Depoente: Roberto Dias Branco
Entrevistado por: Valéria e Itamar
São Paulo, 09 de dezembro de 1993
Entrevista nº 024
P - Bom, Dias, eu gostaria que a gente começasse com você falando seu nome, data de nascimento e local onde você nasceu.
R - O meu nome é Roberto Dias Branco. Eu sou de sete de janeiro de quarenta e três e nasci no Canindé, bairro perto da Portuguesa hoje, antigo São Paulo. E a disposição aí, qualquer... Qual que é?
P - Conte um pouquinho da sua casa da infância, lá no Canindé. Como é que era...
R - Bom, minha família era uma família muito humilde, pobre, pobre... Humilde. E nós morávamos num, como se diz... Cortiço, diversas famílias, né? E meu pai trabalhava, inclusive, em jornal, trabalhava nas máquinas. Minha mãe em prendas domésticas. E foi uma infância feliz porque no bairro do Canindé jogava-se bola na rua, podia-se ficar até tarde, brincadeiras... Eu tive a grande felicidade de jogar peão na rua, brincar de mãe-da-rua, e esse tipo de brincadeira, bolinha de gude. Eu passei toda... Eu acho que a minha infância muito feliz.
P - Como é que era? Você falou que jogava futebol na rua, como é que era o futebol, a bola?
R - Ah, a bola era... Sei lá se podia chamar de bola, meia amarrada! Quando aparecia uma bola era uma felicidade pra todo mundo, porque realmente era um bairro pobre e foi lá que eu comecei meus primeiros passos, jamais pensando em ser profissional, mas eu acho que é aí que começa. Hoje em dia, inclusive, já adiantando um pouquinho, faltam jogadores de futebol, aquele jogador moleque, sabe? Essa é a minha opinião, então era... Eu jogava bola na rua, quer dizer, carro lá passava, parava, quando passava carro, né? E, entendeu? Então era uma infância muito feliz. Duas irmãs, um irmão, a gente era muito, nós éramos... Somos até hoje, na época a gente era muito unido, entendeu? E t...Continuar leitura
Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: Roberto Dias Branco
Entrevistado por: Valéria e Itamar
São Paulo, 09 de dezembro de 1993
Entrevista nº 024
P - Bom, Dias, eu gostaria que a gente começasse com você falando seu nome, data de nascimento e local onde você nasceu.
R - O meu nome é Roberto Dias Branco.
Eu sou de sete de janeiro de quarenta e três e nasci no Canindé, bairro perto da Portuguesa hoje, antigo São Paulo.
E a disposição aí, qualquer.
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Qual que é?
P - Conte um pouquinho da sua casa da infância, lá no Canindé.
Como é que era.
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R - Bom, minha família era uma família muito humilde, pobre, pobre.
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Humilde.
E nós morávamos num, como se diz.
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Cortiço, diversas famílias, né? E meu pai trabalhava, inclusive, em jornal, trabalhava nas máquinas.
Minha mãe em prendas domésticas.
E foi uma infância feliz porque no bairro do Canindé jogava-se bola na rua, podia-se ficar até tarde, brincadeiras.
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Eu tive a grande felicidade de jogar peão na rua, brincar de mãe-da-rua, e esse tipo de brincadeira, bolinha de gude.
Eu passei toda.
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Eu acho que a minha infância muito feliz.
P - Como é que era? Você falou que jogava futebol na rua, como é que era o futebol, a bola?
R - Ah, a bola era.
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Sei lá se podia chamar de bola, meia amarrada! Quando aparecia uma bola era uma felicidade pra todo mundo, porque realmente era um bairro pobre e foi lá que eu comecei meus primeiros passos, jamais pensando em ser profissional, mas eu acho que é aí que começa.
Hoje em dia, inclusive, já adiantando um pouquinho, faltam jogadores de futebol, aquele jogador moleque, sabe? Essa é a minha opinião, então era.
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Eu jogava bola na rua, quer dizer, carro lá passava, parava, quando passava carro, né? E, entendeu? Então era uma infância muito feliz.
Duas irmãs, um irmão, a gente era muito, nós éramos.
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Somos até hoje, na época a gente era muito unido, entendeu? E toda a família, minha mãe, o pessoal do bairro.
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Então era, foi uma infância muito feliz e, dá muita saudade.
P - Como é que era o pessoal do bairro, assim, a relação de vizinhança? Havia festas?
R - Havia, eu lembro, tradicionalmente, dos bailinhos que todo sábado, domingo era na casa de alguém.
Aí o que podia ter era suco, qualquer coisinha, ki-suco, esses negócios aí, mas não tinha negócio de coca, essas coisa aí, era.
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E o futebolzinho que nós tínhamos campinho, tinha o campo da.
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Força Pública, tem até hoje um campo enorme, e ali a gente jogava.
O meu prazer era jogar futebol, né? E ficar na rua conversando até onze, meia-noite, podia, né, o pessoal ficava na porta porque o Canindé lembra cidade do interior, mais ou menos, né? As mulheres ficavam nas portas, as mães.
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Faziam as fogueiras, tinha um larguinho, faziam as fogueiras.
Éramos uma família, realmente, o bairro todo conhecia-se.
Todo mundo, todo mundo conhecia todo mundo.
Realmente era muito gostoso.
P - Até quanto tempo você morou no Canindé?
R - Eu morei no Canindé até 60 e poucos, até 67, já tinha vinte e poucos anos, então eu passei toda a minha infância no Canindé, né? E até rapazinho, mesmo jogando eu continuei morando no Canindé.
Nós mudamos de casa, melhoramos um pouco o nosso nível.
Nós morávamos no 578 mudamos pro 593, era uma casinha própria.
Então ali foi melhor ainda porque era um pouquinho mais de conforto, e minhas irmãs, meus irmãos, todos trabalhavam, começamos desde cedo, né? Mas era legal, chegava no fim do mês dava aquele dinheirinho, entendeu.
P - Qual foi o seu primeiro emprego, Dias?
R - Meu primeiro emprego? Eu trabalhei numa.
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Entregar bebida, numa adega, eu não bebo, mas eu trabalhava numa adega.
Lá foi meu primeiro emprego.
Eu trabalhei muito em.
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A maioria não registrado, né? Trabalhei depois na Associação Comercial do São Paulo.
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Sei lá, mas o meu primeiro emprego foi na adega, porque o rapaz, o senhor que trabalhava, ele me permitia treinar, e eu já.
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Eu comecei muito cedo no São Paulo, quatorze anos, entendeu, e ele me permitia treinar e me.
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Não descontava nada, me pagava o salário direitinho.
Então eu trabalhei, aí só quando eu assinei meu primeiro contrato que eu parei de trabalhar porque aí tinha que treinar todo dia, não dava realmente.
P - Você estudou onde? Escola primária, primeiro ano, você fez onde?
R - Eu estudei na Escola Santo Antonio do Pari.
P - O que você se lembra da época de escola? Professor, seus colegas.
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R - Ah, era uma tal de Dona Nonoca, essa foi minha professora.
Acho que todo mundo do bairro lembra dessa professora.
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Santo Antônio do Pari.
Eu não tenho muita lembrança.
Lembro uma ou outra coisinha, que a gente jogava bola num.
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Tinha um pátio grande.
Eu sempre passei de ano bem, sabe? Eu pretendia me formar, mas depois a própria vida me levou pra outro lado.
P - Você queria ser o que antes?
R - Eu queria ser médico.
Eu gosto muito de ajudar, sabe, eu não gosto de ser ajudado.
Eu sou.
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Não gosto que ninguém me ajude.
É ruim, né, porque ninguém vive sozinho, ninguém pode fazer as coisas sozinho, sempre precisa da ajuda de alguém, mas eu prefiro muito mais ajudar, então eu acho que médico realmente seria a.
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Médico, e depois eu mudei pra veterinário por causa dos animais, que depois das crianças eu adoro animais, né? Então eu pensei em ser veterinário, pensei tanta coisa, mas o futebol realmente me levou.
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P - Como é que foi esse começo no futebol? Você brincava na várzea, no Canindé?
R - É, eu jogava no Canindé, na várzea.
Eu já jogava com gente grande quando eu tinha quatorze anos, jogava inclusive com meu pai e meu irmão.
O meu irmão é mais velho que eu, e eu jogava com eles já, mas era pequenininho, franzino e jogava no Estrela do Pari, Serra Morena, Disco Jogo de Ouro, joguei todo o bairro, né? Eles me chamavam pra jogar.
E um rapaz, morava no Canindé.
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Antigamente tinha o extra amador nos clubes, quer dizer, de juvenil passava a extra amador.
Então ele ficava aí, depois daí ele era profissional.
E ele jogava lá e me levou um dia pra treinar lá no.
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Não era no Canindé, era na Ponte Pequena, num campo que tinha lá no departamento de água e esgoto, tinha um campo lá.
E eu fui treinar, ele me levou pra treinar.
No mesmo dia, terminou o treino, eu não sei se treinei bem, eu não lembro, devo ter treinado bem porque logo o treinador, era o Caxambu, um antigo goleiro do São Paulo que era treinador, ele já mandou fazer a carteirinha.
E eu joguei durante um mês, aí o São Paulo me chamou pra assinar contrato, famoso contrato de gaveta, quer dizer, você já pertencia ao clube.
E o meu primeiro salário eu lembro até hoje, eu fiquei recebendo 6 meses isso.
Todo dia de manhã eu ia no açougue e na padaria, comprava 3 litros de leite, 1 Kg de carne, exatamente assim meu primeiro contrato, durante alguns meses isso.
P - Explica pra gente como é esse contrato de gaveta, o que era exatamente?
R - Não, você tinha o contrato com o clube, contrato não, porque era menor não podia ter contrato, mas você.
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P - Um compromisso.
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R - Um compromisso com o clube, entendeu?
P - Você não podia ser.
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R - Não, não, não.
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Não existia inclusive venda sendo menor, mas você já tinha um compromisso com o clube, né? E você vai indo, vai indo, na hora de assinar o primeiro contrato, como profissional, o clube.
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Você não ganha nada.
Você ganha 3 litros de leite e 1 kg de carne por dia.
Então o clube te oferece, "te dou tanto", se você por acaso falar "não", tudo bem, você vai embora, pode entrar em outro clube, mas no outro clube vai ser a mesma coisa.
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Seria na época, mesma coisa.
Então aí, logo no primeiro contrato a gente assinava, pronto, você pertence ao clube pra sempre, né? Quer dizer, o contrato termina mas o vínculo continua, continuava, não sei.
Hoje em dia mudou, parece, algumas coisas.
Então, aí logo depois eu tive uma carreira muito rápida, muito rápida.
Eu era do infantil de 59 pra 60.
Em 60 eu já treinava no Morumbi, num campinho que tinha do lado lá, né, estavam construindo.
Aí a seleção olímpica brasileira treinava no Morumbi, um dia me chamaram pra jogar, faltou jogador e tal, "ah, preciso de alguém", me chamaram.
Eu.
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Ah, eu dei tudo, né? Aí eu acabei.
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Eles acabaram me convocando, e aí eu já fiquei, já fui pras olimpíadas de Roma, já voltei e me profissionalizei.
Quer dizer, em um ano e meio eu passei do infantil pro profissional, né? Foi uma coisa muito rápida.
P - Você tinha que idade? Você se lembra?
R - Dezessete anos, dezesseis anos, é.
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Eu sou de 43, 1960 é.
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Dezessete anos.
P - E como é que foi a Olimpíada? Você nunca tinha saído do país, né?
R - Nunca tinha saído, nunca tinha viajado de avião.
Eu não tinha jogado pelo São Paulo.
P - E como é que foi viajar de avião? Roma, a cidade histórica? Como é que foi isso?
R - Você sabe, eu não dava valor.
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Não é que não dava, claro que já dava valor, mas eu não dava a importância que merecia a carreira.
E pra mim era uma coisa normal.
Hoje eu vejo, por exemplo, os jogadores vão lá no Morumbi, passam a torcida, aquele negócio.
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Pô, acontecia tudo isso comigo, mas eu.
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Pra mim era normal, né? Eu não.
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Então, a primeira viagem, eu comecei a treinar pra completar o grupo e me tornei titular, inclusive joguei com o Gerson.
O Gerson foi tricampeão do mundo, e eu fiz o meio de campo com ele.
Aí, de repente, primeira viagem de avião, eu acho que era.
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Eu lembro, quadrimotor.
A gente fica olhando, né? "Nam, nam, nam", vinte e poucas horas até a Europa, sei lá quantas horas eram, e a de.
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Eu não sabia, né, depois que.
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parou um Dakar.
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Não Rio de Janeiro, Dakar, né? Depois, sei lá, de repente eu tô na Itália jogando umas.
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Olimpíada também pra mim não significou nada naquela época, hoje eu vejo, né? Fui pra lá joguei, não sei, acho que eu fiz dois, três gols.
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P - Além do Gerson, quem mais jogava nesse time? Você se lembra?
R - Eu lembro do time.
P - Fala aí!
R - Era Carlos Alberto, que era tenente do exército, era goleiro da Portuguesa de Desportos, Décio Teixeira do Atlético Mineiro, Paulinho do Palmeiras, o falecido Júnior do São Paulo, um rapaz.
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Esse rapaz foi comigo pra lá, ele faleceu logo depois, um problema na perna, amputaram a perna, provavelmente a medicina naquela época era.
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Com os recursos de hoje não acredito que teria acontecido, e esse rapaz faleceu.
Paulinho do Palmeiras, centro-avante.
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O Gerson mais que todos, o Gerson foi o que mais.
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E depois, acho que em segundo plano eu, né, que me tornei jogador de um time grande, e outros jogadores que jogaram, mas não seguiram uma carreira, entendeu? Então de repente, estava lá na Itália, voltei, assinei contrato, ficava na reserva do Dino Sani, cobrão, né? Aqui não vou jogar, já pensava, porque eu queria jogar, mas aí de repente ele foi vendido pra Itália.
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Argentina.
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Não, pra Itália ou pra Argentina, não lembro bem.
E aí eu comecei a jogar, você sabe que.
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Uma coisa, quando eu comecei a jogar eu nunca falei isso não, eu nunca fiquei na reserva, ou eu não jogava ou eu jogava, mas eu nunca fiquei na reserva.
P - Nunca ficou no banco?
R - Nunca, assim, a não ser que eu tivesse uma contusão eu ficava algum tempo fora aí eu voltava, ficava um, dois jogos, aí eu entrava pra jogar e jogava.
Tanto é que eu tenho 512 partidas, parece, pelo São Paulo, oficiais, fora jogo-treino, essas coisas todas.
Eu sei que eu tenho cento e vinte poucos gols, apesar de jogar na defesa, né? Quer dizer, a minha carreira foi muito rápida e passou tudo tão rápido, quando eu percebi já, pô! Indo sessenta e poucos e blablablabla! Aí acabou a carreira, sabe é uma coisa muito.
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Porque eu não dei importância pra carreira.
Em relação a dinheiro é a mesma coisa, porque a gente nunca pensa que vai parar amanhã.
Não, deixa, fala, depois eu.
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E pá, quando eu percebi era tarde demais.
E não se ganhava bem, né? Ainda mais o São Paulo na época da construção do Morumbi.
Não, eu fiquei porque quis, eu gostava e não me arrependo, faria, acho, que tudo outra vez, só que com umas pequenas mudançinhas, né?
P - E a seleção brasileira? Muita gente diz que você foi um dos jogadores injustiçados.
Você tem que tipo de sentimento em relação a tua participação na seleção brasileira que foi.
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De certa forma, foi pouca?
R - É, eu joguei vinte e nove vezes, defendendo a canarinho.
Em 63 foi a minha primeira participação, uma excursão a Europa, convocaram.
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Porque em 62 o time já estava meio veterano, que eles diziam, né? Então eles levaram alguns veteranos, veteranos que eu digo é que participaram há muitos anos, né? Nada de idade, porque acho que no futebol não tem veterano.
E então levaram alguns veteranos e alguns novatos e eu fui.
Ficamos três meses na Europa, foi uma viagem maravilhosa.
Aí eu voltei bem cotado.
Em 64 eu joguei a Copa das Nações, taça .
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, Oswaldo Branco, sabe era uma porção de.
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De.
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E sempre bem cotado, né? Em 66 eu fui convocado pra Copa do Mundo, só que convocaram 44 jogadores, tinha dois treinadores, Vicente e.
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Grande Vicente, Aymoré Moreira, que duas cabeças muito inteligentes, às vezes, num dá, sabe.
E eu sei que fui dispensado antes de um dos últimos, eu fui dispensado, não merecia ser dispensado, eu estava realmente numa fase boa, os outros que ficaram no meu lugar também mereciam ir, foi um problema só no meu.
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Na minha concepção eu deveria ter ido, sabe? Mas aí, eu fui dispensado, voltei pro São Paulo, ainda em 67 joguei na seleção, 68, 69.
Em 69, palavra de treinador, de dirigentes, não importa muito, "não você vai porque.
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Disputar as eliminatórias não sei que e tal", tudo bem, aí num jogo contra o Palmeiras, eu tive um afundamento no frontal, né? Em uma cabeçada, mas eu sei que desmaiei, acordei no hospital, e fiquei um ano parado.
Foi nesse meio, nessa época que faleceu meu filho, que minha.
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Minha mulher estava assistindo o jogo, nesse dia, e logo depois eu saí do hospital, depois de dois, três dias ela entrou com problema, teve o nenê depois, que faleceu, não sei se houve, deve ter tido algum relacionamento.
Então eu fiquei parado, perdi a chance de ir em 1970.
Perdi a chance não, ia lutar, me esforçar, depois fomos campeões em 71.
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Ah, em 70.
Aí em 71 me deu uma.
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Eu tava jogando, e me senti mal, eu já estou me prolongando muito na conversa?
P - Não, pode falar à vontade.
R - É porque às vezes você pergunta uma coisinha e a gente vai indo, vai indo.
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Entendeu? Em 71 eu me senti mal depois do jogo, eu fui pra casa, aí comecei a me sentir mal, me levaram pro hospital e eu tive um enfarte, uma coisa pequena.
Pequena não, porque o coração do atleta é um músculo, né? E eu tive um enfartezinho à noite, não senti nada, ou se senti não lembro.
Aí eu fiquei dois anos parado, eu ia todo dia no Morumbi.
Andava, primeiro andava, depois comecei a correr, e como o coração é um músculo e a minha, como é que eu ia falar? Aprendi um pouco do coração.
As minhas colaterais eram boas, eu era muito resistente fisicamente, formaram outros caminhos, então consegui irrigar o coração novamente e então eu voltei a jogar, entendeu? Não houve.
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É, mas eu passei medo quando voltei a jogar, eu voltei em 70 e.
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Comecinho de 73, fiquei dois anos parado, mas o São Paulo nessa época continuou me pagando.
Tudo bem, era o mesmo salário que eu ganhava, mas eu fiquei três, quatro anos com o mesmo salário, com a inflação que já existia, né, entendeu? Mas o São Paulo não tinha a obrigação nenhuma de fazer isso, então eles me ajudaram muito nessa parte, por isso que eu sou grato ao São Paulo nessa parte, que eu ia todo dia e recebia meu salariozinho.
Eu voltei depois a jogar e joguei alguns meses.
Aí, o São Paulo me deu passe livre e eu fui pro México, fiquei três anos lá.
P - Como que é receber passe livre?
R - É ruim.
Naquele momento pra mim foi ruim, porque eu fiquei dois anos parado, quer dizer, nenhum clube acreditava.
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E eu voltei bem.
Em 73 eu voltei a jogar o Rio-São Paulo, acho que era Rio-São Paulo.
Voltei bem, me senti legal, fiz um bom campeonato, aí no final do ano o São Paulo passou por uma mudança que é comum no.
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Aí me deu passe livre, né? Eu com o passe livre, um jogador parado a dois anos, não.
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Eu tentei em alguns clubes em São Paulo.
Eu não ia porque.
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Não tenho isso de ir, sabe? Eu sou um ótimo vendedor quando as pessoas vêm comprar, aí eu vendo, mas eu oferecer, eu não tenho jeito.
Eu.
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Eu tinha vergonha de ir nos lugares, então eu fui ficando parado.
Aí apareceu uma proposta do México e eu fui embora, né? Fiquei três anos lá jogando, ganhei durante dois anos o melhor jogador estrangeiro do México, não é? Porque na televisão não aparecia, aparecia só o resultado.
Se fosse hoje, provavelmente na época, os torcedores do São Paulo pelo menos saberiam, né? "Tá bem lá, tá jogando".
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Mas na época não tinham, eu fiquei treinando lá, me dei bem, gostei.
P - Qual a cidade?
R - Eu fiquei em Guadalajara.
Cidade.
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O Estádio de Jalisco.
Eu fiquei três anos lá.
Me dei bem.
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P - Como foi sua adaptação?
R - Ótima, ótima! Não houve problema nenhum.
Eu não.
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Porque primeiro eu fui pra lá ficar por um mês, minha mulher estava esperando um filho e estava de sete meses, eu digo, "não, eu vou pra lá, vou ver direitinho, o nenê nasce aqui, depois leva", mas eu fiquei um mês lá e me dei bem na cidade, tinha muitos brasileiros na equipe, uns três, quatro brasileiros, inclusive o treinador Mauro Ramos de Oliveira, o grande zagueiro do São Paulo, e aí eu me adaptei bem, aluguei uma boa casa.
Eu ganhava na época, eu lembro até hoje, dois mil dólares, eu não sei quanto valia o.
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Eu sei que eu ganhava dois mil dólares, guardava mil dólares por mês, e vendi meu passe, mas o dinheiro eu comecei pra lá, pra cá, o dinheiro do passe acabou, porque eu comprei carro, móveis, sabe? E aí eu peguei e levei minha família.
Minha mulher estava grávida de oito meses e duas meninas Roberta e Samanta.
Uma tinha, sete anos, a outra tinha.
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Dois anos.
Depois fomos, todo mundo pra lá.
Nasceu uma menininha no México também, faleceu logo depois, faleceu pequenininha, um mês, acho que nem isso.
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Problemas pulmonares, tal, mas eu me dei bem lá no México, eu gostei, um país bom, cuida bem de brasileiro, adoram brasileiro, então eu me dei bem lá.
Eu talvez.
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Eu devesse ter ficado no São Paulo, mas eu não sei porque eu fui embora, resolvi, entendeu? Mas foi muito bom pro.
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Pras minhas filhas porque tiveram uma cultura diferente, apesar de serem pequenas, né? Mas sempre guardam alguma coisa, lá dentro fica, entendeu? É isso aí.
P - Você era conhecido como um dos grandes marcadores do Pelé.
Como é que era essa missão ingrata?
R - Eu marcava bem a canela dele, marca que tava cheia de risco assim.
P - Como que era jogar.
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R - Bom, acontecia, o Pelé primeiro era.
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Ninguém marcava, sabe? Porque ele tinha um segundo.
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Um segundo acima de você, então você pensou, ele fazia.
Claro que, tinha algumas coisas que você podia fazer contra o Pelé, porque a primeira vez que eu joguei contra ele, foi na Vila, era um quarto-zagueiro do São Paulo, Procópio, se não me engano, não pôde jogar e o Oswaldo Brandão, o grande Oswaldo Brandão, falou: "Dias, vai lá, marca".
"Tá bom", eu e quantos mais.
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Pra me ajudar, né? Porque eu era rápido, eu era baixo pra posição de zagueiro, eu era rápido, então, eu tinha uma.
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Aí com o tempo, eu aprendi a marcar, quer dizer, mesmo aprendendo a marcar, ele fazia gol adoidado, mas eu.
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Entendeu? Eu, percebi com o tempo que se você conseguisse fazer com que o Pelé parasse na sua frente, pronto, aí ele não oferecia perigo, sabe? Em, tese, né? É perigoso até dormindo ele, entendeu? Ele não oferecia perigo, ele era forte, ele demorava pra.
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Agora ele num arranque, nas bolas cruzadas, quando ele vinha com a bola dominada aí não tinha jeito mesmo.
Eu marcava bem, claro que num confronto direto, ele levava vantagem, mas eu marcava bem.
Eu tive grandes partidas contra ele, ele gostava de jogar contra mim porque eu não dava pontapé, né? Respeitava o rei, pô, o rei eu respeitava.
P - Ele chegou a falar isso em entrevista?
R - Ele falou, andou.
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Eu fiquei todo mascarado aí.
Ele falou numas entrevistas aí que eu marcava bem, nem dava pontapé, né? Mas tinha que jogar assim contra ele, porque se quisesse jogar na força.
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Porque eu acho que eu pesava na época, quando eu jogava futebol uns setenta quilos, mais ou menos, e eu tinha um metro e setenta e três, ele tem 1,74 m, 1,75 m e pesava vinte quilos a menos do que eu, e era a mesma estrutura quer dizer, entendeu? Como que eu tô dizendo é a musculatura dele, a.
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Sei lá, ele parecia.
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Nossa, o Pelé parecia perto de você um, sabe, era difícil jogar contra ele, ele era duro, mas ele nunca, nunca me fez uma jogada perigosa.
Às vezes ele.
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Ele que a gente fala na, na gíria, né? Ele aliviava, sabe? Quando tá na área não, aí não, aí ele é tudo ou nada, né? Mas em uma jogada que não.
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Ele aliviava, ele não marcava, não cercava, não marcava, sabe? Deixava você jogar, né?
P - É verdade que ele era meio malandro, simulava faltas, era muito esperto?
R - Ele era, ele nasceu pra isso mesmo.
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Ele sabia fazer tudo, né? Tem uma comparação Pelé/Garrincha.
O Garrincha, indiscutível, o melhor ponta do mundo, mas o Pelé era.
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Era completo, o Pelé poderia jogar em qualquer posição que seria o melhor do mundo, menos na ponta, que seria o Garrincha, sabe? Acho que essa é a pequena diferença.
O Pelé era mais completo.
O Garrincha era.
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O Garrincha era melhor, mas o Pelé era mais completo, sabe? Se dá pra fazer uma comparação, é muito difícil, entendeu? E realmente o Pelé, eu aprendi muito com ele, sabe? Eu aprendi muito com ele e a maneira de empurrar.
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Na área, essas coisas.
Deslocar, sabe? O momento certo de saltar, que eu convivi com ele muitas vezes, ele era.
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É muito amigo meu, sabe.
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E nós conversávamos muito fora de campo e eu pedia pra ele, "o que que cê acha e tal.
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", né? Sabe, ele não gosta muito de comentar isso, ele não gosta de mostrar superioridade, por isso é o rei mesmo, mas eu.
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A gente conversando eu tirava dele, o que.
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Que.
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Ele realmente.
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Ele não gostava que o marcasse assim.
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Que cercasse muito, sabe? Ele gostava quando os caras iam muito nele, aí só ia cortando, só cortando e caixa, né?
P - Qual foi o seu primeiro técnico no profissional?
R - No profissional?
P - Aquele cara que te orientou.
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R - O Remo, Remo Januci, outro do São Paulo.
O Remo Januci foi um dos melhores meia-esquerda que o São Paulo já teve, ou meia-armador, tem gente que fala meia-esquerda.
Meia esquerda no Santos é.
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Joga na frente, meia-esquerda no São Paulo joga recuado, é diferente.
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Então, era um meia-armador, o Remo Januci, e depois o Oswaldo Brandão, né? Fora.
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Eu tive três treinadores no início da carreira: Oswaldo Brandão, o Remo Januci e o Caxambu, goleiro do São Paulo também, então foram esses três treinadores que.
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O Oswaldo Brandão, principalmente, que me colocou de quarto-zagueiro, né?
P - Porque você começou de médio-volante.
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R - Eu comecei de médio-volante.
Eu joguei de médio-volante, na seleção olímpica de médio-volante.
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Aí nesse dia que ele falou, "não, vai jogar lá junto com.
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".
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P - Qual que era a justificativa dele?
R - Ele não tinha quarto-zagueiro, porque o rapaz que foi se machucou, o Procópio.
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É, o Procópio.
Então aí ele disse: "você é rápido e tal, então vai, vai marcar o Pelé, vai marcar o Pelé".
Aí perguntavam pra mim: "como é que você vê o Pelé em campo?" Eu falei: "pelas costas".
Quando eu reparava, ele já tinha passado, mas eu tive umas.
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Eu tive uns bons confrontos com ele.
Uma das grandes coisas que eu trago, sabe? E fui muito amigo dele depois, na seleção, ele me ajudou muito e.
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Entendeu? Gostava de me colocar muito apelido.
Era louco pra me colocar apelido.
Por exemplo, lá na seleção eu tinha um apelido, né? Quando a gente.
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Porque sempre tem um turminha que não sai da seleção, sempre os mesmos, aí então, depois vem aqueles gatos pingados que vão se meter, né? Eles me chamavam de Citroën, porque Citroën é um carrinho francês todo torto.
É perninha pra cá, perna pra lá.
Ele é.
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As pernas dele são bem assim, então eles me chamavam de Citroën, porque eu era todo meio desengonçado pra jogar, as pernas meio tortas, esse negócio.
Até hoje falam Citroën, eu me lembro.
P - Você tem uma trajetória no São Paulo parecida com a de outro jogador, o Darío Pereyra, começou no meio de campo e voltou pra quarto-zagueiro.
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R - É, o Bezerra, parece que no São Paulo dá certo isso.
P - O que você acha do Darío Pereyra como jogador? Por que em algumas seleções do São Paulo de todos os tempos há uma grande briga: Dias ou Darío Pereyra como quarto- zagueiro do São Paulo?
R - Tomara que só caia brasileiro nessa seleção.
É, mas o Darío realmente é maravilhoso jogador.
Ele.
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Olha, se realmente comparar, pô, eu fico numa boa.
Porque eu vejo o Darío jogar, pô, eu acho ele excelente, juro mesmo, eu acho o Darío, ele.
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Ele tinha muito mais impulsão do que eu, nas jogadas de área é mais forte.
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O que mais.
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Sabe jogar, sabe? Sabe jogar muito.
Então, eu acho que.
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Eu acho que eu colocaria o Darío também, me.
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Acho que não.
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O Darío, eu acho que foi o melhor.
O Darío, eu lembro.
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Mais o Rui, um pouco mais da época do São Paulo, né? Mas realmente, de uma época pra cá acho que o Darío, e agora o Ronaldão, né? Que.
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P - Já viu esse trio jogar? O Rui, Bauer e Noronha?
R - Vi, pouquinho mas vi, é que.
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Antiga.
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Porque.
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Antigamente, não é que era diferente, né, o.
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A formação da equipe.
Antigamente ele escalava um time, aí então falava dois, por exemplo, vamos dizer o São Paulo.
Poy, goleiro, De Sordi, Mauro, Bauer, Rui e Noronha.
Entendeu? Então, esse Rui veio pra cá quarto-zagueiro, ficou famoso quarto-zagueiro.
O Noronha já era lateral, então mudou, sabe, eu.
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O Rui era quarto-zagueiro.
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O Rui era quarto-zagueiro, Bauer médio-volante, o Noronha lateral esquerdo, mudou.
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Eu às vezes confundo a posição.
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Eu não cheguei a ver jogar não.
P - Você se espelhou em algum jogador, assim.
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R - Não, não.
Foi uma coisa tão rápida.
Eu não, não.
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Eu nem era são-paulino.
Eu era corinthiano (risos).
Eu era corinthiano naquela época, hoje eu vejo na várzea um time com a camisa do São Paulo, eu torço.
Sabe, eu gostava de jogar futebol e passei a gostar do São Paulo, né? Mudei mesmo, sabe? Mudei mesmo.
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Admiro o Corinthians tudo, mas realmente eu passei a ser são-paulino, e logo que eu comecei a jogar já me entusiasmei.
Agora dizer "sempre fui são-paulino", não, eu era corinthiano, depois passei a ser são-paulino.
P - Era corinthiano por quê? Você se lembra?
R - Acho que eu gostava muito de futebol e naquele época o Corinthians estava no quarto centenário.
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Quarto centenário.
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Eu sabia o time do Corinthians, sabia o São Paulo também, viu? Conhecia.
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Sabia mais, o São Paulo era no Canindé e eu nasci pertinho, acho que a uns três quarteirões do Canindé, do estádio, mas também eu ia assistir treino do São Paulo, conhecia os jogadores, era só um molequinho, né, entendeu? E depois acabei jogando no São Paulo, mas acho que foi porque era mais perto, não precisava de condução, porque se precisasse gastar dinheiro eu não ia pra treinar, né?
P - O seu pai fazia o quê Dias?
R - Meu pai trabalhava no.
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À noite ele trabalhava no jornal Diários Associados.
E durante o dia, do meio-dia às cinco, ele trabalhava no IAPETEC antigo IAPC, acho que na.
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Instituto, pensão, comerciário.
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P - Da Previdência, né?
R - É, Previdência, comerciários, né? Qualquer coisa assim.
Então, meu pai trabalhou nesses dois lugares.
Eu ria muito com ele, isso me ajudou muito também no início de carreira, porque quando eu jogava mais ou menos, o jornal me ajudava: "jogou bem, é uma".
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Sabe, é brincadeira, e.
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Mas ajudava, sempre dava uma notinha, sempre meu pai, no jornal, nas máquinas.
Minha mãe não trabalhava.
Meu irmão, que era muito melhor que eu, jogava futebol, mas muito melhor mesmo.
Era ponta direita, mas não, sei lá.
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Não.
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Não deslanchou, né? Não deslanchou.
Minhas duas irmãs também casaram cedo, sempre trabalharam.
Em casa todo mundo trabalhou, entendeu? Meu pai trabalhava em dois lugares.
Eu trabalhava, todo mundo trabalhava, mas o salário era sempre pequenininho.
P - Como é que vocês se divertiam nessa época, família humilde.
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O que fazia em São Paulo, você já garoto, assim, adolescente?
R - Eu não.
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Nada específico.
Os bailinhos.
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Eu lembro.
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Olha, é gozado, bom, eu morava num bairro classe média, talvez baixa, mas eu sei que todo domingo a gente ia no cinema.
P - Onde? Você lembra?
R - Lá mesmo no bairro, o Havaí.
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Havaí não, Haiti.
Era um cineminha, tinha baile também, às vezes.
Entendeu? Minhas irmãs, por exemplo, eram bailinhos.
Era bailinho aqui, bailinho ali, entendeu? Esse campo da Força Pública sempre tinha competições, corrida.
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Frequentava a Portuguesa.
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Logo depois, frequentava a Portuguesa, as piscinas.
Então era.
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O divertimento era de rua.
Jogar pião, jogar bola, empinar quadrado, entendeu? Sei lá, e não tinha.
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Não saia do bairro, não saia daquele pedaço, fazia clubezinho, tínhamos sede social no Guarani.
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É, Guarani só.
Vamos supor, Guarani Futebol Clube.
A gente tinha uma sedinha, jogava "ping pong", essas coisas, né?
P - E a primeira namorada? Você se lembra dela?
R - Agora começou a complicar.
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A primeira namorada? Eu lembro, me lembro dela, nem do rosto, nem do nome, foi uma.
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É aqueles namoros de criança, acho que eu tinha dez, onze, doze anos.
Uma tal de Sidnéia morava no bairro.
Eu só sei que era loirinha, só lembro disso, não lembro não.
P - E a tua esposa? Você conheceu como?
R - É, no próprio Canindé, né? No próprio Canindé.
P - Como é que vocês começaram a namorar?
R - Eu não lembro, aconteceu.
O próprio bairro.
É porque não dá pra lembrar o dia certo, porque as coisas vem, não? Vai num barzinho, vai aqui.
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Namorei também com uma mocinha do próprio bairro, Roseli.
Eu não era namorador, sabe? Eu queria futebol, sabe?.
Que bobão! Eu não era muito de.
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Eu não saía, né? Eu logo aos quatorze, quinze anos, eu já comecei.
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Tinha uma vida individual, porque eu já jogava, concentrava, viajava.
Viajei com a seleção, tinha quinze, dezesseis anos, aí depois o São Paulo.
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Sabe, eu tive muitas namoradinhas, mas nada.
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P - E o casamento como é que foi?
R - Bem, eu casei em 66.
É 66, né? Eu tinha sido dispensado da Copa do mundo, casamos, foi um casamento bonito e onde eu tive duas filhas maravilhosas.
Hoje eu sou separado.
Há dez.
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Quase dez anos, né? Eu vivo com as minhas duas filhas e os respectivos esposos.
A minha casa é grande, não é bonita, mas é "grandão", tem bastante terreno.
Eu tenho dois netos, Matheus e Rodrigo.
E ali a gente vai levando, um ajudando o outro.
P - E elas gostam de futebol, as suas filhas?
R - Gostam! Uma é santista, uma é corinthiana.
É palavra, juro por Deus! Uma é santista, outra corintiana.
Elas adoram o São Paulo, e.
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Gostam mesmo do São Paulo.
Elas frequentam baile, carnaval, usam camisa do São Paulo e tudo, mas.
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Mas no fundo eu sei que uma é corinthiana e outra é santista.
P - Como que você conciliava o casamento? O futebol e o casamento?
R - É porque, né? A esposa de todo atleta, porque sempre se jogou muito, sabe, esse negócio.
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O São Paulo hoje relativamente está desgastado, é por causa das viagens, não tanto dos jogos não.
Jogava na quarta, concentrava terça de manhã.
Terça de manhã, jogava quarta, ia pra casa.
Depois ficava quarta em casa, quinta em casa, sexta, sábado de manhã concentrava, mas isso a própria mulher do atleta está acostumada, já.
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Não é.
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Eu acho, não sei o que passa na cabeça da mulher, mas deve passar um.
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Acho que é muito sozinha, sabe, é uma vida muito.
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É muito difícil.
Acho que a vida da esposa do atleta, aparentemente deslumbrante, mas é que chega uma hora que cai.
Antigamente, quando eu jogava futebol, eu sempre lembrava, eu sempre tinha uma mesa, um lugar, às vezes você não pagava conta, "deixa, vai".
E depois quando você vai parando, quando você para, muda.
"Ah, não tem mesa", os caras cobram mais na conta, e aí vai, né, entendeu? E aí a mulher tem que ser boa cabeça pra seguir, porque as coisas começam a complicar mesmo.
Quando você para de jogar, quando você.
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Quando você joga futebol, não é que as pessoas facilitam, é que na ânsia de agradar, é claro, se eu ver o Roberto Carlos entrar ali, se eu tenho um restaurante, se o Roberto Carlos entrar, "não, pelo amor de Deus, não paga nada não", porque é bom pro meu restaurante, eu não tenho restaurante não, é bom pro meu restaurante que a pessoa.
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Era a mesma coisa, a gente era convidado pra ir, e não paga e isso e aquilo, sabe? Pra churrasco, pra.
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E depois quando você para é um baque muito violento porque você não tem mais lugar, não dá pra entrar.
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E quando você joga em clubes que nem o São Paulo, você não precisa se preocupar muito, "aí doutor aí, o meu neto", meu neto não, "meu filho tá com uma dorzinha de barriga", BUM! Já vem o médico na sua casa.
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Que o atleta tem que dormir bem, não pode.
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Aquele negócio todo deles, agora tem um.
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Aconteceu comigo, eu não sei, tem um cara rondando aqui a minha casa, um minuto, mandavam um segurança, entendeu? Então.
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P - Você acha que se você tivesse tido um problema que nem o que você teve, por exemplo, médico hoje o tratamento seria melhor? Você teria tido chance de ter jogado mais tempo?
R - Não, não.
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O tratamento acho que não.
Em relação ao São Paulo?
P - Em relação à doença em si?
R - Não, não.
Primeiro.
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Financeiramente, sim, porque eu passei no São Paulo, de 59 a 70, época de construção do Morumbi.
O salário era baixo, comparado com as outras equipes.
Em 70 que foi campeão, em 71 bicampeão, foi quando eu parei de jogar.
O São Paulo começou a contratar Gerson, Pedro Rocha, Forlán, isso a.
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Com o estádio acabado, a estrutura pronta, então começou a contratar grandes jogadores.
Naquela época, como eu era considerado mais ou menos de primeira linha, eu não ia dizer que talvez ganhasse igual ao cobrão que foi contratado, mas eu estaria por ali.
Foi quando o São Paulo começou, o nível salarial aumentou muito, porque o clube se desenvolveu na parte financeira.
Na parte de.
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Eu sou muito querido pela torcida do São Paulo, pois onde eu passo o pessoal me para, inclusive pela própria torcida de outros clubes, porque eu era um jogador pelo menos honesto, não dava pontapé, não jogava duro e tal, nunca criei problemas, então, nessa parte aí, eu acho que nada melhoraria se eu jogasse mais dois anos, talvez só pro financeiramente.
P - Você sente algum tipo de tristeza, assim, por ter jogado nesse período tão crítico do São Paulo, que o São Paulo ficou treze anos sem ser campeão?
R - Eu participei de toda essa época.
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Não, não.
Porque, claro, é gostoso ser campeão.
Quando eu fui campeão, eu joguei todas as partidas, você tem um bicho proporcional as partidas.
No próximo contrato o salário melhora bem, e eu não passei, eu não peguei essa evolução, né? Porque antigamente o contrato era de dois anos e não tinha reajuste mensal.
Ficava dois anos ganhando "xis" e "xis" e acabou, entendeu? Então, talvez se eu tivesse participado depois, por exemplo, não agora, agora já seria exagerado, mas uma época que ganha esse ano, perde o outro ganha o outro, você ganhando títulos na parte financeira é muito bom, na parte.
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E pra você mesmo, sabe? Pro próprio jogador, pro seu íntimo, "fui campeão!".
Quando alguém pergunta: "é, cê jogou no São Paulo, e blá blá".
Ah, tudo bem, eu vou ficar no grande: "e quantas vezes você foi campeão?", o cara: "uma vez".
P - Em .
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você não estava no time.
R - Eu não estava, eu estava inscrito, mas não joguei, foi logo no comecinho do ano, mas todo ano.
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Eu ganhei.
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Eu ganhei em 67 o atleta do ano, né? Escolhia um desportista, um desportista de diversas áreas, e eu ganhei o atleta do ano.
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Um desportista, um desportista de diversas áreas, e eu ganhei o atleta do ano.
P - Então, no ano que o São Paulo perdeu aquele título pro Corinthians.
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Como é que foi aquele jogo contra o Corinthians, que o Benê fez o gol em cima da hora? Como é que foi aquele jogo?
R - É, nós estávamos ganhando de um a zero, e se tivesse terminado assim nós seríamos campeões, foi o último lance.
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É mesmo, o último lance.
Eu sei que foi uma bola cruzada e o.
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Jurandir, nosso.
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Não, o Bellini, zagueiro central.
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Ou era o Jurandir mesmo?
P - O Jurandir mesmo.
R - Ele tinha tido distensão, então ele estava na ponta esquerda.
Na área o mais alto era eu, imagine os outros, baixinhos.
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Aí cruzaram a bola.
Eu lembro, eu lembro desse lance.
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E quando está cruzando a bola, eu vejo o Ditão.
Ditão tinha dois metros e meio por dois metros correndo, pra cabecear a bola.
Eu não reparei em ninguém.
Eu fui contra ele porque ele marca muitos gols de cabeça.
Eu me joguei contra ele, né? Fui contra o paredão lá, mas atrapalhei.
Ele jogou longe, tal, mas eu atrapalhei, só que um outro baixinho, o Tales, meteu a cabeça, ela foi na trave, voltou, o Benê, fez o gol, né, o Benê! Aí deu a saída, acabou o jogo, aí a torcida toda no túnel chorando.
Foi uma tristeza aquele dia.
P - E você?
R - Eu chorei também, pô se chorei.
Aí nós jogamos na quarta-feira com o Santos, porque ficamos igual o Santos, pedindo o título, aí o Negão cismou de jogar.
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Perdemos de um a zero, mas foi um jogo bonito.
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P - Campo cheio?
R - Campo cheio.
Pacaembú lotado.
Perdemos de dois a um pro Santos.
E ali era, mas.
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O São Paulo tinha meios de ser campeão, mas não quis, né? Foi no último segundo, acabou o jogo, deu a saída, acabou o jogo, foi ali que.
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Podia ter sido campeão ali, mas.
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P - Essa foi sua maior tristeza no futebol ou não?
R - Não, não.
Eu.
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Faz parte do.
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Não é tristeza pra mim não.
P - E a maior alegria?
R - Ah, ter sido campeão, eu lembro desse dia.
P - Como é que foi?
R - Foi lá em Campinas.
Nós jogamos com o Guarani, ganhamos de dois a um, ou dois a zero.
P - Dois a um.
R - Dois a um.
Quando o juiz termina, que aí.
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Então eu não tinha bem noção, mas com aquela invasão da torcida.
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A torcida invadiu o campo: "Campeão! Campeão!" Aí que você vai tendo noção, né? Por exemplo, eu estava jogando lá.
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Doze, onze anos e sempre perdendo, perdendo, então foi realmente essa.
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Campeão do.
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Ser campeão pelo São Paulo acho que foi a melhor alegria, depois você tem muitas alegrias no futebol, cada uma tem uma densidade.
Convocar pra seleção tem uma reação.
Quando eu fui convocado pra seleção, eu sei que teve uma festinha lá no bairro.
Bailinho, era só bailinho.
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Bailinho, aí bailinho.
"Ele paga o suco".
Era eu que pagava o suco, entendeu? E era isso.
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Então, acho que cada coisa tem sua densidade, sabe, mas realmente como atleta, a conquista foi a melhor, a maior alegria que eu tive.
P - Fazendo meio de campo com o Gerson de novo, né?
R - É.
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Não, eu jogava de quarto-zagueiro já.
P - Sim, mas tudo bem.
R - O Gerson jogando, tinham contratado o Gerson, Toninho Guerreiro, Paraná, Forlán.
P - Edson Cegonha.
R - Edson Cegonha.
Quer dizer, era um time que era.
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Era um time de seleção.
Aí foi campeão em 70, 71 e 73, né? Setenta e cinco.
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Aí começou a ser campeão, time bom.
Não é que eu queira dizer que os que jogavam.
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Não era isso.
São Paulo contratava, por exemplo, contratou o Terto.
Eu trabalho com o Terto hoje, né? Nós trabalhamos juntos.
Contratou o Terto, deu certo.
P - Mas no começo não deu.
Como que é aquela história de que o Terto ficava chorando no apartamento, ficava triste.
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R - Não, isso é onda, ah isso é.
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Os caras que inventavam, não tinha não, entendeu? O Terto foi um cara que deu certo, o outro jogador, o Paraná, veio de Sorocaba, mas é que o São Paulo contratava muita gente e a maioria era de uma cidade diferente, um clube grande, a responsabilidade, tudo.
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Passou muitos jogadores por.
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Eu, em dez anos de carreira, doze, nossa, eu conheci 80.
000 jogadores no São Paulo, né? Contratamos cobras, uma estrutura boa, o estádio pronto, entendeu?
P - E o Paraná por exemplo era um jogador de muita raça.
Como é que.
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R - O Paraná, o Paraná era ótimo.
O Paraná jogava no meu time disparado.
Eu sou fã do Paraná, sabe? Quando ele veio pro São Paulo, 65, 64.
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Não me lembro bem, e ele, quando ele veio pro São Paulo.
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Ele era pequenininho, o Paraná, mas era valente, grande jogador, e grande amigo, entendeu? Ele e o Terto, meus grandes amigos.
P - Que grande jogador você viu jogar dentro de campo que não deslanchou, que não teve o sucesso que você, por exemplo, pudesse julgar que merecia? Teve algum grande jogador, assim, que por algum motivo.
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R - Olha, teve um goleiro no São Paulo.
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Eu acho que ele não teve o nome que merecia.
Pra mim foi.
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Eu achei dois goleiros do São Paulo, não sei porque eu me apego muito ao goleiro.
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Eu gostava de brincar no gol.
O Picasso e o Suly.
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P - O Suly jogou um bom período na década de 60, né?
R - Sessenta.
Pra mim era um grande goleiro, pra mim era quase que perfeito, como era o Picasso, entendeu? Mas não, não chegaram assim em seleção brasileira.
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Até um nome como.
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Um maravilhoso jogador, era pra mim, sabe.
Eu acho que esses dois, rapaz.
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Foi.
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Passou um monte pelo São Paulo.
Eu, e alguns, inclusive.
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Hoje a crônica escrita, falada, melhorou muito porque a da televisão, antigamente não tinha jogo direto, então era muito difícil realmente pro jogador aparecer.
Nós fazíamos excursões e às vezes os jogadores, e alguns desses rapazes que eu falei tinham atuações ótimas, mas aqui no Brasil ninguém ficava sabendo, porque só saía o resultado do jogo.
E nós, o São Paulo.
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Eu disputei alguns torneios .
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esse que o Palmeiras ganhou, colombiano, e.
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Contra a seleção da Rússia nós jogamos, Real Madrid, ganhamos, ninguém sabia, só no dia seguinte.
Então era muito difícil para esses jogadores que vinham do interior ou do Norte, do Nordeste, se sair bem logo de cara no São Paulo.
Claro, tiveram alguns que conseguiram de fama merecida e outros que tentaram, tentaram, mas não conseguiram, mas eram grandes jogadores, sem dúvida.
Eu não lembro também.
Mesmo se lembrasse também não ia dizer, seria até indelicado, mas realmente eu não.
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Passaram grandes jogadores.
A gente logo percebe quando o atleta que vem de um centro menor, por ele mesmo, pela maneira dele já se apresentar já nos primeiros dias.
A gente sente que esse daí terá menos problemas.
E tem outros que você nota que são bons jogadores, mas são meio inibidos, eles demoram pra deslanchar, e clube grande não tem muita paciência, sabe, os clubes grandes exigem resultados imediatos.
P - Você era um jogador clássico, que alguns até confundiam com lentidão.
Como é que você avalia o futebol hoje com essa coisa de movimentação, essa coisa da marcação sob pressão? Você seria o mesmo jogador hoje, aquele estilo clássico, você teria espaço pra jogar o mesmo futebol que você jogava antes?
R - É uma boa pergunta.
Eu não sei.
Honestamente, eu não sei responder.
Eu sei o seguinte, que eu vejo treinar muito os garotos, rapazes no júnior do São Paulo.
Eles têm um preparo físico excepcional, os profissionais treinam dois períodos, antigamente nós treinávamos só um período.
Eles treinam hoje dois períodos, máquinas que eles usam pra fortalecer isso e aquilo, pra ver gordura, pra.
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Nós não tínhamos isso, nossa.
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A gente jogava mais ou menos na raça.
É claro, tinha um acompanhamento médico todo dia.
No dia do jogo de manhã a gente fazia um pequeno teste pra ver se tinha condições físicas pra.
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Principalmente o coração, entendeu? Mas olha, particularmente, eu acho que me daria bem no futebol de hoje.
É claro que eu teria que me adaptar porque hoje em dia não tem muito tempo de pensar, justamente pelo preparo físico excepcional deles, mas eu acho que por outro lado, o jogador um pouco mais técnico também ele poderia se sair bem.
O Pelé hoje teria dificuldade pra jogar, mas claro que ele continuaria sendo o Pelé, o maior do mundo.
Mas ele teria mais dificuldades pra jogar hoje, porque a parte física hoje está em primeiro lugar e na época que eu joguei a parte física era muito importante, mas em primeiro lugar estava a parte técnica.
Eu acho que existem tantos bons jogadores hoje como no passado, e não vejo diferença no futebol, entendeu? Eu vejo sim a diferença no preparo, nas táticas, mas eu acho que o jogador brasileiro não mudou não, tecnicamente falando.
É tão bom hoje como era no passado, como foi bem no passado, mas bem lá atrás mesmo, acho que o futebol brasileiro, ele está evoluindo, evolui até na maneira de bater na bola, o tipo da bola, o tipo de chuteira, os gramados e tudo isso é importante numa partida de futebol, mas eu, particularmente, olhando bem, eu acho que eu me daria bem no futebol de hoje.
É isso aí.
P - Na sua época tinha muito lançamento, lançamento longo, hoje não tem espaço pra isso ou tem?
R - Hoje não tem muito espaço pra lançamentos, porque aí vem a falta de.
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O preparo físico, não adianta hoje lançar, os caras correm o campo inteiro dez vezes.
Antigamente era um jogador, um tipo de futebol mais cadenciado, entendeu? Os jogadores se pou.
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Não é que se poupavam, iam se desgastando aos poucos, hoje o jogador dá dez piques, continua.
É realmente.
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É o preparo físico.
P - Cafú jogaria no seu time da época?
R - Jogaria, jogaria.
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O Cafú jogaria.
Eu sempre gostei de jogador que.
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Habilidoso, sabe? E também eu gosto daquele jogador que ele sabe, "bom, eu posso, eu vou fazer isso bonitinho, não querer fazer mais do que ele pode", então.
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Agora, o Cafú realmente é um jogador completo, completo no sentido de.
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Ele faz tudo bem, sabe? O Cafú, ele faz tudo bem.
Ele ataca, ele avança, ele chuta e cabeceia.
É claro que todos fazem isso, mas ele faz de uma maneira correta.
O Cafú pra mim é um excelente jogador.
P - Então na sua seleção ele seria titular?
R - O Cafú? É difícil, viu, porque aí teria que escalar uma de antigamente, uma mais ou menos.
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Uma de agora.
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P - A seleção brasileira de hoje, ele jogaria?
R - Sem dúvida nenhuma, jogaria.
Cafú seria titular e eu colocaria.
Apesar de eu achar que.
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Olha, eu acho o Jorginho do Bayer agora um excelente jogador, mas excelente jogador mesmo.
Mas não acho o Cafu inferior não, acho que o Cafú tem lugar na seleção brasileira sim, sem dúvida.
P - Dias, você era um jogador de defesa que fazia gols.
Eu queria que você contasse a emoção de se fazer um gol.
O que você sentia quando fazia um gol?
R - É, eu era um jogador de meio de campo, que depois recuei pra zagueiro, mas eu sempre fiz gol porque eu cobrava falta e pênalti no São Paulo, no início de carreira, logo depois.
Em jogadas mesmo eu não fiz muitos gols.
Fiz alguns gols, mas eu quando fazia gol, sei lá, eu me perdia, eu me descontrolava.
É um momento de êxtase, de.
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Olha, não sei se cabe a palavra, sei lá, vou falar, mas acho que é o orgasmo do futebol, sabe? A pessoa se descontrola.
Você vê, atleta, eles fazem cada coisa que é, sei lá, pedir pra ele fazer amanhã ele morre de vergonha ou ele não tem coragem ou qualquer coisa.
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Mas é.
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É uma.
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Eu fiz alguns gols, gol contra o Palmeiras, Morumbi lotado, um gol de falta no Leão.
Eu não sabia se corria, saltava.
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Eu lembro bem desse gol porque foi logo na minha volta, que eu fiquei dois anos parado.
Eu fiz um gol no Leão de falta.
Eu não sei se corria, saltava, eu sei que na hora "H" pisei no pé de alguém, gritavam e eu fiquei preocupado, também queria comemorar.
Você olha a torcida, aquela gritaria, sabe? É um.
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É uma coisa que realmente é incontrolável, sabe? Sabe é incontrolável e admiro muito o Viola que tem aquela frieza de comemorar o gol naquele estilo homenageando "a"," b", "c", e alguma coisa, uma cultura, alguma coisa.
Eu acho maravilhoso, eu acho.
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Dou os parabéns pra ele, porque realmente naquele instante do gol a pessoa lembrar de homenagear alguém, de fazer alguma coisa.
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Porque eu realmente, eu fico um bobão, sabe? Eu fico.
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Perco o controle, entendeu? Eu realmente quando fazia gol, eu era meio bobão.
P - O que você faz na vida hoje, Dias? Você trabalha com quê?
R - Eu não trabalho, eu.
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Eu trabalho, quer dizer, no São Paulo com a filha dos sócios, nós temos.
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Eu trabalho no COE - Centro de Orientação Esportiva.
O São Paulo a partir dos sete anos, ele tem também a recreação infantil, a partir dos quatro anos.
Os filhos dos sócios, eles praticam duas vezes por semana uns seis, sete, oito esportes: natação, basquete, atletismo, vôlei, judô.
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Eles vão até os dez anos.
Quando eles completam dez anos, eles têm que optar por um esporte, ajudado pelo professor, que nós somos em doze, quatorze lá, né? E a gente encaminha ele para uma escola, e ele sobressaindo, conseqüentemente, nós podemos até encaminhá-lo até a parte competitiva.
Além de ser um trabalho recreativo, em tese, é recreativo também, mas eu, por exemplo, na escolinha que eu e o Terto, esse antigo jogador, nós tomamos conta, eu não quero ensinar, eu não quero não.
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Aliás, ninguém pode ensinar o garoto a jogar bem não.
Eu quero ensinar ele a jogar, agora, ou bem ou mal é um problema dele, é um problema da própria pessoa.
Claro que você pode tirar defeitos, ensinar alguma coisinha, mas é um problema dele jogar bem ou mal.
E nós temos grandes, talvez futuros atletas no São Paulo.
É um trabalho excepcional que o São Paulo faz, sabe? Essa.
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Esse tipo de trabalho.
Fora a parte competitiva que também o São Paulo tem, inclusive, tomam conta Nelsinho, Babá, que também são ex-jogadores do São Paulo.
O Murici, então, é uma família de são-paulinos e procurando tudo se voltar para o garoto, pra, quem sabe, o futuro atleta, né?
P - Você acha que pro futebol o jogador nasce feito ou ele aprende? Assim, futebol também se aprende na escola?
R - Ele nasce com o dom, o dom de jogar.
Agora, ele tem que aprender a aproveitar.
É como um boxeador, né? Eu acredito que o atleta é como o boxeador.
Ele.
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Ninguém vai ensinar ele a lutar, o soco, a força, a ginga, mas vai aprimorar, sabe.
Acho que é a mesma coisa no futebol.
Aprimora, porque se me pegar um garoto de dez anos, ele vem treinar no São Paulo.
Eu dificilmente erro.
Eu não erro.
É claro que existem exceções, e aquele que é mais ou menos, pode e não pode, mas você logo nota aquele que tem condições e aquele que não tem condições.
Parece muito cedo dez anos, mas aos dez anos a gente já tem uma.
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Claro, pode.
Esse menino que você acha que não, esse talvez, pode ser que ele dê um atleta.
Eu quando jogava futebol.
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Eu jogava.
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Eu joguei, mas meu irmão na várzea era melhor jogador que eu, era mais considerado.
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Na hora da prática do futebol profissional eu segui, ele parou.
Eu não sei o motivo, eu não sei.
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P - E o Juninho que esta aí no time aos dezenove anos?
R - Excelente jogador.
P - Esse vai ou não?
R - Vai, vai, ah vai.
Excelente jogador, é muito bom, corajoso.
Apesar da sua pequena estatura, mas eu não meço o jogador pela força, porque eu também.
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Eu acho que teve um cara resistente.
Quer ver um cara que não é forte? O Cafú.
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O Cafú é um cara resistente, ele dá cada trombada com cada grandão.
O cara cai, ele fica.
É a maneira, é o tipo.
Eu era baixo pra jogar de quarto-zagueiro, mas eu dava trombada nos caras grandões, mas no momento certo.
Às vezes o grandão caia, eu ficava.
Eu me achava o super-homem, mas não era bem aquilo, é no momento.
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A tal da.
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Todos nós temos força oculta, né? Eu acho isso um exemplo.
Eu não aguento levantar nem um pé estou cansado por algum motivo, sei lá, não faz isso.
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Se eu vejo um cara dar um tapa num dos meus netos, ele vai brigar umas cinco horas comigo, eu vou aguentar, entendeu? Então, eu acho que todos nós temos a famosa força oculta.
E saber aproveitar no momento certo, aproveitar com inteligência.
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P - Você é uma pessoa religiosa, Dias?
R - Sou muito religioso.
Não vou em igreja.
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Não é que não vou à igreja, há muito tempo que eu não frequento igreja, mas gosto, admiro, já frequentei espiritismo.
É espiritismo e catolicismo.
Frequentei muito igreja.
Antes de rezar eu.
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Antes de dormir eu rezo pra tudo, eu fico bem lá, bem aqui, eu vou.
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No global, mas sempre acreditando que esse global se resume no nosso chefe lá em cima, né?
P - Os seus problemas da sua vida, você resolve por si, ou você resolve com.
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R - Ah eu resolvo.
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Resolvo.
Não conto pra ninguém não.
Eu não.
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Eu resolvo eu mesmo espiritualmente.
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Eu não conto meus problemas.
Sou muito egoísta nesse sentido.
Não gosto muito de sofrer quieto e nem calado e nem sozinho, mas eu não passo problemas pros outros não.
P - Como que foi se separar pra você, Dias?
R - Foi.
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Foi ruim.
Uma fase ruim.
É, foi o ano de 79.
Divergências, problemas.
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Nós nos separamos, mas eu não tive muitos problemas, porque eu continuei a conviver com as minhas duas filhas, ficaram morando comigo, né? Tinha.
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Sessenta e sete, sessenta e nove.
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Uma tinha nove anos, outra sete, seis anos, então elas ficaram comigo, mas foi justamente o ano que eu parei de jogar.
Então eu tive problemas financeiros, problemas de convivência.
Eu parei.
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Parei de jogar .
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cê tem tudo, de repente para tudo e o casamento desfeito, então foi uma barra bem pesada, mas graças a Deus minhas filhas hoje.
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Na faculdade, a outra já está para entrar na faculdade, dois netos maravilhosos.
Então, eu acho que elas pegaram o caminho do bem, sabe, eu acho que foi ótimo.
P - Dias, bom.
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pra gente ir tentando concluir aqui a.
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Porque eu queria saber se você pudesse mudar alguma coisa nessa sua trajetória de vida, você mudaria alguma coisa? E o que seria?
R - Não, tanto na vida profissional, ou em casa mesmo, familiar.
Não, eu não mudaria nada não.
Eu acho que as coisas acontecem porque há um dedo em tudo isso, sabe? Eu penso assim.
Eu, por exemplo, eu perdi dois filhos, inclusive o meu primeiro filho, que eu perdi.
Logo depois perdi minha mãe, questão de um mês, talvez ela tenha tido problemas com a morte do nenê também.
Meu sogro, também na época faleceu, um dia após.
Eu tive três falecimentos na família, foi muito violento, depois a outra menina.
Eu acho que tudo isso tem um consentimento.
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O dedo de alguém.
As coisas têm que ser assim, sabe? Claro que nós podemos mudar, você pode mudar o curso de alguma coisa, eu acho que sim.
Eu não acredito em destino: "você vai sair daqui, vai.
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".
Não, claro que eu vou sair daqui, chegar lá, agora esse trajeto aqui eu que vou falar, eu que vou decidir, eu que vou.
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Entendeu? Mas eu acho que tudo tem um porquê, eu não mudaria nada, não tentaria mudar nada.
Só que depois de uma certa experiência que eu tenho, eu deveria, eu mudaria talvez a minha própria cabeça e se pudesse a cabeça dos outros.
Nós temos que, o homem, em um sentido geral, o ser humano, nós temos que ser mais compreensivos, temos que ser menos violentos, sabe? Compreender, que eu falo, é saber perdoar, mesmo que a coisa tenha sido feita a propósito.
É saber perdoar e tentar ajudar, porque eu acredito muito.
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Eu tenho um mandamento, meu mandamento é o seguinte: claro, primeiro amar a Deus sobre todas as coisas e amar a família, e o meu segundo mandamento é não fazer pros outros o que não quero que me façam.
Seguindo aí, se resume, na minha opinião é claro, eu sou um leigo nisso, mas se resume tudo pra mim, porque eu não vou roubar ninguém, eu não quero que me roubem, eu não vou desejar a mulher do próximo porque eu não quero que desejem a minha, e por aí vai, então é não vou fazer pros outros o que eu não quero que me façam.
Sei lá, eu não.
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Eu não gosto de gritar com os outros, eu não gosto que ninguém grite comigo, então eu não grito com ninguém, sabe? Eu não gosto de bater em uma criança, por exemplo, quem quer que seja.
Vamos dizer, eu não gosto, de bater no meu neto.
Quando eu vejo alguém bater numa criança, eu fico louco, sabe? Eu não vou maltratar animal, eu não gosto.
Quando maltratam um animal, eu fico louco.
Então eu não faço, eu procuro seguir.
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Eu não gosto de fazer nada que eu não quero que façam.
Então, é esse meu princípio de vida.
E respeitando a família, amar aos filhos, aos netos agora.
Eu acho que tem que amar muito a família.
O conceito família tem que voltar a ser o primeiro, a primeira coisa que vem na cabeça do homem, respeitar e amar a família.
P - Você acha que foi importante Dias, você ter registrado, assim, a tua trajetória de vida pro Museu do São Paulo?
R - Ah, foi muito importante sim, eu estava louco pra falar.
Achei ótimo, eu cheguei meio desconfiado, não desconfiado no sentido.
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Eu cheguei assim: "puxa, o que será?".
Mas conversando com a moça aí, ela me explicou o porquê.
Maravilhoso o trabalho que vocês fazem pra ficar gravado.
E com perguntas muito simpáticas, muito boas, que dá.
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Eu estou à vontade aqui.
Eu já frequentei muitas passarelas, como a gente fala.
Eu já tive muito.
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Dei muitas entrevistas, mas a gente sempre tem uma pontinha.
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Fica meio retraído e tal, e realmente aqui eu me senti à vontade, na casa de um amigo e vai dar tudo certo pra vocês, esse trabalho maravilhoso, e um dia eu gostaria de ver, viu?
P - Está à disposição!
R - Tá bom!
P - Muito obrigada, viu Dias.
R - Que é isso, eu que agradeço! Muito obrigado pelo.
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Pelo convite, tá?
P - Tem alguma coisa que você gostaria de dizer que não disse? Que você gostaria de concluir?
R - Não, não.
Eu gostaria só de parabenizar todos vocês pelo trabalho e realmente o São Paulo está fazendo uma coisa boa e que esse trabalho aqui se expanda pra outros clubes, porque é muito importante pra nós, atletas.
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Eu, quando alguém passa na rua, claro, velhinhos, os novos não conhecem: "ó o Dias".
Pô, eu fico tão contente! Então, é muito importante no amanhã apertar um botãozinho e ver mais ou menos a minha vida.
Então eu quero parabenizar vocês, me coloco à disposição e o que vocês precisarem de mim ou de alguém do São Paulo.
E transmito também um abraço do São Paulo pra vocês, do nosso departamento COE.
E o que precisar de mim, eu "tô" à disposição e, mais uma vez, muito obrigado! Desculpe alguma coisa, alguma coisa que eu não tenha me explicado bem ou.
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Eu não sou muito de falar, hoje que eu "tô" exagerando! Muito obrigado, viu?
P - Obrigada.