletia no seu trabalho? Na escola o que eles faziam? Tem alguma história que você lembre, alguma situação? Que foi difícil, ou que te surpreendeu?
R – Tem um menino que é assim: a mãe tem, teve quatro filhos, ela era casada com um rapaz alcoólatra, teve quatro filhos. Só que a casa dela era bem assim, desestruturada. A primeira filha foi um pouquinho mais bem criada, só que ela começou a andar na rua o dia inteiro, beber, se perder. Esses quatro filhos que eu falei não são todos filhos do mesmo pai, é complicado a situação, aliás eu nem sei quem é filho de quem ali. Aí essa instituição quando as crianças ficam largadas elas recolhem também, internato também, recolheu essa menina. A mãe continua na rua, tudo mais, teve mais um, teve o terceiro e teve o quarto. O quarto a assistente social lá da minha cidade queria adotar muito uma criança, e essa criança, o quarto, nasceu com um problema no céu da boca, não tinha... ela adotou essa criança e foi embora pro Canadá, hoje ela mora no Canadá com o marido dela e ela ajuda na educação dos outros três que ficaram aqui, banca tudo! Essa mulher é muito especial, que além de adotar um ela dá colégio particular, tudo, para quatro crianças que ficaram. E esses três. esses, quatro não, esses três que ficaram. E esses três que ficaram eles... Eles se tornaram crianças agressivas, o filho do meio era extremamente rebelde. O que aconteceu? Eles moraram nesse internato um tempo, só que não pode morar pro resto da vida, aí a menina ficou, o menino foi morar com os avós paternos e o outro foi dado pra adoção para uma outra família que ele sabe que não é filho, tudo direitinho, mas sem problema algum. Esse menino que foi morar com os avós paternos é muito rebelde, foi crescendo ali, a avó não tinha domínio nenhum, deixava o menino fazer o que ele queria, pintava e bordava em casa. Morando numa comunidade muito carente também e o avô morreu. Depois que o avô morreu ficou muito difícil a convivência dele em casa, ele era meu aluno na época. Nossa, eu nunca vi daquilo! Ele era agressivo aos extremos, sabe, de bater em todos os alunos, de morder, de socar, de bater em mim, de chutar, de morder, de avançar. Tinha dias dele jogar tudo no chão, tudo dentro de sala de aula, mesa, cadeira, todo material da estante, tudo no chão. De rasgar tudo, era muito complicado, achei ele um dos mais difíceis. E outro foi um menino também que foi meu aluno nessa escola e ele teve câncer muito novinho, isso afetou, fazer quimio muito novinho, acho que antes de um ano, ele ficou com algumas sequelas. Então ele tinha um certo atraso também, família desestruturada, mãe pobre, carente, teve trigêmeos logo depois de ele ter nascido. Foi uma criança muito difícil, e também muito agressivo e eu não sabia como lidar porque ele era uma criança que tinha problemas mesmo e a inaptidão do professor é muito grande com relação a isso. Também tive aluno surdo-mudo, não sabia como trabalhar, eu sei que eu teria que ter uma atenção, um carinho especial, mas uma turma lotada de criança de três anos, vinte e cinco alunos de três anos, uma professora só e uma surda-muda, alguém vai ficar jogado. E era ela. Por quê? Porque eu não tinha preparo suficiente pra aquilo ali, eu não sabia lidar com aquela situação.
P1 – E aí quando você decidiu fazer faculdade? Como foi isso?
R – É, foi assim: eu queria muito tempo fazer faculdade, só que não podia porque eu tinha um emprego só, casada, com filho, meu marido também trabalhava, só que não dava pra fazer faculdade, faculdade particular não dava, lá não tinha faculdade pública. Eu queria e tentava e tentava e tentava, cheguei até a fazer vestibular pra Estácio, vestibular para uma faculdade em Além-Paraíba também particular , só que chegava na hora de pagar, ficava difícil. Com a implantação do CEDERJ, que é um órgão do estado, que é um consórcio de universidades, o CEDERJ foi implantado em Cantagalo e lá abriu faculdade de matemática. Eu não queria saber se era de matemática, o que era, eu queria fazer uma faculdade. E eu fui e me inscrevi graças a deus passei no vestibular. Muita luta, muito esforço eu consegui terminar e aí começou a ajeitar e abrir novas portas pra mim, devido a eu ter faculdade tudo foi se ajeitando melhor.
P1 - E como foi seu casamento?
R – (RISOS) Eu to rindo porque ela já sabe alguma coisa, sabe, ela está fazendo de propósito comigo. Uma beleza! Você quer saber como assim? Pergunta melhor; o que você quer saber?
P1 – Como vocês decidiram, depois como foi a festa.
R – Não teve festa. Eu decidi casar porque eu fiquei grávida, e eu acho um absurdo porque é sempre assim: você não casa, mas você fica na casa dos seus pais e tem o filho. Seu namorado, o que for, noivo, fica na casa dele, na vidinha dele, passeando, fazendo o que quer, fica lá sacudindo o filho a noite inteira? ”A-ha.” Eu vou casar que aí todo mundo vai sacudir filho a noite inteira, eu não vou sacudir sozinha não! Mais por causa disso, eu não queria.
P1 – E aí como foi sua vida depois? Porque você casou, e sua mãe? O que você fazia? Você trabalhava e estudava também?
R – Não, aí quando eu casei eu fui morar com meu sogro, minha sogra e minha cunhada, vinte e cinco anos, junto com eles depois que eu fui fazer minha casa, ter minha casa, ter minhas coisas, foi melhorar só depois desses cinco anos, depois que eu fui voltar a fazer faculdade, eu terminei a faculdade a pouco tempo.
P1 – Você entrou em qual ano na faculdade?
R – 2002.
P1 – E o nascimento da sua filha?
R – Ah, foi ótimo, não estava pronta na época porque eu era muito imatura, me assustou um pouco, porque muito nova, marinheiro de primeira viagem, mas sem dúvida a melhor coisa que me aconteceu foi o nascimento da minha filha, graças a Deus que eu tenho ela, mas a principio foi meio assustador, não sabia como lidar direito, mas depois foi tudo certo.
P1 – Você lembra de alguma situação em que isso ficou claro, você não conseguiu lidar, que você passou algum apuro por ser nova?
R – Deixa eu me lembrar. Acho que o mais difícil é quando é recém-nascido, neném, mas quando ela era recém-nascida eu morava com minha sogra, meu sogro, então eles me ajudaram muito, então foi assim, três dias depois de ela ter nascido ela não dormia de jeito nenhum, aquilo foi angustiante, todo mundo falava: “Neném novo dorme que é uma beleza.” A bichinha acordou seis horas da manhã, eram cinco horas da tarde ela não tinha fechado os olhos pra dormir um instante e não dormia, não me deixava descansar, eu tinha acabado de sair do hospital aquele dia então eu acho que foi o pior. Depois foi quando ela... ela tem problema de bronquite, ela ficava muito doente, com crise por causa do inverno lá, é muito rigoroso, então ela ficava doente, passava mal, tinha crises muito fortes e aí madrugada inteira tossindo e passando mal, foi também muito difícil essa época.
P1 – E o que você curtia fazer com ela assim?
R – Quando ela era novinha eu ficava mais com ela era final de semana, porque de segunda a sexta eu trabalhava, não era muito de sair sábado e domingo pra passear com ela, levava ela na praça, levava no parquinho pra brincar, ou então em outro lugar, outra cidade passear.
P1 – E atualmente, qual que é a sua função na escola?
R – Em todas as escolas eu sou professora, professora de sala de aula. Todas, todas as escolas que eu trabalho.
P1 – E você usa algum recurso pedagógico que envolva tecnologia? Computador, TV.
R – Escola pública raramente, o máximo que eu posso conseguir é ir pro computador. Primeiro que a minha disciplina não dá muita abrangência pra usar recurso porque matemática você acaba caindo no tradicional que não tem muito, você faz um jogo, faz uma dinâmica, alguma coisa, mas acaba passando pro caderno porque tem que exercitar. E não tem outra maneira melhor que eu vejo; “Você aprende? Você entendeu?” Então vamos exercitar porque só assim vai realmente decorar, memorizar aquilo ali pra ser aplicado mais tarde numa coisa mais complexa. Agora, já no colégio particular em que eu trabalho com física, já posso usar mais recursos, slides, computador, mais fácil de se acessar, porque às vezes em escola pública você quer, você precisa daquele horário, mas o laboratório de informática está ocupado, o outro professor que agendou primeiro. Colégio particular já é mais tranquilo, até pela quantidade de computadores e assim, você fala assim: “Eu preciso disso pra fazer tal experiência, física”, possibilita isso, de você fazer experimentos, essas coisas, aquilo acontece. A gente sabe que em escola pública não é a mesma coisa.
P1 – E como você planeja suas aulas com recursos que não são usados todos os dias?
R – Quando eu vou pro computador eu já sei mais ou menos os sites que eu indico para os alunos entrarem, pra eles verem que tem coisas físicas que acontecem que você não tem como fazer experimento pra comprovar aquilo, você tem que ver a explicação e algum vídeo que tem disponível na internet, algum site que tenha algum, a gente vai e vê na internet acontecer aquilo, porque hoje em dia o aluno é muito curioso, você fala aquilo assim: “Ah, porque acontece assim; se tiver ar, não acontece assim.” “Não, não é possível.”, só que nós não temos recursos pra tirar o ar, então é preciso a internet pra ver que existem vídeos que mostram isso. E quando é experimento eu peço material antecipado, o colégio me dá o material e eu faço em sala de aula, física é mais isso: experimento, e até quando não dá pra ser experimental, eu vou na internet que aí a gente procura vídeos, alguma coisa. Eles vão no Google, que às vezes eu falo: “Esse, esse, esse.”, mas eles não querem só o que eu falei, eles procuram também algumas coisas a mais.
P1 – Eles propõe coisas, os alunos?
R – Eles adoram propor, dar uma enrolada, sabe assim? Tem dia que eles inventam: “Ah, mas eu não entendi bem isso.” Eu percebo que não é porque eles não entenderam, eles querem ir lá porque ao mesmo tempo que você está ali no computador, eles vendo, daqui a pouco eles estão lá no MSN, daqui a pouco estão no Orkut e você olha, mas você não consegue dominar o tempo todo aquilo ali. Quando eles vêm com essa desculpa a gente percebe, mas se sair de aula, porque o aluno gosta de sair de sala de aula, de passear, pra fugir daquilo ali, de fazer o exercício. “Mas eu to com dúvida nesse exercício aqui, eu acho que eu não aprendi.”, aí eu falo: “Ah, não aprendeu não? Então eu vou te explicar como que é.” “Ah, mas eu achava que a gente tinha que ver...” “Ah, em casa.” No colégio particular todos tem computador, internet. “Em casa você pesquisa.” Pesquisa que é uma beleza”, você percebe que é pra enrolar o professor.
P1 – E quais são suas expectativas, assim, agora, atualmente, pra escola, ou mesmo pra sua vida? Você tem algum sonho?
R – Ah, pra escola não sei não. Pra minha vida eu to começando agora a trabalhar na pós-graduação em Macaé, e eu pretendo ir embora de Cantagalo, se Deus quiser minha filha vai agora ano que vem e eu pretendo ir também. Então Macaé é uma cidade que eu acho que está em expansão, está em crescimento, eu acho que é uma boa oportunidade de ir pra lá, porque eu acho que lá tem mais chance de abrir novos caminhos pra mim, porque como eu falei para as meninas. Gente, eu não pretendo continuar o resto da minha vida, depois de você ter feito uma faculdade, ter ralado pra caramba, ter feito uma pós-graduação, matemática, por exemplo, ficar o resto da vida dando aula pra prefeitura, não, eu quero mais, eu quero seguir em frente. Eu pretendo fazer faculdade de física, porque eu já entro no sexto período, faço o sexto, o sétimo e oitavo e concluo. Pretendo fazer mestrado, pretendo voltar pro inglês pra me auxiliar no mestrado. Acho que só, também tá bom. Se Deus quiser ano que vem também tem uma proposta, eu acho que eu vou aceitar, de dar aula no curso de química também que está sendo implantado, pra fugir um pouco desse negócio de criança pequena.
P1 – E você continua casada?
R – Continuo.
P1 – Tem mais alguma coisa que enquanto a gente está aqui conversando veio na sua cabeça, mas que a gente não tocou...?
R – Não.
P1 – Pra colocar, falar, contar?
R – Nada.
P2 – Na sua vivência como professora nesses anos todos que você deu aula, pra você o que significa o colégio pra você?
R – O colégio, pra mim como aluna ou como professora?
P2 – Não, no geral.
R – Como professora?
P1 – Como professora e como aluna.
R – Como aluna, era um lugar muito especial, eu lembro assim a minha vida toda, o colégio. Mas em colégio, que a gente passa a vida toda estudando, mas é uma coisa que eu fazia, acordar cedo pra ir pra sala de aula, mas depois quando você sai do colégio você fica assim com uma saudade, de como era bom estudar, de como era bom aquelas horas com aqueles colegas. Eu lembro uma coisa com muito prazer, sabe? Eu gostava de estudar, gostava e sinto até saudade desse clima de estudo. Por isso que eu gosto tanto de estudar, pra ficar no clima sempre. E como professora eu lembro do colégio, assim, com carinho, dependendo da escola que eu tô mais carinho ainda. Eu lembro da escola como um lugar prazeroso, eu gosto de ser professora, gosto de dar aula, gosto da maioria das turmas que eu trabalho, dos meus alunos. Tem hora que tem umas turmas que a gente se estressa um pouquinho devido ao número de alunos, algumas situações especiais, mas é uma coisa que eu gosto, é com prazer. Apesar de não ter sido isso... Ah, esqueci de falar uma coisa: apesar de não ter sido isso que eu tenha escolhido pra minha vida, eu gosto hoje do que eu faço. Não sei se vou continuar professora o resto da vida não, penso em largar a profissão de professora sim, mas por enquanto eu vou seguindo isso.
P1 – E o que você achou de contar pra gente aqui um pouco...
R – Eu achei que eu não tinha nada que ter chorado. (RISOS)
P1 – (RISOS)
R - Só isso.
P1 – Mas como você está se sentindo?
R – Ah, tranquilo, bem, só não podia ter chorado, não tinha nada que ter chorado.
P1 – Por quê?
R – Não gosto. Eu gosto de contar as coisas, mas sem chorar, eu não gosto de chorar.
P1 – Então tá bom, Rafaela. A gente quer agradecer por você ter compartilhado com a gente esse pedacinho da sua vida. É isso aí.
R – Obrigada.
P1 – Obrigada.
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