Depoimento de David Vaie
Entrevistado por Cláudia Leonor e Márcia Ruiz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Mattos
P - Eu queria que o senhor falasse o nome completo do senhor, a cidade que o senhor nasceu e o dia que o senhor nasceu.
R - Meu nome é David Vaie, eu nasci em 31 de agosto de 1912.
P - Que cidade?
R - Na cidade de Rotin, na Romênia.
P - Na Romênia. E o nome dos pais do senhor?
R - O nome de meu pai era Meer Vaie e o nome de minha mãe era Trana Vaie.
P - O senhor sabe onde eles nasceram?
R - Eles nasceram lá, acho que na mesma cidade, né?
P - E o senhor tem irmãos, senhor David?
R - Eu tinha um irmão e cinco irmãs.
P - Certo. E como é que era a infância do senhor na Romênia? Como o senhor brincava com os seus irmãos? Como era?
R - Eu era caçula, né? E a situação econômica naquele tempo não era muito boa não. Então cada um trabalhava pra sustentar a casa. E eu era caçula e estava estudando ainda.
P - E como era a escola do senhor?
R - A escola era muito boa. Até hoje eu tenho a melhor lembrança da minha escola. Da primeira escola primária que era muito boa, a professora era muito dignas, muito inteligentes, né? E eles influíam na parte educacional que pertence a cada criança, não é? O amor pelos pais, o amor pela família. O amor pela ... o povo, por tudo, né?
P - Certo. E como é que era a casa do senhor lá na...
R - A casa era bem simples. De uma família que precisava trabalhar para o sustento não é? Mas, ao mesmo tempo, cuidava da educação dos filhos da maior possibilidade que podia.
P - Certo. Havia alguma diferença da educação dos meninos para a educação das meninas?
R - Havia, infelizmente. Antigamente era bem diferente, né? Que a mulher estava muito por baixo, né, e os homens alguns trabalhavam, outros estudavam mas, quer dizer, as moças também estudavam, mas muito menos do que os homens.
P - Certo....
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Entrevistado por Cláudia Leonor e Márcia Ruiz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Mattos
P - Eu queria que o senhor falasse o nome completo do senhor, a cidade que o senhor nasceu e o dia que o senhor nasceu.
R - Meu nome é David Vaie, eu nasci em 31 de agosto de 1912.
P - Que cidade?
R - Na cidade de Rotin, na Romênia.
P - Na Romênia. E o nome dos pais do senhor?
R - O nome de meu pai era Meer Vaie e o nome de minha mãe era Trana Vaie.
P - O senhor sabe onde eles nasceram?
R - Eles nasceram lá, acho que na mesma cidade, né?
P - E o senhor tem irmãos, senhor David?
R - Eu tinha um irmão e cinco irmãs.
P - Certo. E como é que era a infância do senhor na Romênia? Como o senhor brincava com os seus irmãos? Como era?
R - Eu era caçula, né? E a situação econômica naquele tempo não era muito boa não. Então cada um trabalhava pra sustentar a casa. E eu era caçula e estava estudando ainda.
P - E como era a escola do senhor?
R - A escola era muito boa. Até hoje eu tenho a melhor lembrança da minha escola. Da primeira escola primária que era muito boa, a professora era muito dignas, muito inteligentes, né? E eles influíam na parte educacional que pertence a cada criança, não é? O amor pelos pais, o amor pela família. O amor pela ... o povo, por tudo, né?
P - Certo. E como é que era a casa do senhor lá na...
R - A casa era bem simples. De uma família que precisava trabalhar para o sustento não é? Mas, ao mesmo tempo, cuidava da educação dos filhos da maior possibilidade que podia.
P - Certo. Havia alguma diferença da educação dos meninos para a educação das meninas?
R - Havia, infelizmente. Antigamente era bem diferente, né? Que a mulher estava muito por baixo, né, e os homens alguns trabalhavam, outros estudavam mas, quer dizer, as moças também estudavam, mas muito menos do que os homens.
P - Certo. E da família do senhor, o que o pai do senhor fazia, trabalhava em que? E os irmãos do senhor?
R - Eles eram pequenos negociantes não é? Meu pai parece que era negociante de cereais, meu irmão ajudava ele, também, no serviço, né? E as moças trabalhavam em casa. Eu perdi minha mãe quando eu tinha seis anos, então a vida era difícil, né?
P - Certo. E o senhor morou na Romênia até quando mais ou menos?
R - Até quando eu sai de lá que foi em 1928. Quer dizer que eu sai como um rapaz de lá, mas, sai do ginásio lá e estava pensando em continuar aqui. E continuei mesmo.
P - Como o senhor veio pro Brasil, então? Conta pra gente..
R - Bom, eu tinha um irmão que veio pra cá em 1924, né? E durante este tempo até 1928 ele mais ou menos se arrumou na profissão. Profissão não, né, o que ele tinha era negociante também. E como meu pai faleceu em 27, então ele trouxe a família toda pra cá. Que não era fácil também pra ele. Mas, ele se sacrificou pra trazer a família toda pra cá.
P; E o senhor sabe porque ele escolheu vir morar no Brasil?
R - Bom, pra dizer a verdade, não é mais como hoje, que a dificuldade do sustento da família aqui é tão difícil. Antigamente lá na Europa falava-se do Brasil como um país do futuro. País onde a gente pode trabalhar, ganhar uma vida boa etc., né? Então atraiu muito os imigrantes para o Brasil, entre eles viemos nós. Agora, a verdade do que se possa dizer, comparar a vida, lá na Romênia e a vida aqui no Brasil, é sair de um inferno para um paraíso. Porque hoje em dia a gente fala, eu até fico pensando comigo, como é que o brasileiro pode falar tão mal do Brasil. Eu que fico pensando comigo, porque eu não digo falta patriotismo. Mas precisa gostar mais do país, porque o estrangeiro quando vem aqui, da vida que ele passou mal lá, e começa a trabalhar aqui, desenvolver, estudar etc., ele pensa muito melhor do que muitos brasileiros sobre o Brasil.
P - E o senhor lembra assim, o dia em que o senhor chegou ao Brasil, qual foi a impressão que o senhor teve?
R - A impressão foi muito boa. Mas, sabe, a mudança de um país para o outro, o modo de vida etc., faz uma diferença muito grande. Mas ao mesmo tempo, a pessoa que vem de fora começa pensar logo, ao invés de você sair do inferno, veio para um paraíso. É isso aí. (risos)
P - E o senhor veio morar em São Paulo?
R - É vim diretamente para São Paulo, morei sempre em São Paulo. Agora, quando eu vim pra cá eu, como tinha terminado o curso ginasial lá, então estava pensando em continuar. Então comecei a trabalhar como balconista e o primeiro mil réis, que era naquele tempo, que ganhei comprei uma gramática portuguesa.
P - Ah, é? E como o senhor fazia, ia estudando sozinho o português?
R - Estudando sozinho, porque o romeno é uma língua latina e é muito parecida com o português. Muito parecida, tem muitas palavras iguais também. Então como eu sai no último ano e a gramática vi logo que era a mesma coisa. Não precisava fazer muita força não, e pegava tudo, o resto dos estudos é claro que eu me preparei. Fiz um cursinho preparatório pra entrar na escola e, depois, foi a vida escolar.
P - Que escola o senhor fez?
R - Aqui, escola de Farmácia.
P - Farmácia, certo. Mas o senhor veio morar em que bairro?
R - Eu vim morar no Bom Retiro, sempre morei aqui no Bom Retiro. Gostei muito do bairro. A primeira imigração para o Brasil, para São Paulo é a imigração italiana. E depois vieram outros povos, entre eles nós, os israelitas. E o tempo que a gente viveu na Romênia, na Rússia naquele tempo, que não só, não era só para os judeus, vamos dizer, que naquele tempo para os judeus era difícil. Mas para o povo em geral, porque a situação lá naquele tempo na Rússia era meio feudal, não é? O povo não tinha quase direito nenhum. E era maltratado e tudo, e eu cheguei aqui, você chegou era país livre. Tudo que você viu, você gostou porque era livre, né? Era uma liberdade completa, né?
P - E como era o bairro do Bom Retiro naquela época? Como eram as casas, as ruas?
R - O bairro é claro que não era como hoje, mas tinha aquelas lojas, cada um tinha a sua lojinha de roupas e sapatos e outras coisas. E vivia disso aqui. Mas com o tempo a coisa foi se desenvolvendo muito, né, e cada um procurava, vamos dizer, fazer trabalhar pra poder ganhar a vida. E eu, eu achei que eu devo trabalhar, trabalhei de dia pra poder estudar de noite. Então fiquei o tempo todo, durante o tempo todo que eu estudei, estudava de noite e às vezes chegava em casa às dez e meia da noite, onde ficava até as duas, três horas da manhã estudando para poder continuar trabalhando e estudando. Não foi fácil, foi uma vida muito difícil. Mas apesar disso eu sou muito contente porque eu consegui fazer alguma coisa de bom, uma coisa bonita, né? Constitui minha família, casei, formei minha família com meus filhos, fiz todos os meus filhos estudarem, todos são formados. Então isso aqui já dá uma certa, um certo amor pelo país, onde você fez a tua vida. Você pode dizer: "Não, você não é brasileiro". Eu sou brasileiro naturalizado, mas eu tenho tanto amor pelo Brasil quanto qualquer outro brasileiro, talvez mais.
P - Que bárbaro Ô senhor David, e qual o primeiro trabalho que o senhor fez quando chegou aqui?
R - Meu primeiro trabalho é este que eu fui balconista de uma loja do meu irmão que já estava aqui, né? E ele fez um grande sacrifício, porque ele trouxe uma família de cinco pessoas, né? Aqui não era fácil para mandar dinheiro, mandar documentos, tudo isso aquilo pra poder viajar para o Brasil, que era um continente, um outro continente viu? Até me lembro uma vez, um episódio muito bonito, antes de vir pra cá eu entrei lá na secretaria do ginásio onde eu estava e falei para o diretor que eu preciso do diploma pra poder continuar estudando aqui, então ele falou: "O que é que você vai fazer no Brasil, só tem negros lá? Que é que você vai fazer lá?" Eu falei: "Não, eu quero sair, eu estou contente, eu penso que vou, vou alcançar alguma coisa." Graças a Deus alcancei. O diretor do ginásio falou assim Essa era a opinião naquele tempo sobre o Brasil.
P - Me diz uma coisa seu Vaie, quando o senhor chegou no Brasil, aqui no Brasil, como a Cláudia falou do bairro, o senhor falou que o senhor estudava, que o senhor trabalhava. E como é que foi o seu relacionamento com as pessoas? O senhor morava com o seu irmão e ...
R - Morava com o meu irmão e com as minhas irmãs e formamos uma família. Tinha tudo em casa, as irmãs trabalhavam para preparar e outra irmã menor ajudava também na loja. Então quer dizer uma família como toda família, ajudando um ao outro, né?
P - Como é que chamava a loja do irmão do senhor?
R - Não me lembro.
P - E como que ela era assim...
R - É, era um modelo muito pequeno, não tinha as coisas. Em quatro, cinco anos que ele fez aquilo, não podia fazer muita coisa ainda. Mas só o fato de poder tirar a família do inferno e vir aqui, já é uma grande coisa, né?
P - Mas a loja vendia o que seu David?
R - Vendia roupa de mulher, de homem, né? Naquele tempo era difícil, né, como hoje também. Mas hoje, por exemplo, você tem o Mappin, ou qualquer Mesbla, ou qualquer um. Você vai lá faz uma compra e paga em cinco vezes, seis vezes, eles aumentam. Mas se você não comprar deste jeito você não vai ter nunca nada. Você quer ter uma geladeira na sua casa, você não tem possibilidade de comprar em dinheiro, então você sabe que você vai pagar em 30, 40, 50% talvez a mais, mas você vai ter isto. Se você ganha tanto por mês, você tira tanto pra pagar, mas daqui a seis meses você vai ter aquilo. E se você não faz isso, você não vai ter. A mesma coisa era naquele tempo. O sujeito precisava comprar uma roupa, eu não sei quanto ele ganhava por mês naquele tempo, mas com aquilo se ele pagar 20 ou 30% a mais a pessoa que trabalhava com isso ganhava e a pessoa que comprava tinha a possibilidade de ter alguma coisa na vida, que é muito importante, né?
P - O que é que o senhor achava que as pessoas queriam mais comprar? Tinha alguma coisa que...
R - Ah, geralmente a pessoa comprava tudo necessário, né, não tinha luxo. Não tinha naquele tempo nem geladeira, a geladeira era de gelo, né, e nem televisão e qualquer coisa que não tinha. A gente tinha um radinho pequeno e já era uma grande coisa. A vida não era fácil não. Agora eu digo, graças a Deus porque eu constitui alguma coisa, construi uma família, consegui formar todos os meus filhos, são todos formados. Quer dizer, isso já é uma grande coisa. O maior sonho que a gente pode realizar. E ao mesmo tempo ele trabalhava em sociedades da colônia daqui, ajudava uma, ajudava outro. Eu me lembro quando eu vim pra cá, tinha um curso de português inicial, que você não sabia nada. Então, tinha a sociedade que já organizava um curso para as primeiras palavras para você aprender, né? Isso já era uma grande coisa. E tinha outras sociedades que ajudava o imigrante novo com dinheiro, com mantimentos, com alguma coisa para poder existir. Agora, uma coisa se dá, por exemplo, agora que vem um pessoal do norte, ele está perdido aqui, porque São Paulo é grande, né? E ele precisa de ajuda também e infelizmente não tem muita ajuda, como devia ter.
P - É verdade. Bom, e o senhor trabalhou na loja do irmão do senhor a quanto tempo, mais ou menos?
R - Trabalhei mais ou menos uns dois anos, mas já estava estudando. Estava trabalhando e estudando de noite. E não era fácil não, era bem difícil. Você chega dos livros e tem que entrar no comércio. A coisa era completamente diferente uma coisa pra outra. Quando você estuda, você tem aquele interesse pelos estudos, né? Mas sempre na minha vida eu gostei, eu sempre gostei, queria ser médico, né? Eu me, era meu ideal, né, mas para ser médico eu precisava um período integral e é muito difícil, né? Então eu escolhi farmácia. E graças a Deus o caminho dos meus filhos e dos meus netos é a mesma coisa. Porque meu filho é médico e meu neto também. Estuda, está para o mesmo lado, estão seguindo sempre o mesmo lado. Eu tenho uma neta que entrou na USP agora, está fazendo curso de enfermagem padrão e, ela entrou o ano passado, em janeiro, agora vai passar para o segundo ano. Mas estou admirado, como ela gosta desse curso, porque além de gostar do curso você ajuda alguém com isso, entendeu? Quando eu tinha a farmácia, não era como hoje que você entra na farmácia que você entra com a receita toda pronta. Você precisava, quando eu fundei a farmácia, bom, a gente estuda dentro do estudo da farmácia, a fórmula, a fazer receita, formular receita. Então os médicos, naquele tempo, eles receitavam só fórmula pra você fazer. Então a gente trabalhava só com isso. Eu me lembro quando eu vim pra cá, depois que eu abri a farmácia, tinha poucos médico, né? E o farmacêutico era considerado como médico, né? Mesmo quando o sujeito, o freguês ia no médico ele ia também na farmácia perguntar se esse médico era bom, e quando ele trouxesse a receita, ela perguntava ao farmacêutico se estava certo, se é bom, o que o médico receitou. Então era uma outra vida, não era como hoje, né? Tinha dois médicos da colônia, um ainda está vivo e está trabalhando até hoje, que era meu colega no primeiro ano de farmácia, mas depois ele saiu e foi estudar medicina no Rio de Janeiro. E ele é médico até hoje aqui no bairro, e tem um outro já, também era formado, já era médico, então, eu morava na rua, a primeira farmácia que fundei foi na Rua Ribeiro de Lima, 583.
P - Como é que se chamava a farmácia?
R - Farmácia Ribeiro de Lima. Então é lá onde o Banco Real é hoje, lá era a farmácia. A farmácia estava na frente e no fundo eu morava com a família. Então a coisa, às vezes chegava um médico, às duas, três horas da madrugada junto com a mãe de um filho que estava doente. Estava com febre, qualquer coisa, para eu preparar remédio na farmácia para levar lá. Então isso, do próprio médico era um trabalho sacerdócio, um trabalho que hoje não se vê mais. Hoje não quero falar mal, porque meu filho também é médico. Mas não é a mesma coisa. Você não tem aquele ideal é diferente, complemente diferente. Mas a gente sentia uma satisfação íntima porque estava ajudando alguém na doença dele. Tanto que agora, quando a minha neta, que está para passar para o segundo ano, então eu perguntei como é que você: "Ah, vô, eu gosto muito disso aqui". Então outro dia que eu estive na casa dela ela falou: agora eu vou precisar de um estetoscópio e um aparelho de pressão, então eu falei: "Eu vou comprar isto pra você".
P - E onde o senhor comprou o estetoscópio?
R - Comprei na Fretin.
P - E por que o senhor comprou lá?
R - Comprei o estetoscópio e o aparelho de pressão. Então escrevia umas palavras pra ela, então escrevi: "Eu te dou esse presente e tenho grande satisfação. Porque esse mesmo presente eu dei para o meu filho quando ele entrou na faculdade de medicina"
P - E o senhor naquela época comprou em que loja?
R - Também na Fretin.
P - E por que o senhor comprou na Fretin?
R - Eu gosto daquela casa, é mais séria. É uma casa que os empregados são, atendem muito bem, atendem com delicadeza e tudo. Então é muito bom. Mas eu comparei justamente, falei pra minha neta: "Tá vendo? Eu estou comprando isto pra você, comprei para o teu pai quando ele ingressou na faculdade de medicina".
P - Senhor David, tinha algum tipo de remédio, assim, de fórmula, de cápsula que o senhor gostava mais de preparar?
R - Ah, eu preparava todas as fórmulas que os médicos mandavam, que lá tinha cápsulas, comprimidos, supositórios, xaropes, gotas, tudo isso eu fazia. Agora, fora isso eu tinha fórmulas minhas que eu preparava também. Tinha pomadas, tinha cápsulas, tinha outras coisas, fórmulas minhas que o pessoal acostumou tanto no bairro que já vinham. Eu pus o nome fictício no remédio e o pessoal já vinha: "Me dá tal e tal pomada". Eu tinha uma tal de pomada "anti-séptica" que ela fazia um efeito formidável pra qualquer ferida que não fechava, qualquer coisa. O pessoal vinha comprar, eu vendia muito e era uma fórmula boa. Depois que eu fechei a farmácia, muitos me telefonavam: "Onde eu vou comprar essa fórmula agora? " Eu falava: "Tá bom, vem aqui que eu vou te preparar isso." E fazia depois que a farmácia estava fechada. Eu tenho os sais ainda pra fazer e fazia isto.
P - E como é que era o nome dessa pomada?
R - A pomada chamava-se "Anti-séptica", que anti-séptico é nome genérico, para tudo que é anti-séptico. Mas é uma fórmula minha de diversas substâncias que fazia um efeito formidável. E tinha outras coisas também, até que quando me aposentei eu pensei, pois então, em aprovar lá no serviço sanitário, nesse que controla as farmácias, né? Mas depois o pessoal começou: "Papai chega. O senhor trabalhar tanto, chega com isso, tá?" Eu parei. Mas eu tinha, ainda tenho hoje, balanças, raias e outras coisas que usava na farmácia. Eu tenho uma balança sensível que chama, que pesa miligramas, décimo de miligramas, então ficou na minha casa o tempo todo. Depois quando entrei no lar; hoje se chama Lar Golda Meir, então entrei lá como voluntário para ajudar, porque eles têm uma farmácia mas não sabiam comprar, não sabiam fazer, precisava organizar, precisava de uma pessoa que conhecesse isso para organizar, então entrei como voluntário e comecei a organizar a farmácia. Aí, depois, era difícil porque o Lar vive das contribuições do pessoal, né, então é um pouco difícil porque tem lá, se eu não me engano, tem trezentas e poucas pessoas, né? E cada um já tem uma certa idade, precisa de um empregado para estar com ele, que outro já não lembra direito, outro isso, outro aquilo. Então precisava, né? Aí eu procurei dar da minha parte aquilo que eu podia pra poder ajudar os velhos, eles gostavam muito. Aí depois começou: os medicamentos ficaram muito caros, os remédios prontos, né? Então nós nos reunimos e eu e mais outro farmacêutico, está hoje como diretor lá, antes eu estava sozinho, né, mas sempre precisa de sangue novo pra inovar. Então veio um outro mais novo. E nós começamos a fazer dentro, manipulando os medicamentos, por exemplo, um zílium, para úlcera no estômago, que hoje está custando em reais, deve custar, 25 reais ou 20 reais. Nós estamos fazendo aquilo, o mesmo medicamento, nós fazemos por três, por quatro e por cinco reais. Por quê? Porque nós comprávamos o sal e fazíamos sozinho. Então é claro que o laboratório precisa de propaganda, precisa de empregados, precisa de embalagem, precisa disso, daquilo, isso encarece o produto, né? Agora, se nós fazíamos, então ajudávamos com isso muito o Lar. E eu fiquei durante sete anos trabalhando, não trabalhando, vindo assim como eu podia ajudar, mas eu sentia uma satisfação íntima em mim porque eu ajudei uma pessoa doente, ajudei uma pessoa de idade, que também já não são novinhos, né? Mas eu me sinto graças a Deus bem, e só feliz porque tenho a memória muito boa. E posso dar uma entrevista ainda. Quer dizer isto ... e eu sempre gostei dessas coisas e gosto disso, né? Indiretamente, você ajuda o outro com isso aqui também, e é muito bonito da nossa parte de nossa parte fazer isso aqui também. Porque hoje em dia com a situação financeira, um rouba aqui, outro rouba lá, não sei o que, não é fácil encontrar uma pessoa que se interessam com uma coisa mais sublime, uma coisa mais importante, e eu gosto muito disto.
P - Que bom senhor David. Mas vamos voltar um pouco pra primeira farmácia do senhor. Eu queria saber, assim, como que os produtos eram dispostos, tinha balcão, prateleiras?
R - Tinha prateleiras, esse luxo que tem hoje, mas tinha prateleiras para o pessoal organizar tudo em ordem alfabética, etc., comprimidos de uma lado, xaropes de outro lado, e outras coisa, ampolas de outra lado, tudo isso, é que aplicava-se muita injeção na veia, aplicava injeção no músculo, na veia intradérmica, tudo isso, aquilo a gente fazia na farmácia, né? Quer dizer, não pertence ao ramo da farmácia mas o povo, por exemplo, não tem possibilidade de consultar os médicos pra fazer uma injeção, nem o médico vai fazer. Então a farmácia hoje faz. Hoje a farmácia é diferente porque o pessoal que trabalha numa farmácia é prático de farmácia e quando chega uma pessoa e fala: "O farmacêutico está?" Está, mas ele está muito lá no céu. É completamente diferente, é completamente diferente daquilo que se tem hoje da farmácia, entendeu. Então aconteceu muita coisa, então isso que eu te falei química, analítica, higiene, microbiologia, essas coisas não tem nada da farmácia, você tem que conhecer, não é?, você tem que conhecer. Uma lâmina você conhece o microscópio, conhece outras coisas, né? O exame de urina, tudo você tem que conhecer, né?
P - O senhor aprendia tudo isso na faculdade aqui?
R - Não, na faculdade não se, é... a parte, vamos dizer, de exame de urina, essas coisas, não se dava tanto, mas tinha outras coisas que precisava estudar. Agora, dentro da farmácia, indiretamente você aprendia com os próprios laboratórios vendo o resultado de um, resultado de outro. Se você estuda parasitologia, microbiologia, você sabe, sabe os micróbios, os micróbios que produzem uma doença, qual a doença que deu no exame etc., que deu, vamos dizer, infecção na urina, então você tem que fazer o exame que você já vê qual que deu resultado. Você já pode orientar também antes de ir no médico, também, pra saber alguma coisa. Isso é uma coisa muito importante. É que hoje decaiu muito, né? Decaiu por quê? Tem o sindicato das farmácias, tem esse CRF, Conselho Regional da Farmácia, que procura sustentar a coisa como estava antigamente, mas é um pouco difícil, mas tem faculdades aqui, faculdades em Campinas. Tem, sabe; em muitos lugares, bastante faculdades onde se ensina o estudo de farmácia e o pessoal gosta muito. Eu sei que muitos estudantes, eu não digo no primeiro ano, mas depois eles começam a estudar, porque ele está vendo a coisa como é diferente. E você estuda muitas coisas bonitas. Fotografias que eu lhe mostrei, por exemplo, do professor Monteiro. Então ele era professor de higiene, a gente tinha sempre satisfação de assistir uma aula dele, que era uma coisa formidável, era muito, muito bom mesmo, ela dava, ensinava, ele punha a ciência na língua da pessoa, entendeu? Era muito bom e outros, tinha professores muito bons.
P - Tinha alguma matéria que o senhor gostava mais?
R - Tem que gostar de tudo, não adianta. Se você estuda farmácia você tem saber de tudo um pouco, senão não adianta. Você aprende tudo. É. No ginásio você pode gostar de uma matéria a mais, uma matéria a menos, mas dentro da medicina ou da farmácia, ou de outra coisa, você tem que saber de tudo. Senão não dá, né? Os médicos, por exemplo, têm estudo de laboratório. Então eles se baseiam, a maior parte do diagnóstico, ele faz o diagnóstico dele, mas ele manda num laboratório para ver o que é que tem. E ele se baseia muito sobre isto. E isso é muito importante, né? Agora eu sempre gostei de me dedicar fora a farmácia, gostei de me dedicar à sociedade, ajudar, por exemplo, quando no tempo da guerra. Começava a imigração pra cá de pessoas que não tinham nada. Estavam em campos de concentrações, não sei o que. Então tinham sociedades aqui que se preocupavam com isso, para ajudar os novos imigrantes. E com roupas, com comidas, com primeiro dinheiro para poder começar a trabalhar, e vieram muitos deles. Centenas e centenas ou milhares, então tinha muitas sociedades das quais eu também tomei parte, ajudando esses imigrantes novos, que era muito importante. Hoje muitos já são importantes, já têm dinheiro, já têm loja, outras coisas. Mas naquele tempo, que foi 1942, 43, quando acabou a guerra não tinha nada. Então tinha sociedades, aqui dentro da colônia, que se ocupava com isso. E eu também me ocupei, também, com isso, e também por outras coisas como eu tinha falado, por exemplo, tinha essa sociedade brasileira, como é que falei o nome?
P - Sociedade ecológica...
R - Sociedade Ecológica Brasil-Israel. Então eles se ocupam para transformar o deserto em jardim florido, como se diz, né? Então a parte principal lá é se ocupar para florestar o país. Então foram plantadas milhões de árvores. Milhões mesmo, milhões de árvores. Essa sociedade foi fundada em 1891 na Basiléia, na Suíça. Ela foi fundada pelo Movimento Sionista para ajudar naquele tempo que nós não tínhamos ainda, chamava-se ________ Israel, quer dizer, que ainda não tinha o governo de Israel, mas a juventude sempre procurava, já na Europa, sempre procurava se interessar por isso e ajudava de qualquer forma. Então tinha, hoje é conhecida em Israel como kibutz. É uma sociedade que se vive de forma socialista, que todos trabalham, a caixa é uma só. Se você hoje precisa de coisa, um terno ou um sapato, eu te compro, eu te ajudo no teu trabalho, quer dizer, o teu dinheiro do teu trabalho entra numa caixa comum. Então naquele tempo, já na Europa, nós jovens já do ginásio acostumamos a trabalhar nisso aqui, num jardim, em qualquer lugar para trabalhar a terra, pra conhecer até pra saber alguma coisa sobre isso aí. Isso era muito importante, né? Então essa sociedade aí, até hoje existe e se interessa. E quando eu estive em Israel eu tive o prazer de plantar com minhas mãos uma muda que representa a vida do país, a ecologia do país. Hoje em dia se fala muito aqui em ecologia, antigamente não tinha, mas já naquele tempo Israel se ocupava com a ecologia, que é uma coisa muito importante, né? Eu não sei se eu posso falar muito. Posso? Eu me lembro de um livro que eu li uma vez que, na Grande Guerra, a Alemanha estava aliada com a Turquia contra a Inglaterra, França que depois entraram Estados Unidos também. Então o imperador da Alemanha, como era aliado da Turquia, e a Turquia dominava aquele tempo a Palestina, então ele foi convidado pelo sultão da Turquia para visitar a Palestina que era colônia deles. E ele olhou aquele deserto lá, que só havia pedras enorme e areia e não sei o que, ele olhou aquilo e ele disse: "Olha, aqui, vou te dizer uma coisa, esse país só poderá ser dominado por aqueles que vão saber cultivá-lo, porque senão não vai sair nada disso. Quem vai saber cultivá-lo e vai saber plantar árvores, vai poder transformar isso em alguma coisa, só que ele pode, poderá dominar aquilo". E felizmente o povo judeu preparou sua juventude para isso e mais tarde eles foram para, naquele tempo que ainda não era Israel, ainda era Palestina, viveram nos kibutzin. Kibutz é um, kibutzin é plural, então eles viveram lá, desenvolveram lá e quando mais tarde, quando teve a guerra de 39 até 42, eles entraram no exército britânico, aprenderam a guerrear, a trabalhar nisso, e mais tarde eles constituíram o exército, que hoje é o exército de Israel. P - Certo. Senhor David esse período da guerra, ele ... como é que ficou a atividade comercial do senhor, de farmacêutico? Foi alterada nesse período da guerra, o senhor teve algum problema de receber os produtos que o senhor manipulava? Teve alguma coisa que influenciou?
R - Não, não teve muita. É claro que naquele tempo não tinha tanta indústria farmacêutica, e não era tão desenvolvido assim, também nem os sais eram tantos. Se descobriu muita coisa depois, né? Então, durante a guerra faltou é claro que faltou alguma coisa, faltou muita coisa aqui também. Eu me lembro quando eu ficava na fila pra comprar açúcar, pra comprar pão, pra comprar outras coisas. Mas, vida de guerra, né?..
P - Mas, me diz uma coisa, naquela época, seu Vaie, os produtos de manipulação, a matéria-prima, ela vinha muito de fora, não vinha?
R - Vinha mas já tinha um pouco, o pouco que se tinha já serviu para facilitar o trabalho da farmácia. Mas é claro que a maior parte vinha da França que era Rhone Poulenc que hoje é a Rhodia, então daquele tempo eles traziam de lá. Mas depois a Rhodia começou a fabricar aqui, e não faltava sais não. Tinha a Rhodia, tinha a Polifarma, tinha outros. Mas a principal era a Rhodia que fazia, né?
P - Me diz uma coisa, seu Vaie, como é que era o pessoal que freqüentava, os seus clientes da farmácia, como eram? Eram pessoas do bairro só, vinham pessoas de fora?
R - Não, tinham pessoas do bairro, mas tinha muitas pessoas de fora. E o farmacêutico, naturalmente, sabendo atender com delicadeza e com confiança, quando o cliente queria fazer uma receita que o médico... os médicos já recomendavam a farmácia que eles tinham mais confiança daqui do bairro. E mesmo os de fora, um ou outro ele via a fórmula que foi feito não sei o que, fazia efeito, então ele também já tinha uma certa confiança em tal e tal farmácia. Isso ajudou, graças a Deus eu tinha um nome muito bom, até hoje eu passo na rua e muitos me conhecem. E lembram: "Ô doutor como é que vai? Faz tanto tempo que eu não vejo o senhor", então isso já é um prazer pra gente que fez alguma coisa para a sociedade, por parte da farmácia, né?
P - Senhor David, a gente falou da primeira farmácia que o senhor teve e depois o senhor abriu outra?
R - Não, naquele tempo não era assim, porque farmácia era farmácia. Entendeu? Hoje, a farmácia é um meio de lucrar, de ganhar muito dinheiro, e eu era idealista de farmácia, entendeu? Por isso que eu estudei farmácia, e eu gostei é claro porque é uma satisfação a mim de chegar uma pessoa que não podia pagar. E eu fazia o remédio do mesmo jeito e dava pra ele o remédio. Quer dizer, que eu sentia uma satisfação em mim, que eu fiz alguma coisa para outra pessoa. Tinha muito daquilo que não podia pagar. Não só, vamos dizer, patrício, muito brasileiro que chegava lá e que não tinha: "Seu David, meu filho está doente, e eu não tenho dinheiro" "Vamos fazer o remédio"
P - E o senhor anotava em algum livro? Como é que era?
R - É, anotava. Tem uns que pagavam, voltavam depois, outros não. Eu me lembro de um médico aqui, doutor Celestino Borreau, aquele era um dos maiores médico daqui de São Paulo, ele era professor na faculdade naquele tempo de medicina. Então ele chegava na casa de alguém que não tinha o dinheiro, ele dava consulta e ainda deixava o remédio para o doente. Eu me lembro.
P - Senhor David, quando as pessoas pagavam, como é que elas pagavam, com cheques, dinheiro?
R - Naquele tempo acho que era mais dinheiro, porque cheque... ninguém tinha dinheiro no banco. Que é muita pouca gente que podia ter dinheiro no banco. Mas a diferença era que o dinheiro sempre, sem dinheiro você não faz nada, né, mas não é a parte mais importante da vida. Não era, tinha outras coisas mais altas que o próprio dinheiro.
P - E, me diz uma coisa senhor Vaie, quando o senhor montou a farmácia, o senhor ainda não era casado, ou o senhor já era casado?
R - Não, minha senhora nem estava no Brasil ainda.
P - Ah, a esposa do senhor ela veio de onde?
R - Ela veio da Polônia. Eu me lembro que o pai dela, ele sofria úlcera do estômago, e ele era cliente da farmácia. E ele vinha da farmácia como qualquer outro e eu atendia ele e, tudo bem. Agora, eu não podia imaginar que ele escrevia para a filha dele, lá na Europa (risos) que ele encontrou na farmácia dois rapazes, que era eu e meu irmão, muito bom. E nunca via pessoa tão boa. E mais tarde ela veio pra cá, daquele jeito, casamos. Graças a Deus, casei muito bem, gostei. Ela me ajudava muito na farmácia pra trabalhar e fizemos, constituímos uma família muito boa. Estamos contente até hoje, fizemos o que pudemos fazer, graças a Deus.
P - Como é que chama a esposa do senhor?
R - Dona Ana.
P - E vocês têm filhos, quantos filhos?
R - Eu tenho três filhos, sendo duas mulheres e um filho. O filho é médico, muito bom médico, segue o mesmo caminho também, quando não tem pra pagar ele dá consulta do mesmo jeito. E tenho uma filha que é formada em Educação Sanitária, ela não se dedica muito a isso, estava se dedicando agora a, como é que chama?, boutique, né? Ela tem uma boutique, então... A caçula é professora. E ela se formou como professora e agora está fazendo a Faculdade Oswaldo Cruz, pedagogia. E ela gosta muito disso, né? Infelizmente teve um caso que teve que separar do marido, mas tem dois filhos formidáveis, ela trabalha e estuda e sustenta a todos, sozinha. Isso ela já aprendeu com o pai também.
P - E os netos do senhor? Fala um pouquinho.
R - Os netos, graças a Deus, tenho sete netos. Todos eles estão estudando. Por parte do filho tenho três netos, por parte da filha maior tenho duas netas e da filha menor tenho dois netos. Todos eles estão estudando, uma das netas da filha maior, da Sofia, ela é psicóloga formada e professora de inglês. Do filho, um estuda administração de empresas e a menina entrou na faculdade para enfermeira padrão, está gostando muito da profissão, que tem 18 anos, né? E a menor está ainda estudando no ginásio, está se formando agora este ano. E da outra filha também tem dois filhos, também um está no ginásio, se formando esse ano, e a outra faz o curso, como que eu falei?, depois do ginásio qual é o curso?
P - Segundo grau, colegial.
R - É colegial, está fazendo o último grau colegial. E espero que ele entre na faculdade também, ele quer estudar odontologia.
P - O senhor gostaria que algum desses netos fosse farmacêutico, continuasse o trabalho do senhor?
R - É gostaria, mas que eu vejo hoje que a farmácia não é mais farmácia, entendeu? Quando eu estudei farmácia, o ideal era ser farmacêutico, que eu fui durante muitos anos. Agora a farmácia é uma coisa comercial como qualquer outra.
P - O que mais mudou assim?
R - É mudou o sistema, mudou a parte industrial, ficou muito mais desenvolvida, não é? A farmácia de manipulação tem muito pouca. Têm poucas farmácias que faz manipulação. E tem poucos médicos que receitam, também. Porque a maior parte, a receita é preparada pronta. O medicamento como está pronto. E têm alguns médicos que receitam fórmulas, principalmente esses médicos que tratam de regimes e outras coisas, né, que mandam preparar fórmulas. E mesmo o médico de estômago etc., ele gosta mais da fórmula. Por exemplo, tem a Veado dOuro. A Veado dOuro, o proprietário foi nosso colega também, junto com o Carvalho e outros, né, foi Daniel Vera. Ele era paraguaio. Então a farmácia, a Veado dOuro era uma das mais conhecidas, até hoje. É uma das farmácias mais conhecidas, né? E de mais confiança. Os médicos, quando eles querem, quando têm uma fórmula, que ele quer ter a confiança, ele manda lá na Veado dOuro. Antigamente muitos mandavam na minha, né, a mesma coisa. Eles sabiam que sendo feita na Farmácia Ribeiro de Lima era uma fórmula certa, como ele quer, né? Agora hoje em dia não é mais aquilo, essas farmácia de manipulação são poucas. As mais conhecidas é essa Veado dOuro e outras que tem que trabalham também com isso, né? Mas já tem muito pouco, não tem muita não.
P - A partir de que época, mais ou menos, começou essa industrialização dos laboratórios?
R - Começou mais ou menos em 40, 39, 40. Já tinha laboratórios, mas a expansão dos laboratórios começou depois. Hoje por exemplo tem a Ciba Geyger que é um dos maiores laboratórios. Naquele tempo, eles fabricavam Cibalena, algumas coisinhas assim, coisas pequenas. Hoje, eles são laboratórios muito importantes. Laboratório Sandoz é muito, um dos melhores laboratórios, que a matriz deles é na Suíça. O Roche, outro laboratório, são laboratórios muitos bons. Os produtos deles são os melhores produtos que tem e que os médicos gostam mais, né? E que tem mais confiança também, né?
P - Tinha algum produto, algum elixir que já era famoso assim em São Paulo?
R - Bom, naquele tempo que eu comecei era o Biotônico. Biotônico era o mais conhecido, que todas as famílias, povos ricos, davam aquele remédio para os filhos para ele ter apetite, para ele engordar, pra isso, pra aquilo, né? Então aquilo, o principal naquele tempo era o Biotônico, mas já tinha outros produtos também, né? Não tinha tanto quanto tem agora, nem a medicina não estava tão desenvolvida como está agora, né? Mesmo pelo que eu vi pelos estudos de meu filho, a farmacologia, que é a base da medicina para formular, se estuda mais na farmácia do que na medicina, né? Por quê? Porque é justamente, justamente por isso. Porque os produtos estão prontos. O médico recebe uma propaganda, ele estuda a fórmula, ele tem confiança, ele já dá o preparado pronto, né?
P - Me diz uma coisa seu David, era utilizada alguma forma de propaganda, porque o senhor mesmo colocou que o que encarece um pouco o remédio é a propaganda, é a embalagem. Mas, naquela época, o senhor utilizava de alguma propaganda? As farmácias utilizavam alguma propaganda, as drogarias?
R - A propaganda da farmácia era a própria freguesia, a própria clientela. Que ela, ao adquirir confiança na farmácia, então ela recomendava pras outras também, porque aqui você pode ter confiança. Os próprios médicos eles olhavam, sempre acompanhavam, eles sabiam. Então tinha uma... não era intercâmbio, era uma espécie de simbiose, um ajudava o outro, entendeu? Eu poderia mandar para o médico que eu tinha confiança para o meu cliente ir lá. E ele voltava de lá para fazer a receita e depois voltava para mostrar a receita. O médico gostou e depois ficava assim.
P - E como era a embalagem dos produtos manipulados? Como que...
R - O xarope era em vidro, em cápsulas, tinha caixinha redonda de papelão. Quer dizer, a caixinha de papelão custava muito mais barata do que tudo aquilo que o laboratório precisava fabricar com bula, com tudo aquilo. Mandar amostras grátis, para o médico etc., isto custa, isto encarece o produto. Não é que alguém tem culpa, mas encarece o produto O que se pode fazer? Isso é feito aqui, é feito nos Estados Unidos em toda parte.
P - E quem fornecia essas embalagens pra vocês, para os farmacêuticos?
R - A embalagem a gente comprava, vamos dizer, coisa de papelão era fácil comprar, vidro também. A gente tinha a vidraria... a vidraçaria... não, a vidraria, a vidraçaria, como é que ele chamava?, na Lapa, uma muito boa, que fabricava só vidros, né? Então a gente comprava deles. Laboratório é diferente, laboratório tem muitas despesas, até chegar o produto na mão da farmácia. Ele não tem culpa também, né, além de, sei lá, quer ganhar muito dinheiro. Mas ele não tem toda culpa, né? O modo de desenvolver a indústria custa caro, e nos Estados Unidos também se repete a mesma coisa. Toda essa pesquisa, o governo que está custeando. Então aqui, por exemplo, não temos tanta pesquisa como tem lá. Agora pesquisa faz com que o médico fique importante e que ele possa se basear naquilo que ele estuda para saber o que é. E vem muita coisa dos Estados Unidos pra cá que os médicos, meu filho está estudando até hoje. Ele é formado há 25 anos e cada vez que chega lá, ele está com livros. Até agora há pouco ele esteve em Miami, ele trouxe tanto livros, tudo em inglês. Porque precisa acompanhar. Se um médico não acompanha, ele fica pra trás. Porque a medicina se desenvolve cada vez mais, com a farmácia a mesma coisa. Precisa sempre acompanhar, eu vivo em congressos, acompanho, faço tudo pra acompanhar, né? Não fico sentado em cima daquilo que eu estudei, não. Não pode não. Tem que acompanhar sempre, tanto propaganda que o sindicato manda, propaganda médica, propaganda pertencente à farmácia. Congressos que se formam, com farmacêuticos de todos os estados. Agora há pouco teve um congresso, a gente tem que acompanhar todas as coisas, é muito importante isso.
P - Seu David e como era o fornecimento da matéria-prima, como o senhor fazia? O senhor encomendava?
R - Bom, a gente comprava, tinha casas que trabalhava só com sais. Esses sais para fazer medicamentos, então você comprava dessas casas. Que no meu tempo, tinha uma que se chamava Polifarma, que trabalhava só com isso. E hoje deve ter muitas outras, então a gente comprava. Hoje tem muitas que importa sais, sais muito mais caros, né? Eu falei do zílium que é um sal que aqui não tem. Não estão fabricando, ainda chama-se Renitidina. Então esse Renitidina você tem que importar, ela custa caro, não custa barato, mas comparando o custo da indústria com o custo que você faz. O remédio a base manipulação é 20% do custo.
P - Me diz uma coisa seu Vaie, como é o seu dia-a-dia hoje?
R - É meu dia-a-dia eu leio jornal, eu gosto muito de ler livro. Eu vou muito às sociedades. Eu não fico em casa não. Hoje eu sou vice-presidente da terceira idade da Hebraica. Então sábado chega lá cem, 120 pessoas, hoje está demonstrado que tem um estudo de geriatria e gerontologia. A geriatria é a vida normal da pessoa, você fica mais velho tem problemas de saúde, tem isso e aquilo, então o médico tem que dar remédio pra você ficar bom de tal e tal doença que você tem. Agora, gerontologia é o estudo que prepara o doente para ele não ficar doente, quer dizer, se você vai para terceira idade, você olha uma conferência, você ouve uma canção, todo mundo canta, você dança. Então você esquece que você está ficando velho, entendeu? Porque os filhos cada um tem o seu problema, tem a sua família, né? Então ele não pode, por exemplo, ficar com você. Agora, pra você ficar pensando que vai ficar doente, que está velho, que não sei o que, isto te faz mais doente do que você está. Então a gerontologia prepara esse terreno, para que a pessoa não fique doente no idoso. Ele pensa muito, antigamente não se pensava no idoso. Hoje se pensa muito, hoje tem muitas terceiras idades que se formaram que ajuntam as pessoas, que conversam, ele fica duas, três horas. Ele esquece do que ele tem de problemas do dia. E isso é muito importante, eu me dediquei muito a isso. Quando entrei lá, aquilo já existia e eu estou lá há sete anos. E aquilo já existia há três anos, mas eu não tinha tanto tempo para me dedicar, então comecei a ir lá. A primeira palestra que eles me pediram para fazer foi sobre a farmácia e eu fiz uma palestra, sobre a farmácia que durou duas horas. Eu tenho gravado comigo o que eu falei na palestra da farmácia. E depois fizemos palestras sobre históricos, sobre isto sobre aquilo, eu fiz lá. Então cada pessoa que vem lá eles se divertem, eles se distraem. Isso é muito importante para evitar as doenças que vem com a idade. É uma parte da gerontologia que ajuda bastante
P - Do que é que o senhor sente mais falta do comércio seu David, quando o senhor fechou a farmácia, do que o senhor sentiu mais falta?
R - Ora estava difícil. Claro que uma pessoa que trabalha 40 anos no ramo tem saudades daquilo que você viveu. A tua vida dentro daquilo, né? Mas é que os filhos começaram a falar: "Papai até quando você vai trabalhar? Chega. Você pode viver com aquilo que você tem. Nós não precisamos de você. Então cuida da sua vida." Então eu fiz isso aqui, o salão era meu, eu aluguei, eu vendi a mercadoria que tinha. Naquele tempo dinheiro não era nada também, e aluguei o salão. Então com o aluguel que eu tenho posso viver muito bem. Não preciso de luxo mas posso viver bem. Posso fazer uma viagem uma vez ou outra posso fazer, isso é muito importante na vida. E posso sentar em cima de um livro e ler duas, três horas. Eu gosto muito daquilo, né? Então isso aqui é muito importante e posso dar graças a Deus que cheguei a isso. Chegando um rapazinho de 15, 16 anos para o Brasil e podendo fazer o que eu fiz. Eu dou graças a Deus mesmo porque é bom. É isso aí.
P - Seu David tem mais alguma coisa que, um sonho que o senhor gostaria de realizar ainda?
R - Não, sonho é uma coisa que você não tem limites, entendeu? Ninguém tem limites. Você tem isso, você quer outra coisa. Mas falando na pessoa que tem mais ou menos o seu contentamento, eu graças a Deus sou contente com o que fiz. Ajudei muita gente na minha vida. Ajudo até hoje. Tenho sobrinhos que estão vivendo em Israel, que este irmão que estava comigo, ele foi com a família toda pra Israel. Ele faleceu lá. Foi o irmão mais velho. Ele faleceu lá. Mas os sobrinhos que eu tenho lá eles vivem muito bem, também. Estão no mesmo caminho, entendeu. Professor, um é secretário da faculdade, da faculdade Barrilon. Ele é secretário lá. A outra menina é professora, tudo dentro de um limite de um estudo expansivo muito bom, entendeu? Que eu gosto. Eu quando vou lá, ou mesmo daqui, às vezes, mando dinheiro pra ajudar quando chega a Páscoa, quando chega Ano Novo, quando chega isto aqui, eu me lembro que tem, né?..
P - Senhor David, o senhor mudaria alguma coisa na vida do senhor? Nessa trajetória?
R - Não. Não, graças a Deus estou contente com o que fiz. Não há mais tempo pra mudar porque sei lá. Às vezes a gente fica conversando em casa, então tem essa conversa junto com a mulher, então ela diz: "É, você, sei lá, você ainda tem disposição pra fazer muita coisa" E eu tenho disposição. Mas eu olho a verdade, eu olho no espelho e vejo como é a vida. Com 82 anos o que eu posso querer ter? Eu posso querer que a memória fique boa. Que hoje a gente fala "você está bom? Sim estou bom. Então você me reconhece?" O importante é isso. Porque tem muita gente com essa idade e já não reconhece o outro. Já não sabe. Se eu posso dar essa entrevista a vocês já é uma grande coisa
P - E o que é que representa pro senhor esse depoimento, senhor David, eu queria que o senhor falasse um pouco disto?
R - Ah, esse depoimento é muito útil, entendeu? Para as pessoas de idade, para que ...em primeiro, lugar vocês estão de parabéns para fazer este trabalho que vocês estão fazendo, que o governo naturalmente mantém isso aqui, não é? Então isso aqui serve para estudos, para nossos filhos, netos. Eles, ouvindo isso aqui, eles aprendem muita coisa que eles não sabiam, viu? E que geralmente uns estão ocupados com isso ou qualquer, ele não fala da vida dele. Então quando ele ver uma entrevista desta aqui, ele começa aprender. Então nós temos que pensar na geração que vem, nossos filhos, nossos netos. A coisa mais importante é isso aqui, né? Para que eles andem, que eles vão no mesmo caminho que você foi. Essa é a parte mais importante. Então, quando ele ver uma entrevista dessas daqui, ele também começa: "Tá vendo, meu avô fez isso daqui. É muito bonito da parte dele, eu vou procurar andar no mesmo caminho." Isso é muito importante. E é pra parabenizar o governo, parabenizar vocês que estão se ocupando com isso aqui, que é muito importante. Vocês talvez, não tem, não pensem tanto no valor disso, como uma pessoa de idade que ele vê que algo que vai ter um prolongamento daquilo que ele fez. A parte mais importante da vida humana é para que seus filhos, seus netos, seus bisnetos andem no mesmo caminho. Infelizmente, que nós vemos hoje, que um matou os pais, outro matou os avós, outro não sei o que, nunca se ouviu tanta coisa que eu digo, às vezes, eu ficou conversando com a minha mulher em casa. Que a televisão foi o progresso e ao mesmo tempo o regresso. Porque se ele vê as coisas que ele vê na hora da janta, na hora do... como é que ele se chama, aquilo, quando se assiste televisão na hora da janta? Então, seus filhos pequenos vêem as coisas, que eles vêem na televisão, é muito, tem muita crítica pra isso. Isso devia ser proibido, não pode ser. A televisão tem que ser a cultura, dar um pouco de educação. O rádio, a televisão, o canal dois, então você, a parte de estudo, a parte de línguas, a parte de não sei o que. Isso encaminha para alguma coisa, mas a maior parte infelizmente o próprio tempo agora: é guerra pra cá, guerra pra lá, não sei o que. Então, o que é que o menino pode aprender? Ele vê na escola, ele olha uma coisa, em casa ele vê outra coisa. Ele vê na televisão, ele vê uma outra coisa, outra vez. Então, isso que eles estão dando à meia noite, 11 horas, que as crianças dormem, tudo bem. Mas programas de sete, oito horas coisas que se vêem nas novelas mesmo é contraproducente, isso não está certo, eu não faço parte do Ministério da Educação, mas eles deviam proibir, não está certo, né? É isso aí.
P - Tá o.k. seu David, a gente vai acabando por aqui, eu agradeço muito a ajuda do senhor, a colaboração viu...
R - E eu também agradeço que vocês me escolheram para dar essa entrevista, que eu já dei diversas entrevistas nos jornais da colônia, diversas outras entrevistas da sociedade onde eu já trabalhava e tudo isso e aquilo. Essa parte que dei da Sociedade KKL.
P - De Ecologia?
R - Eu dei uma entrevista no... na Resenha Judaica de uma parte inteira, muito bonita. Modéstia parte, muito bonita. Mas a gente sente uma satisfação íntima para si, porque fez alguma coisa na vida além do dinheiro, também isso que faz parte da vida, de toda pessoa que é muito importante para todos nós. Só isso. E agradeço muito a vocês por terem me escolhido para dar essa entrevista e depois quando tiver alguma coisa pra ver eu gostaria, se Deus me der saúde e vida, eu gostaria de ver e ver tudo isso aí com vocês. Nós tivemos de 32 para 50 anos foi o Carvalho também estava lá, nós festejamos 50 anos de formatura o Carvalho também estava e ela também estava, a Eunice que ele chama. Então nós festejamos lá no shopping, fizemos um jantar, estive lá. Você imagina o prazer que a agente tem nisso. Cheguei lá, as colegas: "Ô, David, como vai, não sei o que." O meu filho com meu neto, isso é muito bonito.
P - Sem dúvida.
R - É isso aí. Então agradeço mais uma vez, e vocês devem continuar isso que é quando vocês mostrarem isso para nossos discípulos futuros, aí eles vão gostar e eles vão entender muita coisa.
P - Obrigado, com certeza
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