Entrevista de Joslaine dos Santos Alves
Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 03/09/2021
Projeto: Mulheres no mercado do Rodo-Porto - Ferroviário - Rumo Logística
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1074
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello
P/1 – Vamos lá! Pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Oi, meu nome é Joslaine dos Santos Alves, nasci dia 14 de dezembro de 1985, moro em Ponta Grossa.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – O nome da minha mãe é Adelair Aparecida dos Santos Alves e o nome do meu pai é Jairo dos Santos Alves.
P/1 – E com o que eles trabalham?
R – A minha mãe, no momento, não trabalha, ela recebe pensão do meu falecido irmão e meu pai é falecido.
P/1 – E como você os descreveria?
R – O meu pai, na verdade, a minha mãe se separou dele quando eu tinha um ano, então eu não pude conviver com ele. Mas quando eu era mais criança, eu sempre ia para a casa dele, sempre ia visitá–lo, porque o meu avô não gostava muito dele, aí ele não ia na nossa casa ver eu e o meu falecido irmão, mas eu sempre gostei dele e sempre ele me tratou bem. E a minha mãe... como que eu posso dizer? É uma guerreira, criou eu e meus dois irmãos, então pra mim a minha mãe é tudo, é uma pessoa que eu devo minha vida a ela, é tudo pra mim e pra minha filha. Então, que nem se diz, eu não tenho nem palavras pra descrever o que eu tenho que falar pra ela, é tudo pra mim, ela é minha rainha.
P/1 – E, Joslaine, o seu irmão, qual é o nome dele?
R – Na verdade, eu tenho esse que faleceu, Giovani dos Santos Alves e tenho o mais novo, que é Rodrigo Castilho. Esse mais novo, quando a minha mãe o ganhou, o meu avô o pegou pra criar e aí colocou também o sobrenome dele que é Castilho, então ele é meu irmão só por parte de mãe. Esse que faleceu, somos irmãos por mãe e...
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Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 03/09/2021
Projeto: Mulheres no mercado do Rodo-Porto - Ferroviário - Rumo Logística
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1074
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello
P/1 – Vamos lá! Pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Oi, meu nome é Joslaine dos Santos Alves, nasci dia 14 de dezembro de 1985, moro em Ponta Grossa.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – O nome da minha mãe é Adelair Aparecida dos Santos Alves e o nome do meu pai é Jairo dos Santos Alves.
P/1 – E com o que eles trabalham?
R – A minha mãe, no momento, não trabalha, ela recebe pensão do meu falecido irmão e meu pai é falecido.
P/1 – E como você os descreveria?
R – O meu pai, na verdade, a minha mãe se separou dele quando eu tinha um ano, então eu não pude conviver com ele. Mas quando eu era mais criança, eu sempre ia para a casa dele, sempre ia visitá–lo, porque o meu avô não gostava muito dele, aí ele não ia na nossa casa ver eu e o meu falecido irmão, mas eu sempre gostei dele e sempre ele me tratou bem. E a minha mãe... como que eu posso dizer? É uma guerreira, criou eu e meus dois irmãos, então pra mim a minha mãe é tudo, é uma pessoa que eu devo minha vida a ela, é tudo pra mim e pra minha filha. Então, que nem se diz, eu não tenho nem palavras pra descrever o que eu tenho que falar pra ela, é tudo pra mim, ela é minha rainha.
P/1 – E, Joslaine, o seu irmão, qual é o nome dele?
R – Na verdade, eu tenho esse que faleceu, Giovani dos Santos Alves e tenho o mais novo, que é Rodrigo Castilho. Esse mais novo, quando a minha mãe o ganhou, o meu avô o pegou pra criar e aí colocou também o sobrenome dele que é Castilho, então ele é meu irmão só por parte de mãe. Esse que faleceu, somos irmãos por mãe e por pai.
P/1 – E como é e como era a relação com os seus irmãos?
R – Ah, eu com o meu irmão, esse meu irmão mais velho, a gente conviveu bastante juntos, quando eu me casei, a gente sempre se via, nos dávamos super bem e quando eu me separei, a gente ficou mais unido, ele já ia mais na minha casa, até antes dele falecer, a gente sempre estava junto nos finais de semana. E com o mais novo também, a gente se dá super bem, até hoje a gente se dá super bem, quando um precisa do outro, sabe, a gente se dá super bem eu e ele, é uma relação bem boa entre nós dois agora, principalmente agora quando o meu irmão faleceu. A gente, que nem diz, tem que ficar mais unido. Agora, agora não adianta. Tem muitas pessoas que não se dão bem. Irmão, às vezes, a mãe com os irmãos. Então, eu com esse meu irmão, a gente se dá super bem.
P/1 – E você conhece um pouquinho da história dos seus avós? Você chegou a conhecê–los?
R – Conheci, conheci sim, por parte da minha mãe e do meu pai. Também ia visitá–los, até esses dias, quando eu fui na pracinha com a minha menina, a gente passou na frente da casa lá onde meu pai morava, meu falecido pai morava, aí eu contei pra minha menina que, quando eu era mais novinha, eu pousava lá, sabe? Eu ia lá, sempre ia final de semana, sempre pousava, minha mãe nunca proibiu. Não é porque ela não se deu com ele, não se deu bem no casamento, que eu deixei de vê-lo. Pousava lá, contei que dormia no quarto, com a minha avó e com o meu avô. O meu avô já era ‘mais ruim’. A minha vó era mais tranquila, eu até falei pra mãe esses dias que me deu uma saudade de comer a comida dela. Falei: "Ah, mãe, que saudade de comer a comida da vó Matilde". E a da parte da minha mãe também, o meu avô, o meu avô que me criou, o pai da minha mãe. Sempre o respeitei, a minha vó, porque a minha mãe trabalhava, quem nos criou realmente foram a minha avó e a minha mãe, minha avó e o meu avô. A gente fica meio tenso de falar, mas eu tenho boas recordações. Uma coisa que a gente nunca vai esquecer, até sinto falta da minha avó. Então, é uma coisa boa, é uma coisa que a gente vai guardar. Mas eu tenho uma lembrança boa deles.
P/1 – E eles nasceram em Ponta Grossa?
R – A minha vó, não me lembro, a mãe da minha mãe... ai, eu me esqueci, porque eu sei que ela não nasceu. Do lado do meu pai, eu não lembro, não cheguei a perguntar. Mas o da minha avó e do meu avô, por parte da minha mãe, eles não nasceram aqui em Ponta Grossa, eles moravam em outra cidadezinha. Até é uma cidade aqui perto, mas eu não lembro o nome, não vem agora, na cabeça.
P/1 – Sem problema. E me conta que comida que você estava com saudade de comer, da sua vó?
R – Eu estava com vontade de comer arroz, (risos) o arroz dela, pensa! O arroz e o café que ela fazia pra nós. Era diferente, o gosto, me deu uma saudade, eu lembrei dela, falei: "Nossa, mãe, que saudade de comer o arroz da vó Matilde".
P/1 – E quando você era pequenininha, tinha outros hábitos e costumes que você lembra e tem saudade? Pode ser de cheiro, comida ou festa, datas comemorativas?
R – Ah, tenho sim, tenho datas comemorativas, porque a minha bisavó, quando chegava final do ano, a gente sempre se reunia na casa da minha bisavó. Era domingo, era aniversário, a gente sempre se reunia. Juntava todo mundo, todos os irmãos, sobrinhos, primos. Aí, a gente sempre se reunia lá e era tão bom. E, assim, aniversário também, a gente sempre fazia uma festinha com os colegas da vila, sempre quando tinha aniversário de um colega a gente fazia uma festinha, levava as coisas, sempre tinha essas datas comemorativas, assim. Eu sinto falta, sinto muita saudade daquele tempo, sempre falo pra minha menina, falo: "Ó, Maria, aproveita suas amiguinhas, aproveita sempre quando tiver alguma coisa, se convidarem, vá". Sempre eu falo pra ela, porque sempre dá uma saudade, a gente sempre lembra daquele tempo bom, um tempo que não volta mais.
P/1 – E você sabe a história do seu nascimento? Como os seus pais escolheram o seu nome?
R – Não. Assim, do nome eu não sei. Mas a minha mãe morava nessa casa da minha falecida bisavó também, ela morava lá e aí tinha a casa da minha falecida avó, ali, da minha bisavó e tinha a meia–aguinha onde eles moravam. E até quando eu era mais novinha ainda tinha a meia-água, tinha o quarto, a cozinha e o banheiro. A minha mãe falou assim: “Aqui que você nasceu”, mas na verdade ela fala assim, aqui que eu nasci, mas foi no hospital, né, foi lá que aconteceu tudo. E aí ela morou lá até um tempo e depois que ela foi morar com o meu avô e com a minha avó, quando ela se separou do meu pai, eu tinha um ano.
P/1 – E você lembra da separação? Como foi pra você, como você se sentiu?
R – Não lembro, porque eu tinha um aninho, não cheguei assim, mas ela falou que não tinha como, porque ele bebia bastante. Então, meu falecido avô que a ajudava, aí ela não quis mais ficar junto com ele, não deu certo.
P/1 – E, Joslaine, você lembra da casa onde você passou a maior parte da sua infância?
R – Da casa?
P/1 – É.
R – Lembro, lembro até hoje, era uma casa de madeira. E foi quando a minha avó veio morar pra cá com o meu avô e aí eles fizeram, o meu avô trabalhava na antiga madeireira que tinha em Ponta Grossa. Ele fez uma casa de madeira, tinha três quartos, a sala, cozinha e o banheiro e tinha uma garagem e como a gente morava em dez pessoas na casa: (risos) moravam minhas duas tias, o meu tio, os meus dois irmãos, o meu primo, eu, a minha mãe, a minha avó e o meu avô, mas era em dez na casa. Como a casa era de madeira, com o tempo ela foi apodrecendo e aí, antes do meu avô falecer, ele desmanchou a casa e fez uma meia–água pra gente morar, ficar na meia–água, mas antes disso, a gente morava na casa do meu tio, a gente ia só pra dormir na casa do meu tio, que era na parte de baixo, mas o meu avô já tinha feito a meia–água, nós tomávamos banho, a gente passava pelo terreno e dormia lá na casa do meu tio. Era assim, igual uma enfermaria, cheia de cama. (risos) E aí, depois, o meu avô começou a fazer, fez a parte de baixo, o porão da casa, aí a gente também foi tudo pra lá, ficou igual uma enfermaria. Depois foram construindo, mas eu tenho boas recordações lá da casa de madeira: eu me lembro quando a minha avó pedia pra nós limparmos a casa, a gente limpava a casa com esfregão, bombril e ficava passando o esfregão no chão. Era uma briga porque tinha eu, a minha tia, nós somos quase todos da mesma idade: eu tenho 35, a minha tia tem 37, aí tem o meu irmão, esse que faleceu, que tinha 36. Então era, nós éramos todos da mesma idade, era uma briga: "Ah, não, porque eu não vou fazer", mas era bom. Eu adorava, nós ficávamos assim: pegava os panos de lã, cortava, pra nós ficarmos lustrando o chão. Eu amava morar naquela casa de madeira. Agora (risos) não tem mais, é difícil ter casa de madeira.
P/1 – Joslaine, queria que você me contasse como era a rua e o bairro da sua infância.
R – Onde eu morava era de pedra, não tinha calçamento, tinha um campo na frente, um campinho assim, um terreno baldio e a gente brincava de pônei, brincava de se esconder e não faz muito tempo que eles fizeram calçamento. Aí tinha a escola na esquina, era uma escola municipal, ainda tem a escola, todos nós estudamos lá. Então, a rua era de pedra, temos até a marca hoje no joelho, (risos) porque a gente tinha bastante colegas, bastante criança, bastante colegas, os amigos de infância e a gente se encontrava tudo na esquina, porque a minha vó morava na casa de esquina e ali era... minha vó sempre falava que era o point nosso. A gente se encontrava ali, brincava de se esconder, brincava de cai e cola. Aí acabaram vendendo o terreno, fizeram um sobrado lá, depois o calçamento, porque agora a vila cresceu bastante, lá. Mas foi uma infância bem boa, bastante recordações.
P/1 – Tem alguma que você queira compartilhar com a gente, algum dia?
R – Assim, eu me lembro de um acontecido: quando a minha avó e o meu avô começaram a construir a casa. Como era cerca de madeira, foi tirada a cerca de madeira e o meu avô colocou tijolo, pra fazer de muro e como a gente chegava, os amigos lá, não esqueço até hoje, dois colegas meus se encostaram (risos) nesse muro que era feito de tijolo e caíram todos os tijolos assim pra trás. E nós tínhamos avisado (risos): “Não encosta”. O pessoal sempre encostava e caía, acabavam caindo. Essa foi uma lembrança bem boa, assim. Então, é uma coisa que a gente lembra, a gente sempre recorda, porque aí meu avô enganou o pessoal, pra fazer que era muro. Mas foi feito só de tijolos, sem nada, só pra deixar ali pra não ficar aberto, à frente da casa. Mas essa foi boa, os dois colegas nossos encostaram, quando eu vi foram os dois pra trás. (risos) E outra... eu acho que essa foi a mais marcante assim, sabe, na infância mesmo, uma coisa assim que a gente não esquece.
P/1 – E da escola, quais suas lembranças?
R – Da escola, novinha... Na verdade, eu não sou muito de estudar, mas tinha, na verdade, tenho até hoje uma colega, uma ou duas, que a gente estudou na escola municipal, até a quarta série, que são minhas vizinhas ainda, de vez em quando a gente vê, conversa, mas aí cada uma casou. E o tempo do colégio, quando eu fui mais pro primeiro grau, tive acho que quatro amigas, mas sempre ficava mais com elas, a gente não se misturava, não tinha aquela mistura assim: "Ah, porque fulano é tal". A gente sempre ficava só nós quatro e mais outra moça, nós éramos as cinco, ficávamos ali, estudávamos na mesma sala, ficávamos na hora do recreio juntas, sempre nós estávamos juntas, sempre. Mas boas lembranças, tenho uma amiga minha também, que eu jamais vou esquecer, ela também acabou falecendo, também é uma recordação boa, que eu tive dela. Então, teve bastante colegas, né, mas foram poucos que ficaram ainda conversando, que a gente tem uma amizade ainda.
P/1 – Teve algum professor que tenha te marcado?
R – Professor, tenho até hoje, professora Selma. Ela foi minha professora na escola municipal, ela deu aula pra minha tia, deu aula pra mim, pros meus irmãos e a minha menina, onde eu estudei, a minha filha estuda. E até hoje ela fala bem assim pra minha filha: "Eu dei aula pra tua mãe". Aí a minha menina estava de férias, esses tempos atrás e ela veio assim: "Mãe, a professora Selma sempre fala de você, que ela deu aula pra tia, deu aula pra você, deu aula pro tio Gil e ela sempre lembra de você". Essa professora é a que marcou. E onde ela vê, cumprimenta, conversa e ela está a mesma pessoa, não mudou nada, sempre aquele jeitinho dela.
P/1 – E quando você era pequena, você pensava o que você queria fazer, quando crescesse, que profissão você gostaria de ter?
R – Eu sempre tive um sonho de ser policial, sabe? “Polícia, polícia, porque eu vou ser polícia”, mas aí, como eu não sou muito de estudar, a gente vai vendo, vai crescendo, vai vendo que tem que estudar, tem que se esforçar e tal e aí, quando eu comecei a trabalhar, eu trabalhei num frigorífico, depois já não tinha mais [interesse] eu pensava: "Ai, eu vou ficar aqui, pra mim já está bom". Então, eu nunca, eu não quis me esforçar pra trabalhar em outra coisa, mas o meu sonho mesmo era trabalhar como policial, porque até hoje eu acho muito bonita a profissão de policial. Aí apareceu pra eu trabalhar aqui na ferrovia, né, mas desde criancinha, onde eu moro, tinha uma oficina e eu sempre escutava as buzinas do trem, sempre admirava, brincava nas linhas, como a gente era criança e era bem pertinho lá da minha casa, agora não tem mais nada lá, mas sempre brincava, sempre, daí tinha os vagões, as cargas lá, que ficavam paradas. Mas, assim, nunca imaginava que eu ia trabalhar na ferrovia, nunca imaginava.
P/1 – Me conta, como era isso? Vocês entravam? Vocês brincavam mesmo na linha e nos vagões?
R – Isso, onde eu moro, pra chegar lá onde tinha a oficina, aí tem um, agora eles fizeram um parque, mas ficavam os vagões, ficavam todos lá. Quando a gente ia na casa dessa minha falecida bisavó, íamos a pé, porque a gente não tinha carro, a gente ia a pé, subia... Na verdade, a gente não subia dentro dos vagões, que a minha avó não deixava, a minha falecida avó, mas a gente andava por ali, dava uma pulada, mas dentro não nos deixava entrar. Nós tínhamos mania, quando chegávamos perto da linha do trem, os trens estavam parados, a gente puxava, pra tirar o ar, os freios, que a gente que abria e tirava, saía correndo, eu e o meu irmão, a minha tia, a gente saía tudo correndo, pra gente poder puxar o freio pra sair o ar, pense! Mas como não funcionava ali, não funcionava a linha, né? Vinham só os vagões. Com o tempo, fechou. Na verdade, não fechou, eles fecharam a parte deles fazendo manutenção dos vagões, foram tirando, provavelmente foram tirando com o tempo, os vagões, aí não ficou mais nada, ficaram só as linhas. Mas era bom aquele tempo, nossa, era cheio de vagões. Não tinha a locomotiva, sabe, só tinham os vagões lá, que eles deixavam, provavelmente as locomotivas chegavam e deixavam os vagões e ficava lá. Mas lá também tinha muito pessoal que usava droga, por isso que minha avó não deixava: "Não entre lá, por causa disso". Como a gente era criança, ela não deixava a gente entrar pelo pessoal usar droga lá, porque ficaram um bom tempo lá parados, os vagões. Mas era uma recordação muito boa.
P/1 – E você lembra de qual empresa que era? Qual era a firma?
R – Era a antiga Rede, que foi a RR, era o tempo da antiga Rede, né, que eles falavam. Aí, depois, com o tempo que veio a RL, mas era R... ai, não me lembro direito a sigla, mas era a antiga Rede, que eles falavam.
P/1 – E, Joslaine, você se formou na escola?
R – É, eu terminei o segundo grau, fiz, me formei e tudo, aí não quis estudar mais porque como a minha mãe não tinha a pensão do meu pai, meu pai não trabalhava, eu sempre também pensava, como te falei, em ser policial, mas aí, como era só a minha mãe e a gente tinha saído da casa da minha vó, começou a pagar aluguel, eu comecei a trabalhar, com dezoito anos eu já comecei a trabalhar. Então, não quis mais ir pra frente, não quis estudar, porque queria trabalhar, pra poder ajudar ela, porque só ela trabalhava, o meu irmão também trabalhava, mas como a gente pagava aluguel, eu não quis ir pra frente pra estudar. Só quis trabalhar pra poder ajudar a minha mãe, que nem agora, a gente continua pagando aluguel. Então, pra mim, no momento eu não penso em estudar, mas já pensei em fazer outros cursos. Penso em fazer um curso de culinária, eu gosto de comer. (risos) Penso em fazer um curso em culinária. Como agora as coisas estão se ajeitando comigo e com a minha mãe, porque ela conseguiu receber a pensão do meu falecido irmão, aí tem o meu dinheiro e vai ter o dela junto. Então, eu já falei pra ela: "Ó, mãe, ano que vem quero fazer um curso". Não é que eu não goste de trabalhar aqui, amo trabalhar aqui, porque sempre tive aquela paixão de escutar aquelas buzinas, sabe, essas buzinas, nossa, onde eu moro dá pra escutar, quando está passando aqui na ________, dá pra escutar lá na minha casa. Eu fico assim, escutando aquela buzina, parece que entra na cabeça, eu amo trabalhar aqui. Mas penso também fazer um curso de culinária, fazer alguma coisa pra ter um ‘ganhinho’ a mais, porque aí minha menina já está ficando mocinha, então, ainda vou fazer o meu curso de culinária, pretendo fazer.
P/1 – E qual foi o seu primeiro trabalho?
R – Meu primeiro trabalho, eu comecei a trabalhar num salão de cabeleireira. A minha ex-cunhada trabalha numa lotérica e aí a minha ex-patroa sempre ia nessa lotérica, ela foi e comentou que precisava de uma moça para trabalhar de auxiliar, fui e fiquei quatro anos lá. Como as minhas ex-patroas eram duas, essa que ia na lotérica e a que me contratou, ela não dava chance pra gente aprender, a gente era só auxiliar, desembaraçava o cabelo, secava, lavava, varria os cabelos do chão e pra mim estava bom, primeiro serviço, nossa, estava bem feliz da vida e a gente ganhava por comissão, então eu fiquei quatro anos lá e aí acabei saindo. Depois, eu fui trabalhar com o sobrinho dela, também fiquei pouco tempo, trabalhei numa madeireira, depois trabalhei no frigorífico e agora tô trabalhando aqui na ferrovia.
P/1 – E como foi trabalhar na madeireira?
R – Ah, eu fiquei pouco tempo lá, fiquei só três meses. Não passei na experiência, mas foi bom também, foi um aprendizado. Onde eu trabalhava, consertavam as madeiras que vinham com furinho, a gente passava massa e acabava passando na máquina de tinta, mas o meu era só pra consertar os furinhos que vinham nas madeiras. Fiquei três meses lá, também foi uma experiência, pra mim.
P/1 – E no frigorífico?
R – No frigorífico eu fiquei também quatro anos, fiquei lá, trabalhava durante o dia, eu moro aqui em Ponta Grossa, mas o frigorífico era em outra cidade, em Carambeí, era muito tempo de viagem, mas acabei ficando quatro anos e acabei me separando do pai da minha menina e comecei a trabalhar à noite, porque fui morar com a minha mãe. Aí eu trabalhava à noite e a minha mãe ficava com a minha menina durante o dia, a levava na creche e eu trabalhava. Não, minto pra você agora, tudo mentira, não foi a minha mãe, eu trabalhava à noite e durante o dia, eu ficava com a minha menina e à noite, a minha mãe ficava, porque ela era novinha ainda. Mas também fiquei quatro anos, foi assim que eu não quis mais ficar lá, estava me prejudicando demais trabalhar à noite, sabe, não dormia, porque a minha menina era novinha, então eu pedi pra sair e eles me mandaram embora, eu fiquei um ano desempregada, aí eu entrei na ferrovia e já fazem seis anos que eu estou aqui.
P/1 – Uma última pergunta do frigorífico: você trabalhava, tinham outras mulheres?
R – Tinha.
P/1 – Ou mais homens? Como que era?
R – Eu, quando eu fui fazer a entrevista, eu fui para trabalhar na parte dos suínos, eu trabalhava na embalagem, trabalhava embalando calabresa. Tinham os perus, que era a gente cortava os ‘arinhos’, porque para defumar tinha que colocar num ferro, pra poder ficar defumado. Íamos na salinha, a gente só cortava aquele ferrinho e embalava numa máquina que puxava o ar, pra ficar... como que eu posso te dizer? Pra puxar aquele ar do pacote. Tinha a salinha lá e a parte que a gente pesava, acho que eram vinte balanças e ficava o pessoal também na máquina para selar o pacote, selava o pacote, ia pro final nas caixas e a gente abria as caixas também, mas a gente fazia assim, um rodízio: um tanto ficava na balança, cada dia era diferente e lá a maioria era só mulher. Acho que no meu setor, eu acho que tinha, pelo menos, umas trinta mulheres. Na parte onde tinha a 'paletização' era mais homem, porque era mais pesado, eles ficavam arrumando as caixas, pra poder carregar, pra ir no caminhão, mas onde eu trabalhava também era mais mulher.
P/1 – E nessa transição de juventude para o começo da vida adulta, como você se divertia? Teve namoro? Que lembranças você tem dessa época?
R – Quando eu comecei a sair, eu ia num clube em Ponta Grossa. Chegava final de semana, eu ia com a minha prima. Minha tia nos levava lá na portaria, era engraçado, (risos) de tarde, no domingo e aí, onze horas, ela ia buscar, ficava lá na frente esperando. Mas aí eu comecei a gostar de ir na danceteria, eu mentia, ó, mentia pra minha mãe, que ia pousar na casa da minha prima, saía no sábado, ia lá, pousava lá, amanhecia no clube e voltava pra casa da minha prima e falava: "Ó, você fale pra minha mãe que eu pousei aqui”, mas eu pousava, amanhecia no clube, todo final de semana. Mas aí, depois, eu comecei sair com uma colega minha também, ela mora lá perto, comecei a sair todo final de semana, todo final de semana falava: "Ó, tô indo pro som" e a entrada era baratinho, era dois reais. Depois foi subindo o valor, mas dependendo, eu chegava a ir sexta-feira, sábado e domingo. Aí depois comecei a trabalhar, né, já comecei a namorar, já tive, eu casei duas vezes já, não casada, a gente morou junto e acabei conhecendo o meu primeiro marido, que foi onde que a irmã dele arrumou o serviço pra mim, no salão. A gente casou, foi morar junto, ficamos cinco anos juntos também e acabamos nos separando. Depois comecei de novo a sair e não queria mais saber de mais nada. Quando eu comecei a trabalhar no frigorífico, acabei conhecendo o pai da minha filha, o conheci também através de um churrasco, ia nos clubes e aí a gente ia de ônibus, porque o frigorífico pagava pra nós. Aí acabei conhecendo-o, eu entrava antes no ônibus e ele entrava depois e ele me chamou a atenção, mas ele, eu o achava, toda a vida, metido, falei: "Nossa, que metido!". E aí num churrasco que teve, foi que começamos a nos envolver, começamos a namorar, logo já fui morar com ele e já engravidei, mas eu queria engravidar. A minha falecida avó falava: "Ah, porque eu vou morrer", porque ela tinha diabetes e eu sempre falava assim pra ela: "A senhora não vai morrer antes de conhecer a sua netinha, seu neto". Eu acabei engravidando, ela conheceu a minha filha, conheceu, a Maria nasceu em julho, a minha vó acabou falecendo em janeiro, mas ela acabou conhecendo a minha menina. E foi aí que nessa parte da minha adolescência, alguma coisa eu pude aproveitar da adolescência e alguma coisa já não pude aproveitar, porque eu quis casar, mas foram bastante experiências que eu tive. Eu não tô falando demais?
P/1 – De jeito nenhum. E me conta uma coisa: como foi se tornar mãe?
R – Assim, no começo eu sofri bastante, sofri não né, eu tive muita cólica, porque eu achava que não ia conseguir engravidar, eu pensava: "Ah, eu não vou conseguir engravidar." Passou e a minha mãe já desconfiou quando eu fiquei grávida, porque eu emagreci bastante. Aí eu tinha cólica, tinha bastante cólica, falei: "Não, eu não tô grávida, não tô grávida, não tô grávida". Passou um mês e eu fiz um exame, fui e deu positivo, mas tive que tomar três meses remédio pra poder segurar. Depois desses três meses, nossa, eu fiquei bem tranquila, trabalhei até a última semana, eu fui na sexta-feira, na segunda-feira levei o atestado médico da empresa e na sexta-feira eu a ganhei. Trabalhei bem e aí depois que ela nasceu, como a minha menina é bem loirinha, eu ficava olhando assim: “Meu Deus, é minha filha?" Não tinha ainda caído a ficha que ela era minha filha, que eu tinha me tornado mãe, não tinha, eu ficava naquela, olhava ela, sempre fui super mãe, mas eu olhava: "Ah, mas não é minha filha". Todo mundo fala até hoje: "Viu, você não é mãe dela, você só está criando–a", porque ela é bem loirinha. Quando eu mandar as fotos, provavelmente vocês vão ver as dela. Então, foi assim: como eu estava casada, eu estava mais num apoio, não me preocupava muito com as contas. Eu tinha meu dinheiro, mas como eu estava casada, eu ficava mais tranquila. Depois, quando eu me separei, eu vi que como eu me tornei mãe e pai dela, eu amadureci mais, mas nesse tempo, já faz três anos que eu estou separada. Assim, depois, com o tempo eu fui ver que ela estava crescendo e ela foi me chamando de mãe, "Mãe", aí eu falei: "Nossa, eu sou mãe dela". Ficava imaginando: "Sou mãe dela?", pensava: "Ela é minha filha, tô louca". Às vezes, falava: "Tô louca", (risos). Só que não tinha caído a ficha, porque eu a ganhei com 23 anos. Então, foi aí que eu fui mudando, não tive mais vontade de sair. A gente pensa muito assim: "Aí, eu vou sair", eu pensava: "Não, vou sair, bater perna, não vou deixar minha filha, sabendo que eu posso ficar com a minha filha". Muita gente me dava uns conselhos. Então, eu penso: “Não adianta”, que nem agora, como eu tô solteira, eu podia: "Não, vou sair, a minha mãe mora comigo", mas aí, eu paro e penso: "Não, minha filha vai se espelhar em mim". Então, principalmente, a hora que eu saio daqui, vou embora, ela está lá, fica me esperando, pergunta como foi o trabalho. A gente se torna uma super mãe, muita coisa, eu penso: "Não, é pra minha filha, eu faço pela minha filha". Eu mudei muito, mudei bastante, filho é tudo, é uma coisa, sem palavras também, às vezes, a gente está meio aborrecida, fala umas coisas que vêm na cabeça e tem muita gente que fala: "Jô, você tem que agradecer que você tem a tua filha, que tem muitas mulheres que tentam engravidar e não conseguem ter filhos". Porque, às vezes, tem dias que a gente não acorda bem mesmo, (risos) aí fica pensando: "Nossa, por que eu fiz isso? Por que eu casei?". E tem muita gente que fala: "Não, eu não penso assim, Deus te deu a coisa mais valiosa nesse mundo, que é um filho" e eu tenho a minha filha, que é a minha companheira, ela é tudo pra mim.
P/1 – E como você começou a atuar na ferrovia?
R – Eu comecei a trabalhar lá, onde eu moro, lá perto mesmo, mas lá eles faziam peças e a manutenção das rodas. Então, quando comecei a trabalhar lá, eu não sabia nada, nada, nada, nada. O meu irmão, tem o meu irmão que trabalha também na ferrovia, ele falou bem assim: "Ó, Jo, o serviço lá é sujo, você vai ter que fazer, erguer peso e tal". Eu falei: "Não tem problema, não tem problema. Vamos lá, se eu não gostar, eu peço pra sair". E no final das contas eu comecei a gostar do meu serviço e comecei a lidar com ferro, cortar, usar o maçarico, dobrar chapa, cortar chapa. Foi uma coisa assim que eu fui, nunca tinha feito na vida, trabalhar assim igual a um homem, eu nunca imaginei que eu ia trabalhar um dia com isso e foi aí que eu comecei a gostar, comecei a trabalhar com furadeira, cortar as peças. Foi uma experiência muito boa que eu tive também. E agora, como fechou lá, o que é bem triste, a gente ficou triste, porque pra mim, era uma coisa que eu comecei a amar, a gostar de fazer, uma coisa diferente que eu nunca imaginei. Então, quando fechou lá, não vou mentir pra você, chorei, principalmente quando eu passo, até hoje eu sinto falta, porque era bem pertinho da minha casa, não posso reclamar porque o serviço é bom, as pessoas aqui que eu trabalho são bem legais. Mas lá, uma coisa que foi a mais marcante pra mim, foi quando aprendi a fazer solda. Eu sinto muita falta de lá. Até brinquei com o pessoal, falei: "Vou trabalhar ali no PMV”, mas o PMV é mais complicado, porque tem que entrar embaixo dos vagões, tem que subir em cima dos vagões. Então, aí eu falei: "Não, não vou, já que o meu ex-supervisor me indicou pra trabalhar aqui no PML, eu vou ficar no PML mesmo". Mas eu sinto muita falta de lá, foi uma experiência bem boa que eu tive, trabalhar com maçarico, solda, ferro, cortar chapa. Foi uma coisa muito boa, um aprendizado também, pra mim.
P/1 – Qual era o seu cargo?
R – Eu era mecânica, eu era soldadora, soldava, mas soldar, eu soldei bem pouco tempo, eu usava mais o maçarico, cortava peça, cortava essas partes, como que eu posso dizer? Partes para fazer a escada das máquinas. Então, furava as peças, porque tem bastante peça pra furar, mas a gente dizia que a gente era mecânico auxiliar, auxiliar de produção. Então, foi uma coisa bem boa e não me arrependo até hoje de ter entrado na ferrovia, não me arrependo, todo mundo pensa: "Aí, a ferrovia é ruim, é só pra homem". Não é só pra homem, não é. É bastante experiência que a gente vai aprendendo aqui. É que nem agora, aqui só tem locomotiva, eu não tive ainda a oportunidade de trabalhar nas locomotivas, sabe, porque a gente tem que ter TAG, tem que ter liberação do supervisor. No momento, eu não tive oportunidade de trabalhar lá, mas onde eu estou trabalhando eu gosto também.
P/1 – E como você ficou sabendo da vaga desse primeiro trabalho?
R – Foi o meu irmão que me indicou. Ele trabalhava lá também, ele trabalhava de carregar caminhão, quando vinha, carregava roda, porque como lá faziam as peças, vinham os caminhões e ele ficava carregando. Aí meu irmão veio e falou: "Ó, vai abrir uma vaga lá, eles vão recolher mulher". Porque já trabalhavam, acho, três mulheres lá e ele falou bem assim... Tinham mandado uma moça embora e uma outra tinha acabado de sofrer um acidente e aí abriu a vaga. Eu fui, falei com o Rocha, que era o líder, levei o currículo, conversei com ele, ele pegou e falou que ia mandar pra Curitiba, né, meu currículo e que era pra eu ficar no aguardo. Fiquei aguardando, acho que passou um mês, eu recebi uma ligação que era pra ir lá, levar meus documentos e preencher o resto dos papéis que faltavam. Nossa, fiquei bem feliz! E minha mãe também trabalhou lá, minha mãe trabalhou lá na limpeza, mas ela trabalhava na limpeza, mas tudo foi o meu irmão, meu irmão arrumou pro meu primo, aí arrumou pra minha mãe, arrumou pra mim, mas agora a minha mãe não trabalha mais e nem meu primo, mais, na ferrovia.
P/1 – E, Jo, como você se sentia, segurando aquelas máquinas, no maçarico? Como foi pra você se dar conta de que você era capaz de mexer nessas máquinas?
R – Assim, no começo eu tive bastante medo, ficava nervosa, porque eu não sabia, eu não conhecia nada, eu não sabia como funcionava. E aí ficou uma moça lá, ela trabalhava lá, aí ela acabou ganhando a conta. Mas eu vi que ela não era muito de querer me ensinar, não era muito assim, que nem eu falei: "Nossa, fazer o quê, né?" E meu irmão, a gente não trabalhava junto, trabalhava no mesmo barracão, mas não junto, sempre falava: "Ó, se precisar de alguma coisa, me chama", eu pensava: "Não, não posso chamá-lo, eu mesmo tenho que enfrentar e colocar". Aí eu pensei: "Sabe de uma coisa? Eu não vou ficar pedindo ajuda pra ela, vou chamar o líder, que ele está aqui, pra ensinar" E tinha o Rocha, aquele que eu conversei, foi ele que me ensinou, ele que vinha e me ensinava tudo, ele e um outro rapaz também, que também não está mais na ferrovia, era sempre um dos dois que vinham ali e me ensinavam. Então, foi uma coisa que depois, com o tempo, eu já fui mais pegando firmeza em mim mesma, fui acreditando mais em mim, que eu sou capaz e vou conseguir, não abaixava a minha cabeça. Foi duro, chegava em casa cansada, mas muito cansada e aí depois, aí foi, acabaram mandando-a embora e o serviço dela ficou pra mim. Depois, eles mandaram, foi um tempo, foi uma época que eles mandaram acho que uns quatro embora. Então, aquele serviço ficava pra mim, ficava pra algum outro, mas eu ia lá, eu fui tendo mais firmeza em mim mesma, fui, não chamava o Rocha, não chamava ninguém, fui e eu conseguia, eu me sentia orgulhosa de trabalhar lá. Aí sempre tem um ou outro do pessoal que não gosta e fala: "Mulher não é lugar de trabalhar aqui. Aí, porque só trabalha homem". Realmente, trabalhava só eu lá dentro da oficina e tinha a moça da limpeza e a moça do escritório, mas elas nem entravam lá dentro. Então, eu me sentia assim, passava de peito estufadinho, me achando orgulhosa. Eu pensava bem assim: "Eu consigo". E consegui, foi quando acabou fechando lá, que nem eu falei: o meu supervisor foi e me indicou, porque ele via que eu era capaz, ele viu que eu fui capaz, aprendi e fui capaz e porque foi mandado bastante gente embora, quando fechou lá. Então, ele escolheu assim as pessoas que ele via que tinham competência, que não faltavam, ele indicou pros outros supervisores, das outras áreas, acabou me indicando pra trabalhar aqui e deu certo.
P/1 – E como foi essa transição de empresa, esse novo cargo?
R – Assim também, vim pra cá, eu não conhecia ninguém, falei: "Ai". Porque de onde eu moro pra vir pra cá, é longe. Pensava: "Ai, meu Deus". Eu estava casada, Aí eu falei: "E agora? Não conheço ninguém" Eu vim numa sexta-feira aqui conversar com o Guilherme, quando fui fazer a entrevista, ele bem assim: "Pois é, a gente trabalha no sábado também". E como lá onde eu trabalhava nós não trabalhávamos no sábado, ele falou: "Não, o horário é assim, uma semana tal horário e outra semana tal horário" e eu falei: "Nossa! E agora?" Imaginava que eu ia vir com o mesmo horário que eu trabalhava lá. Aí vim na sexta-feira, trabalhei no sábado, não conhecia ninguém, não sabia como andar por aqui, porque tem a rua da estrada aqui, tem mais dois barracões na frente, que tem a manutenção, tem a oficina do PMV, que é Posto de Manutenção de Vagão, e o nosso não tinha nada, só uns vagões e pra cá tem umas matas, eu falei: "Meu Deus, e agora?" Eu sozinha, não conhecia ninguém. Essa moça que me ajudou aqui, a Carla, eu fui fazendo amizade com ela, mas também foi bem, bem difícil no começo, tinha outra moça que trabalhava aqui também, que era da limpeza, eu fiz mais amizade com ela e agora eu tenho mais amizade com a Carla. Foi bem difícil no começo, pedi três vezes pro meu supervisor me mandar embora, falei bem assim: "Ó, me manda embora, que eu não quero ficar aqui, eu não quero, não quero, aqui não é o meu lugar. Não é aqui, eu não gosto de trabalhar aqui, não gostei de trabalhar aqui, me manda embora". Ele bem assim: "Eu não vou te mandar embora, eu não vou te mandar embora porque eu sei que você vai conseguir, vai gostar e vai ficar aqui conosco". E acabei ficando, faz três anos já que eu estou aqui, ele já saiu da ferrovia e eu estou aqui. (risos) E agora eu gosto e já me acostumei, o povo aqui gosta de mim, me chamam de louca, que eu sou meio ‘loucona’, sabe? (risos) Às vezes, dou uns gritos mas eu gosto de trabalhar aqui, o pessoal já até se acostumou. Quando eu saí de férias, eu voltei faz umas três semanas, três ou quatro semanas que eu voltei, todo mundo: "Não estava aguentando mais de saudade de você, Jô. Quando que você ia voltar? Parece que as suas férias não terminavam". Falei bem assim: "Agora eu tô aqui, agora vocês vão ter que me aguentar até o ano que vem" (risos).
P/1 – E como funciona esse seu trabalho? Como é o seu dia a dia?
R – O meu trabalho é assim: eu chego aqui às seis e meia, seis e trinta e cinco, troco de roupa, espero dar o horário pra eu bater o crachá, a gente tem o DDS (Diálogo Diário de Segurança), eles falam do que há, do plano para entregar as máquinas, é uma meia hora de DDS, aí eu vou, tem a minha salinha, tem a minha ferramentaria, tem a janelinha lá que o pessoal vem, passo no crachá, esperam a ferramenta e eu vou e empresto as ferramentas. Ficam todas as ferramentas que eles pegam, todas marcadas no SAT, eles usam e na hora que eles vêm pra me devolver, eles passam, devolvem o crachá, pra eu poder dar baixa na devolução das ferramentas. Mas como aqui é turno, tem o pessoal que trabalha das sete às cinco, às 16h48, que é o meu horário; E tem o pessoal que trabalha até às sete. Então, o pessoal que trabalha até o meu horário, que é administrativo, vem e entregam às 16h55 as ferramentas e o pessoal que está no horário da escala, devolve depois, mas tem os líderes, que ficam até as sete, eles vão e entregam, apesar que fica encostado, a ferramentaria, a salinha fica encostada, aí o pessoal que é da escala vai e devolve no lugar. No outro dia, eu chego e vejo se aquele colaborador pegou a ferramenta, digamos de manhã e ficou o dia inteiro com a ferramenta, não me devolveu até o horário de eu ir embora, aí eu vou lá e vejo se ele me devolveu ou não. Caso ele não tenha me devolvido, eu vou, espero um dia, se precisar da ferramenta eu passo pro líder, caso não, eu o espero voltar na outra escala e pergunto da ferramenta, porque, às vezes, na hora de ir embora, eles acabam guardando nas caixas deles. Às vezes, tem uns que esquecem na máquina, às vezes, algumas ferramentas vão viajar, (risos) mas é assim que funciona. Eu, então, sou a responsável pelas ferramentas, se o pessoal não me devolveu eu tenho que cobrar: "Ó, você não me devolveu a ferramenta" e aí, como fica tudo registrado, fica registrado por dia e horário que eles pegaram, aí eu vou e os cobro. Caso eles falem: "Ah, Jo, eu perdi, ficou na máquina", eu vou, passo para o líder e ele vai, chama, conversa, mas, não é nada demais, eles não levam gancho, não levam advertência, eles só chamam pra conversar, porque não pode acontecer isso, porque eles estão pegando a ferramenta, eles têm que devolver. Mas esse é o meu trabalho. Eu fico, aí chega o final do mês, eu faço a vistoria das ferramentas, se não estão avariadas. Quando esta ferramenta está avariada, eu passo pra moça do escritório, porque ela manda pra Curitiba, pra sede, pra eles fazerem manutenção. Esse é o meu trabalho.
P/1 – E você consegue identificar quando que mudou a chavinha e você começou a gostar e a se sentir mais confortável aí?
R – Demorou pra eu gostar de ficar aqui, sabe? Foi em março. Eu comecei a trabalhar aqui em outubro e foi em março que começou a cair a ficha pra eu começar a gostar de trabalhar aqui. Uma porque acordava muito cedo. Na verdade, eu acordo cedo ainda e pensava: "Nossa, lá era perto da minha casa, aqui eu tenho que pegar três ônibus". Ficava assim, martelando, pensava: "Mas será que eu preciso fazer isso? Será que eu preciso ir lá trabalhar, num lugar que eu não gosto?". Mas aí, como eu acabei me separando, foi aí que eu pensei: "Não, então agora eu preciso trabalhar, tenho a minha filha pra criar". Então foi aí que eu fui me acostumando, fui levando, acostumando, fui acostumando com os colaboradores que trabalham aqui, porque parece que até eles me irritavam, acho que de eu não gostar, né? Parece que, de eu não gostar, parecia que até eles me irritavam. Então depois eu fui gostando, fui gostando. Agora, que nem agora eles vêm, brincam comigo. Antes eles nem brincavam comigo nada, porque eles vinham, brincavam e eu já meio que tratava mal, por eu não gostar de estar trabalhando aqui, mas aí depois de março, fui já me acostumando, o povo já foi gostando de mim, então, foi aí que eu comecei a gostar.
P/1 – E logo que você entrou, como foi contar do novo trabalho pra família, pro marido na época, pros amigos? Como eles receberam essa novidade?
R – Ah, o meu ex-marido, até eu falava, falei pra ele porque, no começo, é assim, assado, falei pra ele que não queria ficar, ele falou bem assim: "Então, veja o que é melhor pra você". Pra minha mãe também, falei pra ela que eu não tinha gostado, que achei muito ruim, era muito barulho, aí eles sempre falavam: "Veja o que é melhor pra você". Mas como aconteceu tudo isso, a separação e tal, foi quando vim pra cá, aí quando conversava, quando eu encontrava algum conhecido, porque sempre perguntavam assim: “Ah, você saiu de lá, fechou lá, porque é outro trabalho", e fui falando, fui falando que comecei a gostar, que era uma coisa diferente, que não era a mesma coisa com a qual eu trabalhava lá, falava que aqui é mais tranquilo. É mais tranquilo aqui mesmo, porque eu fico mais sentada, sabe, aí só levanto pra entregar as ferramentas pro pessoal e a hora que eles devolvem eu limpo, guardo e fico mais assim: faço uma coisa ou outra, faço um teste de óleo. Às vezes, precisa de algumas moças pagar uns EPIs (Equipamento de proteção individual), porque eu também entrego EPI lá. Peço pra ela pegar também tinta, fita isolante, porque é tudo comigo, não é só ferramenta. É EPI e as coisas que eles usam: desengripante, tinta, fita isolante, veda rosca, então não é só ferramenta e tem o pessoal da elétrica também, que eles pegam, usam alicate amperímetro multitester. Não é só ferramenta que eu entrego, eu faço teste de óleo, viscosidade. Agora, já aprendi a gostar. Nesses três anos que eu estou aqui, eu entrei em outubro, aí em março eu comecei a gostar, foi aí que eu aprendi a gostar de novo do meu novo trabalho, que falei: "Não, vamos gostar, vamos ficar porque eu quis.” Que nem eu penso: “Eu quis trabalhar aqui”, porque ele veio e perguntou pra mim: "Olha, eu tenho uma vaga lá, você quer ir lá fazer entrevista?", falei: "Não, eu quero" Porque aí, se eu não gostasse, eu tinha pedido a conta, mas eu queria que ele me mandasse embora, mas aí, como ele não quis, então falei: "Não, vamos ficar, até onde eu aguentar, se eu não aguentar, eu peço a conta". E foi aí que eu descobri que é isso que eu gosto.
P/1 – Você já enfrentou alguma dificuldade no trabalho?
R – Aqui já, porque tem algumas ferramentas que têm uma data de validade. Então, assim, como eu não sabia lidar, como fazer, que tem que ter o símbolo do Inmetro, tem que ter feito manutenção, ter tudo marcadinho no computador, foi aí que eu sofri bastante, falei: "E agora?" Ficava nervosa, falei: "E agora? Eu não sei mexer nesse negócio". Sozinha, não tinha quem me ensinasse, eu falei: "E agora, como que eu vou fazer isso?" Aí foi que a Carla, eu falo que a Carla é minha irmã, que eu não tenho irmã, eu falo: "Carla, você é minha irmã", falo pra ela que eu a amo, ela é tudo. Tudo o que acontece, eu vou e converso com ela, ela fala assim: "Calma, Jo, calma não fique nervosa". Aí eu comecei a chorar, ela veio assim: "Não fique nervosa, a gente vai lá, eu vou te ensinar direitinho" e foi que ela fez, me ensinou também como que fazia e agora estamos aí dominando de novo. Mas foi nessa parte que eu me bati, porque a gente tem que fazer tudo no computador: torquímetro, manômetro, tudo tem que colocar no computador, o dia que foi mandado para manutenção, porque é a cada um ano, tem que fazer manutenção, pra ver se não está descalibrado. Ela foi, me explicou direitinho, ficamos o dia inteiro lá, também. Então, foi nessa parte que eu achei difícil, pra eu poder pegar o jeito, mas aí, com o tempo, fui aprendendo também com as ferramentas. O tamanho, porque eu nunca trabalhei com ferramenta na vida, mas eu acho que nessa parte, das peças que têm que mandar calibrar, que eu achei, que eu senti, que foi mais dificultoso pra mim.
P/1 – E, Jô, você já sofreu algum tipo de preconceito, por ser mulher?
R – Não, não tive nenhum preconceito, até quando eu falo assim: "Ah, porque eu trabalho, trabalhei, fiz isso, isso" "Nossa, mulher, você trabalhou com isso?", falei: "Já". Todo mundo se assusta, porque pensa: "Nossa, é mulher, de onde que vai aprender a lidar com maçarico, vai querer lidar com solda". Mas eu não tenho vergonha de falar sobre, tenho muito orgulho, falo de boca cheia. Até o rapaz que eu estava namorando, ele me chamava de ‘macharrona’, ele falava: "Mas você é ‘macharrona’". Por causa disso, porque como eu venho trabalhar, eu não passo maquiagem, eu não me arrumo. Falei bem assim: "Ah, eu não vou me arrumar, vou trabalhar no meio dos homens, por que eu vou me arrumar?" Aí sempre tô de camisa polo, calça jeans, tênis, aí ele falava assim, que eu sou ‘macharrona’. (risos) Pelo meu jeitão, né, ele falava assim que eu tenho um jeitão de homem, por eu trabalhar também, acho que conviver, trabalhando com os homens. Aí eu falei bem assim: "Eu não sou ‘macharrona’". Mas ele só falava isso pra me atentar, falava: "Você é meio ‘macharrona’, não sei não, mesmo, não sei se você é mulher", falei "Sou mulher, sim". (risos) Mas é só pra me atentar, por eu trabalhar com homem só. Mas eu nunca tive preconceito, nunca, nunca tive preconceito, de você trabalhar mais com homem.
P/1 – E como é pra você, o que significa você exercer uma função que historicamente, culturalmente, costumava ser realizada por homens?
R – O que significa?
P/1 – É, o que representa pra você, isso: ser mulher e poder entrar e atuar nessa área?
R – Ah, pra mim, eu me sinto orgulhosa, me sinto orgulhosa, porque eu acho que toda mulher é capaz de trabalhar assim, no meio dos homens, conviver com eles. Então, eu me sinto orgulhosa, não tenho vergonha de falar. É uma coisa assim, que nem eu falei: às vezes, eu estufo meu peito, por eu estar trabalhando aqui, porque tem uns homens que têm preconceito. Ainda tem homens que têm preconceito, falam que esse serviço não é pra mulher. Eu acho que não, pra mim é independente do serviço. Eu me sinto orgulhosa de trabalhar assim, onde toda a mulher é capaz de trabalhar, não é só porque o serviço é pesado. Quando a gente quer, a gente vai, tenta e vai pra frente.
P/1 – E você lembra de alguma história marcante no seu trabalho, de algum sufoco ou de alguma história divertida, engraçada?
R – Deixa eu me lembrar. Aqui, que nem eu te falei agora, pra mim é tudo tranquilo. Tem um rapaz aqui que trabalha assim conosco, ele é muito querido, gosto dele bastante, ele gosta de imitar as pessoas, ele vai lá, mas ele não imita assim por mal, ele imita até o jeito de andar. Eu falo: "Fulano, imita tal pessoa". Aí ele vai, como ele busca a ferramenta, mas eu dou risada, dou risada, ele é muito engraçado. Então, é uma coisa assim que anima a gente. Tem também uma cadelinha, nós a chamamos de Letícia, mas aí a gente fica no DDS, a gente fica lá fora, ela vai no pé de todo mundo, porque todo mundo a agrada e ela fica lá na ferramentaria comigo. Dou, às vezes, dou alguma coisa pra ela comer e ela saí, eu dou uns paninhos pra ela brincar e ela sai bem ‘loucona’, bem louquinha, assim, correndo, que ela é bem _________ , gordinha. Assim, essas coisas assim que vão marcando, sabe, que fazem a gente gostar mais do trabalho, essas pequenas coisas que a gente vai se dedicando a gostar mais do trabalho. E sufoco uma vez eu passei no LOG, lá onde eu trabalhava lá, lá era o LOG. Eu estava esquentando um ferro e, como eu não sabia, eu fui e coloquei, era chuveiro, eles falam chuveiro, sabe? A gente tem que aquecê-lo bem, pra poder dobrar e nisso eu coloquei pra trás, porque a tocha era bem grande e eu deixei bem perto do fio, das mangueiras, mas eu não chegou a pegar nas mangueiras, mas ficou calor, começou a dar uma derretida, aí essa moça que eu trabalhava lá, ela disse: "Louca do céu, está derretendo a mangueira" Porque, se derretesse aquilo, ia explodir a oficina, por causa do maçarico, do acetileno, porque o acetileno explode. Mas não chegou a derreter, ele só aqueceu e ficou bem mole. Porque, se ela não tivesse visto, aquilo de lá ia pegar e explodir, pensa! Esse foi um sufoco que eu tive, mas depois, também, foi aí que eu fui aprendendo e não deixava a mangueira, deixava a mangueira atrás, mas a tocha eu deixava pra frente, porque a gente não sabe, não sabia como que funciona. Depois fui aprendendo. Esse que foi meu sufoco e foram essas histórias marcantes, a do rapaz, ele até me imita, até eu ele imita e pra ele não tem tempo ruim. Pra ele, nunca o vi triste. Pra não mentir, eu vi quando a esposa dele acabou perdendo filho, ela estava grávida, eu o vi triste, mas depois disso, pra ele não existe tempo ruim, sempre está alegre, dando risada, atenta um, atenta outro e o pessoal aqui não liga desse jeito dele, porque ele brinca com todo mundo, ele é assim com todo mundo. Então, se vir alguém e não gostar, no meu caso penso: "Ó, não gosto que você brinque comigo, não tire sarro de mim", mas ele não tira sarro assim por mal, é o jeito dele brincar, porque todo dia, ele sempre está feliz. Essas coisas assim são marcantes.
P/1 – E como é, pra você, essa dupla jornada de trabalho, conciliar trabalho com demandas da vida pessoal e da filha, ser mãe também. Como é isso?
R – Assim, como eu fico o dia inteiro aqui, eu chego em casa, que eu vou embora de carona, às cinco e meia, por aí, aí eu chego em casa, deito no sofá, ela vem, deita comigo, aí eu vou, tomo um banho, ela pergunta como que foi o meu dia, eu falo que foi bem. Eu durmo muito cedo, porque eu acordo quatro e meia, então umas nove horas, nove e meia, dez horas eu já vou dormir. Às vezes, ela dorme comigo, às vezes, ela dorme na cama dela, às vezes, dorme com a minha mãe e aí, final de semana a minha mãe trabalha, no sábado, porque a minha mãe trabalha na casa do sogro do meu tio e no final de semana eu fico com a minha menina. Às vezes, a gente sai, dá uma volta, vamos no parquinho. Às vezes, ela não quer ir, eu falo: "Vamos sair com a mãe", ela fala: "Mãe, eu não quero sair". Mas, assim, pra mim é tudo tranquilo, pra mim é tranquilo. O mais cansativo mesmo é que eu chego tarde. Às vezes, ela fica comigo, mas eu me culpo também, por não dar atenção pra ela, porque eu tenho que dormir. Então, eu me culpo sobre isso, mas sempre, sempre estamos juntas, eu e ela, ela fala: "Mãe, eu vou deitar com você, ficar com você". Porque, às vezes, a gente chega, [cansada] o meu serviço é tranquilo, mas por eu acordar todo dia quatro e meia, é meio desgastante, mas o resto pra mim é tranquilo.
P/1 – E você namora, hoje em dia?
R – Não, não tô namorando não. Eu estava namorando, mas aí a gente acabou terminando, mas ainda eu sei que a gente vai voltar, (risos) porque faz pouco tempo que a gente terminou. Faz, vai fazer três semanas, mas a gente conversa, todo o dia a gente conversa. Eu acho que a gente vai voltar, que a gente ficou um ano juntos. Então, eu sempre falo: "A esperança é a última que morre" e a minha não morreu ainda e a gente vai voltar. (risos)
P/1 – E, Jo, como que a pandemia impactou a sua vida, desde pensando na sua vida pessoal, mesmo, até o trabalho, se teve algum impacto?
R – A pandemia começou no ano passado, meu irmão acabou falecendo em novembro do ano retrasado, deu infarto nele. Então, onde eu morava, o dono da casa tinha vendido e aí eu tinha que mudar no sábado, tinha que sair. Eu já tinha alugado outra casa, já estava certo e meu irmão acabou falecendo na sexta–feira. Foi assim, uma coisa muito triste. Eu estava até trabalhando ainda, minha mãe ligou pra mim, falou bem assim: "Você já conseguiu o caminhão da mudança? Falei: "Não, mãe, eu tenho que ligar, procurar, daqui a pouco eu vejo". Ela disse: "Ah, vou ver quem que está me ligando", nisso ela atendeu e era a vizinha que tinha ligado. A namorada do meu falecido irmão estava lá, mas como ele pegou, levantou pra ir no banheiro e ele já caiu, caiu já morto, levantou e caiu, ela ficou desesperada e ligou pra vizinha, foi falar com a vizinha e a vizinha ligou pra minha mãe, minha mãe me ligou, isso era na parte da manhã. Aí ocorreu tudo isso e a gente foi morar lá na outra casa, foi em dezembro, acabamos indo pra outra casa em janeiro. Essa casa que a gente foi, quando meu irmão faleceu, a minha mãe começou a entrar em depressão, ela não aceitava. Agora, onde a gente está morando, já fez também um ano, a gente se mudou lá no final de janeiro e em março começou a pandemia, foi muito assim... como é que eu posso te dizer? Também eu estava namorando um outro rapaz e a gente acabou terminando, não deu certo, ele era muito ciumento, muito ciumento, aí acabou, a gente acabou terminando e foi assim, muito complicado, a morte do meu irmão, a gente já tinha se mudado numa casa, minha mãe não se adaptou na casa. No final das contas, a gente teve que fazer três mudanças, porque aí minha mãe morava com o meu irmão, ficava durante a semana comigo e cuidava da minha filha e no final de semana ela ia pra casa dela, onde o meu falecido irmão morava. Eu tive que sair dessa casa, fomos pra essa casa que a minha mãe não se adaptou, aí ela teve que entregar a casa onde o meu irmão morava. Então, foram três mudanças. Foi assim, acabei terminando com esse meu ex-namorado, com a morte do meu irmão, aí veio a pandemia. No final das contas, eu já estava, também, parecia assim que eu vinha trabalhar, vinha só por vir, marcava ali presença, estava ali, mas eu não estava nem aí com nada, porque eu falei: "Nossa, aconteceu tudo”. Emagreci, aconteceu tudo assim, tudo de repente e essa pandemia, mudou as coisas, também fiquei bem nervosa, porque foi aquele negócio assim: todo mundo foi, comprou as máscaras, comprou álcool e, como eu andava de ônibus, não tinha mais máscara, eu fiquei com medo de pegar Covid, falei: "Meu Deus, eu vou pegar Covid, eu vou passar pra minha filha, vou passar pra minha mãe", sabe? Eu fiquei bem nervosa, porque eu andava de ônibus, a minha mãe tem diabetes, tem pressão alta, eu falei: "E agora?" Mas, graças a Deus, passou rápido. E eu conheci esse meu ex-namorado também, esse que eu acho que a gente vai voltar ainda. Foi ele que me ajudou bastante, sempre comentei com ele: "Graças a você, você me ajudou", porque eu chegava em casa cinco e meia, eu chegava em casa, tomava banho e ia dormir, acordava de madrugada e não dormia mais, ia trabalhar bem mal e acabei, a gente acabou se encontrando, eu e ele, porque ele é irmão de uma falecida amiga minha também, aquela que eu contei na história, que a gente estudou junto e ele apareceu, apareceu e me ajudou bastante. Então, eu sou muito grata a ele, sempre falo isso pra ele, porque foi ele que me tirou lá de baixo. A minha menina o adora, porque pra nós foi muito triste, quando o meu irmão acabou falecendo, porque a minha filha era muito apegada com ele. Chegava final de semana, ele passava lá em casa, para levá-la pro shopping, todo final de semana era sagrado. Então, assim, pra minha menina também foi muito triste. Mas a pandemia correu bem a primeira [onda] da pandemia, essa [segunda] foi bem triste também, achei que foi bem triste, peguei Covid, a minha menina pegou Covid também. Mas esse foi no começo do ano, foi em março, pegamos e ficamos afastados, não fui trabalhar também, fiquei me recuperando e eu agradeço também pela minha mãe não ter pegado, por ela ter a imunidade baixa, eu estava com medo dela pegar, e aí, pensa: nós três com Covid. Foi bem assim, só eu e a menina, a minha menina, não deu os sintomas que deu em mim, mas eu não precisei ser internada, nada, só tomei os remédios e fiquei em casa fechada e a minha menina também, nos recuperamos e estamos aqui, agora.
P/1 – E, Jo, pensando no seu trabalho, quais foram os momentos mais marcantes, ao longo da sua trajetória profissional, no setor ferroviário?
R – Foi agora, que eu fiquei super feliz, de estar sendo entrevistada, é que, às vezes, não vem na cabeça. Assim, foi ver uma locomotiva de perto, que eu nunca tinha visto, Maria Fumaça, porque ano retrasado teve a Maria Fumaça, conheci a Maria Fumaça. E eu acho assim: trabalhar em um lugar assim que eu achava que eu nunca ia trabalhar, trabalhar numa mecânica, trabalhar numa ferrovia, onde era, antigamente, preconceito, que era só homens, não imaginava, porque até hoje o povo pergunta: "Mas trabalha mulher lá? Trabalha mulher na ferrovia?" Tem pessoas que ainda perguntam, se trabalha mulher na ferrovia. Eu acho que foi isso que marcou. E conhecer essas pessoas aqui, conhecer bastante gente, outras pessoas, ter amizades. Eu acho que esse foi marcante, pra mim.
P/1 – E os maiores aprendizados que você pode levar pra vida, assim?
R – Sobre o serviço, mesmo?
P/1 – É, de trabalhar no setor ferroviário.
R – Eu acho que toda a mulher deve pensar que não são só homens que trabalham assim. Eu acho que toda mulher tem o direito de tentar, tentar para ver que realmente toda a mulher tem o seu lugar também, não só os homens. Eu acho que é isso. Eu acho que toda mulher tem que tentar, tem mulheres que pensam: "Não, não vou conseguir, porque não é pra mim, é só pra homem". Eu acho que não, toda mulher tem que tentar, igual eu, eu fui, tentei e consegui, tenho orgulho, tenho orgulho de tentar, conseguir e estou aqui e, se for preciso, eu falo, trabalho lá fora, na obra. Até esses dias eu brinquei com o rapaz: "Você viu? Tem uma vaga de manobra, eu quero sair daqui, quero trabalhar lá de manobra, quero andar macetando o pé". Ele disse: "Você está louca, vai andar no sol, na chuva, você é louca?" Bem assim. Eu pensei, falei: "Não, mas é uma coisa diferente. Eu vou andar e macetando pedra bem louca, vou cair pra dentro” – brincando, assim: “Vou cair aí na linha, mas vou trabalhar de manobra". Aí ele falou: "Não, tem que ir lá conversar" Mas a gente fala, às vezes, pensa: "Ah, vou trabalhar, fazer outra coisa", porque, às vezes, a gente cansa de trabalhar, fazer a mesma coisa, fazer umas coisas diferentes, mas eu acho que toda mulher tem que tentar, não pode ficar com medo, tentar, “vou”, bate no peito: “Eu vou, sou mulher e vou conseguir”. (risos)
P/1 – E, Jo, quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R – Importante? A minha mãe, que está comigo, a minha filha e o meu trabalho, agradeço muito, todo dia agradeço, porque está muito difícil trabalho. Você vê muita coisa, que eu sou bem sentimental, sou meio ‘loucona’, tudo, falam que eu tenho um coração frio, sou meio rude, mas eu vejo que está muito difícil. Então, agradeço todo dia a Deus pelo meu trabalho, agradeço pelo meu alimento e, principalmente, agradeço aos meus colegas de trabalho, porque eles dependem de mim, como eu dependo deles. Então, agradeço a minha mãe, minha filha, meu trabalho, e aos colegas, trabalho em geral, tudo. E agradeço também, assim, por eu ter saúde, pra eu poder sustentar a minha mãe e a minha filha. Essas coisas são as mais importantes, e de eu existir. (risos)
P/1 – E os seus maiores sonhos, quais são?
R – O meu maior sonho é ter a minha casa, que eu não tenho, um dia, ter um automóvel, mas o meu maior sonho mesmo é ter a minha casa. Ter a minha casa, não pagar mais aluguel e ver minha filha crescer e ela ser uma ótima profissional, o que ela sonha ser. Então, esse é o meu maior sonho. Eu quero, sim, ter orgulho da minha filha, por eu estar criando, eu e a minha mãe, a gente estar criando-a, esse é o meu maior sonho: chegar assim e vê-la se formando. Mas primeiro o meu sonho é ter a minha casa, é meu sonho.
P/1 – E, Jo, pensando hoje, dividindo com a gente, o que significa pra você pequenininha ter brincado nos trilhos, ter ouvido muito o som da ferrovia, e hoje estar aí, podendo trabalhar, atuar. O que isso significa, representa pra você?
R – Isso, pra mim, está sendo um orgulho. Trabalhando aqui, nunca imaginei trabalhar aqui, então eu me sinto orgulhosa de estar trabalhando onde eu, criança, ouvia as buzinas, principalmente quando eu morava lá, sempre escutava, porque sempre ia pra lá, _______ . Então, eu me sinto orgulhosa de estar trabalhando, fazendo parte da ferrovia agora. É uma coisa que eu sempre vou recordar de lembrar que eu era criança e escutava a buzina, a gente brincava nos vagões, eu me sinto orgulhosa agora.
P/1 – A gente está acabando, eu queria te fazer duas últimas perguntas: se você gostaria de acrescentar mais alguma coisa, contar alguma história que eu não tenha instigado, ou deixar alguma mensagem?
R – Eu queria, posso já falar? Eu queria agradecer por essa oportunidade que vocês estão dando pra mim, agradecer o Amadeu, o meu supervisor, que me indicou, me senti bem feliz e queria dizer pras mulheres de agora, pra elas não desistirem de trabalhar ou de pensar: "Ah, esse trabalho é só homem". Eu acho que elas não devem desistir, devem se sentir orgulhosas, como eu me sinto orgulhosa de trabalhar com homens. Então, eu acho que elas devem enfrentar, não abaixar a cabeça e dizer: “Eu posso, eu vou conseguir e, se for pra eu ficar, eu vou ficar”. Me sinto orgulhosa de estar trabalhando aqui. Eu acho que toda mulher não deve desistir de trabalhar onde só tem homem, deve se sentir orgulhosa, igual eu me sinto orgulhosa de estar trabalhando aqui.
P/1 – E pra você, como foi passar essa tarde com a gente e poder lembrar um pouquinho da infância e ver como está hoje, fazer esse balanço, como foi pra você?
R – Ah, pra mim foi bom, foi maravilhoso lembrar do meu tempo de infância porque, com o tempo, a gente vai ocupando a cabeça com outras coisas: trabalho, ou ir pra casa, fazer isso, lavar roupa, esse serviço doméstico e hoje foi muito bom lembrar, da minha infância. Tem até umas coisas que acabei esquecendo de falar.
P/2 – Pode continuar. (risos) A Luiza travou, mas pode continuar.
R – Adorei passar a tarde com vocês, foi um momento muito bom, lembrei dos momentos bons que eu tive, dos momentos tristes, né, que triste não é muito bom da gente lembrar, mas como Deus sabe o que faz, prepara tudo, na vida da gente, a gente tem que passar os momentos bons e os tristes. Mas fico muito feliz, muito grata de passar a tarde com vocês, agradeço mesmo, foi um prazer conhecer vocês, espero que vocês tenham gostado do meu jeito, alguma coisa assim, fiquei nervosa, minha mão está bem nervosa, alguma coisa eu repeti demais pra falar, porque, às vezes, não vem na cabeça, né, mas tô bem, bem contente de estar fazendo essa entrevista com vocês.
[Fim da entrevista]
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