Entrevista de Juliana Oliveira Junqueira de Aguiar
Entrevistadoras: Paula Ribeiro / Fernanda Vieira Alves de Andrade
09/08/2021
Realização: Museu da Pessoa
Projeto: Mulheres da Maré Dignidade Resiliência e Arte
Entrevista MDRA_HV005
Transcrição revisada
00:01:07
P/1 - Bom dia Juliana.
R - Bom dia.
P/1 - Muito obrigada por ter aceitado participar do nosso projeto de pesquisa concedendo um depoimento sobre a sua história e trajetória de vida e experiências de vida como musicista. Eu vou começar então o seu depoimento solicitando que você por favor me dê seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Me chamo Juliana Oliveira Junqueira de Aguiar, tenho 23 anos, nascida e criada no Rio de Janeiro, Complexo da Maré.
00:01:49
P/1 - E a data certinha do nascimento?
R - 05/03/1998.
00:02:00
P/1 - Você conhece a história do seu nome, Juliana?
R - Sim, não tem uma história muito emocionante, mas meu nome não seria Juliana, meu pai escolheu por conta de cosmologia mesmo, ele viu que o meu nome tinha a ver com o planeta Júpiter, e ele ama esse planeta e ele botou em homenagem a um planeta, e também sobre significar ser jovem, tem a ver com isso e também com os planetas. Engraçado eu falando agora ficou meio assim, mas essa é a história.
00:02:46
P/1 - Bonita, os pais homenageiam e pensam muito sobre os filhos. Você tem apelido?
R - Ju. Ju é o apelido é só isso mesmo, Ju.
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P/1 - E sobre os seus avós, você poderia contar um pouquinho, sobre um avô materno, um paterno, se você conhece um pouco a história deles, a origem da família, por favor.
R - Sobre os meus avós, eu não tive acesso aos meus avós porque eles faleceram antes de eu nascer, eles faleceram ainda quando os meus pais eram jovens, meus pais são deficientes, meu pai é deficiente visual e minha mãe é deficiente física e se juntaram, mas os pais dos meus avós eles morreram quando eles ainda eram crianças 06 anos, 07 anos então nem meus pais tiveram esse amor materno e paterno, foi bem complicado, eu acho que por ter tido essa complicação eles tiveram uma criação incrível, assim conseguiram criar 3 filhos nesse ambiente de forma muito bonita, teve muito acolhimento, e hoje em dia eu até escuto minha mãe falar, “olha eu sinto falta de amor de mãe que eu não tive” e eu falo que eu não sei o que é ter avó, avô, eu não sei mesmo como é ter, e eles perderam também muito cedo, muito cedo. Então eles aprenderam com a gente, a gente aprendeu com eles, a gente foi se nutrindo ali.
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P/1 - E sobre a origem, você sabe se eles são do Rio de Janeiro, de outro estado?
R - Meus avós sim, são do Rio de Janeiro até onde eu sei, inclusive depois de amadurecer um pouco, hoje eu tenho 23 anos e eu busco muito saber a história da minha própria família, buscar um pouco a minha própria ancestralidade, saber da onde eu vim e qual é o meu rosto, e a pouco tempo eu descobri que eu pareço muito com a minha avó, com a mãe do meu pai, idênticas a gente é muito parecida, e eu tenho tias avós vivas que me contam histórias, então até onde eu sei é todo mundo do Rio de Janeiro, ninguém de fora.
00:05:16
P/1 - E dos seus pais, se você puder por favor dar o nome completo deles?
R - Meu pai se chama Luiz Cláudio Junqueira de Aguiar, ele tem 50 anos, e minha mãe se chama Cássia Fonseca de Oliveira, ela tem 47 anos.
00:06:05
P/1 - No caso eles nasceram também no Rio?
R - Meus pais eles nasceram e são cariocas, nasceram no Rio, também são de zona periférica, favela, suburbano, meu pai ele foi criado com avó, minha mãe também foi criada com a avó, minha mãe foi criada no morro, meu pai foi criado no Engenho Novo, não é bem favela, mas periferia e ambos criados por avós, então de novo não tiveram, não sabem como é ter pai e mãe, e eles se conheceram no baile charme, inclusive eu amo dançar meus pais se conheceram em um baile Charme, meus pais dançavam em baile, se conheceram lá e moraram juntos aqui na Maré, vieram morar aqui na Maré, em uma época que eu acho que estavam escolhendo tipo casa, como é que se chama? Eu esqueci o nome, mas eu lembro que eles colocavam o nome para poder ter uma casa aqui na Maré, em fase de construção. A Maré tinha acabado de sair daquela zona Maré literalmente, e estavam construindo casas e meus pais colocaram o nome deles, e até hoje eles moram no mesmo lugar, é casa própria deles. Fui criada nesse lugar e eles moram juntos já faz uns quase 30 anos juntos, criaram 03 filhos no mesmo lugar, tem toda uma raiz ali.
00:07:52
P/1 - É muito interessante você falar desse processo de vinda deles para Maré, você saberia dizer, são mais ou menos 30 anos atrás você acha que eles moram aqui na Maré?
R - Eles moram aqui na Maré mesmo tem uns 25 anos, uns 26 que eles estão na Maré, que é quase a minha idade, eu tenho 23, tem uns 25 anos que estão na Maré.
00:08:21
P/1 - Em que local da maré?
R - Conjunto Avenida Bento Ribeiro Dantas, que é um conjunto de casas, que inclusive esse conjunto é pequenininho, lá é um conjunto bem pequenininho, e aquele espaço foi planejado pelo governo se eu não me engano, então é bem organizado. Esse espaço ele foi criado pelo Governo, então é um espaço bem organizado, esse espaço por ser menor não tem por exemplo, lá eu não vejo essa movimentação que é aqui, lá é mais tranquilo, mais silencioso, é um lugar bem disputado, todo mundo na hora quer morar lá por ser menor e também por ser organizado.
00:09:31
P/1 - E você falou um pouco de ancestralidade. Podia falar um pouco dessa origem familiar, ancestralidade e questão de religiosidade. Qual era a religião da família? Vocês mantêm?
R - Quando eu era criança, minha mãe frequentava muito candomblé e a umbanda, minha mãe, minha tia. Há pouco tempo eu descobri através das minhas tias avós da parte do meu pai que elas também são, e na época eu era criança então...a gente sabe o tempo que a gente vive, a gente é perseguido por ser negro e por ser umbandista, por ser candomblecista e na época eu tinha uma ideia, eu era criança, então via meus amigos falarem muito mal de umbanda, de candomblé e então eu tinha muito medo, e eu julgava muitos meus pais, meu pai nunca foi de religião, mas minha mãe ia e eu julgava muito a minha mãe por isso, e com o tempo que engraçado, minha mãe foi perdendo essas práticas religiosas, e isso foi, começou a focar em mim, parece que a vida falou, (“olha, tem alguém ali da família precisa seguir alguma coisa”) e eu fui premiada, e eu cresci tendo essa sede, eu acho que faz uns 02 anos que eu tive esse despertar, e olha preciso saber quem eu sou, preciso ir de encontro as minhas origens e não é só pegar história, abrir um livro e saber da da minha etnia e tudo mais, mas eu preciso ir através da minha família, e aí eu busquei pelas minhas tias avós da parte do meu pai que ainda estão vivas, lindas como era, como é que elas chegaram lá, quem era a minha avó, ela gostava de música clássica, meu pai contava isso assim, “olha que interessante sua avó, escutava música clássica e você toca instrumento”. Então tudo isso eu já fiquei, nossa, que legal! Eu toco um instrumento erudito, minha avó escutava, e aí eu vi ela, ela é bem parecida comigo. Há pouco tempo mesmo que eu busco a história da minha própria família, para poder me entender porque é muito difícil, tive muitos processos para chegar aqui hoje e poder falar sobre ancestralidade, eu ainda não estou podendo falar muita coisa porque é recente essa minha busca, mas isso já tem me formado.
00:12:01
P/1 - Você falou sobre a questão do medo, que os amigos comentavam sobre uma certa percepção das pessoas que eram ligados a umbanda e o candomblé? Você pode só falar mais um pouquinho sobre isso? Qual era a fala sobre isso? Qual tipo de preconceito, ou estigma havia nesse momento?
R - Eu estudei no Brizolão, eu passei toda a minha infância ali, meu Fundamental inteiro foi em um só colégio, Vicente Mariano, na Baixa, e eu tinha muitos amigos brancos, e eu era meio esquisitona do negócio do rolê. Eu era bem socialmente estranha, mas eu tinha uns amigos e esses amigos eram brancos, eu tinha muita amiga branca e eu sofri não só da parte da religião, mas teve coisas da minha mãe, da minha mãe ir na escola, minha mãe é deficiente física, então na época as pessoas não tinham muito essa noção de respeito. Quando tinha reunião de pais, alguma coisa assim para apresentar para os pais, eu passei um tempo tendo vergonha da minha mãe por conta dos meus amigos, porque eles faziam muitas perguntas. “Ah, como é que a sua mãe ficou deficiente? Como é que essa mãe é assim?” Sobre a religião nunca foi nada muito explícito, na época ninguém falava sobre isso, minha mãe também nunca expressou o que era, então eu não tenho muito de religião, mas tenho de preconceito, de racismo principalmente com os meus pais. Então, eu sofri bullying também na escola, e os amiguinhos perguntavam para mim por que que ela era assim, por que meu pai só tinha um olho, e às vezes eu não sabia falar apesar dos meus pais sempre contarem as histórias deles, mas eu ficava meio assim porque eu não queria mais, eu não queria, eu só queria que as pessoas me vissem como alguém normal, não como alguém que tem pais deficientes, eu usava já trança, minha mãe fazia trança no meu cabelo, então era aquela criança negra bem raiz, eu ia fazer a trança, botava miojinho, sempre deixando claro a nossa negritude, e na época para mim isso não era fácil, eu julguei muito os meus pais, por conta dos amiguinhos, cresci até a pouco tempo até os meus 16 anos, 17, eu ainda estava meio assim. Na escola eu ouvi muita coisinha de amiguinho tipo - (porque que seus pais são assim? Por que você usa esse cabelo? Esse cabelo é real? Isso aí lava). Essa é a clássica! - (isso lava? É cabelo de boneca?) enfim...inúmeras coisas e meus pais sempre estiveram nesse meio.
00:15:10
P/1 - História de família bonita né? A presença do pai da mãe é sempre com vocês. Você falou da escola, mas eu vou voltar um pouquinho, se você puder rememorar um pouco seu período de infância. Como era a casa em que você morava? Me fala dos seus irmãos, por favor. Se havia alguma tradição de comida, por exemplo, em casa, do que vocês brincavam?
R - Os meus pais, eles sempre...essa coisa dos meus pais sempre resgatar a negritude é uma das coisas que eu, cara, eu bato palma assim, porque quando tu estava pegando fogo sabe? Meus pais estavam ali “ ó, sou negro, a gente faz nossas coisas aqui, escuta música de preto e é isso, a gente é isso!” Então eu sempre admirei meus pais por terem essa coragem, eu nunca vi eles tentando embranquecer as tradições que eles mesmos criaram como casal e que quando a gente foi nascendo, né? E eles mantiveram, até hoje se for lá em casa, se os meus amigos forem lá em casa eles vão ver, (“caraca isso ainda tá né?”). Meus pais têm o costume de ouvir música alta, de relembrar sempre aquela época do baile, do baile charme e isso é vivo até hoje lá em casa, a gente gosta muito de fazer, de estar juntos, de sair juntos. Eu sou a filha mais velha, 1 ano depois minha irmã nasceu.
P/1 - Qual o nome dela?
R - Fabiana Oliveira Junqueira de Aguiar. Fabiana, ela tem 22 anos, ela é 1 ano mais nova que eu, e meus pais eles contam, contam a lenda que meus pais quiseram me dar uma irmãzinha porque achou que eu era sozinha, só que eu cresci e falei, “não precisava, né? Não precisava, né?” Mas eles falam que achava que eu era uma pessoa, uma criança muito sozinha, um bebê muito sozinho e pronto, Fabiana, e minha mãe sempre fala que eu tinha essa coisa de cuidado ao próximo desde pequenininha, ficava ali com a Fabiana, preocupada e eu com 1 ano de idade preocupada com a minha irmã. Lembro que o meu primeiro ano, tem até foto disso, meu primeiro ano a minha mãe tinha acabado de voltar do hospital porque minha irmã nasceu dia primeiro de março e eu faço aniversário dia 05 de março, então minha irmã nasceu, minha mãe está lá toda costurada batendo parabéns, fazendo o meu primeiro aninho, então minha mãe estava lá firme e forte, batendo parabéns, fez bolinho, teve amiguinho. Por muito tempo eu e minha irmã, a gente fez aniversário juntas. Meus pais, eu sempre digo isso ‘gosto de uma individualidade’, mas a minha mãe, meus pais sempre, “ó vamos fazer junto, vamos emendar o aniversário” então eu e minha irmã, a gente sempre fez aniversário juntas, bolinho, festa qualquer coisa juntas, e depois de um tempo, 2003, meu irmão veio a nascer, maravilhoso, lindo, hoje ele tem 18 anos. Eu por muito tempo, até hoje eu tenho um negócio assim com meu irmão muito forte, a gente se cuida muito, eu até falo que a minha relação com meu irmão é muito mais forte do que com a minha irmã, ele é meu bebê, eu falo assim “pode ter 300 anos que vai ser meu bebê para sempre”, tenho muitos ciúmes dele também, eu e minha irmã tem uma relação muito bonita, a gente se conecta firme assim é onde eu posso ser vulnerável e ele também, sabe? Sem julgamentos, só abraço e choro, mas eu e minha mãe a gente tem uma relação muito bonita, minha irmã também, todo mundo da família, e conforme a gente foi crescendo, eu tive uma criação muito...eu falo assertiva, porque meus pais sempre falaram para mim, (você vai ter o tempo para tudo, calma, você vai ter, você vai chegar em uma idade que você vai poder fazer isso, você vai chegar na idade que você vai poder fazer aquilo, escuta o que eu estou falando), e eu achava até pouco tempo que eu era uma pessoa tranquila, uma criação tranquila, só que meus pais, “ô Juliana olha...”, na adolescência, era meu Deus! Mas a minha mãe fala que eu fui um bebê muito tranquilo, eu fui uma criança muito tranquila, nunca dei trabalho para os meus pais de forma nenhuma, assim, de ir na escola, porque eu briguei, nunca teve isso, eu sempre fui uma criança muito tranquila. Tive uma infância muito boa, hoje eu agradeço muito meus pais, porque se não fosse eles, eu estava perdida.
00:20:02
P/1 - Você pode falar um pouquinho assim. Como é que era a casa? Havia uma vizinhança? Você falou de um irmão, como é o nome dele? E se havia uma diferença entre educação das meninas e do menino?
R - Lucas Oliveira, posso falar só Lucas? É o mesmo sobrenome. O nome do meu irmão é Lucas, e a casa que a gente morava não é pequena, mas também não é grande, eu dividia um quarto com os meus irmãos.
00:21:21
P/1 - Estávamos falando do período da infância. Memórias sobre a casa, o ambiente, as brincadeiras, por favor.
R - A gente tinha inicialmente uma beliche, porque meu irmão era pequeno, e aí meu pai comprou uma treliche quando ele cresceu, ele tinha costume de dormir com a minha mãe, com meu pai, eu e minha irmã a gente sempre dormiu no quarto, apesar de eu ter muito medo, eu tinha muito medo daquele quarto, mas meu irmão depois cresceu, meu pai sentiu necessidade de uma treliche, com certeza para o meu irmão sair do quarto dele, e aí meu irmão passou a dormir no quarto comigo e com a minha irmã, e a gente passou um bom tempo dividindo o quarto. Depois a gente foi crescendo, né? Enfim, eu lembro que eu usava da sala o meu espaço de dança. e eu dançava, e meus pais perceberam que eu gostava muito de dançar, não sei o que, eles dançavam hip-hop também, então foi uma coisa do tipo (pô minha filha está seguindo o mesmo caminho dos pais, e vamos fazer alguma coisa) e aí eles falaram “Ju tem o Museu da Maré que é pertinho assim da nossa casa, tem o Museu da Maré lá tem dança, tem street dance, você poderia fazer. vai ver, vamos lá ver se você se interessa” - e eu gostei muito, eu me apaixonei só que eu saí porque eu tenho problema em lidar com dificuldades, quando eu vi que estava muito difícil, já estava mudando de nível ali eu falei - pai não quero mais, eu tchau não sei lidar com isso aqui, eu não quero. E aí ele disse, “está bom, você não quer”, eles sempre foram assim. Meus pais “você não quer, está tudo bem, aí pensa lá na frente”, sempre assim, sempre respeitaram as nossas escolhas, nunca nenhum dos 3 passou por isso, aí eu não fiz a dança e 1 ano depois eu conheci a Orquestra, mas eu fazia da sala o meu espaço de dança eu lembro que com 10 anos, 09, 10 anos eu colocava vídeos, meu pai sempre gostou de DVD de hip-hop, ele até fazia alguns e a gente tinha uma estante enorme de DVD de música, ano 2000, anos 80 e tudo tem a ver com R&B, hip-hop em si estava lá, e eu me espelhava muito. Eu comecei a dançar, a criar coreografias e também a dançar a coreografia que eu gostava. Gostei de uma coreografia, estava fazendo, e meu pai sempre admirou muito isso, estava na cara dele que gostava disso, e isso foi passando. O que eu acho bem interessante, muito legal é que o meu irmão depois de um tempo me observando ele era bem novinho, hoje em dia ele dança. Hoje em dia ele sabe dançar, ele nunca fez aula, nunca fez nada, mas por conta de eu ter tido essa experiência, ter botado isso dentro de casa, o meu irmão hoje dança, ama a dança também, apesar dele jogar bola, ele ama dançar e ele começou a se espelhar em mim, começou a se ver em mim e aí que entra a nossa conexão forte, e a minha irmã também dança, mas de gingado mesmo eu e meu irmão.
00:24:50
P/1 - Você falou do seu pai, da sua mãe, do charme, do hip hop. Você lembra, eles iam a bailes? Aqui na Maré tinha baile? Quem eram as bandas que eles ouviam, ou algum cantor? Tinha algum ídolo deles, que eles comentavam?
R - Nossa. Sim, meus pais sempre saíram e meus pais são bem, apesar da idade eles são bem jovens, meus pais nunca deixaram de sair por causa de filho, ah filho é um amiguinho ali, umas amiguinha, sempre foi assim, a gente nunca teve problema com isso, mas somos até filhos desapegados porque meus pais sempre saíram, filho nunca prendeu eles, dava para levar levava, quando não dava não dava, mas meus pais nunca deixaram de ir para bailes, a eventos, mesa de samba, minha mãe que gosta mais, meu pai sempre foi do lado do hip-hop e eu lembro que eles foram para Madureira uma vez. Nossa, essa história é surreal! Eles foram para um show de um cantor de R&B, e Brian Mcknight eu acho que esse é o nome dele, teve um showzão lá no Parque de Madureira, eles foram, do nada chegam em casa com uma guitarra, eu não sei se era guitarra ou se era um baixo elétrico, mas era um dos dois, que eles pegaram do morador de rua, eu fiquei...deram para o morador de rua e eles pegaram. Ele, “Juliana, isso aqui é do Brian Mcknight”! - Vocês precisam disso? “Vamos decorar, vamos botar”, idealizaram o negócio e no final doaram. Eu fiquei gente, como assim! Mas eles sempre vão e sempre voltam com uma pérolazinha, uma história muito louca, e a filha não é diferente, minha mãe é uma peça literalmente, e enfim esse tipo de coisa acontece com frequência.
00:27:01
P/1 - Qual é a profissão do seu pai? Seu pai trabalha com o quê? Como é que era um pouco essa vida, para gente encerrar o período da infância né? Quer dizer, esse viver, era uma casa alegre, tinha muita dança. Como é que era o cotidiano? O que sua mãe cozinhava, tinha uma comida de origem familiar, só para gente conhecer um pouco mais esse viver.
R - O meu pai é federal, funcionário federal. Meu pai trabalha na UFRJ, ele começou com xerox se eu não me engano, ele fez concurso público e começou com xerox, e foi crescendo, foi crescendo, ele tomava conta de laboratório de computação, ele ficava lá, ele mexe em computador, ele sabe consertar, sabe fazer tudo, e aí meu pai é federal, minha mãe na época não trabalhava, então a minha mãe ficava com a gente, minha mãe é multitarefa ficava com a gente, arrumava casa, dava um jeito de botar a gente para dormir, para arrumar a casa, então eu lembro muito disso, minha mãe também deixava a gente...ela fazia isso com muita frequência de deixar a gente com uma vizinha que eu morria de medo, e ela saia para resolver as coisas dela e deixava a gente com vizinhos, mas a minha mãe ela criou a gente ali, ok. Meu pai chegava tarde, sempre com algum lanche, alguma coisa legal para gente comer, e a pouco tempo até por estar ali buscando sobre a minha história e tal, falei - pai como é que era vocês? A minha mãe falou “Juliana não era fácil, seu pai trabalhava um pouco mais para poder ter dinheiro para fazer isso e aquilo, para poder botar comida aqui” - e na minha cabeça quando criança assim, eu via tudo aquilo, achava até que eu era burguesa, porque quando eu ia para escola eu tinha, não é nem reflexo, mas eu olhava que a situação de outras crianças eram totalmente diferentes da minha. Então, eu falava, “pô, sou um pouco aqui privilegiada”, calma aí, tá? Tem alguma coisa acontecendo. Então, quando eu perguntei, eu não sabia das dificuldades que ocorriam quando eu era criança. Então, minha mãe veio contar isso agora, depois que a gente cresceu, que eles passavam por uma dificuldade e isso nunca, nunca assim eles nunca falaram sobre isso com a gente enquanto criança. Então a gente não tinha esses problemas financeiros, e na nossa cabeça era tudo tranquilo, sabe? Meu pai nunca deixou de estar presente na nossa vida, minha mãe também não, a gente é muito unido. Eu lembro que meus pais tinham...a minha casa sempre foi muito cheia de pessoas, visitantes, de amigos, meus pais têm muito prazer em chamar os amigos para poder beber, para poder dançar. Eu lembro muito que todo mundo que a minha mãe conhecia, que meu pai conhecia, os amigos deles dançavam, porque eles se conheceram em época de baile, de baile Charme, então eles conheceram muita gente, e meus pais recebiam muitas pessoas na casa deles, eles tinham muitos amigos, tinha uns mais íntimos, moravam próximos ali...
00:32:03
P/1 - Você conhece os nomes?
R - Não lembro eu era muito novinha, mas muita gente também foi perdendo o contato, e meus pais sempre foram muito rodeados de pessoas, minha mãe ama receber gente e fazer comida, meu pai ama uma bebida, então ele enchia o freezer de bebida e às vezes não cobrava sabe? Eles são muito assim, não sobrava nada, não a pessoa ia chegando, “vem comer, vamos vamos beber, vamos dançar, vamos se divertir”, sempre foi essa animação lá em casa, minha casa sempre foi muito agitada, meus pais sempre escutaram música muito alta, acredito que a vizinhança não goste muito disso, mas eles também são muito amados pelos vizinhos. As pessoas respeitam muito os meus pais, contam histórias também, coisas que eu não sei, eu era muito criança, “ah quando você era pequena acontecia isso. Como você cresceu. Como você está grande”. Então tem vizinhos que estão lá desde que eu era pequenininha, outros que se mudaram. Eu lembro que os meus amigos eram filhos dos amigos dos meus pais, então a gente sempre brincava ali. Minha mãe contou também a pouco tempo que a gente, eu e os meus irmãos e até os filhos dos amigos sempre foi muito tranquilo, a gente não perturbava, então a gente ficava sempre na vila, a gente mora na vila, eles ficavam na porta de casa no mesmo horário, 17h00 botava as cadeiras do lado de fora, chamava os vizinhos para bater papo, comprava uma cerveja, minha mãe fazia algum tira gosto, ela sempre separava, fazia um tira para os adultos e falava “compra um biscoitinho ali. Quer miojo?” Mas a minha mãe sempre teve esse negócio de comprar para os adultos, mas também para as crianças, sempre teve isso, nunca faltou, então a gente ficava sempre muito tranquilo, a gente brincava muito na varanda, enquanto os adultos estavam do lado de fora conversando, essa parte da criação que eu falei que meus pais criaram a gente muito bem, uma educação assim de como chegar nos lugares, por mais que eles não saibam, mas eu acho que eles percebem, “olha a gente é preto e a gente não pode dar mole, porque você sabe como está o mundo”, e eles sempre criaram a gente assim, “você tem que saber chegar, tem que saber se comportar”. E a gente sempre teve também a puniçãozinha, né? Eu era uma criança que eu apanhava muito, mas é sempre questão de educação, isso era para poder deixar a gente tranquilo e em crescimento.
00:36:02
P/1 - Em relação a essa questão que você está falando sobre essas orientações na família, em relação ao fato de serem negros, comportamentos, algumas questões ou situações que eles não queriam que vocês passassem? Gostaria que você comentasse sobre isso, e também você contou que desde pequena a sua mãe fazia trancinha no seu cabelo, se você puder também falar um pouquinho sobre isso....
R - Os meus pais, eles passavam por muitos preconceitos enquanto jovens já, minha faixa com minha idade, 20, 24. Meu pai passou, os 02, minha mãe nasceu com problema mesmo, ela quase não vive, ficou no hospital após o nascimento, a mãe dela, ela perdeu, a minha avó tinha 22 anos quando faleceu, e a minha mãe não viu, não teve tanta aproximação da mãe, mas quando ela nasceu minha mãe ficou ainda no hospital, depois teve que colocar prótese, eu acho que é paralisia infantil o nome, eu posso estar errada, ela teve que botar uma prótese na perna e fazer fisioterapia e isso só aconteceu por conta da da minha bisavó que correu atrás disso, também era uma pessoa muito religiosa, então fez promessas, o que aconteceu, né? Eu não vou nem questionar como que isso aconteceu. Então, a minha mãe teve que fazer fisioterapia, passou por muitos perrengues por conta da perna dela, minha mãe arrasta a perna, anda arrastando a perna, mas hoje ela anda melhor por conta dessa fisioterapia feita na infância. O meu pai ele teve um tumor enquanto criança a minha avó, a mãe dele morreu por conta de um câncer de mama, ela também morreu nessa faixa etária 21 anos se eu não me engano, ela morreu mais nova ainda, meu pai era bem novinho, ele mal se lembra dela, mas lembra, e os pais de ambos não eram presentes, tá? E aí meu pai ele teve que fazer uma cirurgia muito novinho ainda para retirar um dos olhos para não afetar os 02 e ficar cego, então ele tirou, e hoje em dia ele só enxerga com 01 olho e eles sofreram muito preconceito, mas muito, muito. Eu lembro que a minha mãe dizia que meu pai sofria muito com piadas dos próprios amigos, sabe? Piadinhas. Não vou citar aqui porque não lembro muito, mas eu sei que houve teve muitas piadas ofensivas e não só por ser negro, eu acho que na questão deles foi além, além de ser negro eles são deficientes, então eles sofreram muito preconceito, eu não sei como que eles não desabaram, mas como eles se conheceram, é aquela coisa do complementar, né? A minha mãe defendeu muito o meu pai, porque meu pai...faziam piada com ele, e ele ficava tudo bem, ok também estou aqui rindo, é isso. Só que por dentro ele se feria, ele estava sendo ferido, e a minha mãe que chegou “olha eu não quero que façam isso com ele, não é assim que se trata uma pessoa, eu não quero e tal”, ela botou ali um limite que meu pai não estava colocando, e isso foi só depois que eles já estavam ali namorando. Então até onde eu sei minha mãe que botou esse limite e até hoje ninguém tira sarro, ninguém faz piadinha. Lembro até recentemente, neste ano novo a gente teve uma visita de uma pessoa que tratou o meu pai muito mal na casa dele, o meu pai nem conhecia a pessoa, a pessoa chegou lá era amigo de uma amiga, que é convidado da convidada, e aí chegou lá fazendo piada com o olho dele, sabe? Como assim? 2021 e uma pessoa aqui fazendo piada de coisa séria! A minha mãe não gostou, meu pai como sempre, eu acho que não aprendeu nada. Desculpa pai. Mas o meu pai ficou quieto e minha mãe que se posicionou “olha só você está na nossa casa, poxa não sei o quê", aí falou uma penca lá para o cara, o cara até se retirou, mas eu vejo que até hoje minha mãe defende. Minha mãe, ela tem essa coisa de se impor, sempre teve, sempre teve a questão das tranças, é por conta dessa coisa dela se impor que ela…: “olha, minhas crianças, elas são pretinhas, né? A minha mãe também sofreu influência da branquitude, eu lembro que teve um período que a gente precisou alisar o cabelo, minha mãe deixou as tranças de lado por conta desse padrão de beleza que começou a ser iniciado, e quando eu tinha ali uns 04, 05 anos eu ainda estava usando nagô, trança solta, miojinho, e ela fazia também com os nossos próprios cabelos uns negocinho bonitinho, mas a gente botava muito esse tipo de cabelo, e depois do nada, na minha cabeça foi do nada né? Minha mãe começou a querer alisar, ela veio com pente quente, henê, henê eu me recusei, mas ela sempre hidratava o nosso cabelo, fazia por nós, né? Sofria muito, porque 02 cabelinho crespo em uma época onde não tinha muitos produtos para cabelo crespo é complicado, e a minha mãe ainda assim cuidava do nosso cabelo, cuidava do cabelo dela e chegou um período que ela quis alisar, ela acabou com o meu cabelo, (mãe a senhora acabou com o meu cabelo), a gente tinha um cabelo enorme, ela alisou o nosso cabelo, caiu tudo, ficou cheio de buraco na cabeça, teve que raspar, aí né? Mais chacota na infância, tristeza. Eu estou aqui brincando, mas ela também foi vítima de tudo isso, então eu lembro que a minha mãe passou a alisar muito o cabelo, depois de um tempo ela achou alguém, alguma trancista que morava perto da nossa casa para ter esse tempo de fazer o nosso cabelo que ela começou a trabalhar. Minha mãe era desempregada, ela parou de trabalhar para poder nos criar e aí ela começou a trabalhar e não teve mais tempo de ficar ali fazendo o cabelo, ela trançava e ficava horas cheirando e botando, eu ficava deitada, eu odiava, mas ela começou a trabalhar e pagou alguém para fazer o nosso cabelo do jeito que ela queria, na época era do jeito dela, (não pode botar nada diferente disso aqui, botando miojinho), e eu já ficava fascinada com um mundo de possibilidades quando eu entrava no salão.
00:43:26
P/1 - O que é miojinho?
R - É só um nome, mas é uma trança bem fininha com certeza é a mais vista, ela é toda assim...ela é uma trança também, só que é um método de colocar ela é um pouco diferente. Essa daqui é trança solta, a gente chama de trança solta, é o jumbo, esse aqui é o jumbo, mas o miojinho eu posso procurar uma foto. A minha mãe começou a falar “eu quero isso, quero aquilo” e a gente passou a usar o que a minha mãe falou. Aí eu cresci um pouquinho mais, ali aos meus 12 anos eu já estava - ô mãe eu quero botar desse jeito! A minha irmã já estava na escola sim, aí eu que escolhi a forma que eu queria cabelo, minha mãe começou a ver que estava coerente, porque ela tinha muito medo da gente sofrer, só que a gente já sofria e eu meio que escondia isso na infância, chegava da escola tudo bem, está tudo certo. Eu comecei a crescer, comecei a falar um pouco mais sobre isso, e eu acho que o auge desse meu despertar para negritude foi ali quando eu comecei olhar, eu quero um cabelo desse tipo aqui, quero desse jeito, e comecei a botar trança, minha irmã sempre gostou de botar cabelo, mas ela botava trança também, a gente parecia gêmeos. A minha mãe começou a botar trança também e depois a minha mãe começou a botar cabelo por conta do padrão de beleza, eu nunca gostei disso, então eu falei - Mãe eu quero trança! Meu irmão já nasceu, eu falo até que ele nasceu em um período privilegiado, porque tá ele é negro, ok tem uns problemas ali e tal, mas meu irmão ele já nasceu em uma geração aonde tudo já foi feito. No Brizolão eu era a louca de usar miojinho, era a estranha, só que quando ele foi passar, ele também estudou no Brizolão, passou o Fundamental dele ali na mesma escola que a minha irmã, o meu irmão já pegou uma geração que estava repetindo o que a gente da primeira geração estava fazendo, já era mais normal ver trança, ver black, os meninos usando black, os meninos fazendo corte. Então, meu irmão, acredito que não tenha tido tanto soco na cara quanto eu e minha irmã, até por ser mulher, enfim.
00:46:03
P/1 - Pois é, eu queria então que a gente falasse no período da escola, que você contasse um pouquinho como é esse ambiente, como a questão das artes apareceu? Eu acho que você tem lá trás em você a prática artística, na medida que você vem de uma família musical, que dança, que tem ouvido, que canta, que ouve música, queria então que você falasse um pouquinho do período da escola, e como você foi se inserindo depois em projetos sociais?
R - Sim, nossa vai até casar uma coisa com a outra. Na escola eu sofria bullying. Eu era muito novinha, sempre tive isso comigo, só que na época eu sofria bullying e não sabia que era bullying. Eu sofria racismo, mas não sabia que era racismo.
00:47:47
P/1 - Mas os seus coleguinhas, quer dizer colegas, também eram muitos moradores da Maré, crianças negras também?
R - Sim. Sim, as crianças negras da minha época eu olhava e não me via, eu via aquela menina negra, mas não me via parecida com ela, exatamente por eu utilizar tranças e naquela época trança, nossa, você andar de trança era loucura, e a minha mãe botava ainda assim, ó, você vai...
00:48:13
P/1 - Que ano você está falando?
R - Posso falar a minha idade assim, eu tinha uns 06 anos, 07 e já usava trança, foi nesse período assim, puxavam o meu cabelo, falavam coisas bem baixas, e não tive ninguém para me defender, então a minha forma de defesa foi me expondo cada vez mais quem eu era, foi pegando coisas de dentro de casa e trazendo para escola, e a partir do momento que eu fiz isso, esse bullying, essa perseguição começou a parar, porque eu percebi que eles só faziam isso para quem era ficava assim sabe? Tipo ah...e não se posicionava. Então eu comecei a me posicionar, comecei a fazer coisas que eles não queriam ver, né? Comecei a usar vários tipos de cabelos diferentes, comecei a usar certos tipos de roupa, eu era meio roqueira assim na época.
00:49:24
P/1 - Como que era sua roupa?
R - Eu usava muito preto, eu usava umas coisas assim no braços, spike, esse negócio assim, mas nem sempre eu fui assim, meus pais tentavam ali colocar negritude na minha cabeça e eu tirando, porque tinha muito branco, falava eu queria ser como eles, então o rock naquela época quando eu era...eu já não falo mais de 04 anos, já estou falando um pouco mais velha, e naquela época do Fundamental o ser roqueiro era coisa de branco, e eu queria me colocar nesse meio, então eu aceitei alisar meu cabelo, esse tipo de coisa começou a ocorrer, depois eu fui para minha fase hemo, tive minha fase um pouco mais pop também, e aí que entra a questão da arte, porque eu fazia dança com 09, 10 anos eu já estava fazendo dança, fiz dança por um 01 ano ½, quase 02, foi até curto, curto tempo, imagina eu fiz, aproveitei muito e ali eu já sabia dançar, já tinha um negócio e eu levei isso para escola. Aí começou a do nada uns projetos de dança aparecer, sincronicidade do universo e eu participando de tudo porque eu gostava muito, então tudo, tudo que eu comecei a almejar, começou a acontecer. Tinha uma professora na época que ela amava dança, ela estava ali para isso e ela fazia, escolhia uns grupinhos para poder fazer umas coisinhas legais envolvendo a dança. Eu estava ali, participava, eu não participava de coral, coisa musical da escola mesmo, eu não participava, isso saiu aqui de fora, mas de dança eu já gostava, tinha umas coisas bem legais no Brizolão, né? Eles pegavam muitas equipes, muita gente de fora, projetos, e levava para dentro da escola, o que me fez ter esse contato com a dança e eu fiquei conhecida na escola do nada, eu saí da esquisita para ser a popular porque eu comecei a levar coisas para escola, comecei a ser referência. As pessoas falavam de dança “a Juliana, vai lá Juliana sabe dançar, Juliana sabe disso, Juliana sabe daquilo”. Então eu comecei a ter um pouco de respeito das pessoas. Quando meu irmão começou a estudar no Brizolão passou para o Fundamental, ele falou, - Juliana, as meninas têm tudo vergonha de falar contigo, os meninos não sei o que… Porque eu comecei, a gente chega na parte da Orquestra, que a Orquestra ela chegou na escola e eu lembro até hoje que eu estava no auditório, a gente estava assistindo algum filme, fazia parte da aula, e aí o Carlos Prazeres chegou anunciando o projeto e falando, “olha temos violino e temos”...depois que ele contou toda uma história, ele falou “temos violino e temos violoncelo, quem se interessar, é aparecer em tal lugar, aqui mesmo na escola”. Deu um negócio, um estalo assim, falei “interessante”! Tinha 11 anos e eu ia fazer 12 ainda, interessante assim, não, não ia fazer 12, desculpa, eu já tinha 12 anos. Falei interessante, aí demorou um pouco, demorou muito para eu ir lá me inscrever, e os meus amigos que já estavam no projeto começou a me pilhar, “olha Juliana é muito legal eu levo o instrumento para casa não sei o que, você vai gostar”, e com essa pilha eu demorei ainda mais uma semana para entrar. Teve uma semana que eu fui, falei “eu vou lá”. Fui, apareci, eu lembro até hoje...”Qual instrumento você quer tocar? Aí os amiguinhos:
- Escolhe o violoncelo, escolhe o violoncelo.
Eu cheguei lá : “Violino.” Quando eu cheguei eu escolhi violino. E eles...”Não”!
Eu – “Violino não é o grande?” Na época eu não sabia o que que era. Eles já sabiam que eles tinham visto, eu não sabia de nada, mas eu escolhi o violino. “Não era violino?”
- Não, era violoncelo, é o grande, você escolheu o pequeno. Aí eu fiquei, ah não, só que foi uma coisa muito assim, sabe? Fluiu, não foi nada muito maçante, só aconteceu. A gente fazia aulas na própria escola, chegou a ser uma atividade extracurricular e o projeto começou a ter autonomia, começou a crescer com essa primeira geração, e eu comecei a fazer parte da Orquestra que era um braço ali da escola, e as pessoas já me viam diferentes, eu ainda no Fundamental, já estava na Orquestra, então as pessoas já começaram...aí o bullying começou a parar, o preconceito, as pessoas queriam imitar meu cabelo, queriam saber quem fazia, questão de roupa também. Aí começou a ter um olhar diferente, e a pouco tempo eu descobri que os meus amigos também eram oprimidos, a gente já se conhecia, mas não era amigo, a Orquestra me apresentou todo mundo para ser amigo, a gente é amigo há mais de 10 anos.
00:55:42
P/1 - Você estava me contando um pouco desse, o que seria talvez o primeiro núcleo da Orquestra Maré do Amanhã no CIEP que é o Operário Vicente Mariano. E como é que foi essa visitação do Prazeres? Acho que é Carlos.
R - É Carlos Prazeres.
P/1 - Carlos, prazeres e que você se interessou, e que você tinha colegas também que estavam interessados, você podia então contar, retomar a história que a gente conhece sobre o Carlos? Porque o Carlos dos Prazeres chegou? Quem é o Carlos dos Prazeres? Como é que ele chegou aqui na Maré?
R - Em 2010 não havia Orquestra, não existia ainda, era só uma ideia e ele botou em prática. Ele perdeu o pai, e pela investigação diz que foi alguém da Maré que enfim assassinou o pai dele, e o carro foi encontrado aqui perto, então para mim ele atravessou um trauma, porque a ideia do projeto era do pai, e ele meio que deu continuidade nisso e deu certo, né? E é engraçado porque parece que estava tudo escrito, né? Foi nas pessoas certas, no momento certo, a Orquestra ainda não existia, só era uma ideia, quando ele chegou lá eu era bem novinha, interessei, fui atrás do violino e eu lembro que a gente por conta dessa ideia do Carlos eu fiz muitos amigos também, eu falo até que eu fui salva pelo projeto, de fato eu fui salva. Os meus amigos escolheram primeiro, eles entraram primeiro no projeto, eu demorei um pouco ainda e eles ficavam ali me cobrando, hoje eu vejo que eles só queriam tocar junto comigo, amigos, fazer tudo junto, mas eu demorei 01 mês para entrar no projeto após ele ser anunciado, e depois de 01 mês eu escolhi qual instrumento que eu ia tocar, só que quando eu fui lá não sabia qual era e eu escolhi o violino.
00:58:36
P/1 - Lá aonde você foi?
R - Essa audição, que não foi bem uma audição, foi feita na escola mesmo, lá tinha um local, uma biblioteca no Brizolão que eles utilizaram para fazer as aulas de teoria musical e também de ensaios. Eu lembro que quando eu entrei no projeto tinha aulas de teoria, mais aulas de teoria do que de instrumento, instrumento foi bem depois. Até o processo de conhecer a música foi bem devagar. A gente começou com teoria, e os amigos sempre muito perto porque a gente fazia tudo junto, a gente estudava junto, fazia projeto social junto, era tudo junto, e depois que a gente passou por esse período de teoria musical que não demorou muito, a gente recebeu esses instrumentos e essa é a melhor parte…
00:59:38
P/1- Como que era uma aula de teoria musical para alguém que está se iniciando né? Você era uma...gostava de música, cantava também.
R - Vou até citar uma coisinha que eu lembrei que foi muita coincidência, é que uma semaninha atrás, meu pai, a gente estava vendo tv, e passou na utv uma orquestra. Pai “para o que é isso, para o que é aquilo?” Meu pai sabia falar mais ou menos, e logo depois eu apareci com o violino, mas na aula de teoria eles davam um kit de lápis, borracha, e um caderninho explicando como eram as coisas para gente ler, a gente fazia solfejo, a gente aprendia sobre as notas musicais, tudo direitinho, bonitinho, tinha aulas mesmo com quadro, tudo, e durava acho que uma horinha de aula, era uma horinha e depois passou a ter ensaio na semana e começou a ficar mais interessante, eles me deram um instrumento e eu fiquei emocionada e olhei aquilo ali, levei para minha casa, quando eu cheguei em casa minha mãe levou um susto, eu lembro do susto dela - (O que é isso? Você ganhou de quem?). Falei mãe, eu estou participando de um projeto, mas eu não sabia disso.
Ela: - Jura!
Porque até então era só uma atividade extracurricular. Depois que começou a dar os instrumentos, fazer ensaio já se tornou uma coisa um pouco além, já estavam visando ser um pouco além, e eu lembro que a gente, eles faziam a gente escutar uma música, a Nona Sinfonia de Beethoven e a gente escutava aquela música, depois a gente começou a tocar essa música sem ler partitura, a gente não sabia ler a partitura, a gente começou a ensaiar apenas ouvindo, então ali foi meu primeiro contato com a musicalidade, porque meus pais apesar de escutar boas músicas, hip-hop, música brasileira, eu ainda não tinha essa sensibilidade musical, ainda não sabia o que era barulho, o que era música então, teve um primeiro ensaio no auditório da escola do Vicente, e quando a música saiu, a gente tocou, eu me emocionei muito, eu sentia essa união, essa conexão com os músicos, e quem dava aula era o nosso próprio maestro e hoje ele é maestro, mas na época ele era só professor de violino e ele dava aula para gente e dava aula para todos os instrumentos, ele dava aula de violoncelo, só tinham 03 na época, era flauta, violoncelo, violino, e ele dava essas aulas, eu fui fazer um ensaio com todo mundo ali o meu primeiro ensaio, foi ali que eu falei nossa eu quero ficar aqui, é aqui que eu vou ficar e a gente tocando foi a primeira música que a gente tocou, é uma música bem simples, mas foi a primeira música que a gente tocou, muito linda, depois a gente passou até a tocar mais músicas populares, a gente teve a nossa primeira apresentação também que foi em Petrópolis, que é a cidade, o bairro onde o Carlos mora, não sei se ele nasceu lá, mas ele mora lá e a nossa primeira apresentação foi no Palácio de Cristal, uma coisa já grande, em 01 mês a gente aprendeu a tocar uma música e ele foi lá visitar, eu acho que ali já foi a porta de possibilidade, “ó o que você pode fazer com esse instrumento”, e na época eu não tinha nenhuma consciência disso, nenhuma, só estava ali porque os amiguinhos estavam, porque eu me sentia bem, falava “cara toca um violino não sei o que”, e na própria Orquestra eu tive muitos eu não percebia o preconceito, de novo o preconceito se fazendo parte, mas eu percebia quando eu fazia uma entrevista com algum jornalista, com alguma coisinha assim, eles chegavam querendo que eu falasse que eu sofria isso, que eu sofria aquilo, que eu sofria, mas na verdade eu não sofria. Eu estava aqui na Maré andando com o meu instrumento pra lá e pra cá, e as pessoas achavam que era um cavaquinho, nunca achavam que era uma arma dentro do sabe? Nunca olhavam aquilo...cavaquinho é músico não sei o que, mas eles não me viam com esse preconceito todo, não existia. A única coisa que eles percebiam é que eu usava trança, era meio louca, tinha cabeça raspada aqui, e andava, tocava violino, como assim? Mas ok, nunca sofri preconceito por parte dos moradores, mas o preconceito veio de fora, jornalistas vinham falar já pescavam aquelas pessoas de desfrutar e queria uma história de preconceito. Eu falava, cara não tenho. Ele: - Como você não tem, mas você não é negra, você não usa cabelo assim, você não toca música, um instrumento que ninguém conhece?
P/1 - Veio da favela..
R - Sim, vem da favela, eu ficava tipo não, nunca na verdade as pessoas acham muito bonito, me apoiam, nunca teve, nunca falaram sobre a cor da minha pele, por conta disso tem toda história, mas eles queriam uma história assim, uma história triste, uma história que teve um até um momento ali, eu tive trauma de fazer entrevistas, isso foi construindo porque eles queriam que eu falasse uma mentira, uma coisinha que alegrasse o público de fora e era a história triste, e aí eu falei – “cara eu não tenho história triste sabe? Eu tenho isso....”, eu falei o que eu queria falar e quando eu fui ler a matéria estava tudo deturpado. Eu falei isso, sabe? Não foi isso aqui que eu falei, poxa ele gravou eu falando e escreveu errado o que que aconteceu? Então eu tive um trauma a partir disso de fazer entrevistas na Orquestra. A gente tem muito essa coisa de entrevista. A gente tem que fazer. Chegou um tempo que a gente criou um grupo para entrevistas, porque as outras não queriam falar, eu estava nesse meio de não querer fazer. Eu não era muito assim com a câmera, com pessoas, eu sempre falava, poxa, eu vou falar, a pessoa não quer ouvir minha história mesmo, ela quer que eu fale de coisas que eu não vivi, que eu não experienciei, mas enfim.
01:06:31
P/1 - Eu achei interessante você falar que aqui, a comunidade da Maré tinha uma aceitação, que olhava um violino e achava que era um cavaquinho. Como é que eles relatam, sua família também, eles apoiaram? Qual é esse outro lado da história?
R - Quando eu cheguei com o violino eles olharam assim e falaram:
- Juliana, de onde saiu isso?
Eu contei - olha foi assim, o nome dele é Carlos, é um projeto, meu pai ficou emocionado, muito assim, de contar para família inteira, tipo, “minha filha tira foto, a minha mãe não, minha mãe, “mas isso vai te dar futuro?” E meu pai super assim, “minha filha toca violino não sei o que, entrou no projeto, uma orquestra”, e minha mãe “isso vai te dar futuro filha? Pensa em uma coisa que vai te dar dinheiro”. Aí eu ficava assim, o que ia me dar dinheiro... na época eu tinha 12 anos, mas eu lembro que no primeiro dia eu peguei o violino não sabia nada, aquele barulho já não era música, era barulho e meus pais “ó, o dia inteiro”, porque eu estava emocionada, mas com o tempo eles foram vendo, eu estudava dentro de casa, eles dão um violino até hoje é assim, eles dão um instrumento, você leva para casa e estuda, e eu estudava em casa, ensaiava em casa, meus pais escutavam, eles acompanharam o meu crescimento sonoro, eles acompanharam isso, eles também participaram de tudo assim. Orquestra está precisando disso, a gente era menor de idade, então os pais presentes era assim, tinha que estar, meus pais sempre muito presentes no projeto, apresentação, qualquer coisa que tinha estavam lá, sempre tive apoio do meu pai, meu pai foi assim, é essencial para eu continuar no projeto porque eu tive um período da minha vida enquanto adolescente que eu via que eu não era disso, eu até hoje eu acho muito mais de dançar do que de tocar violino. Hoje eu vejo que é um caminho. Eu tenho tanta história já porque não continuar, né? Mas eu gosto muito de dançar e eu falava assim para o meu pai, (“pai eu faço isso aqui porque eu vejo que você fica feliz, mas eu não estou fazendo por mim”, e ele falava, “olha se não for para você, você sai, mas eu apoio, eu quero que você saiba disso”. E ele chorou quando eu saí, eu vi toda aquela coisa dele, eu fiquei (“tenho que voltar”), eu fiquei, eu saí por uma semana da Orquestra, não demorou muito tempo e eu achava que era muito maçante, eu comecei de novo a questão da dificuldade. Eu quando era mais nova, eu saí da dança porque eu senti uma dificuldade de um nível e eu não queria encarar aquilo. Na Orquestra foi a mesma coisa, eu comecei a me frustrar, comecei a ficar, olha, eu não toco bem, não estou bem, não é isso, não é pra mim, eu quero a dança, eu quero a dança, meu pai “olha, se eu fosse você continuava” e ele falou comigo, ele conversou comigo sobre isso e eu voltei, só que na minha volta eu sofri uma puniçãozinha, eles estavam prestes a ir viajar para São Paulo e como eu saí, não seria justo com outro que estava ali a muito tempo estudando e eu chegar assim já sentar na janela. Então eu tive uma puniçãozinha, não participei de algumas apresentações, eu tive que construir tudo do zero porque eu saí, perdi muita coisa em uma semana, e estou lá até hoje após essa volta. Eu não sei o ano, me perdoa, mas eu tinha 13, 14 anos.
01:11:46
P/1 - O que significa, você era uma criança de 13, 14 anos, quer dizer pré-adolescente, estava em uma orquestra, quer dizer, musicista de um instrumento clássico de cordas, para quem ouvia hip hop.
R - Eu tive muita dificuldade para entender o que é música, agora aos 23 que eu estou entendendo o que é música, porque eu escutava uma coisa e trabalhava com outra. Então, tipo, não casava de jeito nenhum e aí eu ficava, mas eu quero fazer som, sei lá, tocar uma coisa, só que não tinha como tocar, porque é um instrumento erudito, não dá para fazer tudo no instrumento erudito, então eu comecei a ter esses conflitos e até essa idade 14, 15 eu estava meio assim, não tinha nenhuma visão e eu fui uma adolescente que nunca liguei para muitas coisas, eu escutava isso, machucava aquilo, era meio aleatório e tive muitos conflitos. Quando eu percebi esses conflitos eu comecei a mudar, comecei a querer conhecer pessoas que pudessem me trazer um pouco de música, música mesmo, apesar de trabalhar com isso e estar nisso, ser aluna, receber, a gente tinha muita masterclass, a gente ia para teatros, porque o Carlos queria que a gente se familiarizasse com isso e eu lembro que eu era criança, uma criança pré-adolescente ali indo para o Teatro Municipal, não sabia na época a dimensão, e eu estou aqui no Teatro Municipal, eu ficava meio assim, dormia no teatro, só que eu aproveitei, só eu sei que eu tive, peguei um pouco disso, apesar de ter dormido, apesar de não ter ligado na hora, mas eu estive nesses espaços, tinha que estar, foi meio obrigatório porque a gente precisava disso, a gente vive aqui, não tem esse acesso, então Carlos nos deu esse acesso através do projeto, a gente começou a ter esses acessos. Então a gente saía, conhecia outras culturas, a gente passeou, a Orquestra começou a crescer, então a gente começou a conhecer outros estados, a gente começou a conhecer teatros, a gente começou a tocar nesses espaços a Orquestra da Maré tocando em um Teatro Municipal e ter uma fila de gente para assistir a gente. Isso foi muito bonito!
01:14:26
P/1 - Conta um pouquinho dessa experiência no Teatro Municipal que você tocou aqui na escola.
R - É, porque eu fui, eu assisti. Falei, nunca vou tá ali. Ó, o nível dessas pessoas que estão tocando ali. Só que em 2017, depois de voltar de Roma, nossa, a gente recebeu uma demanda de coisas para fazer, tinha entrevista, tinha tevê, tinha Teatro Municipal que já era uma coisa que a gente queria, a gente já estava tocando em teatros, a gente tinha um cronograma bem legal, e sei lá um domingo do mês a gente fazia algum concerto aberto em teatros, e teve esse do Teatro Municipal que foi incrível, inclusive as crianças que estavam no palco eram as crianças que eu estava dando aula na época, e ver as crianças que eu dou aula tocando ali comigo, isso é incrível! “Vocês tem noção onde vocês estão?” Porque minha primeira apresentação...eu já me apresentei em lugares bem...até chegar em um Teatro Municipal, passei por muita coisa e “vocês estão aqui na primeira apresentação de vocês”. Então tinha criança que estava fazendo solo já para um monte de gente no teatro e a criança lá, porque eu mesma até hoje eu tenho um negócio ruim fazer solo, então eu vi que o meu trabalho na Orquestra. Está acontecendo, está funcionando, a gente está passando isso para frente, não tinha só a gente, a gente tinha crianças também no meio tocando, isso está até registrado muito bom.
01:16:15
P/1 - Como é que o público reagiu? A sua família ia às apresentações? Como é que era?
R - Eles, minha família ia em todas as apresentações, meus irmãos também, meu irmão inclusive dançou, Carlos sempre tinha...no Dia das Crianças a gente fazia concertos do Dia das crianças, Dia das mães, Dia dos pais e aí meu irmão era bem novinho ainda, ele tem até um vídeo disso, a gente tocando Michael Jackson, coisa que a criança gosta. Carlos perguntou: “Tem criança que quer dançar aqui na frente?” Meu irmão, família de dançarino foi lá na frente dançou o Michael Jackson, ganhou de uma criança maior que ele, mas foi muito, muito, muito legal, então eles sempre participaram a esse nível das minhas apresentações e meus pais também, como eles não são de sair muito para esses lugares assim que a gente não tem acesso, meus pais acabaram conhecendo lugares também. Eles foram no teatro, no teatro não, no Palácio de Cristal. Quem é que sai do Rio, daqui e vai para o Palácio de Cristal!? Pergunta para qualquer pessoa daqui “Você conhece lá em Petrópolis?” Não, meus pais também tiveram a oportunidade de estar ali compartilhando comigo de um lugar legal, uma experiência nova. Então eu acredito que eles gostavam de ir não só por mim, mas também o que todo conjunto fazia eles sentirem.
01:18:04
P/1 - Antes de comentar sobre suas apresentações fora, e as apresentações aqui na Maré?
R - Na Maré, isso é uma coisa que até hoje eu defendo muito, e que a gente quer passar a fazer na nossa sede que tem uns 03 anos de inaugurado, é recente. Então a gente tem teatro lá, onde a gente quer chamar algumas pessoas, e fazer um limite de pessoas ali para poder assistir a gente uma vez no mês, mas antigamente antes da sede a gente fazia concertos em pequenos teatros que têm aqui, tem um ali perto da divisa, eu esqueci o nome que tinha eventos de rock de noite, Lona Cultural a gente conseguiu fazer um concerto na Lona Cultural foi muito legal, as crianças dançando, querendo saber sobre os instrumentos, vendo que pessoas como elas estavam ali no palco, e eu acho que foi a partir disso que o Carlos teve essa ideia de, “vamos fazer um concerto para os moradores, eles precisam estar aqui com vocês”, eu super defendo isso é importante, e nas escolas também é justamente para eles entender que eles também podem, só para eles entenderem que é possível. Eu vou até citar uma coisa que eu fiz, no Dia da mulher eu fiz uma palestra bem pequenininha para os alunos da escola da Nova Holanda, e eu fiquei muito surpresa porque as crianças, não saber o instrumento ok, mas elas não sabiam da existência da Orquestra na Maré, para você ver que não tem acesso mesmo, é um negócio que é da Maré e eles não sabiam que existia. Como assim não sabe que existe!? E eu fui para lá, quando ela falou “olha vamos fazer uma palestra no Dia da mulher, você é negra, toca violino, já viajou, conversa com eles”. Eu falei, sim com certeza. Eu mostrei, fiz slides, foi muito legal, eu estava bem nervosa, fiz slide, mostrei fotos de viagem, desde o início até o momento atual e no final eles me fizeram perguntas, uma coisa que eu nunca fiz, e eles não sabiam nem que a gente existia ali e eles tinham coisas para perguntar, então isso me aproximou muito mais e eu respondi, e no final eles queriam entrar para Orquestra. Então só sabendo a minha história, tem outras pessoas com outras histórias. Então, eu fiquei, isso é importante, eles precisam disso, eles precisam de alguém que fale, eles precisam de alguém que represente, que mostre, que fale das experiências e mostrar que também é possível, é possível isso, eu fiz assim “ó o violino me levou para Roma, o violino não sei o que”. Eu até falei com o Carlos da gente abrir alguma coisa, algum número, alguma coisa para aquela escola, mas como o caminho é perigoso porque fica bem na divisa, a gente ficou meio assim, mas eu fiquei bem triste a gente passou um tempinho dando aula lá, a gente deu alguma aula, mas só pela questão de ser muito perigoso, um trajeto a gente deu uma cessada, mas a importância é por conta disso sim. A gente também fazia muitos concertos nas escolas e em festinhas de escola, a gente estava sempre indo, estava sempre sendo chamado e a gente ia, a gente tocava em quadras, coisas assim, concerto aberto, até em outras favelas a gente ia, né? Então tem toda essa importância de mostrar que é possível, porque eles acham ainda que não.
01:22:02
P/1 - Você comentou sobre a viagem ao Vaticano. Então, eu gostaria, por favor, se você puder contar para a gente sobre a viagem ao Vaticano, e as apresentações que você também fez no Rock in Rio e o concerto com a Anitta lá na praia [ de Copacabana].
R - Em 2017 o Carlos veio com uma notícia assim, “está rolando uma oportunidade da gente sair do país”, a gente ainda ficava meio assim. Impossível isso, impossível e o Carlos fez as manobras dele, e ele contava assim, “vocês vão para Veneza, não sei o que, vocês vão participar de uma coisa para poder ter uma bolsa de estudo, para poder estudar lá fora, alguns vão ser selecionados”. Só que na verdade era só uma historinha, porque na verdade a gente ia tocar para o Papa, e era só uma historinha para ser uma surpresa para todo mundo, e isso tá registrado no YouTube que a gente está em um estúdio, a gente estava em um estúdio ensaiando, achando que a gente estava ensaiando para uma outra coisa em Veneza e tal, a gente estava com a ideia de Veneza, de alguém aparecer e escolher a dedo quem é que iria para Veneza, a gente estava meio assim, a gente ensaiando do nada a tevê acende e era o Faustão, e a gente ficou tipo - (o que está acontecendo!) ele falando, a, tudo bem? Então vocês vão para Roma, vocês vão tocar para o Papa e a gente - (como assim? Roma, Itália. Como assim?) Tem a nossa cara lá no YouTube assim, e todo mundo impactado e ele falou, “parabéns, vocês vão para Roma”. E a Globo até acompanhou o nosso trajeto um pouco em Roma, e essa foi a surpresa. Na minha cabeça a gente ia viajar em uma semana, então fiquei - meu Deus tenho uma semana para resolver minha vida. Gente, como assim eu vou para Roma? Meu pai, meu Deus, meu pai só faltou cair duro e acabar a vida dele, estou feliz já. Minha mãe ficou muito feliz, mas meu pai é um pai exagerado nas emoções, ele acompanhou a gente, os pais acompanharam a gente entrando no avião, levou a gente no aeroporto, corri para comprar roupa e um monte de coisa, para converter dinheiro, na época a gente já recebia uma bolsa e o Carlos fez essa essa conversão para cada um, e cada um foi com uma quantia para Europa, eu já tinha andado de avião, mas eu nunca atravessei. Eu lembro que eu dormi a viagem toda, já acordei na França e chegando lá a gente conheceu um pouco da torre, daquela torre que eu esqueci o nome, de lá a gente não ficou, lá a gente só passou porque o nosso destino era Itália. Chegando lá, eu acho que 2017 estava tendo muito atentado, estava tendo uns negócios estranhos, então tinha muito militar nas ruas. Eu conheci muitos lugares lá, a gente tinha um programa assim para gente conhecer, mas a gente também fez muitos concertos, teve um concerto, gente ok o Papa, eu não sei se vocês querem ouvir sobre o Papa, mas eu tenho uma coisa ainda mais importante que foi para mim, que a gente teve que tocar em uma igreja, tinha um programa para tocar em uma igreja lá, a gente estava tocando muito bem, muito bem e a gente apresentou tudo muito bonito, e do nada a gente recebeu dinheiro, a gente entendeu que as pessoas da própria igreja resolveram contribuir em dinheiro, e a gente não estava cobrando nada, foi só um evento ali que a gente queria fazer e eles deram dinheiro e falaram que era para agradecer o que a gente tinha acabado de fazer, tinha gente chorando e eles mesmo organizaram para dar dinheiro. Eles têm uma coisa de valorizar a arte, que se você andar com o instrumento, eles já ficam esperando que você pare a qualquer momento para tocar. A gente quase foi preso em Roma por causa disso, a gente queria fazer flash mob, e a gente quase foi preso em uma praça, a polícia parou todo mundo, quase foi levado e o Carlos tentou desenrolar ali e a gente quase foi levado, mas teve que parar e foi assim.
P/1 - Não é chegar e tocar em qualquer lugar assim sem autorização.
R - Não é assim. E as pessoas começaram a se aglomerar, então teve todo esse negócio e a polícia já ficou “não pode fazer isso”. A gente tocou na embaixada do Brasil na Itália, nossa outra realidade, eu entrei lá e falei - um quarto era maior que a minha casa, e a gente foi muito bem tratado, eu até fiquei surpresa porque normalmente a gente não é bem tratado, ainda mais quando a gente está em meios burgueses da sociedade, eles não tratam a gente muito bem. O Carlos já passou mal várias vezes por conta disso para tentar defender a gente porque a gente estava sendo maltratado por essas pessoas. De falar alguma coisinha ou de tratar a gente mal, de não ser educado. A gente pedir uma informação e a pessoa ignorar ou simplesmente olhar torto porque é da favela. Então a gente teve muito problema com isso durante a nossa caminhada, e lá em Roma a gente não teve isso, as pessoas queriam saber da nossa história por mais que elas fossem do alto padrão da sociedade, elas queriam saber da nossa história, queriam conversar com a gente. Eu já tinha 19 anos e a gente bebendo um vinho, eu lembro que ele era o primeiro vinho da Itália, eu falei esse vinho é muito forte. Eu chorei lá também, eu lembro que eu chorei muito porque eu queria muito que os meus pais estivessem lá, os meus irmãos visem o que eu estava vendo, onde eu estava, e eu chorei a madrugada inteira com os meus amigos, abracei todo mundo, falei - cara, olha onde a gente está, a gente está na Itália assistindo um som, tem noção? E eu liguei para o meu pai, para a minha mãe 05 horas da manhã chorando, eu estava meio alterada, mas eu chorei muito, falei - olha era pra vocês estarem aqui, vocês precisam viajar, vocês precisam sair daí, vocês precisam ver o mundo, aqui é muito legal, aqui é muito bonito. E muita gente também chorou por conta disso que a gente fica mexido, né? A gente nunca botou na nossa cabeça que a gente ia viajar para fora. Viajar para São Paulo já era uma coisa muito grande. Então ir para Roma, para o Papa a gente se dedicou muito, muito, mas muito, muito, muito para essa apresentação para o Papa, escolhemos músicas que a gente viu que ia encaixar, infelizmente o Papa não ouviu nossa apresentação toda, mas a gente ficou assim, poxa demos o nosso suor aqui, mas não foi só para ele que a gente foi tocar, a gente também tocou em um evento onde as crianças tinham acabado de perder seus pais em um desastre natural, essa coisa de furacão, desabamento, essas coisinhas assim, e a gente ficou mais mexido ainda porque não era só o Papa, era para as crianças também que tinham perdido seus pais, todo mundo ali órfão. Vocês estão entendendo o tamanho do negócio! E as crianças também, nossa nunca fui tão amada. Papa super gente boa pegou na nossa mão e quis saber sobre a gente também, a gente deu um violino branco para ele lindo. A gente tem foto com ele, foto individual, tem que procurar, e eu senti uma coisa incrível naquele dia. Conheci o Vaticano, questionei muitas coisas, mas Vaticano incrível lindo, lindo, lindo...e a gente teve interação com essas crianças, a gente fez música com essas crianças, tinha algumas crianças ali que tocava violão, e a gente lembra que a gente cantou Asa Branca com aquelas crianças italianas, tinha criança do mundo inteiro e a gente cantando Asa Branca, tocando, e foi até um passeio ali pelo Vaticano, e depois a gente voltou para o hotel assim super-realizado, a galera energizada, porque você fazia parte de uma coisa tão grande, transformar, a gente transmutou literalmente a energia que estava ali, a gente foi embora com as crianças um pouco mais tranquilas, a gente quis escutar as histórias das crianças também, então teve uma interação muito legal com o Papa e com as crianças que estavam, que era um evento para essas crianças e a gente foi chamado para isso. A gente foi para Roma para fazer isso, sabe? E tinha cartazes nossos lá já, antes da gente chegar e eu fiquei, cara, olha isso, olha que incrível. Então, depois que Roma aconteceu, a Orquestra sabe?
01:32:45
P/1 - Por tudo que significou para vocês, de como a escola começou, né?
R - Sim. Sim, sim. E é muito engraçado, engraçado porque não é engraçado, mas a gente da Maré e aquelas crianças tinham algo em comum, porque tem gente da Orquestra que passa por muitas dificuldades com os pais, outras que perderam muito cedo, e tinha alguma coisa ali em comum que a gente estava compartilhando e se nutrindo e eu achei isso muito legal. Eu lembro que eu fiquei me sentindo nutrida por muito tempo por conta desse encontro, depois houve esse concerto dentro de uma igreja que eu via as pessoas se mobilizando, eles não sabiam que a gente...não sabia, só sabia que a gente era uma orquestra do Rio de Janeiro, sabe? E deram toda essa atenção, dinheiro, eu nem sei porque deram dinheiro, eles se organizaram para dar dinheiro, e as pessoas também sabiam da nossa chegada, em um local ali as pessoas sabiam quem a gente era, sabiam que tinha uma orquestra do Rio perto do hotel. Então foi incrível hoje, muito bom, saudade.
01:34:03
P/1 - E aí sobre as outras apresentações, quando vocês voltam, então quando você diz “a orquestra vai andando”, você já tinha acabado a escola, você já estava dentro da orquestra se preparando para se profissionalizar, só para a gente entender melhor?
R - Olha eu vou até no Ensino Médio, é o Carlos que fez toda a movimentação para gente fazer escola, é para estudar em uma escola privada, então o Carlos conseguiu, ele fez uma bolsa lá, todo mundo estudou em um colégio particular, e eu terminei, quando eu fui para Roma eu já tinha terminado a escola, e aí quando a gente voltou foi o sucesso, foi o auge da orquestra, e a gente teve apresentação até com o Gilberto Gil tem no YouTube, é linda essa apresentação, é incrível, o Gilberto Gil é maravilhoso, tratou a gente muito bem, teve trocas de conhecimento, ele elogiou um músico que é da nossa orquestra, ficou encantado, e a gente tocou com alguns artistas. Lembro que na volta de Roma a gente foi para o Faustão, né? A gente tinha que dar o nosso relato, falar o que aconteceu, e eu não conseguia falar porque eu estava chorando, então eu não estava apta para entrevistas, mas eu lembro que eu chorava, toda vez que eu via uma cena de Roma eu estava chorando e a gente foi para São Paulo para fazer isso, também teve um caso que a gente foi para São Paulo fazer uma apresentação com o Gilberto Gil logo depois de Roma, então foi tudo muito rápido, foi o nosso auge, a gente estava correndo com muitas apresentações na época e eu percebi que eu mudei a minha postura, a forma de trabalhar porque antes eu não tinha muito essa noção, 19 anos estava em outro país, mas eu tinha na minha cabeça que eu tinha que apresentar, eu tinha que chegar lá e trabalhar e fazer o meu trabalho, mas hoje em dia eu tenho um pouco mais de responsabilidade com o horários, com o meu corpo, com a minha cabeça porque antigamente eu não tinha isso.
01:39:13
P/1 - Você estava fazendo uma reflexão sobre as suas transformações, que eu acho que é isso, uma mulher mais madura em relação a vida pessoal, uma vida profissional, e comentar sobre outras apresentações que marcaram muito você nessa orquestra?
R - Com 19 anos para 20 eu ainda não estava muito...eu acho que o que me fez mudar foi essa quantidade de viagens, de locais que a gente conhecia, lugares que a gente tocava, ter um discernimento, e às vezes eu tocava em lugares, para pessoas que não estavam nem aí, mas eu comecei a perceber um monte de coisa, comecei a perceber essa diferença de público, em tocar em tal lugar, na Barra [ bairro Barra da Tijuca] por exemplo a gente é mal visto. Ontem mesmo na caravana [Caravana da Orquestra Maré do Amanhã] as pessoas do prédio pediram pra gente parar de tocar no bairro, pediram pra gente ir embora. Lá na Barra a gente sempre tem um probleminha, mas vai tocar ali em Madureira, vai tocar ali em Caxias, e eu comecei a ter essa sensação de pertencimento e isso começou a me mudar um pouco, a saber para onde eu quero ir, o que que eu quero realmente fazer aqui na Maré, e me ajudou também a descobrir quem eu sou. Tem gente na Maré que se acha burguês e mal sabe. Eu também tive muitos problemas com o próprio violino porque eu não me sentia digna, não tinha ninguém que pudesse me inspirar a tocar, ouvir uma mulher negra tocando violino, não encontrava isso em lugar nenhum, eu também não buscava saber. Hoje aos 23 anos eu tenho buscado mais porque eu escolhi o que eu quero fazer da minha vida, eu atrasei minha graduação por conta disso porque eu não sabia, eu estava ali trabalhando, já tinha um currículo muito pesado por conta da Orquestra, coisas que a gente já fez, só que em graduação eu estava assim, o que que eu vou fazer da minha vida! Não é isso aqui que eu quero, porque eu não me sentia daquele universo, sabe? Universo de violinista é uma coisa louca que eu não consigo me colocar. Só que agora eu penso um pouco diferente, eu falo - olha, o meu foco nunca foi para fora, nunca foi lá fora, o meu foco é aqui, eu comecei aqui e eu quero terminar aqui.
P/1 - Aqui aonde?
R - Aqui na Maré. Ver esse trabalho com as crianças me deixa assim, é isso aqui que eu preciso fazer. Eu estou vendo o movimento, estou vendo o que está mudando, esse ano a gente está firme com as crianças, a gente está voltando a ter aula e esse ano a gente já vem com uma proposta diferente para nós mesmos. E como é que a gente vai fazer isso? Aí se inicia o método que a gente vem trabalhando que é o método Suzuki de iniciação, eu fiz o primeiro volume, falta fazer mais 03, mas eu fiz o primeiro volume, já consigo, já posso mostrar “olha dou aula”, e antes da pandemia eu estava me preparando para fazer Licenciatura, então eu fiquei com muitas dúvidas eu não sabia exatamente o que fazer, eu acho que foi um período para mim de o você realmente quer fazer na sua vida, 2020 para mim foi isso. O que você quer fazer? E esse ano já começou ainda meio assim, o que você quer fazer, mas já sabendo já tendo um pouco mais de certeza e ultimamente a gente tem voltado aos poucos com as aulas, e eu já estou vendo que as crianças estavam com tanta vontade, mais vontade do que eu, de aprender, de estar, e de uma semana para outra as crianças já estão aprendendo muito rápido, já está dando resultado. Então eu vejo que o nosso trabalho, o meu trabalho, o meu tempo, os meus estudos pessoais estão acontecendo, está funcionando, e isso implica muito também nas minhas reflexões internas meio pessoais, eu me senti muito perdida por muito tempo porque queria dança, queria isso, mas não era exatamente isso, e como isso vai me fazer sentir daqui para frente, Eu não quero só fazer por fazer, quero que isso deixe uma história, eu quero uma coisa legal, eu quero me sentir útil aqui, então não é só pelo dinheiro, eu não quero algo que só me dê dinheiro, mas eu quero ser conhecida, eu quero que me vejam, quero que as pessoas me sintam. Eu acho que é mais isso, quero saber me expressar, tive muito problema. Eu acho que a arte tem dessas, se você não se expressa, se você não tem esse ambiente de vulnerabilidade, por mais que seja uma coisa boba assim a arte não se faz, não tem como.
Se você se fecha muito, por muito tempo eu fiquei fechada, eu ouvia muito o que as outras pessoas falavam “ah não vai ser possível, ah mas você é isso, você é aquilo, ah violino não vai te dar futuro não”. Isso foi dito por gente da minha família assim, não minha mãe e meu pai, mas tio, tia, né? “Sai disso”, você vai para fora tem uma realidade e volta, você está na mesma realidade, sabe? Essas coisinhas que começaram a me magoar, me machucar e eu me fechei totalmente para arte assim. Eu tive esse momento de ficar fechada, eu fiquei me sentindo muito perdida e cara, o que que é a arte? Arte dá dinheiro! Só que eu me mantive e a Orquestra também, não sei como, mas a gente está firme e forte, fazendo as nossas atividades, dando um jeito para que isso se perdure por mais anos, já temos aí 11 anos de Orquestra, de projeto e isso só vem crescendo. Então esse ano a gente está focado em se formar, em fazer nossas coisas para poder dar continuidade, porque agora o futuro são as crianças já começa por aí. Então eu tenho focado muito em educar, na educação, às vezes a gente está ali dando aula, mas a gente já está botando as sementinhas, para a criança já se desenvolver mais rápido e entender que tudo é possível, porque eu não tive isso na época eu tive muitos conflitos de achar que não era possível, de achar isso, de achar aquilo e hoje as pessoas me olham e fala...tem gente que acha que eu sou rica. Rica, entendeu? Eu tento hoje viver em equilíbrio e viver de forma mais assertiva sabendo o que eu quero, mas para eu chegar aqui eu vi muita coisa, mas muita coisa, que me fizeram desistir, me fizeram atrasar a minha graduação. Então, hoje eu estou meio que recomeçando, esse ano é de recomeço e de uma nova Juliana, de um novo olhar para arte, eu sou a própria arte, eu já estou assim “ó, Juliana, você é a própria arte, faça!”
Em questão da religião que eu acho que tem muito a ver com isso, desde que eu comecei a olhar para espiritualidade, as coisas tem se movimentado diferente e eu tenho me sentido um pouco mais conectada com a própria favela. Antes eu só via coisa ruim da favela, hoje eu vejo que tem muitas coisas legais que a gente pode ver, que a gente pode consumir, se nutrir e botar isso na nossa vida, sabe? Hoje eu consigo olhar para uma árvore na Maré e ver do mesmo jeito que eu vejo ela na zona sul, por que que a árvore que está na Maré é diferente da árvore que está lá fora? As pessoas têm um pouco disso... “Não tem nada de bom para ver na Maré”. Tem sim cara, vai ali na Vila Olímpica, é um espaço incrível, enorme que você pode correr, pode fazer suas atividades, tem coisa boa para ver, a gente só tem que escolher o que a gente quer ver dentro da favela, entendeu? E eu comecei a entender isso, o que eu quero, o que é a arte, onde isso está entrando na minha vida. Comecei a juntar as coisas. Então eu faço música, eu quero fazer Musicoterapia porque eu entendo que além de se formar como professora eu tenho um plano. Quero começar com Licenciatura e me especializar em Musicoterapia porque eu acho que precisa disso aqui, muito, muito, e a música tem me curado, eu tenho me sentido pela primeira vez de verdade em 23 anos. Eu sinto que a música está me curando, ela está tirando mágoas, eu tenho escutado música de verdade, tenho escutado muita música instrumental, o que que é a música, tenho feito essa pergunta pra mim, e eu realmente falo que cura, é surreal isso cura de verdade. O caminho está começando a aparecer e eu sigo isso, eu só vou fazer o caminho com caminhar, eu só vou fazer o caminho se eu caminhar, preciso caminhar e as coisas estão começando a aparecer, aí vem a religião que do nada também, espiritualidade bateu na porta, eu carrego uma coisa com a religião bem forte, a partir desse momento também tenho visto a natureza de forma diferente, tenho sentido amor, está tudo junto e o que está me transformando é ter aprendido em dar aula também
01:49:30
P/1 - Muito obrigada, linda reflexão, e eu acho que tem alguns pontos que eu gostaria para a gente finalizar, eu acho que você está falando agora, o que é bacana poder ver que você está fazendo uma opção pelo ensinar, educação como caminho de transformação. Pode ser na vida pessoal você dar aula para as crianças, mas, quer dizer, isso é uma atividade do projeto? Além de vocês serem musicistas, é uma atividade do projeto também ser professora?
R - Sim. Porque a ideia do Carlos sempre foi fazer de gerações em gerações isso, e somos a primeira geração, muita gente saiu e muita gente ainda permanece como eu, eu sempre tive isso na minha cabeça. Desde o momento que eles me botaram para ensinar música, para ter essa experiência de ensinar, agora eu entendo o porquê. É porque realmente eu tenho aprendido, eu tenho melhorado muito as minhas habilidades no violino por conta dessa parte de ensinar. Então, eu tenho aprendido com as crianças e eu estou aproveitando esse espaço de ensino para aprender. Está havendo uma troca muito legal entre a gente ali, esse sempre foi o objetivo da Orquestra, era profissionalizar a gente, dar um caminho e está acontecendo não só para o projeto, para nós mesmos, teve gente que seguiu coisa totalmente diferente. No meu caso eu amo educar, amo ensinar, eu acho que figuras como nós tem que ter mais, isso me cura de verdade, e agora que estou nessa.
01:51:14
P/1 - Mas o lema do projeto é transformar através da música?
R - Nossa e eu fui entender isso agora, depois de anos. Quando a gente é criança, adolescente a gente só quer curtir o lugar, só que depois que eu paro para refletir sobre a minha própria história, sobre como isso mudou a minha vida, mudou a forma que eu penso, faz que eu pensava diferente ali, que agora eu penso assim, e estar no projeto e ser mais do que isso, eu não só toco violino, eu ensino, eu também sou psicóloga das crianças sem ser formada, entendeu? Porque aqui na Maré para você ser professor, você tem que ser psicólogo também que as crianças vem com muitos problemas, e não dá para começar a aula e “vamos começar”... Não, você tem que saber como é que foi o dia dela, como é que está em casa, como é, a gente conversa, desenvolve, deixa a criança mais tranquila, pelo menos essa é minha forma de trabalhar, respira um pouco para gente começar a aula, porque eu falo tem que ser psicólogo, ultimamente a gente tem tido aula e a parte do violino tem aula com uma professora maravilhosa de método Suzuki também, ela que está colocando a gente nesses caminhos de ensino e ela tem falado muito sobre isso, né? Esse cuidado com a criança porque é uma responsabilidade muito grande, e quando a gente começou com isso a gente não tinha noção de que isso era muito grande, agora que está caindo a ficha, a gente vai dar continuidade. Isso aqui é nosso, a gente precisa fazer por onde, agora que está caindo esse prazer de ensinar, e meu pai sempre falou “por que você não faz Musicoterapia?” E Musicoterapia eu acho que foi anunciado em 2018 por aí, é bem recente na UFRJ, é muito caro, é R$1.500,00 para você se formar sabe? Tem na UFRJ agora, e só agora que eu falei musicoterapia. Agora está fazendo sentido eu fazer esse negócio aí que eu estou gostando, eu estou sentindo que vai me trazer uma coisa muito boa. Eu penso em dança, pensei em licenciatura, pensei em pedagogia, e eu acabei indo para o que meu pai falou lá atrás.
01:53:37
P/1 - Antes da gente finalizar, queria que você assim contasse como é que foi o show da Anitta?
R - O concerto com a Anitta foi na virada do ano de 2017, a gente estava com muita demanda de apresentação de concerto, e final do ano todo mundo querendo relaxar porque foi um ano exaustivo, aí a gente recebe a ligação da Anitta assim “olha...e aí, vamos trabalhar?” Não foi bem assim. O Carlos entrou em contato com a gente, a gente se preparando, eu acho que foi uma semana só, uma semana e a gente se preparando para passar com a nossa família, e o Carlos mandou no grupo “a Anitta deu as caras, vocês podem trabalhar?” Todo mundo “claro, vamos”. A gente não tinha noção que a gente tinha que pegar uma partitura nova, totalmente nova para tocar, e a gente já tinha um medley Anitta, a gente já tocava a Anitta, o que chamou a atenção dela por conta disso, e aí a gente teve que gravar em um estúdio onde estava os maiores músicos, uma loucura, e a gente teve que tocar lá, na época eu não me sentia, eu falei - Gente o que eu estou fazendo aqui! A gente gravou o som, ela passou, que é um áudio da música e a gente acompanhou, tentou gravar a música, porque na época a gente não tinha tanto nível para tocar aquela partitura, e a gente deu um jeito, a gente atravessou aquilo ali, vambora, saiu tudo perfeito, lindo, na hora do show eu lembro que eu ficava assim - ah nem estou nervosa...e eu estava em áreas Vips, falei - caraca que legal! Todo mundo lá se espremendo, eu aqui dançando mais fácil, e os meus amigos “aaaaaaa”, tinha 19 anos e não podia beber, eu lembro que a gente não podia beber, a Anitta ela ofereceu roupa porque tinha um figurino a se seguir ali e ela comprou, perguntou o tamanho de todo mundo, a equipe dela e compraram calças brancas, a gente já tinha uma blusa branca da orquestra e ela também comprou sapato, e a gente teve usar o sapato com tudo muito bonitinho, muito, a gente amou, tem gente que usa até hoje, e a gente também teve remuneração além das roupas, e eu lembro que a gente não podia beber, a gente estava ali todo mundo se divertindo até a hora de tocar, eu lembro, eu não sei exatamente qual foi o horário, se foi depois, se foi antes de ter os fogos que a gente tocou, acho que foi depois, eu lembro que eu subi no palco, tinha os dançarinos dela, quando eu subi no palco e vi a quantidade de gente, engraçado que eu não me senti nervosa, eu me senti confortável porque o ambiente que ela trazia era um ambiente muito confortável de trabalhar, de estar, de sentir, de ser você, de dançar e a gente ficou assim, a gente se sentiu muito bem em trabalhar com ela, muito bem, muito bem, e a quantidade de pessoas, a gente estava nervoso, cara, um monte de gente, tem o planeta inteiro vendo a gente aqui no palco, a gente está tudo junto da Anitta e isso reverberou para o mundo inteiro, que a gente tocou com a Anitta. Na hora de começar a gente nervoso, só que quando a música começou a gente começou a relaxar, começou a dançar enquanto toca porque foi uma experiência incrível, eu realmente me senti artista, eu falei - cara, eu estou aqui, olha o que que eu estou fazendo, olha o meu trabalho, olha a quantidade de gente aqui, e não foi só para ver ela. Quando falou “Orquestra Maré do Amanhã com a Anitta”, a galera mandava mensagem no Twitter, de todos os lados, eu senti que as pessoas não estavam olhando só para a Anitta, mas estavam olhando para a Orquestra da Maré. Isso é muito grande, é uma coisa que se eu botar no meu currículo absolve. Vem, vamos trabalhar!
01:58:06
P/1 - Então, o que significou aquele momento para você?
R - Ai, para mim, na hora foi surreal! É isso, eu achava isso impossível de acontecer. E eu falei, depois da Anitta, só pode vir Beyonce, sabe? Tem gente que acha que a gente vai tocar com a Beyonce, mas para mim significou, eu acho que ela conseguiu ver a gente, ela conseguiu ver a gente, acho que é mais isso, ela enxergou a gente, eu me senti muito grata, muito, muito, muito, muito grata, eu saí de lá assim, eu voltei para Maré e todo mundo “aaaaaaa, eu vi vocês”
01:59:09
P/1 - Vocês tocaram que música?
R - A gente tocou um medley feito pela equipe lá da Anitta, pelos músicos, a gente tocou as músicas dela, a gente fez um medley de músicas da Anitta e ficou lindo, a gente tocou também Vai malandra com ela, e ela quem fez todo o negócio, ajeitou tudo ali para gente tocar, como é que seria, como é que seriam as músicas, e nossa ficou lindo demais, quando eu vi isso pela câmera dos outros, porque quando a gente está lá é outra coisa, ver pela câmera é surreal, você vê aquilo ali (‘sou eu que estou ali’), eu me senti muito grata pela experiência. A Caravana de jovens foi um dia antes, tudo muito corrido mas deu muito certo.
02:00:04
P/1 - Bom então para finalizar, queria saber como é que você se sente hoje atualmente? Você já até fez uma reflexão do hoje, né? Você sendo, a sua trajetória negra, moradora da Maré, musicista e professora, eu acho que essa atividade de ensinar, de educadora, é muito importante também para reflexão, e contar um pouquinho como é que é um dia seu hoje, você mora com quem?
R - Hoje eu moro sozinha, ainda moro no Fogo Cruzado, mas eu saí da casa da minha mãe e moro sozinha, eu acho que eu iniciei, eu já moro sozinha faz um 01, e eu levei muito tapa na minha cara, tive que desapegar de muitas coisas e fiquei muito tempo sozinha refletindo sobre a vida, e tem uma coisa que eu gosto muito, que é dançar e me fazer de maluca dentro da minha própria casa, isso me traz além do prazer, me traz também muitas reflexões boas, boas, de como eu quero ver não só a minha casa, mas o ambiente que eu vivo, de que forma eu quero olhar para esse ambiente, eu me faço essa pergunta todo dia e estou sempre optando em olhar para as coisas que me faz sentir bem. Às vezes eu estou andando aqui e eu vejo alguém ajudar alguém, ou sei lá, alguém fala alguma coisa legal e eu estou sempre me nutrindo disso. Toda vez que eu volto para casa, eu tenho esse discernimento de...estou do lado de fora, o que acontece lá fora não tem que entrar para minha casa. Toda situação não pode entrar dentro da minha casa, minha casa precisa ser um lar meu, aonde eu vou entrar e acabou o mundo. Meu lugar é assim de paz. Então onde eu moro é bem privilegiado de barulho, não tem barulho, é uma coisa bem tranquila e eu botei esse tipo de discernimento. Eu cresci muito também morando sozinha porque foi minha primeira experiência, eu comecei com uma pessoa, a gente terminou o relacionamento, então teve todo esse negócio acontecendo que eu ainda estava vivendo, mas não sozinha. Então, isso está começando agora, viver totalmente sozinha. Eu estou me vendo, me conhecendo e tentando amar essa loucura que habita em mim. Porque antes era difícil, mas eu entro em casa e eu não quero trazer nada do meu trabalho, nada dos problemas dos meus pais, problemas dos meus irmãos, eu quero entrar em casa e ser só eu. Quando eu saio a mesma coisa, eu não levo nada, de dentro da minha casa eu não levo para fora, aí já é outra Juliana atuando e quando eu chego em casa eu já tenho toda reflexão do dia, ontem eu fui dormir cedo que eu cheguei cansadíssima daquele sol da Caravana, eu olhei, tomei um banho e eu só queria chegar aqui tranquila, só queria chegar aqui tranquila para falar, então eu fiquei meio assim, eu vou dormir, não tenho outra coisa para fazer. Por coincidência do cosmos, eu fiquei sem internet, então não tinha para onde correr, aí eu fui dormir. Amanheci hoje mais tranquila, mais calma, do jeito que eu queria amanhecer, porque chegar aqui nervosa trazendo coisa do passado não dá, a gente até trouxe, mas coisas de ontem que foi um pouco de estresse, teve muita coisa que aconteceu e preferi deixar lá.
02:04:46
P/1 - Você estava comentando sobre a experiência que vocês tiveram ontem, quer dizer o carro aberto, que a Orquestra tocou pela Barra e pelo Recreio e de uma não aceitação de episódios, não aceitação do trabalho de vocês, da música, de vocês. Se você puder fazer essa reflexão, você já havia comentado anteriormente que é uma aceitação grande quando vocês vão a Madureira por exemplo. Então se você puder falar, como é que é isso? No contexto da própria cidade, a gente está na própria cidade em áreas diferentes de maior aceitação?
R - Na minha cabeça eu realmente eu não sei como que isso pode ocorrer, mas é gritante, e foi a minha primeira experiência com isso ontem, porque a gente estava na Caravana ali tocando e a gente parou para dar uma pausa para poder comer, para poder descansar um pouco na sombra, e do nada chegou gente do próprio prédio pedindo pra gente se retirar, parar com a música e a gente ficou...”como assim?” Pedindo pra gente se retirar da frente do prédio deles...esse nível, depois que a gente subiu, a gente se retirou, o carro passou xingando a gente, e gritando Bolsonaro, ódio mesmo a cultura, ódio a arte, eu fiquei tipo gente como é que isso é possível? E é! Então foi a primeira vez que eu tive contato com essa rejeição assim, claro a gente passou por muitos problemas de preconceito já, mas eu acredito que não foi tão forte quanto o de ontem, porque você gritar, né? A pessoa passar de carro e gritar, falar ‘Bolsonaro’, ‘não à arte’, falar coisas horríveis assim, gritar de graça, isso eu acho que foi bem pesado. Na zona sul a gente tinha tocado, a gente tocou na Tijuca com a caravana na zona sul em Petrópolis foi uma coisa linda porque além do Carlos morar lá, o Carlos é bem conhecido, então ele levar o trabalho dele, o nosso trabalho também para lá foi uma coisa incrível, linda, eu me senti acolhida, às pessoas esperando a gente assim na casa delas, esperando na janela pra gente passar, então esse tipo de coisa, e na zona sul teve isso também, a gente passando pelas ruas, as pessoas esperando ansiosas pela nossa chegada, acompanhando o horário e até cobrando porque a gente se atrasou, mas lá na Barra foi uma situação totalmente diferente. O meu diretor Carlos ele não quer voltar lá. Eu até dei ideia, a única coisa ruim de tocar com a Caravana em lugares, Baixada, mais para a zona sul são as questões dos fios que são extremamente baixos, então a gente não consegue passar com a Caravana, já na zona sul tem aquela rua mais larga, e a gente consegue passar, na Barra foi por essa questão também, mas eu acho que é só por conta disso que a gente não consegue ir a mais lugares com a Caravana. Porque se desse, a gente já estava em outros lugares que a gente sabe que vai ocorrer essa troca. A gente vai estar tocando e as pessoas vibrando, e a gente esperava isso ontem né? Porque são pessoas mais refinadas, mas não teve, eles simplesmente nos xingaram e nos rejeitaram.
02:08:23
P/1 - Rejeitaram pelo tipo de música, pelo fato de vocês serem jovens da favela do Rio?
R - Eu acho que tudo, eu acho que tudo mesmo, eles juntaram tudo e falou “o lugar de vocês não é aqui. Volta para onde vocês estavam.” Foi assim que a gente se sentiu também, enfim.
02:08:43
P/1 - Juliana, muito bonito, obrigada por compartilhar seu depoimento. O que você acha que a arte te traz que nenhuma outra coisa na sua vida te traz? Quer dizer, arte no sentido plural porque você é musicista, você dança, canta provavelmente, não falou, mas...o que ela te traz emocionalmente, afetivamente, ali do coração?
R - Eu percebi que a arte ultimamente tem me dado muita noção de autoconhecimento, muita noção de autoconhecimento, de entender do que eu gosto, o que que eu gosto de fazer. Ultimamente eu tenho observado o que eu gosto de pintura, e aí é uma coisa que nunca na minha vida, e eu gosto de pintura, eu gosto de museu, eu gosto de saber da história, então ela tem me dado além de noção de autoconhecimento, muita cura também, eu estou me curando com a música, eu já me curei com a dança, mas eu estou me curando com a música. A minha história, eu tenho 11 anos tocando, mas nesses 11 anos eu tive muitas frustrações, tive muitas tristezas, muitos choros por simplesmente não conseguir me conectar com o meu próprio instrumento, por achar que não era possível, e agora eu estou percebendo um monte de coisa, tendo muita auto-observação, estou fazendo coisas e vendo como é, estar aqui também é uma experiência que eu escrevo no meu canal, eu escrevo sabe, eu coloco minhas reflexões daquele dia, então para estar aqui eu fui a um museu, para poder entender um pouco do universo eu experienciei para poder falar, eu fui em um museu sobre a cultura iorubá, que além de me dar um pouco de conhecimento da minha própria religião, de trazer isso, ela também me trouxe essa ideia da arte, o que é a arte, e eu queria muito estar nesse espaço para experienciar e vir aqui falar. Eu fiz isso gente, é assim que eu trabalho.
02:10:51
P/1 - O que você achou de dar o depoimento aqui pra gente?
R - Para mim tem muito a ver com essa coisa do autoconhecimento, eu preciso me conhecer para poder expandir, preciso saber como é que eu vou me comportar, o que eu vou falar, o que vem na minha cabeça, como é que eu vou me sentir. Então como falou “vai ter isso” - eu falei vamos. Eu estou assim, vamos! Porque antes eu era “não quero”, muitas oportunidades como essa já vieram e eu falei – “não quero falar não”, e agora eu quero, eu quero que as pessoas me conheçam, quero que as pessoas possam escutar minha voz, quero poder contar a minha história, porque eu achava que a minha história não tenho nada para falar gente, mas tem. Aquela questão, todos nós temos uma história e eu queria muito botar isso aqui, não é a primeira vez, eu já tive uma experiência anterior e aconteceu esse ano também, eu tive esse tipo de entrevista e era para uma pesquisa, um estudo, e ele no final me deu um livro para eu ler sobre Mozart, sobre os compositores, e nesse livro falava exatamente isso aqui que eu estou fazendo. Quem era Mozart! Uma coisa que eu fiquei “caraca Mozart era assim”, porque um pesquisador fez isso, sabe? Botou de forma bem crua como é que era Mozart e aquilo me deixou muito animada, eu falei - eu quero contar minha história como o Mozart fez, quero fazer alguma coisa e eu me espelhei muito, é isso, preciso consumir arte, preciso aprender, eu sou horrível para estudo, mas eu me coloco ali para aprender, para poder trazer e ensinar. Então eu me coloco nessas situações, eu me coloco para experienciar e poder ter isso comigo, para caminhar, para ter o que contar. Acho que é.
02:12:44
P/1 - Muito obrigada Juliana pelo compartilhamento, muito bacana e muito bonita a tua história e trajetória. Agora a gente não pode deixar de conhecer seu violino, se você puder demonstrar pra gente. Falar um pouquinho, por favor, sobre o instrumento que você se apaixonou há algum tempo...!
R - Na verdade eu nunca tive essa conexão com o violino, foi uma coisa que eu fui construindo aos poucos. Eu fui construindo essa relação com o meu violino, porque eu comecei meio afobada, não entendia como que funcionava, e agora que eu entendo. Hoje até o meu método de estudo é diferente, preciso abraçar o violino, preciso fechar o olho, preciso respirar, preciso entender que ele faz parte do meu corpo, para poder tocar de fato, porque o meu som também mudou muito quando eu comecei a querer ter essa conexão com o instrumento, a ter conexão. Eu tive muitos problemas com o violino, esse aqui não é o meu, o meu está no luthier, mas esse aqui é provisório, funciona bem, e eu tive que construir essa relação com o violino, eu não tinha quando eu tinha 12 anos,15,16, fui ter com 21 anos essa conexão com o violino porque eu comecei a entender o que eu quero fazer da minha vida. Então eu comecei a olhar para o violino, toda a minha atenção, toda a energia. Não necessariamente eu vou precisar de um violino para trabalhar futuramente, mas isso aqui é mais uma conquista pessoal, que eu tenho de fazer o meu som, eu tinha muito disso, eu quero o meu som, quero conhecer o som que eu tenho, e eu me comparava com violinistas e falava - olha para eu chegar ali eu tenho que estudar, ok, já sei disso. Mas e como é que eu vou ter essa conexão! Então eu tive que criar isso e eu fui morar fora da Maré, fui morar em Barros Filho e lá eu aprendi muita coisa porque lá eu ficava sozinha, totalmente sozinha, então eu tocava o dia todo, estudava o dia todo e lá que eu comecei a construir essa conexão com o meu violino foi ano passado, não tem muito tempo, e hoje em dia gosto muito, é diferente, e eu quero tocar.
02:16:13
(Juliana toca violino). Essa foi a primeira música que a gente tocou lá em 2010, e foi dessa forma mesmo que eu toquei, foi desse jeitinho
02:16:55
P/1 - Muito obrigada, gostaria de comentar mais alguma coisa para gente encerrar? Obrigada Juliana, obrigada gente!
R - Muito obrigada vocês!
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