Retiro dos Artistas
Depoimento de Henio Ferreira Lousa
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 14/04/2016
Realização Museu da Pessoa
RDA_HV09_Henio Ferreira Lousa
Transcrito por Mariana Wolff
R – Henio Ferreira Lousa
P/1 – Qual que é a sua data de nascimento?
R – Vinte de setembro de 1944.
P/1 – Em que cidade você nasceu?
R – Sou aqui do Rio de Janeiro. Nasci no Grajaú.
P/1 – E seu pai e sua mãe são da onde?
R – São do Rio de Janeiro também, todos os dois.
P/1 – E seus avós?
R – Portugal.
P/1 – Os maternos ou paternos?
R – Os maternos e paternos.
P/1 – Os dois avós dos dois lados são de Portugal?
R – São.
P/1 – Por quê que eles vieram, você sabe?
R – As dificuldades de vida em Portugal. Muitas dificuldades, no pós-guerra, muito difícil, aí eles tiveram que procurar caminhos novos, de vidas novas. Aí, vieram.
P/1 – E eles todos vieram para o Rio?
R – Vieram, exatamente, tanto ele como a família do meu pai e a família da minha mãe.
P/1 – E você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Como se conheceram? Sei, mas não com grande precisão, mas o meu pai era radialista, ele começou a trabalhar na Transmissora, que era antes da Rádio Globo, antes da Rádio Globo existir, era Rádio Transmissora, depois foi transformada na Rádio Globo. E ele entrou na Transmissora em 1932 para ser sonoplasta, sentar naquela mesa com aqueles dois pratos e discos, aquela cabine dos atores da Rádio Globo, os locutores, ele fazia então, a parte musical da programação e era tudo ao vivo, não tinha nada gravado, né? Tudo se saísse errado, saía. E ele, depois, em 36 conheceu minha mãe numa festa de aniversário, uma coisa assim, naquela época, toda festa de aniversário tinha dança com aquelas bebidas tradicionais da época, cuba libre, então, eles se conheceram, trocaram contatos, na época, não tinha telefone, era só endereço, ela deu o endereço, aí começaram a se relacionar, aí em 1943, eles se casaram. Eu nasci logo em seguida, em 44.
P/1 – Você é o primeiro filho?
R – Eu sou o primeiro filho.
P/1 – E depois?
R – Depois veio meu irmão, que nasceu em 47, outro menino também.
P/1 – Vocês são em dois?
R – Somos em dois.
P/1 – E você morou quanto tempo nessa casa do Grajaú?
R – Não, não. Eu nasci na casa da parteira. Antigamente, não tinha hospital, você nascia na casa da parteira. Então, no Grajaú tinha uma parteira famosa, então, ela ia agendando os partos, deixava agendados lá. Nasci na parteira, mas eu fui morar mesmo numa rua chamada Vasco da Gama, que é uma rua hoje no Meier, Cachambi, que dá exatamente direto na entrada do Norte Shopping. Chamada Vasco da Gama e a gente morou numa casa ali, na casa três, 69, casa três, ainda me lembro do número da casa. Aí, dali…
P/1 – Quanto tempo você morou nessa casa?
R – Até 1958.
P/1 – Então, até ter 11 anos.
R – De 11 para 12 anos. Era alugada.
P/1 – E como é que era essa casa?
R – Essa casa era alugada, uma casa de vila com 12 casas, três de um lado e três do outro com um jardim no meio, aqueles postes antigos no centro, bem bonitinha.
P/1 – Como é que era o Meier nessa época?
R – O Meier era muito gostoso, tinha casas sensacionais de comércio, bar Imparcial, que era um famoso, choperia da Bhrama. a Bhrama era o melhor vendedor de chope… meu pai adorava passar sempre quando ele ia fazer compras, ele passava no bar para tomar um chope e eu tomava guaraná junto com o meu irmão, né, na época, Coca-Cola não era muito difundida, não, mas o guaraná era uma força. E eu adorava. E eles adoravam nos vestir iguais, que antigamente, o menino… vestiam igual e ele penteava a gente igualzinho, parecia um par de jarras, daí surgiu esse nome par de jarras, porque os pais adoravam colocar seus filhos, menino ou menina com a mesma roupa e ia para a foto, aquelas fotos antigas, grandonas, para tirar foto para depois distribuir para a família, as madrinhas, né, que as famílias eram bem grandes, era uma coisa muito legal isso. Era um mauricinho da época, atual, né? Mas era uma vida tranquila.
P/1 – E tinha vizinhança? Você tinha amigos?
R – Muito, muito. A gente brincava de carniça, coisas que já não existem mais.
P/1 – Como que é carniça?
R – Você ficava de quatro, assim, e as pessoas iam pulando por cima de você. Daí, começava a dar as tarefas para cada um fazer, quem conseguisse, quem fizesse a tarefa e tocasse na carniça, que era a pessoa que tava ali, o último ficava a carniça, aí trocava as tarefas e ia brincando assim. Espetacular. Coisa que não existe mais, o jogo de bola de gude, aquela época, tudo era a base de terra, não tinha calçamento nas calcadas, era tudo terra. Então, a gente fazia búlica, cavava o buraco para por a bolinha, entrava. Você matava a bolinha, depois entrava na búlica. Quer dizer, brincadeiras, realmente, sensacionais e que brincavam menino e menina. Hoje é mais internet, hoje as crianças não saem dos apartamentos, a vida é muito difícil. Não tinha televisão, a gente só escutava rádio. Rádio, naquela época, em 1958, 60 era o sucesso, porque rádio, você podia, a dona de casa estar fazendo seu jantar, o seu almoço escutando rádio. Rádio Nacional era o boom da época. E eu trabalhava com o meu pai, aí entra o meu pai, ele saiu da Globo e foi para a Mayrink Veiga.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha na época, o quê? Sessenta e dois… mas aí, o que aconteceu? Veio a Revolução, aí como o Brizola tinha comprado Mayrink Veiga, aí em 64 veio a Revolução, dia 31 de março, o quê que aconteceu? Como era Brizola uma pessoa não bem vista pelos militares, ele foi exilado e a rádio foi tomada pelo ministério da educação e foi administrada por militares. Aí, não começou a dar certo, a rádio fechou. Ela tinha um casto com o Chico Anysio, ele era um dos funcionários da casa e nós ficamos… eu como auxiliar de sonoplasta, eu entrei como auxiliar dele, como auxiliar de sonoplasta, ele como sonoplasta, nós ficamos os dois desempregados em 1964, 65. Aí, foi o caos, porque o apartamento era alugado… aí não, aí ficamos até 58, quando nós mudamos, então, para o Engenho Novo na rua Bela Vista, 85, apartamento 402. Ficamos lá de 58 até eu casar.
P/1 – Como que era Engenho Novo na época?
R – Engenho Novo também, um bairro mais calmo, mais tranquilo, mas com as mesmas brincadeiras de futebol, de peladas nas ruas, as ruas com pouco movimento de automóvel. Então, todo dia tinha jogo de futebol rua contra rua. Pipa, muita pipa, todo mundo soltava pipa, quer dizer, tudo ao ar livre. Nenhuma brincadeira em ambiente fechado.
P/1 – Como é que era na sua casa, quem exercia autoridade, seu pai ou sua mãe?
R – O meu pai. Meu pai era mais… bem ditador, em termos de comando, assim, sabe? Ele que determinava a lista de compras do armazém, que não existia supermercado na época, era armazém. Então, ele fazia a lista certinha. Então, ela tinha que ir no supermercado e as pessoas levavam, porque você não tinha automóvel, então, o armazém, o Dois Mundos era o armazém, levava as compras em casa, não saía daquilo, era coisa bem… não tinha diversidade de produtos que tem hoje, nem iogurte, não existia nada disso. Leite ainda era de vidro, dessa CPL, vinha os… pão você tinha que ir na padaria, não existia pão em armazém, mas era uma coisa gostosa, tranquila de se viver.
P/1 – E sua mãe, como é que era?
R – Minha mãe simples, dona de casa, nessa época, a mulher não trabalhava e ele jamais admitiria que a minha mãe trabalhasse. Era o padrão de vida da época, era isso, a mulher foi feita para cuidar da roupa do homem, fazer comida, cuidar dos filhos, levar filhos na escola e o homem trabalhar, e quando chegava de noite, estava tudo prontinho, o jantar…
P/1 – Mas como é que ela era com vocês?
R – Dócil, espetacular. Uma pessoa maravilhosa, foi uma educação, sabe, rígida, meio rígida, ele era muito mais rígido, mas ela relevava coisas à beça, dizendo que ia contar para o meu pai as artes que a gente fazia, mas não contava nada, sabe, ela sabia conduzir a gente com o maior carinho, com o maior cuidado, uma pessoa maravilhosa.
P/1 – Vocês tiveram formação religiosa?
R – Tivemos. Minha avó. Nós morávamos com a mãe do meu pai, né, ela ficou viúva e não tinha com quem morar, veio morar com o meu pai. Então, isso foi um drama muito sério para a minha mãe, sabe, porque ela era uma pessoa gostosa com os netos, mas uma pessoa muito conservadora, criticava as coisas que nós fazíamos e fazia queixa ao meu pai, dizendo que ela tinha acobertado, isso gera um clima de família muito pesado, muito triste. E outra coisa, ela começou a ficar doente e começou a depender da minha mãe para tudo, para dar banho, e por causa disso, minha mãe pegou um problema na coluna a ponto de ficar totalmente curva por causa do peso…
P/1 – A sua mãe?
R – A minha mãe. Então, quando a minha vó morreu, a minha mãe praticamente ficou doente com o falecimento dela. Ficou doente e o meu pai bem tranquilo cuidando dela, da gente e dela. Só que de repente, quem morre é o meu pai, de repente, um infarto, ele foi embora. Aí, minha mãe seis meses depois, foi embora também.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha… aí foi 95…
P/1 – Ah, vamos voltar. Com quantos anos você entrou na escola?
R – A gente entrava na escola com cinco anos, cinco para seis anos. Entramos na escola Neemia Soares, que era lá no Meier, aí depois, fomos para a escola República do Peru, que era no Meier, também, que era uma escola estadual.
P/1 – Que lembranças você tem da escola?
R – De tudo, tudo. As escolas eram maravilhosas, o ambiente escolar, os namoros. Foi aquela fase toda de descobrir o fumo, fumar no banheiro escondido para que a inspetora não viesse, o inspetor não visse, era muito gostoso. Ia depois, namorar no jardim do Meier.
P/1 – Qual foi a sua primeira paixão?
R – A primeira paixão, paixão mesmo foi a mulher com quem eu casei. É engraçado, eu comecei a namorar ela, eu tinha… é uma diferença de seis anos, eu tinha 20 e ela 14. Começamos namorar mesmo, que a mãe autorizou o namoro, antigamente, a menina só podia namorar com 17, 18 anos, eu consegui que a mãe autorizasse a namorar com 14 anos. Aí, foi maravilhoso.
P/1 – Vamos chegar aí. O quê que você mais gostava na escola?
R – Da escola? Do recreio (risos). Eu não era um bom aluno no primário, eu só fui bom aluno no ginasial, mas no primário, não, eu achava que era… a diversão… era mais gostoso as diversões, pular amarelinha no recreio, brincar de bola de meia, sabe, então, o recreio… os pátios eram enormes das escolas, sabe? O namoro, o flerte com as meninas, era um negócio fantástico. Então, se você tinha essas possibilidades, a gente achava que a escola, você perdia muito tempo com a aula, porque o lazer que era gostoso e até hoje, no fundo, a verdade é… as pessoas adoram o recreio.
P/1 – E de estudar, você gostava?
R – Eu só gostei de estudar depois que eu fui para a faculdade.
P/1 – Antes, não?
R – Antes não. Antes era o caos.
P/1 – Seu pai trabalhava na rádio…
R – Isso…
P/1 – Com quantos anos você foi trabalhar com ele?
R – Eu fui com ele, eu tinha 16 anos.
P/1 – Ah, então, você já tava…
R – Com 14 anos, já tava… porque ele precisava selecionar os discos, arrumar os discos depois que ele usava os discos, escolher a trilha sonora de uma novela, fazia diversos tipos de novela.
P/1 – E na sua juventude, como é que você era? Você tinha turma? Passeava?
R – Tinha turma, a gente saía para passear de bicicleta no Alto da Boa Vista. O Alto da Boa Vista, naquela época, você saía do Engenho Novo para ir para o Alto da Boa Vista, num sábado, às cinco horas da manhã, saía aquele grupo, dez, 20, tudo de bicicleta. Ia subindo o Alto a pé, no fundo era a pé, tomava banho de cachoeira lá na cascatinha, tomava o guaraná caçula, que era um guaraná pequenininho assim que ficava na entrada da cachoeira, no Alto da Boa Vista mesmo tinha um restaurante, aí a gente se preparava para descer de bicicleta, que já eram as pistas asfaltadas para apostar corrida, cara loucura absoluta, Sete Vidas era o sapato, era o tênis da época, não tinha os tênis de hoje, era o Sete Vidas, era de borracha branca com uma lona azul, cara, espetacular. E a gente vinha freando, às vezes, até frear mais a bicicleta, arrastando o pé no chão, para frear a bicicleta. Cara, fantástico e chegava lá embaixo, voltava novamente para fazer uma nova caminhada, era mais banho de cachoeira, mais guaraná caçula e mais descida. E tinha muito caqui, o caminho do Alto da Boa Vista era cheio de pés de caqui, a gente pegava caqui, comia o caqui, subia e descia, lavava o caqui na água das cachoeiras. Olha, espetacular. Tudo muito lindo.
P/1 – Você ia à praia?
R – Ia. Do Engenho Novo, a gente pegava o trem na estação do Engenho Novo, saltava na Central, depois pegava o 107 Urca–Central, ia para Urca, que era a praia mais tranquila, não tinha onda e dava para você nadar, a gente adorava nadar. Então, a praia da Urca era uma praia que tinha a possibilidade de você nadar. Já em Copacabana era muito forte, não tinha aquela ampliação de Copacabana, né, porque só foi feito em 60 e poucos, então a praia de Copacabana era extremamente forte, muito forte e não dava para nadar na praia de Copacabana naquela época, não, depois que eles fizeram o recuo da praia é que melhorou um pouco para nadar, mas a gente só podia nadar na Urca e na Praia Vermelha, era Urca e Praia Vermelha.
P/1 – Aí, você começou a ir com o seu pai na rádio?
R – Isso, na Rádio Mayrink Veiga.
P/1 – O que você fazia?
R – Eu era auxiliar de sonoplasta (risos), meu pai selecionava aquela tonelada de discos de acetato, aqueles discos de acetato, depois eu tinha que arrumar aquela coisa toda, depois catalogar novamente nos arquivos, nos armários e tudo e ajudava a enrolar as fitas que as máquinas de gravação eram Ampex, enormes as máquinas de gravar, para gravar as novelas para depois editar. Já tinha naquela época umas 60 gravações.
P/1 – Sonoplasta de novela?
R – Sonoplasta de programas de auditório, tinha programa de auditório, de humorismo com o Chico Anysio, como Zé Trindade, como a Rose Rondeli, foi mulher do Chico. Tinha um Miss Campeonato, toda segunda-feira tinha um programa que ela ia de biquíni, cada ator ia com uma camisa de clube, chamava Miss Campeonato o programa, era um espetáculo e ali, eu participava na organização desse programa.
P/1 – Das músicas?
R – Das músicas.
P/1 – E novelas, quais que eram?
R – Novelas, nós fizemos diversas novelas, fizemos “Coiote”, uma das novelas… com Hilton Franco, que foi protagonista, ele que fazia o coiote, é como se fosse da Rádio Nacional, o “Anjo”, “Gerônimo, herói do Sertão”, e a Mayrink resolveu também entrar nessa área de novelas históricas.
P/1 – Que músicas você lembra dessa época?
R – Ah não, música não, porque… o que mais me marcou era um cantor que o meu pai mais gostava, era o Frank Sinatra que era um sucesso na época e o Nat King Cole, esses dois o meu pai tinha coleção de acetados dos discos deles. E realmente, tudo que ele pudesse colocar o Nat King Cole e o Frank Sinatra como fundo musical, ele colocava, sabe? O Elvis Presley também ele gostava muito, Elvis Presley também entrou com uma força enorme. A música americana tinha uma força muito grande na rádio difusão. O americano entrava… Chubby Checker, aquela turma toda, do twist, era só música americana. Nós fazíamos também um programa “Hoje é dia de rock” com o Moisés Veltman, que as pessoas faziam mímica, olha só, mimica no rádio. Tocava no rádio, nós fazíamos a mímica no palco da rádio, mas você ouvia as pessoas fazendo a mímica e o auditório ficava assim, como se fosse uma TV, sabe? As pessoas caracterizadas fazendo mimica do Chubby Checker, de Sinatra e todos os artistas estrangeiros na época. Muito legal aquela…
P/1 – O auditório ficava cheio?
R – Nossa senhora! O auditório da Rádio Mayrink Veiga devia ter mais ou menos lugar para umas 60 pessoas, ficavam 500 ouvindo a transmissão pelo rádio de dentro do auditório. Era juventude, era o início da juventude transviada, eles queriam entrar para o rádio, não havia televisão… quer dizer, tinha televisão, mas não tinha a força que tinha o rádio. Eles queriam entrar para o rádio, o rádio que era uma força. Cantar na Rádio Nacional era um show, né? Uma vez, meu pai foi convidado para assistir o programa do Cesar de Alencar na Rádio Nacional que era aos sábados, às duas da tarde, era um caos. Parava a Praça Mauá, porque o auditório da Rádio Nacional não tinha condições de receber todo aquele público para ouvir Nora Ney, para ouvir Emilinha Batista, Linda Batista, Marlene Liminha, as duas em guerra, porque tinha o fã clube da Emilinha e tinha o fã clube do lado como se fosse hoje, a politica hoje, o PMDB… tá entendendo, com o PT, coisa assim, politico, mas era tudo em função do artista. Rádio Nacional e a Rádio Mayrink Veiga foram realmente… eu costumo dizer o seguinte, proporcionalmente à população, a Rádio Nacional tinha muito mais espectador do que a TV Globo hoje, entendendo? Em proporção à população. Não existia uma casa no Rio de Janeiro que não tivesse rádio e ligado, principalmente, na Rádio Nacional. A rádio ficava ligado o dia inteiro, pessoas acordavam às oito da manhã e só desligavam o rádio depois da última novela da Rádio nacional que era às oito da noite. Eu me lembro de uma novela chamada “O Direito de Nascer”, da Rádio Nacional que era um sucesso, um sucesso absoluto. Parava todo… na época, eu morava no Engenho Novo, parava tudo para ouvir a novela, todas as casas, que não existia o rádio à pilha, você tinha que ouvir naquele radiozinho, todo mundo em volta do rádio, como se fosse uma televisão. A pilha veio de 60 para cá, 64, 65. O primeiro Spica, o primeiro rádio transístico, quando ele entrou vendia mais que banana, todo mundo saía com o rádio e ficava todo mundo na rua com o rádio Spica, que era a marca do rádio que veio do Japão e que vendeu assustadoramente. Aí, quando entrou a televisão em 51, que foi a TV Tupi, a rádio pensou que tinha acabado. Aí, que foi a ilusão.
P/1 – Da rádio…?
R – Da rádio, de um modo geral.
P/1 – Mas seu pai tava onde?
R – Meu pai tava na Mayrink Veiga.
P/1 – E você tava lá com ele?
R – Eu tô lá. Então, a televisão vem aí, acabou o rádio. Aí, o Chico Anysio foi uma das pessoas que disse assim para o meu pai: “Jamais o rádio vai acabar, nunca o rádio vai acabar, o rádio vai ter tanta força quanto a televisão”. “Que é isso? Não é possível, se você pode olhar o artista cantando ou o artista representando, como é que você vai achar que o rádio não vai ser prejudicado?”, e não foi prejudicado. Você vê que a audiência de rádio hoje é um sucesso total, as rádios FMs, a Rádio Tupi hoje tem uma programação que todo mundo ouve de manhã. A Rádio BandNews com o Boechat é o maior sucesso…
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram na Mayrink Veiga?
R – Pouco, eu fiquei… ele ficou muito, ele foi 36. Eu fiquei de 62 até fechar, 65. Três anos só.
P/1 – Depois que fechou?
R – Aí, foi o caos, aí a gente morava no Engenho Novo, numa apartamento alugado, né, então a única renda da família era dele e o meu cachê, e aí? Acabou. Nós saímos no dia 30 de março de 65 sem o pagamento do mês, ninguém recebeu o pagamento do mês, o caixa de humorismo da Mayrink, inclusive era o Chico Anysio era um deles, ele era o diretor de praticamente da caixa de humorismo, ele saiu, só que ele estava na TV Rio, para ele não aconteceu nada, mas para os outros, parte de operadores, parte técnica foi tudo mandado embora e ficamos desesperados. Aí, o quê que eu fui fazer? E agora? O meu pai depois, um ano depois... aí o quê que eu fiz? Eu fui ver qual era a profissão que estava dando melhor remuneração. Ai, eu descobri que era técnico de Contabilidade, porque todas as lojas comerciais precisavam de um técnico de contabilidade e você abria o jornal: “Técnico de…”, aquele montão, eu falei: “É aí”. Aí, fiz um curso técnico de contabilidade, aí ao mesmo tempo que eu entrei no curso de Contabilidade, eu fui trabalhar no escritório de Contabilidade para poder ganhar dinheiro. Então, eu fazia o técnico de Contabilidade de manhã, entrava no escritório de Contabilidade, ia até às sete da noite, oito da noite, tá entendendo? Escrita manual, aqueles livrões. Aí, meu pai foi vender vassoura em lojas comerciais, vendendo vassoura.
P/1 – Por que vassoura?
R – Porque ele não estava achando, quando saiu da Mayrink emprego, só um ano depois que ele conseguiu na Rádio MEC ele conseguiu voltar ao trabalho e ficou, passou a ser sonoplasta da Rádio MEC que também tinha novelas.
P/1 – Mas primeiro, ele foi vender vassoura de porta em porta?
R – Foi vender vassoura de porta em porta, terrível, cara. Muito difícil, aí a fase ficou muito difícil. Aí, eu estava ganhando dinheiro, ele já vendendo vassoura, aí ele conseguiu na MEC e eu continuei no escritório de Contabilidade.
P/1 – E o seu irmão?
R – Meu irmão era três anos mais velho, estava estudando, ele queria fazer Medicina, não pode também. Aí, foi trabalhar numa empresa de Engenharia Mecânica, aí depois, ele foi transferido para o interior de São Paulo e foi trabalhar em Campinas, a empresa saiu daqui do Rio foi para lá e ele foi junto, criou família lá. Aí, em 68 meu pai foi convidado para ajudar na festa do cinquentenário da Casa dos Artistas em 68, onde a sede era na Pedro I, sete, grupo 306, era um grupo de salas que tinha na Praça Tiradentes. Aí, eu conheci, ele me apresentou o Francisco Moreno, que era o presidente da distribuição em 68. Então, o Moreno estava procurando uma equipe para fazer a festa, para organizar a parte de som, divulgação, grupos de teatro, aquelas coisas de prospectos, aquela coisa toda. Aí, eu entrei, aí foi um sucesso, porque a gente conseguiu recursos para junto com a Nair Belo, conseguimos recursos no programa “Flavio Cavalcanti, um instante maestro”, junto com a Cidinha Campos e fizemos uma campanha para acabar com o asilo daquele casarão. Ali era um asilo, ali foram os primeiros moradores do Retiro desde 1920…
P/1 – Eram artistas?
R – Eram, porque olha só, ali embaixo era a sala de música, sala de jantar e lá em cima, os quartos, só que nós colocávamos duas a três camas em cada quarto e duas a três camas em cada quarto é o quê? Você não tem privacidade de nada, você não pode ouvir um programa que você quer, porque nós tínhamos aquela televisão redonda preto e branco, só ali tinha televisão, nos quartos não podia ter televisão. Então, uma vez…
P/1 – Mas seu pai foi convidado para fazer…
R – Essa festa lá em 68, aqui já…
P/1 – Vamos voltar lá.
R – Em 68. Aí, eu entrei nisso, aí o Francisco Moreno gostou da organização do evento…
P/1 – Você entrou? Você foi fazer…
R – Fui, junto com o meu pai.
P/1 – Como é que foi? O quê que vocês fizeram?
R – Teatro Carlos Gomes, Teatro Caetano, Teatro Recreio, a gente tinha participação na bilheteria, era designado e a gente organizava esse contato de designar parte da bilheteria daquele dia para o Retiro dos Artistas, só na Cinelândia, na Praça Tiradentes, aí conseguimos essa captação de recursos. Então, o Francisco Moreno conseguiu construir casas, essas casas do Retiro era mato, não tinha nada. Aí, ele conseguiu construir essas casas que você viu aqui com o recurso dessa primeira campanha…
P/1 – Mas esse projeto das casas eram dele?
R – Eram do Francisco Moreno, ele queria.
P/1 – Ele fez essa construção?
R – Foi. Ele não queria mais aquela característica de asilo, ele queria que cada residente tivesse a sua casa ou então, o seguinte, você vê que nós construímos casas de dois quartos, reparou? Todas as casas lá atrás, a maioria eram de dois quartos, só que… por quê? Porque os quartos que tinham duas pessoas, a ideia nossa era pegar essas duas pessoas que já tinham convívio e colocar nessa casa, eram dois quartos, eles sairiam de um quarto ali e iriam para dois quartos nas casas. Foi o maior fracasso da vida, porque o artista é uma pessoa extremamente vaidosa, então, dessa época mais vaidosa do que hoje, se achavam estrelas e queriam morrer estrelas e nunca podia imaginar que a idade, a deformação das feições pudesse interferir nos seus contratos de trabalho. Então, com 50 anos, mulher com 50 anos, ninguém mais queria, a televisão mesmo, não aceitava mais ator com mais de 50 anos. Então, eles tinham o direito a vir para a instituição gratuitamente, porque nunca ninguém pagou nada para estar aqui, vieram começar a ocupar os quartos. Só que essa vaidade aflorava muito neles, eles se davam muito bem lá, mas quando nós tivemos que trocar para uma casa com dois quartos, elas aceitaram num primeiro momento, foi uma festa a transferência deles dois, das duas mulheres indo para as casas, só que o dia seguinte deu uma briga, elas vieram na administração, chamaram o seu Francisco Moreno: “Olha aqui, essa casa só pode ter uma pessoa e quem vai mandar é a que foi mais estrela e eu fui mais estrela do que ela, então quem vai ficar na casa sou eu e ela vai sair. Ou então, se ela quiser ficar na casa, ela vai ter que se submeter aos meus comandos. Eu vou dizer o programa de rádio que tem que ouvir, tipo de arrumação que vai ser feita na casa, deu para entender? O quarto da frente é meu, o dos fundos é o dela”. E a outra que com certeza foi muito mais estrela do que ela? Olha aí, o problema. É isso. Aí começava aquele negócio: “Quais trabalhos que você fez?”, aí enumerar os trabalhos de teatro que fizeram, porque a maioria era tudo teatro. Aí começaram aquela briga, aí o Moreno chegou a conclusão de que tinha que deixar uma pessoa em cada casa e passar… aí atrasou a remoção, tivemos que construir mais casas para… e a partir dessas discordâncias, sempre ficava a casa com uma pessoa.
P/1 – Deixa eu voltar um pouco. Eu quero pegar a sua entrada. Aí, vocês vieram e fizeram essa… foi uma festa?
R – Isso, foi a festa dos teatros. A gente procurava a produção das peças e uma parte da bilheteria era destinada a Casa dos Artistas.
P/1 – Mas eu não entendi. Vocês não vieram com um evento, vocês vieram para trabalhar?
R – Viemos para trabalhar na captação desses recursos, nos teatros.
P/1 – E como é que vocês se remuneravam?
R – Não, a gente não tinha remuneração, porque para trabalhar ali no Retiro dos Artistas, a gente não era remunerado. Só o meu pai que era remunerado, eu na época, eu vim para auxiliar o meu pai nesse projeto.
P/1 – Mas seu pai veio fazer o quê?
R – Veio fazer parte de captação de recursos dos teatros.
P/1 – Ele se remunerava como?
R – Uma parte, uma proporção, parece que 5% era para a equipe que ia capitalizar os recursos, né? Porque a diretoria da Casa…
P/1 – Ele ficou quanto tempo fazendo isso?
R – Cinquentenário um ano só, 68. Foi só agosto de 1968.
P/1 – Como é que você entrou aqui?
R – Eu entrei para cá, o seguinte, acabou essa festa, aí a gente foi para o Moreno: “Terminou a organização da festa, aqui estão os recursos”, foi tudo muito bem, fizeram coquetel, aí depois do coquetel, eu falei: “Eu e o meu pai estamos fora”, porque o meu pai já era da Rádio MEC, e eu falei: “Vou continuar no meu escritório de Contabilidade”, aí o Moreno chegou: “Espera aí, não, o seu pai vai, mas você vai ficar, porque a gente tem a festa do Retiro dos Artistas, a festa junina que é em junho e eu preciso montar uma parte dessa equipe para continuar a montagem da festa junina”, aí eu fiquei de agosto… de junho… em 69, no ano seguinte… ah não, antes tinha o Baile das Atrizes. Ele chegou pra gente e falou: “Olha, agora você vai ajudar na organização do Baile das Atrizes”, que era feito no Canecão, que era para captar recursos com a venda dos ingressos, totalmente destinado à Casa. Então, a primeira festa em 69, nós participamos que era no Canecão, que era Cervejaria Canecão, Choperia Canecão, que as pessoas dançavam o baile em volta da banda tocando no centro, em volta eram as pessoas dançando, cantando música de carnaval e a banda do Canecão tocando, banda mesmo. Aí ficou 69, 70, 71, né, no Canecão. Aí, fizemos o Baile das Atrizes, depois: “Agora não…”, acabou o Baile das Atrizes, que era só um dia de carnaval, “…agora na organização das segundas-feiras da festa junina”, que era só um dia também a festa junina, era só às segundas-feiras, porque os teatros, a folga da televisão, do teatro e tudo era segunda-feira, era folga geral. Então, o Moreno: “Para que os artistas pudessem vir ao Retiro, a festa junina era numa segunda-feira”, sempre uma segunda-feira do mês de junho. Aí, vinha todo mundo, Walter Lacet era um dos diretores da TV Globo e a enfermaria tá em nome dele, nós demos nome a ele porque ele deu doação de máquinas, de parte de roupas, de lençóis, então, o Moreno em agradecimento a ele: “Você ajudou na montagem da enfermaria, vamos dar o nome de Walter Lacet”, que tá ali o nome dele na nossa fachada. Aí ficou fazendo Baile das Atrizes, festa junina… aí, acabei me envolvendo com a instituição e passei a ser funcionário da instituição.
P/1 – Ele te contratou?
R – É, foi o Francisco Moreno.
P/1 – É a mesma função que você exerce hoje, não?
R – Não, não. Eu ficava na parte de Contabilidade, porque como eu era… já tinha me formado em técnico de Contabilidade, aí eu entrei fazendo a Contabilidade da Casa, lá na Praça Tiradentes, porque lá era a parte administrativa, aqui era só abrigo, não tinha administração aqui.
P/1 – E como é que sobrevivia naquela época?
R – Que dificuldade! Muito difícil. Tivemos aqui, para você ver, nós chegamos a um ponto, na época da Revolução, de só ter sopa no almoço e no jantar. A mesma sopa que era servida no almoço era servida no jantar, a crise era muito séria. Muito difícil, mas…
P/1 – Da onde que vinha o recurso?
R – Vinha o recurso dos sócios da Rádio Nacional, né, da Rádio Tupi, da Rádio Globo e pessoas artistas de teatro que ajudavam com uma contribuição de dez reais, na época, cinco reais, dez reais. Aí, nós tínhamos um cobrador, meu trabalho era esse, era organizar pauta do cobrador para ir na Rádio Nacional pegar cinco reais dos artistas da Rádio Nacional, da Rádio Mayrink Veiga, da Rádio Globo e dos teatros para poder pagar funcionários daqui, que aqui já tinha as pessoas que faziam manutenção da casa, dos faxineiros, jardineiro, da cozinheira, da copeira, da lavanderia. Então, a Casa passou por dificuldades muito grandes, a ponto de quase que eu falei: “Aquilo vai acabar, não vai aguentar”, aí saiu o Colé. Aí entrou também um ator da Globo, que era o Átila Iório, mas também ele não conseguiu resolver financeiramente o problema da instituição. Aí, saiu, entrou o Colé Santana, também não conseguiu recursos para manter, aí até que a TV Globo… a TV Globo ajudava o Colé Santana e ajudava o Átila Iório, na parte de conta de luz… o Roberto Marinho era uma pessoa maravilhosa, se chegasse lá: “A Casa dos Artistas tá com as contas atrasadas de água, telefone…”, ele arranjava uma maneira de pagar isso. Só que eles descobriram na TV Globo que a fase do Colé Santana não era muito honesta em termos de aplicação dos recursos destinados a Casa. Aí, a Globo colocou: “Para a Globo continuar ajudando a Casa dos Artistas, nós vamos colocar uma pessoa da gente pra tomar conta do Retiro dos Artistas”, mas também não deu certo, porque a pessoa que ele colocou dava cerro, mas ele era assessor da família Marinho, da Rádio Globo, ele era assessor do José Roberto Marinho e ele não podia estar aqui, aí botou uma pessoa que realmente não era aquilo que ele imaginava, essa no fundo que é a verdade. Aí, a TV Globo chegou… a Marluce, que era na época, a superintendente: “Vamos para o sindicato dos artistas, vamos entregar para o Stepan Nercessian”, que ele era o presidente do sindicato, aí ela falou: “Vamos entregar essa administração da Casa dos Artistas ao Stepan”, aí ele foi lá, o próprio presidente daqui, o Amauri Solon Ribeiro, aí foi lá, explicou a situação que ele não tinha mais condições de assumir aqui, que ele não tinha nenhum prestígio, um prestígio muito grande para continuar, tinha que ser um ator consagrado e na época, o Stepan estava em bastante evidência, ele falou: “Tudo bem, eu tomo conta do Retiro”. Aí, naquele casarão, nós fizemos a Ata de nomeação do Stepan com o presidente no dia 26 de outubro de 99. Então, o Stepan é presidente do Retiro desde 26 de outubro de 99 e é até hoje, porque não tem ninguém que tenha peito para tomar conta disso aqui.
P/1 – Vamos voltar? Quando você entrou e começou a trabalhar aqui, como que era o seu cotidiano, assim, quem morava aqui? Além da contabilidade…
R – Eu fazia a Contabilidade, mas também me envolvia muito no cuidado deles, que eu sempre gostei muito do cuidador, porque a característica das pessoas que vêm para o Retiro é de abandono, é de abandono tanto deles abandonando a família, quanto a família abandonando eles. Então, aqui era um poço de gente frustrada, com depressões profundas e, naquela época, não tinha psicólogo, não existia nada. Você tinha que curar a sua depressão por você mesmo ou, então, chegasse uma pessoa qualquer e que servisse de ouvinte. O que eles precisavam era de ouvidos para contar as suas frustações e aquilo era uma compensação para eles, essa maneira deles divulgarem os seus sucessos: “O que eu fiz, o que eu cantei no Municipal, o que eu cantei na Sala Cecília Meirelles, o que eu cantei no Teatro Recreio, o que eu fiz muito sucesso…”, então, eles precisavam para manter isso vivo estar sempre contando as suas histórias. Então, eu trazia, às vezes, amigos meus, famílias para que eles ouvissem essas histórias. Trazia pessoas para ouvir essas histórias. Isso que manteve o Retiro por muito tempo, a gente tinha aqui o que a gente chamava de ouvintes voluntários, vinham as pessoas só para ouvir as histórias, não é que servisse para alguma coisa, não, só para ouvir. Aí, a alegria deles contando as façanhas, as vedetes contando o que era o glamour de um palco do teatro revista. Isso reacendia, melhorava um pouco a frustração deles, a ansiedade deles, a depressão deles. Aí, ia dormir como se tivesse feito um espetáculo, entende? Então, o quê que elas faziam? Elas se reapresentavam para uma ou duas pessoas, era um espetáculo para uma ou duas pessoas ou três, não importa. Cantavam, dançavam com a roupa que tivessem, como se ela tivesse novamente no palco, isso era muito bonito e olha, é emocionante de chorar.
P/1 – Quando você entrou aqui, quantas pessoas moravam?
R – Eram 45.
P/1 – E hoje?
R – Agora, nossa capacidade é para 60 pessoas, mas hoje nós estamos, com os falecimentos, aí nós estamos com 50, 54 pessoas.
P/1 – E aí, depois de você trabalhar com essa parte de Contabilidade, você veio fazer o que aqui?
R – Aí, nós entregamos a um escritório especializado, aí eu fui fazer a parte social, continuar com esse ouvido para as pessoas que chegam aqui. Quando chega um residente novo, aí eu me apresento, falo o horário do almoço, qual é o horário do jantar: “Se você tiver alguma dificuldade no relacionamento com as pessoas, me chama, que eu ajudo a vocês se conhecerem”, nós vamos a teatro, a gente vai fazer passeios, tem ginástica aqui para a terceira idade de manhã. Eu organizo toda essa estrutura para dar a eles fazerem mais essa terapia ocupacional.
P/1 – E essa programação fora é você também que executa?
R – Sim, quando tinha eventos fora, para teatro, cinema, televisão, entrevista…
P/1 – Você faz a programação? Você que arruma a programação?
R – Não, não, eu conduzo.
P/1 – E quem faz a programação?
R – Quem convida é que faz a produção, não existe isso. Por exemplo, a gente já foi no Luciano Huck, a gente já foi em diversos programas de TV, a equipe vem, eu sou o representante… as pessoas que convidam agendam o dia direitinho, eu chego: “É agora para a gente descer”, porque eles não têm noção de tempo. Se tiver uma programação que tem que sair daqui às nove horas da manhã, a van vai chegar, ninguém vai descer às nove horas da manhã. Eu tenho que ir lá e falar: “É agora”. “Ah, é agora?”, então trago todo mundo para aqui, para…
P/1 – Conta alguns causos de algumas pessoas que foram marcantes…
R – Tem um caso que eu acho sensacional que foi de uma atriz da Globo também, que fez uma novela “A Gata Comeu”, ela fazia uma bonequinha na novela, o nome dela era… ah, caramba, bom, era uma atriz mas que viveu no teatro, ela viveu no teatro, adorava o teatro. Era… complicado, então, veio para o Retiro, a primeira coisa quando veio para o Retiro: “Eu estou vindo para o Retiro porque eu sei que tem um teatro lá e nesse teatro não tem produções e eu quero ser a produtora de peças teatrais com as pessoas que estão residindo no Retiro”, aí as pessoas acharam que era impossível ela poder... pessoas idosas, montar uma peça teatral, era uma coisa de sonho. Mas ela conseguiu realizar duas vezes essa façanha. Ela conseguiu pegar os residentes, inclusive um deles que está aqui, o Fernando Otero, ela conseguiu pegar o Fernando Otero e outros que já morreram e fizeram uma apresentação teatral maravilhosa. Quando ela realizava esse sonho, ela chegava pra mim e dizia: “Henio…”, foi o maior sucesso, ela convidava a comunidade, aí ela tinha uma seguinte situação, ela era muito bonita, magrinha, linda, muito bonita e a cabeça branquinha, acabava aquela apresentação que ela se realizou, ela entrava na casa dela, fechava a porta, colava na frente da porta o seguinte cartaz: “Morri, ressuscitarei dentro de três dias”, e morria mesmo. Ela ficava com leite em pó Ninho e pacote de maizena. Ela ficava os três dias fazendo o mingauzinho dela no fogãozinho dela lá dentro, o mingau de maizena. Comia mingau de maizena os três dias. Eu sabia o dia que ela tinha colocado o cartaz, então eu estava autorizado a no terceiro dia bater na porta dela para ela ressuscitar. Só que ela sabia do tempo, eu chegava lá de manhazinha, por volta das nove horas da manhã, oito horas da manhã, três dias depois, batia assim… Silvia Guimarães. “Silvinha”, ela vinha de penhoar, de camisola branca transparente sem nada por baixo, era de uma sensualidade absurda. Aí, ela respirava, me abraçava, olhava o sol, geralmente era de manhazinha, sol: “Olha, que morte maravilhosa que eu tive”, saía como se nada houvesse acontecido, descia, ia tomar seu café, fez duas vezes isso, nas duas apresentações, no final das duas apresentações do teatro. Silvia Guimarães. Maravilhosa. Isso realmente marcou muito, me marcou muito, foi uma coisa emocionante. Você poder… no fundo, contracenar com ela sem subir ao palco, porque ela precisava de alguém que batesse na porta para abrir, contasse o tempo para ela ressuscitar, talvez se eu não batesse na porta, talvez… não sei, pudesse ficar mais um dia, dois dias, entendeu? Então, estava esperando aquele “tu, tu, tu”… ela sabia que eu não ia deixar de… (choro/emoção), aí morreu linda toda vida. Morreu linda. Morreu aí na enfermaria nossa. O mais triste daqui é o sepultamento. O sepultamento é uma coisa muito triste, porque, normalmente, a família não vem e você enterrar uma pessoa sozinho e a pessoa sabia com a morte que ninguém viria da família para ir no cemitério. Isso é duro demais, quer dizer, elas já sabiam que no seu falecimento, a família não viria. Mesmo sendo comunicada.
P/1 – Qual que é o perfil das pessoas que entravam naquele momento aqui, a situação que ela entrava e como que ela entra hoje, quais são as principais diferenças?
R – A diferença é que na época, a gente tinha mais vagas, tinham mais casas disponíveis, então, uma pessoa que batesse aqui comprovasse no seu currículo que ela trabalhou em teatro e o trabalho dela era na área de cinema, televisão, teatro ou circo, a gente fazia o levantamento até pelo dossiê da pessoa, a gente vê o trabalho, né, aí tendo vaga, a gente já organizava para que elas ocupassem as casas. Hoje, não, hoje é mais difícil. Hoje, a gente tem que fazer um levantamento maior na vida das pessoas, porque muita gente procura o Retiro e que fizeram apenas pontas em teatro, pontas em novela, coadjuvantes, essas coisas assim.
P/1 – E é do Brasil inteiro ou só do Rio de Janeiro?
R – Do Brasil inteiro. Já buscamos gente de São Paulo, nós já buscamos gente de Santa Catarina, tudo ligado pelos sindicatos.
P/1 – …financeiro, sempre é o mesmo?
R – Sempre eles… por exemplo, a maioria deles… quando o artista vem para cá…
P/1 – Antes e agora.
R – Quando o artista vem para cá, ele não tem nada, porque quando ele sai da família, ele perde tudo. Muitos perdem até a previdência social, porque a família já fica com ela lá, deu para entender? Aí, nesse caso, eles vêm e não pagam nada, ficam aí, têm tudo de graça. Só que existe um detalhe, que tem o LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social, que a pessoa que trabalhou durante cinco anos, comprovar com carteira cinco anos e que não tem família, que não tem bens em seu nome, não tem imóveis no seu nome, ele recebe um salário mínimo. Então, eu aqui já fiz mais ou menos, umas 40 pessoas que passaram a receber esse LOAS. Então, eles vivem com esse salário mínimo, não tem 13º, que o LOAS não dá direito ao 13º, só que é um valor tão pequeno, que fica a critério deles querer ajudar ou não a instituição desse mínimo, porque são pessoas normais e que têm vida total, porque essas casas é um condomínio aberto, todo mundo sai, você viu o Burô saindo ali, ele vai arrumar um trabalho, alguma coisa, vai fazer algum show, tá entendendo? Então, isso aqui e um condomínio aberto, só não é aberto para a pessoa que tá na enfermaria que não pode sair.
P/1 – Mas tem gente que tá aqui que tem condição?
R – Não, não, ninguém aqui tem situação financeira para se auto sustentar lá fora. A maioria aqui recebe um salário mínimo. Há uma exceção, mas aí é um problema… mas a maioria não tem condição.
P/1 – E sempre foi assim?
R – Sempre foi assim.
P/1 – Como é que é para você ter feito essa carreira aqui? O quê que você acha que todos esses anos…
R – Maravilhosa, olha só, eu já tentei sair do retiro diversas vezes, mas ele tem uma força tão grande aqui, que me dá uma saudade quando eu estou fora daqui, que você quer voltar. É prazeroso cuidar de uma pessoa abandonada. Ter essa possibilidade de conversar com uma pessoa que não tem com quem conversar. Tem muita gente aqui que não fala com ninguém, fala comigo, tem confiança em mim e que se abre. Então, isso é muito bonito. Você poder proporcionar a essas pessoas que perderam tudo na vida, tiveram glamour, foram estrelas e que hoje, não possuem nada, só aquele ouvido para a convivência com eles, é muito gratificante, realmente, é uma cachaça que você pensa que você pode se libertar, mas você não consegue se libertar.
P/1 – Que outra história marcante você tem?
R – Tem muitas histórias, isso aqui é muito bonito. Tem histórias maravilhosas.
P/1 – Conta mais pra gente.
R – Deixa eu ver se eu me lembro de alguma que seja, realmente, bem…
P/1 – Ou engraçada ou triste…
R – Bem marcante. Teve uma… as primeiras casas que foram construídas eram de madeira e essas primeiras casas foram comidas pelo cupim e o cupim começa a comer a casa pela base, né, então uma vez, um dia de chuva e muito vento, estava subindo onde hoje é o condomínio… ali mesmo, onde é o condomínio dos apartamentos, ali tinham três casas de madeira. Aí, eu estava subindo e um grupo de alunos fazendo visita, porque aqui a gente recebe muita visita de faculdade de Comunicação, faculdade de Jornalismo para conhecer a história da Casa. Aí, eu subindo, deu uma ventania e a casa caiu. A casa caiu inteira, desabou a casa na frente da gente, as crianças ficaram enlouquecidas com aquele barulho, as madeiras envergando com o vento. Então, foi um fato bem marcante pelo impacto, a gente não esperava a casa cair, e eles visitando o Retiro e a casa com o vendo, descendo. Mas desceu assim e a fumaça, poeira, né, que fazia na época, foi uma coisa que me impactou durante a visão do negócio, lá. Mas ninguém se machucou, essas coisas assim. Só que as duas pessoas que estavam na mesma casa do lado, correram fora e nós transferimos no mesmo dia aquelas pessoas que estavam lá, porque o risco de cair era igual. Aí, depois, demolimos as outras duas casas para construir esse conjunto de apartamentos…
P/1 – Você lembra alguma coisa do tipo, alguma pessoa fez alguma coisa, burlou alguma norma, fez algum…?
R – Ah, tinha, tem. Mas assim, é tanta coisa assim, que dá uma…
P/1 – Alguma coisa pitoresca… alguém ter dado uma…
R – Não tô lembrando.
P/1 – E você, como que você conheceu a sua esposa?
R – Bom, aí eu conheci a minha esposa no mesmo bairro em que eu morava, Engenho Novo. No mesmo bairro e aí, ela tinha 14 anos… não, ela tinha 13 anos e eu tinha… sou seis anos mais velho. Eu já tinha… aí começamos a namorar, aí em 71 eu casei. Casei no Aterro da Glória, aí fui morar também numa outra casa no Engenho Novo, nós alugamos uma casa no Engenho Novo. Aí, o meu primeiro filho nasceu em 71, o Leonardo. Em 78, o segundo filho, Leandro e tivemos um terceiro filho que ela perdeu, um terceiro filho. Aí, ficamos juntos 35 anos. Aí, no dia nove de agosto de 2004, dia dos pais, meu filho convida eu e ela para irmos almoçar, fazer o almoço do dia dos pais na casa dele. Nove de agosto de 2004. Aí, peguei o carro… no Grajaú. Peguei o carro, morava no Engenho Novo, do Engenho Novo para o Grajaú é pertinho, aí paramos o carro, estava com o meu filho menor, o Leandro e o Leandro… ah, e a minha neta, porque esse meu filho teve uma menina com 16 anos e a minha mulher é que estava cuidando dela, ela tinha na época, oito anos de idade. Então, foi a Natália, o meu filho, porque quem cuidava da minha neta era a minha mulher, com oito anos, desde que nasceu. Então, ele teve o filho com 16 anos, mas a mulher não queria o filho, aquela coisa e minha mulher então, ficou cuidando. Então, cuidou desde o dia em que nasceu. Aí, nós estamos subindo no elevador para ir para a casa do meu filho, quando nós chegamos na casa, quando ela entrou assim, sentou no sofá e simplesmente, morreu. Morreu na hora, infarto agudo do miocárdio, desespero total para fazer respirar, aí eu desesperado, pegamos ela, botamos no carro e levamos para o Hospital Andaraí, mas já tinha morrido dentro do carro ou até… a gente não tem noção do exato momento da morte. Aí, minha filha, aí foi o caos. Eu com uma neta de oito anos para tomar conta, olha só, e um filho com 16 anos, com 16 anos, não, aí já tava com 24 e pouco, mas morava com a gente. Aí, foi o caos, aí tive que passar a ser mãe e pai de uma menina de oito anos, levar na escola… aí, eu falei: “O mundo acabou, não sei o que eu vou fazer da minha vida”. Aí, fomos levando o barco, eu trabalhando, saía correndo para pegar ela na escola à tarde, sabe, ele tinha que trabalhar, então eu que tinha que levar na escola, buscar na escola, trabalhar aqui. Sabe o que é o caos absoluto? O Engenho é longe daqui, tinha carro na época, mas o carro não estava em condições, aquela coisa de problema financeiro, tive que vender carro… aí tinha que vir de ônibus do Meier pra cá, daqui, pegar ela na escola para fazer jantar, não tinha como pagar empregada. Aí, eu lavava roupa, fazia comida, olha foi o… eu falei: “O mundo acabou pra mim”, então, eu imaginava que eu não tinha mais chance. Aí, o quê que aconteceu? Eu tive uma isquemia cerebral de repente, eu me olho no espelho… acordei de manhã, me olho no espelho, minha cara tá assim, olha, a boca aqui, o olho aqui, parecia até o Cerveró, aquele olho do Cerveró? O olho aqui, a boca aqui, o nariz aqui, eu falei: “Fudeu, minha vida acabou. E agora?”, aí eu estava trabalhando aqui, a minha sorte é que tinha uma enfermeira aqui dentro que me olhou, eu me escondia das pessoas, tinha vergonha, eu não podia parar de trabalhar, mas também tinha vergonha de ser visto por causa da deformação. Aí, uma vez, ela desceu, eu tava na sala ali do lado, ela olhou: “O quê que aconteceu com você?” ”Eu tive uma isquemia”, ela ficou desesperada. Aí, o Stepan tomou conhecimento da coisa, aí me encaminhou para um neurologista no centro da cidade, eu fiquei fazendo um tratamento por 30 dias com o neurologista e depois, eu comecei a fazer fisioterapia aqui na nossa fisioterapia, com choques, botava aquelas coisas de choques e em 45 dias, essa fisioterapia botou o meu rosto no lugar, falei: “Ainda há uma esperança de vida”(risos), porque a deformação é muito seria. Você não imagina, você trabalha com público, como é que você pode trabalhar com um rosto todo deformado? Eu falei: “Acabou a minha vida”, aí essa enfermeira chegou pra mim e falou assim: “Olha, tua vida tá começando”, eu com 60 anos de idade. “Tua vida começou agora”, eu falei: “Como começou?” “Eu vou cuidar de você e foi exatamente com essa pessoa que eu casei, enfermeira daqui, Rosângela. Cara, a minha vida… aí, eu nasci novamente. A pessoa mais incrível que possa parecer. Tem cinco filhos ela de outro casamento, só que ela tava separada, já estava separada quando veio para cá, aí ela estava tentando reestruturar a vida dela e eu também, mas não sabia de que forma, ela falou: “Eu quero ficar com você, você vai ficar comigo e nós vamos…”, cara é a coisa mais maravilhosa do mundo. Aí, casei com ela em 2013, a gente ficou junto um tempo, aí resolvemos casar, porque eu nunca acreditei num segundo casamento, eu acho que se você tem uma frustração no primeiro casamento, você não quer mais casar, você não quer que aquelas coisas aconteçam novamente com você. E ela é 20 anos mais nova do que eu, mas é uma pessoa família, os filhos dela me adoram, sabe?
P/1 – Moram com você?
R – Mora tudo junto, só que já são crescidos, tem uma de 40, de 38, são cinco filhos, o mais novo tem 22, a outra tem 24 e assim, até chegar 32…
P/1 – Mas quais que moram com você?
R – Agora só está morando o menor, o de 22, só. As outras já estão casadas, com marido e a gente mora sozinho, eu, ela e o João, 22 anos.
PAUSA
P/1 – Henio, quais que você acha que foram as principais mudanças do Retiro de quando você entrou para hoje?
R – Eu digo o seguinte, o Retiro tem duas fases, uma antes do Stepan e uma depois do Stepan. Até o Stepan, as dificuldades administrativas eram muito sérias, porque as pessoas não eram capazes de se auto-sustentar, de captar recursos, sabe, de fazer coisas para captar recursos. Só quando o Stepan veio é que ele pegou uma situação financeira muito grave com divida de previdência social, divida de fundo de garantia, com funcionários na justiça do trabalho e ele conseguiu sanear isso tudo. Ainda tem dívidas de previdência e tal, mas ele mudou a cara do Retiro, ele descaracterizou aquela coisa de asilo e deu liberdade para as pessoas. A gente recebe escolas, recebe grupo de pessoas idosas, a gente passa cinema para eles, filmes que nós temos das Rainhas do Rádio, um filme que eles adoram ver, o pessoal da época, a visita que eles fazem a todas as pessoas, a história que eles contam, sabe, é muito… mudou muito a cara do Retiro, alimentação mudou, os cuidados mudaram todos. Mudou tudo. Aqui, agora é uma instituição de credibilidade, coisa que naquela época, não era. Mudou tudo. Coitado, ele tentou entrar na política para ver se conseguia alguma subvenção federal, mas não conseguiu nenhum tostão de subvenção até agora para a Casa, nada, nada.
P/1 – E quais são as principais fontes de recursos da Casa?
R – As fontes de recurso são basicamente, a festa junina, que é a número um, a locação do teatro para peças profissionais, com participação na bilheteria ou na venda do espaço, do local. Os cursos de teatro profissionalizante, os cursos livres de teatro que nós temos aqui, metade professor, metade para a instituição. Tínhamos o Botequim das Estrelas, que também tivemos que fechar, porque os custos eram muito altos para manter o botequim, tivemos que fechar esse botequim e às vezes, a gente faz festas no teatro também com captação exclusiva, o artista vem de graça e também fazíamos, na época, feijoada aos sábados, com grupo de pagode.
P/1 – E doações?
R – E doações de atores que estão em atividades, que a gente até tem um sistema de boletos bancários, que a gente manda esses boletos bancários para casa das pessoas e elas recolhem… esse boleto bancário vai em branco, a pessoa coloca valores acima de 20 reais, 20, 30, 40, 50, recolhem em qualquer agência bancaria na conta da instituição.
P/1 – Quais são os artistas que mais doam?
R – Ah, tivemos doações do Faustão considerável. O Roberto Carlos já deixou um cheque pra gente considerável. Só que agora, por enquanto, não tem.
P/1 – Quantos funcionários trabalham aqui?
R – Aqui eram 48, agora são 40. Tivemos que reduzir também o quadro de funcionários para poder nos adequarmos a nova realidade. Então, nós precisamos, normalmente, de funcionários na parte de faxina, varrer pelo menos uns oito, agora só tem quatro. Tivemos que reduzir tudo à metade, para reduzir a folha. Tínhamos enfermeiras à noite, agora passou a ter uma enfermeira só à noite.
P/1 – Morar no Retiro o quê que inclui? O quê que faz parte?
R – Eles têm café da manhã, almoço, o lanche, o jantar, se tiver medicação que nós recebemos de doação, nós passamos para eles. Eles têm o lazer, o teatro, toda peça que tem de teatro, eles têm acesso direto, tem passeios, tem ginástica, tem piscina, tem cabelereiro de graça, roupa lavada de graça, não paga luz, não paga nada, não paga IPTU, não paga nada dentro da casa, não paga água. Então, eles moram, entram na casa, se eles quiserem por livre e espontânea vontade, esse é o termo, doar alguma coisa do salário mínimo que eles ganham, a gente aceita essa doação. Eles fazem questão, alguns de ajudar. Agora, eu te digo, dos 54, se tiver uns dez que ajudam com uma contribuição é pouco, porque não é obrigado. E aí, a gente vai mantendo…
P/1 – Agora, no centenário, fazendo esse balanço, quais são as expectativas…?
R – A gente tenta colocar esse projeto dos cem anos na Lei Rouanet, para que a gente tenha incentivos fiscais para utilizar o teatro mais vezes, porque, às vezes, o teatro fica parado aí, às vezes, 15 dias, às vezes até 30 dias fica parado. O teatro só tem grande movimento no final do ano, quando os colégios vêm aqui para fazer apresentação de ballet, de encerramento de curso, aí dá um movimento bom, mas depois que acabou o ano letivo, dá uma estagnação aí de atividades culturais muito grande, aí a gente capta poucos recursos do teatro, por falta de incentivo fiscal.
P/1 – Mas aí, no futuro, vocês pretendem…
R – Ah, colocar isso tudo aqui num projeto na Secretaria de captação de recursos da Secretaria de Cultura, do Ministério da Cultura, vamos tentar. O Projeto de Cem anos, o Robson já encaminhou o projeto de uma festa, um evento para… inclusive, construção de novas casas, porque a gente tem terreno para construir mais suítes daquela sistema que nós temos aqui. Então, se a gente pode abrigar mais gente… mas para construir uma nova suíte com 12 suítes, precisa de recursos. Você come… ah, tem um brechó, também é outra forma de captação de recursos. Todo alimento do dia seguinte daqui sai da venda do dia anterior desse brechó que nós recebemos doações a custo zero, pagamos o motorista, os custos do caminhão para buscar, buscamos roupas, sapatos, bijuterias, tudo usado, vai para a lavanderia, prepara essas roupas todas, bota pra vender, isso vende à beça. Tem brechós que compram em quantidades, móveis usados, brechós que levam os nossos móveis, faz um pacote de móveis para poder vender no seu brechó e a gente assim, vai se virando para manter a instituição.
P/1 – E quais são os seus maiores sonhos?
R – O maior sonho agora é, hoje, aqui no Retiro é entrega desse livro, é a festa de lançamento do livro no dia 19 de agosto de 1918. Então, o nosso brechó é o local onde nós nos alimentamos, é da venda dos produtos usados que nós recolhemos na Barra, na zona sul, roupas, sapatos, bijuterias, móveis, geladeiras, televisão, tudo nós colocamos no brechó para vender. Desses resultados sai o alimento perecível do dia seguinte. E, graças a Deus, é a nossa melhor fonte de renda hoje é o brechó, por incrível que pareça.
P/1 – Quais são os seus sonhos?
R – Meu sonho é aquele casarão no dia 19 de agosto de 1918 lançar a história de 100 anos da Casa, aí eu acho que a minha participação no Retiro dos Artistas poderá ser encerrada naquele momento. Esse que é o meu grande sonho. Vamos ver se eu consigo fazer isso. O livro já tá bem encaminhado, tem muitas historinhas assim e muita relação de todas as pessoas que… da primeira pessoa que entrou aqui até a última que entrou.
P/1 – Conta uma historinha do livro pra gente?
R – Do quê?
P/1 – Uma historinha que vai estar no livro.
R – Ah tá (risos), da Silvinha com certeza vai estar, vai estar também… sei lá, é tanta história, que acaba…
P/1 – Da Vitória Regia que tá há 30 anos aqui.
R – Vitória, também uma pessoa… também entrou cheia de problemas residenciais, brigava com todo mundo, era terrível a Vitória, tinha uma ciumeira das pessoas, mas ela hoje é outra pessoa, melhorou muito. Eu acho que a idade melhora muito a cabeça das pessoas, do artista, do leigo, não, mas do artista, sei lá, parece que ele se conscientiza que não fez coisas legais e que depois, ele tenta se recuperar, sabe, sendo mais amiga das pessoas, a Vitória é uma delas, a Vitoria era terrível. Eu batia muito de frente, eu brigava muito com a Vitória. Ela fazia coisas impressionantes, queria cuidar… até de galinha ela já tentou manter aqui, sabe? Então, ela era… dava comida para pombo, ela era doida para dar comida para pombo. E isso foi uma das causas da depreciação de todo segundo andar do casarão, foram os pombos que começaram a conviver dentro daquele telhado, acabaram com todo aquele segundo andar por fezes de pombo. Totalmente destruído aquele segundo andar. E ela sempre foi a pessoa que adorava dar arroz, ela pegava o arroz, num pote de arroz, em vez de comer, não, ela jogava tudo para os pombos. Até que agora, ela…
P/1 – E seus sonhos na vida pessoal?
R – Não, na minha pessoal, eu acho que a minha realização é no Retiro dos Artistas. Agora, é acabar aqui, ficar no meu pau da fome, lá tomando banho de cachoeira, passeando com a minha mulher, sabe, ainda curtindo um pouquinho o meu bisneto. Eu acho que eu não posso ter mais sonhos do que isso, que já são maravilhosos.
P/1 – O quê que você achou de dar essa entrevista?
R – Foi bem descontraída, sem nenhuma pressão, sem nenhuma luz forte no rosto da gente, sem calor e acompanhado de vocês que são maravilhosos.
P/1 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
R – A gente entrava na escola com cinco anos, cinco para seis anos. Entramos na escola ___00:12:00___ Soares, que era lá no Meier, aí depois, fomos para a escola República do Peru, que era no Meier, também, que era uma escola estadual. – Página 04.
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