CTG - Imigração Chinesa
Depoimento de Paulina Cho
São Paulo, 26/10/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1123
Entrevistada por Genivaldo Cavalcanti Filho e Grazielle Pellicel
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:29) P/1 – Boa noite, Paulina! Tudo bom?
R – Boa noite! Tudo. E você?
(00:34) P/1 – Tudo ótimo! A gente vai começar, pra esquentar, com a pergunta mais básica: vou pedir que você diga seu nome completo, a data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Paulina Cho, 27 de dezembro de 1991, nasci em São Paulo e eu moro aqui atualmente.
(00:59) P/1 – E qual o nome dos seus pais, Paulina?
R – Minha mãe se chama Ju Youn Sun Cho e meu pai Hyung Dai Cho.
(01:11) P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho irmão, sim, por parte de pai, só.
(01:20) P/1 – Certo. E qual ocupação dos seus pais, Paulina?
R – Minha mãe trabalha como estoquista de uma loja do Brás. Meu pai é falecido, mas antes ele era comerciante também, nessa região do Brás, Bom Retiro.
(01:39) P/1 – Certo. Os seus pais são de São Paulo mesmo ou eles vieram de algum outro local?
R – Ambos meus pais são sul-coreanos. Eles imigraram primeiro pra Argentina e depois vieram pro Brasil.
(01:59) P/1 – E você sabe por que eles vieram pro Brasil?
R – Bom, eu não conheço muito a história do meu pai, porque eu perdi contato com ele já quando eu era bem nova, mas pelo que minha mãe conta, eles acharam que teria mais oportunidade econômica, social aqui no Brasil, do que na Argentina. Então, em 1990, bem no finzinho de 1990 mesmo, eles vieram pra cá.
(02:31) P/1 – E eles se conheceram aqui mesmo, ou eles já estavam juntos, lá?
R – Eles já estavam juntos na Argentina. Eles se conheceram em Buenos Aires.
(02:44) P/1 – Então, vamos conversar um pouquinho sobre a sua infância, Paulina. Quais as primeiras lembranças que você tem da sua infância? Em relação a casa onde você...
Continuar leituraCTG - Imigração Chinesa
Depoimento de Paulina Cho
São Paulo, 26/10/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1123
Entrevistada por Genivaldo Cavalcanti Filho e Grazielle Pellicel
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:29) P/1 – Boa noite, Paulina! Tudo bom?
R – Boa noite! Tudo. E você?
(00:34) P/1 – Tudo ótimo! A gente vai começar, pra esquentar, com a pergunta mais básica: vou pedir que você diga seu nome completo, a data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Paulina Cho, 27 de dezembro de 1991, nasci em São Paulo e eu moro aqui atualmente.
(00:59) P/1 – E qual o nome dos seus pais, Paulina?
R – Minha mãe se chama Ju Youn Sun Cho e meu pai Hyung Dai Cho.
(01:11) P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho irmão, sim, por parte de pai, só.
(01:20) P/1 – Certo. E qual ocupação dos seus pais, Paulina?
R – Minha mãe trabalha como estoquista de uma loja do Brás. Meu pai é falecido, mas antes ele era comerciante também, nessa região do Brás, Bom Retiro.
(01:39) P/1 – Certo. Os seus pais são de São Paulo mesmo ou eles vieram de algum outro local?
R – Ambos meus pais são sul-coreanos. Eles imigraram primeiro pra Argentina e depois vieram pro Brasil.
(01:59) P/1 – E você sabe por que eles vieram pro Brasil?
R – Bom, eu não conheço muito a história do meu pai, porque eu perdi contato com ele já quando eu era bem nova, mas pelo que minha mãe conta, eles acharam que teria mais oportunidade econômica, social aqui no Brasil, do que na Argentina. Então, em 1990, bem no finzinho de 1990 mesmo, eles vieram pra cá.
(02:31) P/1 – E eles se conheceram aqui mesmo, ou eles já estavam juntos, lá?
R – Eles já estavam juntos na Argentina. Eles se conheceram em Buenos Aires.
(02:44) P/1 – Então, vamos conversar um pouquinho sobre a sua infância, Paulina. Quais as primeiras lembranças que você tem da sua infância? Em relação a casa onde você morava, as brincadeiras que você tinha, que você gostava.
R – Bom, minha infância foi toda, inteira, no Brás, no Bom Retiro. Eu falo que, pra mim, apesar de ter nascido e crescido em São Paulo, eu morei no interior do Bom Retiro, porque você vive dentro da comunidade da qual você faz parte, de imigrantes, então, toda vez que você sai dali é uma bolha muito diferente, o idioma é outro. Eu fui alfabetizada em coreano, então todas as minhas brincadeiras de infância eram coreanas - hoje em dia estão na moda, com Round Six, que fez sucesso na internet. (risos) Mas a minha infância foi bem essa e o Bom Retiro tem uma cara interiorana, aos finais de semana, quando todos os comércios fecham e aí a gente brincava na rua, fazia as coisas na rua.
(03:55) P/1 – E o que você gostava mais de fazer, quando você era criança? Conta um pouco dessas brincadeiras, se você gostava de ler, se contavam histórias pra você.
R – Eu era menos de brincar com os outros, era mais de passar tempo comigo mesma. Eu adorava ler, então eu passava todos os intervalos (risos) lendo os livros que tinha na minha escola coreana. (risos) Fora isso, eu gostava muito de ir pra loja onde meus pais trabalhavam pra ajudar, nos finais de semana, também. Eu acho que a gente, como imigrante, cresce com uma sensação de sempre precisar estar ali, ajudando os pais com tudo, já que tudo é muito difícil, no dia a dia existem muitas barreiras e limitações. Eu me sentia muito bem quando eu ia pra loja, me sentia muito útil. (risos) E era isso que eu gostava de fazer. E eu lembro que eu adorava, porque eles me davam um dinheirinho no fim do dia e, com ele, eu conseguia comprar um hot dog.
(05:07) P/1 – Paulina, você comentou que você estudou numa escola coreana. Eu gostaria que você comentasse as primeiras lembranças que você tem, da sua convivência, da experiência de estudar nessa escola.
R - Eu me lembro muito da saudação à bandeira coreana, que tinha todas as manhãs. E, com isso, também, a gente falava muito da cultura coreana, dos contos e da história da Coreia. Era uma imersão muito cultural. E também me lembro muito do dia a dia das aulas de Matemática, que eram mais puxadas. (risos) E a gente tinha uma competição anual de poemas, de recitar poemas e eu achava muito legal subir no palco e decorar um verso inteiro. (risos)
(05:57) P/1 – Teve alguma matéria nesse seu período de estudos inicial que te marcou, alguma coisa que você gostasse mais, na escola?
R – Eu gostava muito das aulas de Matemática, mas pensando agora, (risos) eu acho que era muito menos porque as aulas eram de Matemática e mais porque você fazia os exercícios e os professores te davam uma estrelinha. (risos) Eu sentia que eu estava pontuando e ganhando coisas. (risos)
(06:34) P/1 – Você disse que houve uma imersão cultural muito grande na cultura coreana, nessa escola. Fora da escola, na comunidade de imigrantes coreanos que você tinha ali, à sua volta, no Bom Retiro, você também sentia isso, a cultura era seguida? Vocês falavam em coreano entre si, com os amigos, com as pessoas da vizinhança? Conta um pouco como era esse dia a dia, pra gente.
R – A comunidade coreana aqui no Brasil se desenvolveu muito em torno das igrejas coreanas. Esse era o grupo social da minha família, então os cultos eram em coreano, todas as atividades eram em coreano, as refeições também eram comidas coreanas. E em razão da escola coreana que eu andava, eu me apaixonei muito pela dança tradicional coreana. Então, aos seis eu comecei numa academia de dança tradicional coreana e fiquei lá mais de dez anos. A gente era a única academia de dança na época, aqui na América Latina, como um todo, então a gente fazia vários eventos com a embaixada e foi muito interessante. Acho que despertou muito a minha curiosidade pela história, pela cultura e os modos, os costumes.
Acho que a cultura coreana, assim como várias outras culturas asiáticas, tem modos e costumes muito diferentes do que a gente vê aqui no Brasil: o jeito de falar, de se portar quando se está com os mais velhos. Acho que isso hoje em dia tenho muito estampado na minha identidade.
(08:27) P/1 – Nesse período de infância, você teve algum contato com a cultura chinesa, ou isso só foi acontecer depois, na sua vida?
R – Crescendo no Brás, Bom Retiro, o grande contato que eu tive foi com a cultura árabe, tanto que por muitos anos na minha vida eu achei que a comida árabe era a comida brasileira. Fora isso, o Brás, o Bom Retiro acabam tendo uma conexão muito grande com a 25 de Março, então eu sempre cresci nesses ambientes e eu cresci acho que com a imagem que muitos brasileiros têm de produtos chineses, esse mercado de produtos de baixo valor, de cópias. Ao mesmo tempo, o cinema chinês sempre foi muito forte na Coreia, então desde muito pequena eu vi meus pais assistindo muitos filmes chineses. Só que o meu contato, de fato, pra compreender a cultura chinesa, só veio muito mais tarde.
(09:38) P/1 – Entendi. E você fez o ensino fundamental todo nessa escola? Era perto ou você acabou mudando de escola, durante esse período?
R – Nesse período, até a quinta série eu fiquei numa escola no Brás, aí depois eu mudei, fiz o ensino fundamental e médio num colégio maior, no bairro do Paraíso, que foi também o momento que eu descobri muitas coisas sobre a cultura brasileira.
(10:10) P/1 – E como foi essa experiência pra você? De repente você está em outra escola, em outro bairro e outro mundo aparece pra você. Como você se sentiu nessa época?
R – Nossa, fiquei muito perdida, porque você vai aprendendo que existe muito mais que coreanos, japoneses, chineses e brasileiros. Também que existem diferenças culturais, que nessas diferenças também existe uma hierarquia do que é mais aceito e do que é menos aceito.
Acho que o começo foi muito doloroso. Essa coisa que a gente tem, de querer se encaixar, foi acompanhada de muitas negações à minha cultura e eu falo que também foi um momento bom, eu aprendi muito sobre o Brasil. Eu acho que foi um momento que a minha paixão pelo Brasil despertou. Eu comento com meus amigos que, diferente deles, que aprenderam MPB de escutar em casa, eu fui ativamente atrás, baixei todas as músicas no __________. Eu digitava MPB e tudo que aparecia eu escutava, porque tudo era novo. Apesar de ter internet, não é como a internet que a gente tem hoje em dia, então tinha uma página da Wikipédia, a pessoa explicava o que era MPB. Ir atrás do que era a cultura brasileira também foi um processo muito interessante.
(11:48) P/1 – E, continuando na sua vida escolar, Paulina, vamos falar sobre o seu ensino médio. Você mudou de escola de novo, como foi isso?
R – Não, eu continuei no mesmo colégio. Eu acho que o ensino médio foi muito marcado pela minha total negação à identidade coreana e qualquer coisa relacionada aos países asiáticos. Foi um momento também que eu me afastei de muitos grupos de amigos que eu tinha, centrados na comunidade coreana. Foi quando eu comecei a despriorizar também a escola de dança tradicional coreana e deixar, também, de assistir filme, novela, escutar música coreana, porque pra mim era muito claro, na época, que era primeiro Estados Unidos, cultura europeia, que essa coisa de países asiáticos não estava com nada. (risos)
(12:52) P/1 – Nesse período de adolescência, Paulina, o que você passou? Você substituiu costumes, né? Chega na adolescência, a gente sempre acaba adquirindo novos costumes. Você disse sobre troca de grupos de amigos, troca de valores culturais, enfim. O que você gostava de fazer no seu tempo livre?
R – No meu tempo livre eu continuei gostando de ler. E é um período muito engraçado na minha vida, porque ao fazer parte de uma comunidade de imigrantes, as pessoas acabam tendo pensamentos mais conservadores, como consequência da situação em que estão. Eles querem preservar muito do lugar que eles vieram e esse lugar também é temporal, então eles têm um apego muito grande às ideias dominantes da época em que eles deixaram seus países de origem. Assim como pela dificuldade de idioma e acesso à informação, as ideias não vão se renovando com o tempo.
Eu cresci numa comunidade bem conservadora e eu fui muito conservadora, por muito tempo. E no ensino médio, como você mesmo falou, eu estava em busca de substituir muitas coisas, também foi um momento que eu substituí muitas ideologias que eu carregava. Eu sempre gostava de ficar lendo, eu adorava bater na porta do meu professor de História, à tarde, pra tomar um chazinho e conversar sobre a história do Brasil e foi também quando eu me aproximei muito dos pais de amigos meus, com quem eu tive conversas que abriram muito minha cabeça, na época.
(14:45) P/1 – E nesse período do ensino médio, Paulina, você já pensava em fazer Direito ou você tinha alguma outra ideia?
R – Eu pensava em fazer Direito, mas por outras razões. Eu achava que era a única opção que eu tinha por que, na minha cabeça, era Engenharia, Medicina, Direito. E Matemática, evidentemente, não era muito pra mim, não me via fazendo nenhuma área de Biológicas, então falei: “Então, acho que é Direito”.
(15:23) P/1 – E você entrou, já foi fazer o vestibular logo em seguida do ensino médio, ou você deu um tempo, por algum motivo? Fez algum cursinho? Como foi esse período, pra você?
R – Não. Do ensino médio eu fui direto pra faculdade de Direito e eu acho que eu cheguei muito imatura pra faculdade. Hoje em dia eu olho pra trás e falo: “Nossa, eu queria fazer todas as aulas de novo”. (risos) Mas foi um momento muito bom. Acho que no começo da faculdade, minha grande motivação em Direito foi por mudanças que eu achei que o Direito poderia proporcionar ao mundo, em questões de reformas administrativas. Na época falava-se muito em reforma tributária, como falam hoje em dia, então eu sentia que as coisas iam mudar. Já no fim da faculdade eu fui percebendo que a atuação como profissional de Direito era muito mais, pelo menos na minha experiência, manutenção do status quo, do que fazer reformas e mudanças, então eu me desiludi bastante. Só que passados dez anos, já, eu olho e falo: “Nossa, que curso gostoso! Queria fazer de novo”.
(16:50) P/1 – Conta um pouquinho pra gente como foi essa sua adaptação ao novo curso. A gente sai do ensino médio com matérias variadas e de repente a gente vai estudar Direito. É isso, você vai estudar, todas as matérias vão ser de legislação. Me conta como foi essa sua adaptação pra fazer, como você se sentiu quando você começou a fazer o curso, sobre o ambiente social também que se desenvolveu ali, nas suas relações.
R – Eu, definitivamente, não me adaptei tão bem à faculdade. Todas as matérias que eu pude pegar fora do meu curso de Direito, eu peguei. Eu fiz matérias, em sua maioria, de Humanas, mas eu também fiz matérias de Exatas e na faculdade de Medicina, porque eu não estava acostumada a ver as coisas só de um ponto de perspectiva, de um ponto de vista. Também foi muito diferente porque eu entrei na faculdade sem saber o que é crédito, iniciativa livre, o que é isso? Você pode ser um acadêmico, um pesquisador. No currículo, no grupo social em que eu cresci, todas essas camadas eram novidades. E, diferente do colégio, não tem alguém que pegue sua mão e passe por cada etapa, te explicando o bê-á-bá de tudo. Eu demorei bastante pra me adaptar, as dinâmicas sociais também eram diferentes, mas eu comecei a trabalhar bem no primeiro semestre, porque eu acabei, também, focando muito no estágio e eu também tinha alguns outros trabalhos. A faculdade foi um momento que eu acabei explorando diversas possibilidades fora do Direito, apesar de não ter encontrado nada na época.
(18:48) P/1 – Entendi. Então me conta um pouco como foram seus estágios, se foi mais de um ou se foi somente um, durante o seu período da faculdade, o que você acha que isso acrescentou pra você, profissionalmente.
R – Nossa, essa pergunta é difícil! Eu fiz dois estágios. Eu me animei muito com meus estágios. Era a primeira vez que eu tinha um trabalho formal porque, quando eu era mais nova, eu tinha uns ‘bicos’, trabalhos informais, então eu me sentia muito adulta, (risos) responsável e eu acabei mergulhando de cabeça nisso.
Não sei exatamente como esses estágios me agregaram hoje em dia. Eu acho que eu acabei traçando rumos muito diferentes do que eu pensava, na época. Eu fiquei cinco anos da faculdade estagiando com direito tributário, porque eu realmente achei que essa seria a minha carreira e é engraçado agora, refletindo sobre o tema e tudo o mais, que durante a faculdade eu participei só de alguns grupos de estudos, foram três, principalmente. E os três têm alguma relação com como minha vida acabou, também. Um deles era de questões internacionais, de relações internacionais; o outro era de políticas públicas; e o terceiro era o centro de estudos legais asiáticos. Então, acho que, durante a faculdade, apesar de eu ter falado que eu não encontrei exatamente o que eu queria, acho que eu, de fato, encontrei, sim. (risos)
(20:41) P/1 – Uma pergunta que eu esqueci de fazer, voltando lá atrás, só fazendo um parênteses: quando você era criança, você tinha algum sonho profissional: “Quando eu crescer, eu quero ser tal coisa?”
R – Eu tinha. Eu falava que eu ia ser empresária e ter um escorregador de ouro. (risos)
(21:05) P/1 – Sonho de infância é sonho de infância. (risos) Voltando pra questão da faculdade, quando você terminou o curso, quais foram os passos que você deu, em relação a sua carreira?
R – Continuei advogando. Fiquei mais dois anos advogando direito tributário, até perceber que, de fato, não era isso. Foi uma conversa muito difícil que eu tive com a minha mãe, de falar: “Olha, mãe, apesar de todas as expectativas que você tinha, (risos) não é isso, eu não sei o que é, mas se eu não deixar a advocacia agora, também não vai ter espaço pra que eu consiga descobrir o que é.” Aí eu fui me aventurar, eu demorei muito tempo pra, de fato, encontrar e fui me aventurando. Fiz projetos em muitas áreas diferentes, em setores diferentes da indústria também, até chegar agora, hoje em dia, [à conclusão] que de fato era isso, desde o começo era isso.
(22:25) P/1 – Conta pra gente qual foi sua primeira experiência com direito internacional. Como começou isso, pra você?
R – Começou muito com a China. Esse meu encontrar profissional começou com a China, mas a China só começou porque eu queria entender de onde minha família vinha. Querer estudar a história coreana me levou a querer entender a China, porque a China sempre foi uma grande potência na história da Ásia e a influência de todos os pensadores e filósofos chineses foi muito importante pra Coreia também. Nisso eu acabei estudando muito sobre China e, estudando sobre China, passei a estudar muito sobre sustentabilidade, porque eu percebi que, se o governo chinês se comprometeu a alguma coisa, por mais que não concorde 100% com isso, acho que é um grande avanço e acho que a gente tem uma chance de mudar como as coisas estão atualmente, até 2030. E foi por isso que eu acabei me dedicando completamente à área de sustentabilidade e hoje eu trabalho com projetos de sustentabilidade focados no Brasil, mas já que a China é nosso grande parceiro comercial e o que o Brasil mais exporta são commodities e as commodities estão muito ligadas à questão de floresta e preservação ambiental, a China acaba estando bem presente no dia a dia.
(24:09) P/1 – Quando começou a entrar nessa questão do direito asiático, começou a estudar a China, você já teve a ideia de fazer o mestrado em relação a isso ou demorou um pouquinho?
R – Nossa, demorou. Eu falo que a gente pode até tentar planejar a vida, mas parece que tudo vem ao acaso e à sorte. Eu tinha um plano de tirar um ano sabático, pra viajar pelo leste asiático e nisso eu percebi: “Que tal estudar mandarim?” Acho que pra me ajudar a, pelo menos, saber ler durante essa viagem. Comecei a estudar mandarim, aí percebi que várias pessoas da minha rede de contatos profissional também estavam estudando mandarim. A gente se juntou pra estudar mandarim juntos e foi assim que eu descobri um programa de mestrado fora, que eu gostei muito pela proposta que ele tinha. Resolvi me inscrever e foi aí que, de fato, eu entrei no mundo mais acadêmico da China. E foi um grande acaso. No fim não fiz meu ano sabático (risos) que eu queria, mas quem sabe no futuro?
(25:31) P/1 – E onde foi esse programa?
R – Esse programa foi on-line, devido a pandemia, mas o programa era pra ser na Chu Hai University, em Beijing.
(25:46) P/1 – Certo. E como isso acabou levando você e outras pessoas também ao portal Observa China?
R – A Observa China... Deixa eu voltar um pouco atrás. O programa de mestrado que eu fiz se chama Schwarzman Scholars e tem um programa semelhante, só que feito pelo governo chinês, chamado Yenching Scholars. Como algumas pessoas do Yenching sentiram a falta de ter um espaço que aproxime o Brasil da China - a entrada de jovens, não só acadêmicos, mas profissionais e interessados em diversos assuntos que não só economia, que está em alta, eles estavam com essa ideia de começar um espaço, vieram conversar comigo e nós decidimos começar o Observa China. Acho que [foi] muito da nossa necessidade também, porque a China é um assunto tão grande, mil assuntos pra falar de China e a China não é um país que surgiu há cem anos, (risos) tem tantas complexidades, camadas, que a gente queria facilitar o acesso a todo esse entendimento, que a gente segue não tendo, mas a gente busca ter e aí a gente decidiu formar, fomentar esse think tank, que é muito no formato mais de comunidade do que qualquer outra coisa, porque a gente quer que as pessoas se conectem, que as pessoas queiram entender a China também em nível pessoal.
(27:42) P/1 – E o que você acha do resultado? Quando começou o Observa China e o que você acha que mudou, de lá pra cá?
R – Mudou muita coisa. Quando a gente começou a pensar sobre o Observa China não tinha covid e nesse último mais de um ano, com covid e outros assuntos envolvendo geopolítica internacional, a China ganhou os holofotes e nisso o grupo cresceu muito. Com isso, a gente conseguiu trazer mais camadas no assunto de debate sobre a China porque antes, quando são só pessoas que trabalham com relações internacionais, ou pessoas interessadas em startup, tecnologia e inovação, os assuntos que você explora da China, acabam sendo só aqueles. Quando a gente consegue agregar pessoas de lugares diferentes, experiências diferentes, interesses diferentes, a gente conseguiu começar a trazer outras camadas da China. A gente também fala muito de cinema hoje em dia, porque por um filme você aprende muitas coisas, você absorve muito de uma outra cultura. Tem o visual, tem o modo da pessoa se portar, tem as falas, as histórias e as emoções. Eu tenho bastante orgulho do quanto o Observa cresceu nesse último ano.
(29:12) P/1 – Eu queria, primeiramente, perguntar pra você o seguinte: nesse período que você fez os estudos sobre a história da Coreia e da China, o que você encontrou de similaridades entre a cultura coreana e a cultura chinesa?
R – Nossa, similaridades acho que encontrei poucas. Eu me surpreendi com influências. Acho que a gente é muito diferente, mas apesar de sermos muito diferentes, essa parte neoconfuciana que a gente tem acho que é bem enraizada. Assim como o cristianismo é muito enraizado em nós, brasileiros, eu acho que as ideias neoconfucianas ou mesmo confucianas estão enraizadas no dia a dia, só que elas se manifestam de formas diferentes.
(30:24) P/1 – Entendi. Então, conta um pouco pra gente qual é o seu trabalho atual, com sustentabilidade.
R – Conto. Atualmente eu trabalho numa empresa que se chama Systemic e trabalho pra eles no escritório aqui da América Latina - mais especificamente ainda, num programa que se chama Partnership for Forest, do governo do Reino Unido. A gente dá dinheiro, incuba e acelera projetos que, de alguma forma, protegem a floresta, preservando ou reflorestando ou evitando que mais florestas sejam desmatadas. Falando de sustentabilidade no Brasil, a gente não tem como não falar de produção de soja e de carne bovina. E, falando de soja e carne bovina, necessariamente a gente vai acabar falando de China. A gente tem alguns projetos que tocam no assunto China e outros que se aprofundam no assunto China.
(31:36) P/1 – Bom, então a gente vai pra sequência de perguntas finais. Primeiramente, quais são as coisas mais importantes pra você, hoje em dia, Paulina?
R – As coisas mais importantes pra mim? Perguntas difíceis essas que vocês fazem! Acho que saúde, estar saudável, viva e poder contemplar o momento atual das coisas. Uma segunda coisa muito importante são os amigos e família e uma terceira coisa importante... Nossa, que vontade de falar comida, mas eu acho que é muito besta falar de comida. (risos) Acho que eu vou ficar, então, com a comida. Acho que comida, pra mim, representa muita coisa. Então, vai ser comida, mesmo.
(32:47) P/1 – Mas conta pra gente, então, o que comida representa pra você, já que você também cresceu com uma alimentação diferente da gente, dos nativos brasileiros, da comunidade brasileira. Conta pra gente o que significa, pra você, comida, em vários aspectos.
R – Pra mim, cozinhar é um ato de serviço que você faz para o outro. Acho que é uma forma de compartilhar um pouco do seu e também demonstrar carinho e preocupação com o outro. Acho que atualmente a gente tem poucos momentos em que a gente consegue compartilhar algo, então cozinhar, ter uma mesa farta e chamar todos pra virem à mesa pra mim é muito importante, assim como cozinha também é sobre cultura e aceitação. Eu acho que, crescendo, eu tive muitos preconceitos em relação ao que eu comia em casa e que eu acho muito engraçado, porque hoje em dia as pessoas estão muito mais interessadas pela comida coreana. Foi muito diferente quando eu era pequena.
Também porque comida, pra mim, é uma grande porta de entrada pra outras culturas. Acho que a mesa de refeição é um momento muito de paz que a gente tem, que a gente escuta o outro e eu acho que essa troca de refeição é um momento muito que deixa estar mais vulnerável. A gente compartilha histórias, experiências e eu acredito muito na possibilidade dessa ideia que as pessoas têm de comida como um instrumento diplomático também.
Acho que agora, mais pensando em todas as perguntas que você fez hoje, como uma boa coreana, (risos) a gente tem um prato que se chama jajangmyeon que, se você perguntar pra qualquer coreano, ele vai falar que é um prato chinês e, se você perguntar pra qualquer chinês, ele vai falar: “É um prato coreano”. (risos) Igual nosso temaki com maionese. É algo que existe na Coreia desde 1400. Apesar da gente dedicar como prato chinês, ele tem um toque muito mais coreano e é um prato que, por incrível que pareça, toda criança coreana ama e continua sendo, até hoje, um dos meus pratos favoritos.
Eu não sei por que eu esqueci de mencionar: acho que esse foi o meu grande contato com a cultura chinesa, porque você vai nesses restaurantes, até hoje são poucos restaurantes aqui em São Paulo que servem esse prato e são restaurantes chineses-coreanos. Então, sempre foi essa mistura, a proximidade e só recentemente, depois do mestrado, que eu fui provar o prato original, que se chama cha chang mein. É totalmente diferente do jajangmyeon que eu conheço. Eu acho que é por isso também que a comida acaba como uma das coisas mais importantes (risos) da minha vida.
(36:23) P/1 – Você tem toda razão. É verdade. É um instrumento diplomático também. (risos) E quais os seus sonhos, pro futuro, Paulina?
R – Futuro. Ultimamente é difícil de pensar no futuro, ano que vem vai ser um ano difícil. Quem sabe, a gente espera que tenha Carnaval, vai ter Copa, eleições, mas pensando além disso eu acho que os meus sonhos pro futuro seriam... Enfim, eu trabalho com isso, eu espero a gente alcançar as metas de desenvolvimento sustentável pra 2030. A Copa está aí pra acontecer, vamos aguardar o resultado de tudo isso.
Acho que um segundo sonho que eu tenho e é algo que eu carrego também, muito, no meu trabalho. É olhar pros países asiáticos sem o estigma que foi criado deles, sem julgamento; tentar entender de onde eles vêm, os valores, a cultura e porque eles fazem o que fazem. Assim como a gente quer que os países do norte olhem pra nós sem esse olhar, sabe? Sem julgar, que respeitem as nossas opiniões, o que a gente acha que é mais importante. Eu realmente espero que essa globalização que a gente sonhou seja muito mais sobre incluir os outros países do que dominar os outros países a partir de um ponto de vista.
Um terceiro ponto, que eu acho que é um grande sonho que eu tenho também, é que o Brasil deixe de ser essa coisa que fica assim: “Vamos decolar”. A gente, de fato, precisa decolar - não decolar porque algumas poucas empresas deram certo, mas que toda essa camada da população em estado mais vulnerável, que teve uma melhoria na condição de vida nos últimos dez anos, mas que viu um grande desavanço nesses últimos dois, consiga superar essa fase e que as coisas, o sonho brasileiro aconteça. [Que] aquela alegria de ser brasileiro volte a existir.
(39:04) P/1 - Tem alguma coisa que você queira dizer que você não se lembrou, ou algum ponto da sua vida que você gostaria de comentar mais com a gente e que, por acaso, a gente acabou não conversando aqui?
R – Acho que tem. Agora que eu mencionei essa questão de como eu gostaria que os países olhassem pra Ásia, as pessoas olhassem pra Ásia, eu cresci com uma visão muito estigmatizada da China. Os próprios coreanos têm muito racismo com o chinês. E eu tive até muito recentemente conversas muito difíceis com a minha mãe, de: “Mãe, não, você não está entendendo. Você está julgando, uma percepção errada”. Acho que pra mim é muito importante falar sobre isso, que [com] esse preconceito que a gente tem com tudo que é diferente, a gente demora muito pra se abrir. Eu demorei muito pra me abrir à possibilidade que é só diferente, não é que é errado, e que sempre vou carregar esse preconceito e racismo que fez parte da minha base. Mas eu queria só corrigir um pouco, porque não é ‘a gente’ tipo nós, brasileiros, é um ‘a gente’ nós, coreanos, também. Eu acho que a gente só tem muita dificuldade de aceitar o que é diferente e também existe uma diferença entre aceitar e fetichizar. Eu acho que é um limiar que é muito... Uma zona cinzenta aqui, mas o que eu espero também pra mim, o sonho que eu tenho pra mim é que eu consiga superar as barreiras que eu mesma carrego e conseguir me aprofundar nas diferenças, não só com a China, mas também expandir meu olhar pra outros países porque, se você me der um mapa do globo, são poucos os países que eu vou saber apontar e falar alguma coisa. E trabalhando com visões mais internacionais, acho que isso é uma grande falha da minha parte.
(41:38) P/1 – Certo. Então, vamos pra última pergunta, Paulina: o que você achou de contar um pouco da história da sua vida, pra gente, hoje?
R – É engraçado, é diferente, porque são poucos os momentos que a gente foca desde a infância e vai pensando em tudo e refletindo sobre. Os poucos momentos que eu fiz isso foi em terapia e na terapia é muito mais sobre dores, traumas. A conversa de hoje me despertou mais momentos de alegria, lembranças boas que eu tenho do passado, coisas que a gente vai esquecendo, assim, no dia a dia. E percebi coisas que me foram muito importantes pra quem eu sou hoje, tanto pessoalmente, mas profissionalmente foi muito interessante, nunca tinha feito essa conexão entre os pontos.
(42:35) P/1 – Bom, então, em nome do Museu da Pessoa, Paulina, a gente agradece muito a sua participação e você ter aceitado o convite de falar com a gente hoje.
R – Imagina! Muito obrigada por escutarem a minha história. Espero visitar o museu em breve e espero, quem sabe, que vocês façam o mesmo com a comunidade coreana. (risos)
Recolher