O fenômeno das terras caídas começou em 1985. Eu me lembro muito bem desse patamar, que cheguei a comprar 3.156 toneladas de juta nesse ano. Quando foi dia 13 de agosto, eu tinha ido para a minha fazenda e, quando cheguei, fui direto pra rede. Uma hora depois, a gente ouviu o pessoal anuncia do n...Continuar leitura
resumo
Antonio nos conta um pouco da história de sua família e infância, lado a lado com a história de Paraná do Ana Rosa e Juruti nos anos 60 e 70. Nos fala também sobre a criação de seus filhos e a situação de sua família nos dias de hoje. Sua história é principalmente a história do comércio de malva e de juta na região, dominada por Antonio por muitos anos até o desabamento e enchente de parte de Juruti - fenômeno conhecido como "Terras Caídas" - que levou embora praticamente todo o seu material embora. Assim, essa história nos traz os pormenores da produção e comercialização de juta. Mas não só disso tratou Antonio aqui: conhecemos seu altruísmo para com os moradores da região de Juruti, sua ascensão e queda pessoal, suas brincadeiras de infância e o sonho de voltar para a agricultura.
história
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem sentado em uma rede vermelha. Há uma casa rosa ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem em pé encostado em uma árvore. Há outras árvores ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem sentado próximo de uma árvore e uma mulher e duas crianças estão ao seu lado. Há outras árvores ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem sentado em uma rede vermelha. Duas crianças estão ao seu lado. Há uma casa rosa ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem sentado próximo de uma árvore. Há outras árvores ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem em pé encostado em uma árvore. Há outras árvores ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem sentado próximo de uma árvore e uma mulher está ao seu lado. Há outras árvores ao fundo.
Antônio Raimundo de Souza Printes
Homem deitado em uma rede vermelha. Há uma casa rosa ao fundo.
história na íntegra
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- Ficha técnica
Depoimento de Antonio Raimundo de Souza Printes
Entrevistadores: Tiago Majolo
São Paulo, 17 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV100
Tags: família, infância, juta, desabamento, malva, crise, tecnologia, Juruti, brincadeiras, casamento, sonho.
P/1 – Antonio, a gente sem...Continuar leitura
Depoimento de Antonio Raimundo de Souza Printes
Entrevistadores: Tiago Majolo
São Paulo, 17 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV100
Tags: família, infância, juta, desabamento, malva, crise, tecnologia, Juruti, brincadeiras, casamento, sonho.
P/1 – Antonio, a gente sempre começa perguntando o nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Antonio Raimundo de Souza Printes, tenho 69 anos de idade, data do meu nascimento, dia 29 de agosto de 1940, moro no bairro do maracanã, em Juruti. Vivo com a família aqui.
P/1 – A comunidade onde o senhor nasceu?
R – Onde eu nasci é Paraná do Ana Rosa. Lá eu nasci e vim pra cá pra Juruti. Lá eu nasci e me criei, estudei fora até uns 12, 13 anos estudei fora e voltei novamente para minha comunidade, minha terra natal. De lá eu me casei, me casei com uma moça de Juruti e voltei novamente para o Paraná do Ana Rosa. Lá eu construí uma família e comecei a minha vida lá. De lá eu vi que não tinha condições de ficar lá no interior, porque naquela época tudo era difícil. Começaram a nascer as crianças, filhos e tal e aí eu peguei e me mudei para a Rua___ de Minas, 172.
P/1 – Só voltar, para a gente tentar entender aquela trajetória da infância. Queria saber primeiro o nome dos teus pais.
R – O meu pai era Antonio __ Printe e a minha mãe Cecília de Souza Printe.
P/1 – Qual era a atividade deles?
R – Ele também era...era comerciante lá no interior. Agricultura e comerciante. Ficamos lá e depois que eu vim para cá desenvolver minhas atividades por aqui.
P/1 – E como era na sua infância o interior, a comunidade,
R – Olha, o interior naquela época, em 70, 60 e pouco, era bastante atrasado, mas convivia muito bem porque se adaptava àquele regime, àquele jeito de viver, e tinha uma vida melhor do que hoje. Porque era uma vida tranqüila, havia bastante fartura, bastante fartura de peixe. De carne nem tanto, mas peixe bastante. E outras coisas que no interior tinha bastante. Hoje lá no ___ também não tem mais nada porque todo mundo mudou para a cidade. Com a evolução aqui de Juruti o pessoal mudou todo para cá. E hoje lá bem pouca gente tem. E aí eu vivi por lá todo este tempo e aí mudei para cá. Comecei a criar os filhos. Criei uma família com oito, nove filhos. E essa outra família com mais três. Então, eu mudei para cá no final de 1972.
Nessa época eu trabalhava com juta. Quando me casei passei cinco anos tentando fazer uma fazenda de gado. Mas não tive resultado, não tive prosperidade no negócio. Aí eu voltei para onde eu tinha nascido, fiquei mais uns dois anos, três anos lá. Nesse tempo eu trabalhava com juta, plantando juta. Fazendo roçado e plantando a juta. Depois as coisas foram começando a melhorar; começou a aparecer uma luzinha lá no fim do túnel e eu mudei para Juruti e aqui comecei a desenvolver os meus negócios. E cresceu bastante. Cresceu muito aqui em Juruti. Primeiro ano: mudei para cá, também continuando com meus negócios. Aí eu parei de produzir a juta e passei a comprar. Passei a comprar juta e tomava mercadoria fiado dos outros. Naquela época o negócio de Juruti e do município todo só era a juta. Não se falava em outra coisa. Então, quem era interessado na juta fazia tudo para ficar com ela. Tinha uma empresa aqui, uma firma grande que hoje está em Óbidos – o dono dela morreu o filho está praticamente fechando. E aí eu tomava mercadoria fiado deste pessoal e comecei a levar meu negócio. Eles vendiam fiado assim, com seis meses de prazo para pagar; oito meses de prazo para pagar. E aí eu fui crescendo, crescendo. E depois comecei a levar meu próprio negócio. E foi, foi, foi... Primeiro ano, segundo ano, terceiro ano. Todo ano crescia um pouco. E a família crescendo; os filhos crescendo. Comprei um apartamento em Belém; botei meus filhos para estudar. Formaram, todos se formaram. E eu, pelo gosto que eu tinha no negócio aqui, continuei aqui mesmo.
Cheguei a ponto de ser o maior comprador de juta de toda região. Eu não produzia, mas passei a comprar juta. De toda região, entre Parintins, Óbidos, Santarém. Eu sozinho aqui comprava mais juta do que todas estas cidades. Por quê? Porque além do que eu financiava a região toda; eu tinha naquela época 300 e poucas famílias, fregueses que eu tinha, que eu financiava. Estes meus fregueses já financiavam outros. Era um ponto de apoio que eu dava. E aqueles já financiavam para outros. Quer dizer: eu dominava 80% da produção de fibra do município de Juruti. A coisa começou a crescer, comecei a gostar mesmo do negócio; fiz uns barracões lá no porto da cidade – eu tinha uns terrenos no porto da cidade – e eu fiz três barracões grandes, para depósito de juta e mercadoria. Cada barracão tinha 30 metros de comprimento por doze de largura, um do lado do outro. Aí eu estocava a minha juta e a minha mercadoria naqueles depósitos. E foi, foi, foi... Isso em 1972.
Antes disso ainda tive uma fábrica de sabão. E de lá me dediquei inteiramente ao negócio da juta. E... 72, 76, 77, 78. Em 1980 eu comecei a crescer bastante mesmo. Em 1981, 1982 meus negócios começaram a se desenvolver muito bem. Passei para cem toneladas por safra, 200 toneladas, 300 toneladas, 500 toneladas. Quando foi em 1985 – eu me lembro muito bem deste patamar de 1985 – eu cheguei a comprar 3156 toneladas de juta neste ano. Mas eu não imaginava e também ninguém tinha bola de cristal para adivinhar, que a cidade fosse cair. Esta parte que você vê daqui tinha 200 metros para fora. Tinha 200 metros de várzea para fora. Então tinha uma ponte de terra, um aterro que saia lá. E lá nessa frente da cidade é que eu tinha os barracões. Em 1985 eu cheguei a este patamar: 3156 toneladas de fibra. Quando foi dia 13 de agosto, eu tinha ido para a minha fazenda – eu tinha uma fazenda – quando foi umas nove horas da noite eu cheguei de volta. Cheguei e fui direto pra rede mesmo; eu e minha família fomos todo mundo pra rede, deitamos e lá pela uma hora mais ou menos a gente ouviu que o pessoal estava anunciando no alto falante que a frente da cidade tava assentando. Na época eu estava com os três barracões. Já estava me aprontando para o refinanciamento; para refinanciar a região todinha. Eu tinha muita freguesia. Todos os habitantes do município de Juruti eram meus fregueses, para falar da melhor maneira: todos os habitantes de Juruti eram meus fregueses. Quando ele não trabalhava direito eu educava o cara para ele trabalhar certo, trabalhar sério. E acabava que eu sempre levava vantagem, sempre vencia. Com isto eu crescia e todo o município crescia. Toda a população do município crescia junto comigo. Eu nunca tive egoísmo de querer ser rico, de querer ser sozinho. Eu queria que todo mundo fosse junto comigo. E eu consegui fazer isto. Toda a minha freguesia ficou bem de situação. Alguns ficaram com bens, gado, motores, propriedade, carro, estas coisas. Todo mundo se dava bem porque a gente tinha subido juntos. Meu amigo, quando foi dia três de agosto, quando eu cheguei lá na fazenda eu só escutei que estavam anunciando no alto-falante que a frente da cidade de Juruti estava desabando. E eu estava com os três barracões: um cheio de juta e dois cheios de mercadorias, me aprontando para novo financiamento. Nessa data devia representar hoje em torno de três milhões mais ou menos, que era para espalhar na mão do pessoal. Quando eu vi, quando eu escutei aquele negócio eu acordei – tava dormindo – eu e a mulher acordamos, os filhos acordaram, todo mundo acordou e ficou aquele alarme terrível. E nós corremos para o porto da cidade. Chegamos na frente do porto da cidade e de fato, a metade da várzea já estava toda caída. Tinha até galo cantando em cima do pau lá. Foi um negócio muito triste. Eu sentei num negócio lá e disse estas palavras: eu não tenho condições de fazer nada pelo que eu tenho. Ou cai tudo ou fica tudo. Eu disse assim mesmo. Ou cai tudo ou fica tudo, não vou mexer com nada agora, eram dez para onze horas da noite, não tinha ninguém na cidade. Só tinha os expectadores que estavam vendo cair. Aí eu disse assim: ou cai tudo ou fica tudo, porque eu não vou mexer com nada agora. Voltei e, quando cheguei em casa a minha mulher tinha saído e tinha conseguido 50 e poucos homens para mexer com aquilo que tinha lá. E motores e tudo. Ela tinha mobilizado o pessoal lá e começaram a mexer em tudo que tinha dentro do barracão. Pelas seis horas da manhã conseguiram tirar toda a mercadoria – tinha muita mercadoria. Mas a mercadoria estava toda esbandalhada. Caixa de sabão jogada como se joga tijolo. Caixa de bolacha jogada... Enfim, tudo. Acho que da mercadoria que eu tinha nessa época, dos três milhões que eu tinha de mercadoria se eu aproveitei uns 500 mil foi muito. Foi um prejuízo terrível.
Aí a juta – eu tinha 200 e poucas toneladas de juta dentro do barracão – eu peguei, nesta mesma hora da noite eu liguei para um cunhado meu, ele providenciou umas balsas que chegaram no amanhecer do dia e conseguimos tirar a juta.
Aí tem aquela história: o fracasso aqui é o princípio. E aí eu, quando puxaram o tapete do meu pé, eu não tive mais animo. A verdade é esta: eu fiquei “estatoado” que eu não tive mais ânimo de continuar lutando pelo negócio. Passou este final de ano e toda a minha freguesia eu despachei. E a cidade de Juruti entrou em caos porque todo mundo vivia em função da juta, tanto eles como eu. Então entrou em caos. A cidade ficou numa situação tão difícil. Até a gente se acostumar a viver sem aquela renda, aquele negócio bom que tinha na época, ficou muito difícil. Passou-se anos e anos e anos. eu não tive mais condições de continuar levando as coisas. E somente em Juruti aconteceu isto, porque no Estado do Amazonas o município – naquela época a gente disputava, era o Município de Manacapuru do Estado do Amazonas, que trabalhava com juta, outros municípios também trabalhavam, mas o maioral do Estado do Amazonas era Manacapuru, em juta naquela época. Só que a gente aqui em Juruti produzia bem mais do que eles. Eles faziam tudo para igualar com a gente, mas sempre eles estavam para trás. E eu pegava esta juta de lá, grande parte da juta de Manacapuru, Tefé, Tari, Itacoatiara, Parintins. Todos estes municípios de lá eu tinha compradores que traziam a fibra para Juruti. E eu monopolizava ali. E, tão bom que era o negócio que no ano seguinte já ia prensar a minha juta, ia vender a minha juta prensada. Mas o negócio deu tudo errado e fracassou de uma vez o negócio. E eu não tive mais como mexer. Acredito que de todo o pessoal sacrificado nesta época o único que ainda não conseguiu reatar a sua condição financeira fui eu. Porque o resto todo mundo já resolveu. Mas eu criei um trauma com a coisa e não fiquei mais com condições de mexer com nada.
P/1 – E aí o senhor se aposentou?
R – Me aposentei e fiquei vivendo sem atividade praticamente. Estou aqui deste jeito e acho difícil consertar a situação.
P/1 – Eu queria entender com detalhes todo o processo. O senhor contou que começou a trabalhar como produtor, depois financiador. Queria que o senhor contasse uns detalhezinhos, por exemplo: quando o senhor trabalhava como produtor já era em Juruti ou era na comunidade?
R – Não, no Paraná do Ana Rosa. Eu trabalhava como produtor lá, depois que vim para a cidade não trabalhei mais com a produção.
P/1 – eu queria que o senhor falasse da plantação da juta, como funciona, a colheita, a plantação.
R – A juta dá uns quatro ou cinco serviços: primeiro é fazer o roçado; depois plantar; depois dar uma limpeza e depois a colheita. Vem o corte, a lavagem. Depois é só botar no sol, estender, secar e vender. Não tem muito trabalho não, a juta, para se fazer. Tanto assim que ela é um ciclo de seis meses. Durante seis meses no ano. Em novembro é o período da gente começar a plantar. Ela vai dezembro, janeiro. Fevereiro. Março você começa a colher. Passam quatro meses para ela estar em posição de colheita. Março ela já está em posição de começar a cortar; abril, maio, junho. Julho está terminando.
P/1 – E a malva?
R – É a mesma coisa, só que a malva demora mais um pouco. Um ciclo de oito, sete meses, mais ou menos. Ela demora um pouquinho mais do que a juta. Mas o processo é o mesmo. Ela dá uma rentabilidade bem melhor para o produtor. O preço é o mesmo da juta. O processo é tudo igual. Depois de um certo tempo, quando estava neste estágio bem avançado, o pessoal já estava preferindo a malva à juta, porque a malva era bem mais vantajosa para o produtor do que a juta. Por exemplo: um hectare de malva produz até três, três e meia toneladas por hectare; e a juta, bem aproveitada, só dá duas toneladas por hectare. Ela é bem mais vantajosa do que a juta.
P/1 – E a qualidade?
R – Melhor ainda. Aliás, bem melhor, não, igual. Igual porque ela, por exemplo, pra exportação a malva tem até melhor qualidade do que a própria juta por causa da maciez da fibra, que é uma fibra bem macia, bem comprida e as industrias preferem este tipo de fibra por causa disto. Quando eu vendia a minha juta eu tinha negócio com cinco empresas de fibra, todas elas trabalhavam com fibra, e todas elas me levavam para ver como é o processo de como é fabricado o saco. Porque a juta e a malva só servem para saco de linhagem, só servem para saco de (estupilho?), como chamam, e serve para botar café, pimenta do reino. Só serve para este tipo de coisa. Eu ia com eles para olhar o beneficiamento da fibra. Eu ganhei passagens para o Rio de Janeiro; ganhei passagem para Israel. Só não fui para Israel. Me deram passagem para Vitória, também não fui. As empresas que trabalhavam comigo. Eles ficavam satisfeitos porque eu era freguês que não dava prejuízo para eles. Pelo contrário, eu fazia negócio com mil toneladas de juta com uma empresa e cumpria direitinho. Fazia negócio com outro de mil, mil e 500 toneladas; fazia com outro e também cumpria direitinho. Graças a Deus nunca me atrasei com ninguém, nunca deixei de cumprir os meus compromissos sempre no dia marcado, sempre no dia certo. Então por isto eu era privilegiado. O órgão do governo federal naquela época chamava-se IFIBRAM (Instituto de Fomento à Produção de Fibras Vegetais do Amazonas); quando era meio de janeiro, dezembro à janeiro, havia reunião dos industriais aquela época, dos industrias de fibra que fabricavam os sacos. E o meu nome era um dos nomes mais cotados, todo mundo queria ficar comigo, que ficasse para produzir a juta para eles. Eu fazia sempre negócio com cinco empresas e produzia para eles mil toneladas, 500 toneladas, mil e 500 toneladas e, graças a Deus, nunca deixei de cumprir meus compromissos todos pontualmente. Então havia aquela disputa deles por causa de mim, da minha preferência. De preferência eu ficava só com um, mas eu nunca fiquei assim só com uma empresa. Por isto eu ganhava bônus, ganhava gratificação, ganhava porcentagem pela compra. Eu ganhei dinheiro com juta, a verdade é esta, que se diga. No final da safra eles me davam comissão por produção. O negócio era tão bom que eles me davam comissão por produção de 2%, 3%. Um ou 2% de comissão pela produção que eu tinha dado para eles. Era alto o valor e me servia de muito. Eu ganhei passagem de ida e volta da CTC (Companhia Têxtil de Castanhal) para o Rio de Janeiro, para passar dez dias no Rio de Janeiro, tudo por conta deles. Ganhei para Vitória também uma passagem de ida e volta para Vitória, de uma empresa que eu trabalhava para eles. Ganhei para Israel uma passagem de ida e volta. Eu com a família toda. Só que eu não fui nem para Israel nem para Vitória. Quando eu ia para Belém eu não gastava um centavo. Quando eles sabiam que eu ia pra lá, iam me buscar no aeroporto. Tudo por conta deles. Era carro a minha disposição, o carro deles é 24 horas. Aquela mordomia enorme. Porque eu sabia honrar meus compromissos. Eu tenho bastante saudade deste tempo porque me deixa muita saudade lembrar dos meus amigos, aqueles tempos bons que se passaram e que hoje me deixa muita saudade. Me deixa saudade mesmo. Mas o que fazer. Deus assim quis, assim foi feito.
P/1 – Quando o senhor começa a comprar, não mais a produzir, o senhor já tinha um capital para comprar?
R – Justamente aí que vem a pergunta. Que para você investir na juta ou em qualquer tipo de negócio você tem que ter capital. Pra começar você tem que ter capital ou fazer qualquer tipo de negócio que arrume capital. E para juta não era diferente. Eu cheguei pra cá pra Juruti com uma mão na frente e outra atrás. Eu trabalhava, produzia juta, mas como produtor a gente tira um lucrozinho, mas é pequeno. Pequeno e não dá para fazer o que eu fazia. Então eu vim pra cá, aí eu comecei, como eu falei para vocês agora que eu tive o auxilio do (Fernando Beliche?), que me deu as mãos com mercadoria. Mas para juta não precisa só de mercadoria, precisa de dinheiro na mão para servir para eles, para pagar gente, para comprar as coisas que você não tem em casa, enfim, uma série de coisas. Eu comprava fiado, mas não era suficiente para manter a minha freguesia. O que eu fazia? Eu corria para o Banco do Brasil e fazia empréstimos no Banco do Brasil naquela época. Eu tinha um parente que era gerente do Banco do Brasil, o Fernando Souza, e ele me facilitava os empréstimos, me facilitava as coisas boas do banco e eu nunca me aperreiei por causa de dinheiro. Então a gente fazia todo tipo de negócio, na época do mês de novembro, sempre, de agosto até outubro, novembro, eu segurava com meu capital, mas quando chegava em novembro para dezembro acabava, não tinha mais capital, aí tinha que correr para o banco. E aí eu fazia empréstimos no banco com cédula rural, cem novilhas, duzentas novilhas e fazia dinheiro no banco. Na hora de pagar o banco eu pegava dinheiro e ia pagar o banco. Fazia cédula rural para castanha do Pará. Enfim, eu arrumava dinheiro de qualquer jeito para movimentar a minha freguesia. Minha freguesia nunca passava mal. Eles só se preocupavam em produzir, mas no que comer, no que beber, eles não se preocupavam, porque eles chegavam em casa e tinha o que levar. Agora você já pensou o que é sustentar 300 ___ famílias todos os dias saia de casa uma quantidade de mercadorias; só saindo, só saindo, só saindo. E às vezes a casa ficava vazia e eu tinha que correr e fazer todo tipo de coisa, conseguir dinheiro para repor. Mas só que quando chegava o tempo da safra eu também tinha compensação. A freguesia era em peso. Eu não tinha tempo no tempo da safra! Meus produtores não tinham tempo no tempo da safra em buscar fibra de todo mundo. Sempre procurei pagar um preço melhor, também, porque eu tinha como pagar um preço melhor porque eu tinha apoio das empresas. Porque além do que eu vendia ganhando dinheiro com a juta, no fim da safra eu tinha bonificação, como eu acabei de falar, de 2%...Vamos supor: na safra eu vendia mil toneladas para uma empresa, eu tinha 2% destas mil toneladas. Eu vendia para outra duas mil toneladas, mil e 500 toneladas, também tinha 2%. Além deste tipo era presente para cá, para lá. Então eu me saia muito bem. E eu só tinha a ganhar. No final da safra eu nunca tive prejuízo, só tinha a ganhar. No final da safra, por exemplo, se eu financiava 500 toneladas, para o ano que vem eu teria condições de financiar mil. E assim ia a coisa. Se não acontece isto, meu amigo, em Juruti – se não acontece de cair esta terra na frente de Juruti – eu estaria hoje numa altura muito grande, porque na marcha que eu ia, ___. Porque os camaradas que vivem em Xapuri e naquela época eram meus fregueses pequenininhos, hoje estão lá em cima, estão em cima da carne seca.
P/1 – Mas não com juta.
R – Com juta, continuou com juta. Eu tive um freguês, o Manoel Chicó, que era meu freguês de juta, naquela época ele era pobre; ele era pobre, não, ele tinha alguma coisa, mas ele comprava bastante juta pra mim naquela época lá, ele morava em Manacapuru. Depois eu parei com o negócio e ele continuou com juta com outras empresas que chegaram pra lá; e hoje ele é dono de um viveiro de peixes. Ele tem uma fazenda de criação de pirarucu, com 15 mil matrizes de pirarucu. É difícil o cara ficar pobre deste jeito: com 15 mil matrizes de pirarucu. E eu, naquela época podia ter três ou quatro vezes o patrimônio dele... São coisas da vida, mesmo, não tem como a gente fugir.
P/1 – E estes grandes centros que compravam eram compradores seus, como era o transporte? Porque eu imagino que era muito mais complicado que hoje em dia.
R – O transporte era por balsas, eles mandavam balsas. Quase toda semana vinham balsas para pegar a minha juta. Encostava no porto da cidade e quando vinham os barcos que traziam para mim, e já dos barcos se passavam as balsas. Mas geralmente, de cinco em cinco dias, dez dias, tinha balsa pegando juta. Cada balsa pegava 200, 300 toneladas de fibra.
P/1 – E o transporte local, das comunidades era feito como?
R – Eu tinha barcos pequenos. Eu tinha motores pequenos que pegavam da região e do interir. Eu tinha dois motores que pegavam juta: um pegava do Estado do Amazonas e outro pequeno pegava por aqui, pela região. Todos os dias eles saiam para pegar. Pegava de dia, descarregava de noite, no outro dia de manhã já saia novamente. Então não parava dia nenhum, só domingo que parava. O meio de transporte era este. Esta juta ia pra Óbidos, que eu tinha negócio com Óbidos, que era a empresa que prensava a juta; que ia prensada para São Paulo. E outros que iam para Belém, que lá em Belém era prensada a juta. Em Castanhal e Belém, primeiro. Eu tinha negócio com a CTC, que era Castanhal, com a (Cato?) que era Belém. Industrializava em Castanhal e a Cato industrializava em Belém. E esta que eu to falando ia para São Paulo, a (CTC?) e tinha outros que eu vendia também para Manaus, eram umas cinco empresas que eu trabalhava, não me lembro da outra. E assim que funcionava o comercio da juta naquela época.
P/1 – Durante este tempo do auge teve alguma tecnologia nova de plantação; evoluiu isto?
R – Não. Não apareceu por aqui um pessoal da EMATER (Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural) tentando fazer a gente se convencer que motorizada a colheita da juta seria melhor. Mas não aprovou, não. Chegamos a conclusão que manualmente era fazia mais vantagem do que motorizada. Então este sistema deles não funcionou.
P/1 – E qual o tipo de terra boa para a juta?
R – A várzea. Toda várzea, menos praia. Praia não é boa para juta. toda várzea é boa pra juta. Ela desenvolve bem a juta, ela cresce bem. É uma faixa de quatro metros de comprimento. A malva dá cinco, seis metros de comprimento. É bem mais cumprida do que a juta. Até hoje continua ___ estrada de ferro de Belém, até hoje continua. A malva continua. Continua em Manacapuru também. A única região que faz (a Sul?). Só que a (Sul?) só no Município de Juruti porque eu era o esteio que sustentava a economia de Juruti, uma parte de Parintins e uma parte de Óbidos. E aí então eu quebrei, o esteio da casa quebrou e a casa veio abaixo.
P/1 – O senhor tinha pessoas que estavam aprendendo a mexer com isto. Pessoas que o senhor pensava que poderia te substituir? O senhor era um pouco o rei da juta.
R – Realmente eu fui considerado. No iate clube me chamavam de Rei da Juta. Olha, na realidade não havia necessidade de fazer isto, porque toda criança nasceu e foi criado já fazendo o trabalho. Eles já iam pro roçado, um roçadinho deste tamanhinho, capinando por lá e tal. Já cortavam juta, já lavavam juta. garotinho de dez, doze anos já tinha dinheiro no bolso porque eles tiravam __ de juta, faziam roçado deles, a parte do pai, da mãe. Já faziam o __ deles, já tiravam o dinheiro deles. Aconteceu muitas vezes de eu ir buscar juta na casa de um freguês meu, ou mandar buscar, e ele dizer: olha, fulano, este fardo aqui é do fulano, aquele roçadinho que ele fez aqui do lado. Ele quer o dinheiro pra ele. Dinheiro não faltava, porque os meninos daquela época, deste tamanho, eles já se empregavam naquele serviço. Não precisava ensinar nada. Não nasceu sabendo, mas com pouquinho de tempo ele já sabiam. Era muito fácil, muito bom, muito gostoso. Rendia dinheiro, ninguém vivia aperreado.
P/1 – Como era Juruti nesta época?
R – Juruti naquela época era muito pequena, mas não havia pobreza não. Não havia pobreza em Juruti. Não havia pobreza, eu posso te garantir. Só que hoje Juruti é mais ou menos três vezes maior do que naquela época. Devia naquela época ter doze mil habitantes; hoje deve ter quase uns 40 mil habitantes. Naquela época devia ter dez, 12 mil habitantes. Todo mundo vivia em função da juta. O comerciante que não tratava a juta, mas ele vivia em função da juta porque ele financiava o freguês para plantar juta. Só quem não vivia – mas vivia também – era o açougueiro, mas ele vivia em função porque o camarada vendia a juta, pegava o dinheiro e ia comprar a carne dele. E o pescador que também pescava __ o peixe dele. Mas o resto da população da cidade. E os funcionários que não viviam, mas o resto da população da cidade, o comércio em geral, vivia da juta. Quando a juta foi acabando começou a faltar recursos, dinheiro, credito e tudo mais. Mas era pouco tempo, de agosto a dezembro: agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro: cinco meses. Quando chegava o mês de janeiro, quando dava o negócio do reveillon, carnaval, pronto, chegou a alegria. O pessoal todo...
P/1 – Destes fregueses do senhor, houve alguns que marcaram?
R – Ficaram me devendo?
P/1 – Não, não. Também, pode ser uma boa. Mas se teve alguma coisa especial, amigo.
R – Eu para dizer a verdade lutei com muito dinheiro na época. Ah, sim, uma coisa que eu quero dizer para vocês: tem gente que é testemunha disto, talvez a Sonia saiba disto, não sei se ela trabalhava no banco nesta época. Ela trabalhou no banco, mas não era aqui em Juruti, naquela época. Naquele tempo tinha o Bradesco. Falando em termos de dinheiro. No tempo da safra da juta o dinheiro aqui era curto porque só tinha agência do Bradesco e uma agência do Banco do Brasil. Então a princípio o Bradesco me queria muito como freguês, né? Só que eles não agüentavam o rojão porque o um movimento era muito grande em termos de moeda. E aí eu mandava pegar o dinheiro em Óbidos – eu comprei uma voadeira. Era tão bom naquela época, de tranqüilidade, que se fosse hoje, como hoje, meu amigo! Ha! Eu tinha uma voadeira, pegava o motorista da voadeira e outro rapaz que era companheiro dele, fazia o cheque e mandava para o Bando do Brasil em Óbidos. Vamos supor – eu não sei nem falar em termos de valores hoje – mas vamos supor que eu precisava – pegava todas as semanas desde o final de fevereiro até o mês de junho – todas as semanas era este o esquema. Eram três sacas, estas de farinha, saco de 50 quilos; todas vinham cheias de dinheiro. Eu não sei o valor em termos de hoje. Não sei nem calcular. Eu sei que mandava buscar segunda-feira, e quinta-feira. Eu fazia o cheque, mandava o rapaz pegar no banco; chegavam as sacas de dinheiro. Uma vez eu pesei uma saca destas: pesou 40 quilos. De dinheiro empacotado. Aqueles pacotes. Eram três sacas que vinham, de dinheiro. E aí, se fosse nos dias de hoje, meu amigo, os caras seriam seqüestrados no meio da viagem. Mas mesmo naquela época houve um zum zum zum.
FIM DE FAIXA
P/1 – Você estava falando que tinha um zum zum zum.
R – É, naquela época tinha zum zum zum, mas era muito difícil a gente ouvir falar em seqüestro, nestas coisas absurdas que aparecem hoje. Eu ouvi falar que tinha um pessoal aí tomando umas informações de como era o meu negócio, como era a minha vida por aqui. Eu soube disto. Mas graças a Deus não apareceu nada. E eu tenho uma casa perto da Câmara, aquele canto lá é meu. Perto da Câmara tem uma casa de canto, uma casa branca, é do lado, quase em frente ao correio. E eu morava ali e dormia bem num canto, bem num canto da casa. Mesmo com todo aquele movimento de dinheiro que eu tinha, porque eu era uma pessoa que tinha certeza que nunca ninguém ia me fazer mal porque eu nunca tinha feito uma coisa de (ruim?). Eu fazia tudo pra fazer (o bem?). Então eu dormia ali e quando uma amiga minha chamou e me avisou que tinha alguém já na minha (procura?). Daí eu comecei a ter um pouco mais de cuidado, mas mesmo assim eu continuei lá. E então os caras traziam três sacos de dinheiro. Quando eu chegava em casa, na porta da minha casa, dois sacos mandava entrar e um saco ficava na porta da rua. Lá onde eu falava pra você que tem uma ponta de uma calçada e tem a casa branca que ___ ainda mora lá: e lá que eu ia ficar com o saco. Já tinha dez, doze fregueses meus esperando. Isto era por volta de sete horas da noite, seis horas, seis e meia da tarde. Quando eu chegava, pegava um caderninho, uma lanterna: “fulano, quanto tu queres?”. Aí o cara dizia: quero x. Aí eu pegava, metia a mão no saco, pegava os pacotes. Só anotava no caderninho. Aí fulano: dez, doze __, despachava e naquela mesma hora ia embora. Quando eu saia da entrada, conseguia entrar para casa, já saia com o saco abaixo de meio. Teve um amigo que veio receber uma ___ de uma empresa, esqueci o nome, e quando ele viu esta arrumação minha ele chegou e disse: “rapaz, tu é maluco. Tu é um maluco! Um negócio deste na empresa que eu trabalho o cara tinha penhorado até a alma dele. Deixando um papelzinho!”. Aí quando já estava terminando o embarque de juta faltou __. Aí eu dizia: “espera para tirar amanhã”. Porque já era de tarde, e tudo. Quando foi no dia seguinte tinha 20 e tantos motores no meu porto. No porto do meu depósito. Todos cheios de juta. Tinha umas duzentas toneladas de juta dentro do meu depósito. Aí ele ficou olhando com a mão no queixo e disse assim: “rapaz, tu tem razão de fazer o que tu faz”. Porque tudo este monte de junta chegando durante a noite. Só mesmo fazendo como tu faz. E assim que funcionava.
P/1 – tudo no caderninho. E ninguém ficava devendo?
R – Ah, sim, ___. Para te dizer a verdade, eu não tenho nada que dizer de ninguém. Eu passei estes anos todos, mas dívida mesmo assim que eu dissesse que me deu prejuízo... Eu não tenho o que dizer. De um ano pra outro às vezes o freguês ficava devendo, tinha tido uma safra ruim e tal. Este freguês que ficava devendo era aquele freguês que eu chamava para tratar bem. Eu tinha esta filosofia comigo. E eu me dei bem com isto. “Fulano, por que aconteceu isto? Ficou me devendo, tua conta está aberta, ___ pouca juta e tal”. E falava toda a verdade. “Tu vendeste juta?”. “Não, não vendi”. “Eu quero só que seja sincero e __“. “Tu vendeste juta particular para outra pessoa?”.
“Não, na vendi. A minha safra que produzi foi isto aí, só que eu tive prejuízo, o gado entrou no meu roçado”. Alguma coisa aconteceu e pa pa pa. Perdi com água. “Então você vai continuar trabalhando. Você vai levar novo recurso para trabalhar. Esta dívida vai ficar aqui encostada. A primeira conta que você vai pagar; a primeira juta que você tirar é esta conta que você vai pagar. Mas você vai continuar trabalhando normalmente como você trabalhou este ano. Agora, não fica devendo no ano que vem, porque senão eu vou ter que agir de outra maneira”. Mas geralmente quando chegava o fim do ano ele pagava ____. E assim, nunca tive assim, não posso dizer que alguém ficou me devendo grande... Importâncias de vulto. Não me lembro, não. Não ficavam me devendo.
P/1 – Você fez grandes amigos?
R – Eu hoje ando nesta cidade de cabeça erguida porque o lugar para você saber se você tem inimigo é você entrar num boteco onde tem bêbado. E que aqueles bêbados lhe conhecem. Eu procuro sempre, quando existe estes botecos, entrar para saber isto, se tem gente que eu conheça, para saber se alguém daqueles tem alguma magoa contra mim. Meu amigo, nunca eu tive uma pessoa que me dissesse, deste tamanho, uma palavra de mim, me ofendesse. Pelo contrário, sempre eu recebo elogios. Sempre, sempre. “Se lembra em tal tempo, e tal, que eu tava enrascado e precisava do dinheiro pra salvar a vida da minha mulher”. Isto sempre aconteceu. “Salvar a vida da minha mulher, e tava aperreado, __ do meu filho__”. “Eu nem me lembro quando aconteceu isto. A vantagem é que você está com o filho vivo, a mulher viva e somos amigos verdadeiros e tal”. Eu sempre tive esta filosofia comigo. Nunca gostei de me elogiar, de me exaltar. Estou contando para vocês aqui, é porque vocês estão dando o relato real da minha vida. Mas que muito pouca gente sabe o que se passou durante a minha vida. (O que eu podia acreditava que você está com esta?). Esta aqui não deve saber. E tive uma coisa também que eu guardei comigo de quando eu era criança. Eu vi uma vez numa farmácia um papel escrito: “trate bem as pessoas quando estiver subindo porque poderá encontra-la quando estiver descendo”. E isto serviu de muito para mim. Mas isto serviu para mim muito. “Trate bem as pessoas quando estiver subindo porque poderá encontra-la na descida”. E é verdade, tem muita gente que tem meia dúzia de pataca no bolso, acha que é o dono do mundo, começa a ser orgulhoso. E eu acho que não é bom isto. Ninguém sabe como vai ser o final da vida. O revés da fortuna. Tem um ditado que diz: “Ninguém se julgue feliz por se encontrar em bom estado porque o revés da fortuna poderá lhe transformar de feliz em desgraçado”. Então, é um negócio que já vem comigo e conservo comigo, minha família, meus filhos. Sempre procurou fazer a deles assim.
P/1 – O senhor falou sobre este momento de descida e me lembrou que o senhor comentou sobre o caos que a cidade ficou na época que as terras caíram. Foram três anos, parece, que foram caindo várias terras. Caos o senhor diz o quê? Toda a economia? O que aconteceu com a cidade?
R – A economia de Juruti ficou no caos naquela época. Porque, como eu acabei de dizer, o esteio que sustentava a economia era eu. Eu fui um dos prejudicados e os outros, sete ou oito pessoas também que perderam o que tinham. Só que estes caras não eram influentes na economia. Mas também eram pessoas, também tinham seu patrimônio, e perderam tudo na época. A cidade de Juruti, o município de Juruti ficou um caos por causa disto.
Isto aconteceu no mês de agosto. Estava na hora de todo mundo tomar seu rumo para começar a trabalhar novamente. E quando me procuraram eu não tinha condições, porque eu perdi tudo praticamente que eu tinha. Então a cidade ficou no caos, o município todo ficou no caos. A economia do município ficou no caos porque o esteio que sustentava a economia era eu. Banco não fazia isto, nenhuma outra pessoa fazia isto. Somente eu fazia isto.
P/1 – Mas o que o senhor via de miséria? O que mudou na cidade? Teve gente passando fome?
R – Não, não chegou a este patamar porque cada um já estava acostumado a trabalhar, mesmo sem recurso. Ainda mais com juta. Outro é com roça, feijão, aqueles plantiozinho pequeno. As pessoas começaram a conviver com a situação, procurando se acostumar com a situação e, dali a pouco, três, quatro anos depois, estava todo mundo no seu lugar.
P/1 – Vou perguntar sobre uma curiosidade minha, me contaram que a malva, quando você vai colher pode dar uma coceira. O que é?
R – Algumas pessoas diziam, mas quando ela era parada. Por exemplo, quando o serviço era feito na margem do lago e o lago era de água parada, eles diziam que dava uma coceira. Quando era água corrente, na beira do Amazonas, beira de Igarapé, __, não acontecia isto não. Era uma coceira assim, que o camarada comprava um remédio __, um negócio, passava em cima e resolvia.
P/1 – Eu quero voltar agora para a sua infância, que a gente contou pouco, você falou de uma frase agora da farmácia. Eu quero lembrar um pouco mais sua infância. Quando você fala da comunidade. Contar um pouco destas brincadeiras, o que você fazia quando era pequeno?
R – Olha, a minha brincadeira naquela época, eu sou filho único, não tive irmãos. Minha mãe era professora. A gente vivia lá no __, na roça, esta época, e eu procurava as coleguinhas, duas, três coleguinhas pra gente brincar. Sempre gostei de brincar de navio e com mercadoria. Então o negócio de comerciante __. Desde aquela época. É aquilo que eu sempre digo para os meus filhos: a gente, quando criança você forma o negócio dentro da mente e procura fazer aquilo que eu acho que no amanhã vai aparecer. Então eu tinha aquilo. ___ um pau grande que baixava no rio, e meu pai mandou pegar este pau. Chamava-se cedro, estes paus que baixam no rio, e eu convidava o coleguinha meu, eram uns dois, o Lucio e outro que eu não me lembro, __ era mais velho. Mas o que brincava mesmo comigo era o Lucio. Então a gente fazia (arregatão?). (Arregatão?) era um pessoal que vinha de Abaetetuba, de Belém e tal, vendendo mercadoria tudo esperada __. E a gente fazia, naquela época, (arregatão?), pegava ia lá no porto, tirava cuia de __, cortava, levava pra lá e outras coisas como espiga de milho. Uma porção de coisas. E botava lá no (arregatão?) e lá a gente ficava vendendo para outros (curumins?) que vinha também comprar. Era uma brincadeira que tinha naquela época. Eu me lembro bem daquela época. Outra era de tarrafear, pegar peixe no __. Aquilo pra mim também era uma distração, era uma brincadeira. Tarrafa é um objeto que a gente pega peixe. E caçar. Eu gostava muito de caçar. Espingarda. Meu pai comprou pra mim uma espingarda e eu fazia daquela espingarda o pai da casa. Trazia caça pra casa. Naquele tempo tudo era mais fácil, tinha bastante caça. Então era esta a minha brincadeira. Depois eu fui pra Óbidos, estudei cinco anos em Óbidos, porque morava lá no Paraná e de lá para Óbidos era longe, umas oito horas de viagem a remo. Não tinha motor, era remo.
P/1 – Mas o senhor morava em Óbidos?
R – Quando eu era pequeno eu morava no Paraná e estudava em Óbidos.
P/1 – Todo dia ia e voltava?
R – Não, não. Passava quatro meses para lá. Eles me levavam em fevereiro e só iam buscar em junho. Quando era agosto me levavam e só iam buscar em dezembro. E assim eu passei até os doze anos. Depois eu vim para aí, ajudando ele, ajudando meu pai. Depois com 13, 14 anos eu me enfronhei na juta. Eu comecei comprando juta desde moleque, desde 14, 15 anos eu passei comprando juta. Eu me viciei neste negócio da juta. Eu só sei fazer coisas com juta porque eu outra coisa não sei fazer não.
P/1 – O senhor morava no colégio?
R – Não, morava particular.
P/1 – Morava como?
R – Morava em casa particular.
P/1 – O seu pai pagava?
R – Pagava uma pensão para mim quando eu estudava.
P/1 – Era um quarto com __?
R – Eu morava na mesma casa, mas eu pagava uma pensão. Era criança, tinha dez, doze anos. Morava na mesma casa e pagava uma mensalidade para ajudar nas despesas. E assim eu fiquei até os doze anos. Terminei a quinta série e vim embora para ajudar ele. Desde esta época eu comecei a trabalhar com juta, por minha conta.
P/1 – Seu pai não mexia com isto?
R – Mexia sim, mas como produtor. E eu passei a trabalhar como comprador.
P/1 – Mas a técnica foi ele que te ensinou?
R – Porque não havia técnica.
P/1 – Mas digo assim, você começou a mexer com ele, assim.
R – O manuseio da juta qualquer menino pode fazer. Porque não tem segredo. É cortar, afogar e lavar e acabou a conversa. Não tem segredo, não. É muito fácil o serviço da juta.
P/1 – O senhor lembra na época do colégio algum professor?
R – Minha primeira professora chamava-se Carminha, do primeiro ano. Depois passei a estudar numa escola particular que a professora chamava-se Manduca Valente. E de lá eu terminei até o quinto ano com esta professora. Fiz exame no Grupo Escolar, passei em primeiro lugar, o candidato que __ primeiro lugar, né? E de lá eu vim embora para cá. Eu queria seguir estudo, mas meu pai não tinha condições financeiras e eu queria seguir para formar, fazer uma faculdade. A minha vontade era ir pra praça para ser militar. Mas meu pai e minha mãe não deixaram também. E o certo é que eu voltei pra casa e vim ajudar eles. Mas não me arrependo por isto não. Graças a Deus deu tudo certo. Só deu errado __, que acabou com a minha vida.
P/1 – Nesta época o militar era forte na Amazônia.
R – É, eu tinha muita vontade de ser militar, mas não deu certo, papai não quis, mamãe não quis.
P/1 – E o senhor tem dois casamentos?
R – Não tenho dois casamentos, tenho um casamento só. Eu tenho minha família, moram lá naquela casa. Tenho um filho que mora aí. A minha família mora em Manaus, mulher, dois filhos. E tenho um filho em Belém, tenho uma filha em Boa Vista, Roraima, e tenho uma filha em Portugal. São oito filhos. Eu separei da minha mulher e estou vivendo aqui. Vivo a vida cercado desta outra família; tenho três filhos com esta outra família. Mas não somos casados. Somos separados, assim. Só somos separados corporalmente. Fisicamente, mas em documento, papel, não.
P/1 – E aqui o senhor mora com três filhos?
R – Três meninos com esta senhora, com quem vivo há 12 anos mais ou menos. E estou esperando o que vai acontecer.
P/1 – Hoje em dia se o senhor fosse definir um sonho pra você, qual seria?
R – Para definir um sonho? Olha, eu to com o sonho, continuo sonhando com a agricultura. Eu quero, este ano vou fazer um plantio de pimentão. Vou fazer um plantio grande de pimentão. Não tenho mais vontade de voltar para comércio, estas coisas, porque já não tem mais jeito. Eu quero voltar para a agricultura.
P/1 – Seu Antonio, quero agradecer pelo tempo, pela entrevista.
R – Se tiver mais alguma coisa para perguntar pode perguntar que se eu souber lhe responder estou a suas ordens.
P/1 – Você quer falar mais alguma coisa que a gente não perguntou?
R – Não, tudo que eu tinha pra falar (já falei?).
Mas foi bom porque eu gosto muito de relembrar o passado. Este meu passado de honra, da juta, foi muito bonito e muito gostoso. Quando eu passei a ser patrão, como diz a história, e muitas vezes não gosto nem de me elogiar com este tipo de palavra, mas tem que falar porque a verdade é esta. Eu não encarava tempo nem serviço. Eu varava a madrugada trabalhando, embarcando, recebendo. Tinha uma satisfação enorme de trabalhar com juta. Sabendo que aquilo era dinheiro, era moeda que vinha três sacos com dinheiro duas vezes por semana. É muito dinheiro na mão. Uma parte não era minha, mas uma parte era, grande parte era. Então eu __, mas com este fracasso que deu esta terra cair acabou com tudo. Os outros não sentiram tanto porque na verdade não tinham o que perder. Não perderam praticamente nada. Perderam suas casas, uma coisinha pouca. Mas eu não, meu patrimônio foi todo embora e eu fiquei sem recurso, mas seja feito o que Deus quiser. Eu me lembro desta época com muita saudade, não tem o que faça apagar da minha memória este tempo. O bonito era isto: era que quando a gente faz o negócio direito, a gente é procurado por todos. Como eu era procurado. Por todas as empresas que me chegou junto eu era procurado. Uns ficavam até insatisfeito porque eu não queria fazer negócio grande. __ dar conta. Mas nessa faixa de mil toneladas, quinhentas toneladas a gente fazia estes negócios. E, graças a Deus, todas as vezes eu me dei bem, nunca me dei mal. Tanto assim que __ até estes passeios, estas coisas para agradar o freguês eles faziam. Não é coisa de importância, mas você não deixa de ficar satisfeito. Passei dez dias, uma duas semanas no Rio de Janeiro por conta da fábrica tal. Lá em Belém eu não sabia o que era um centavo de gasto com táxi. Era jantar no Hilton Hotel. Deixou muita saudade, então, isso. Eu tenho amigo daquela época que eu também tenho saudade dele. Vocês não conhecem não, o Casemiro __, ele é um cara de Oriximiná. Ele me valorizou muito nesta época. Foi uma das pessoas que me pegou pela mão e suspendeu, na época. Hoje ele está velhinho, com quase 90 anos, ta rico. Tem muito dinheiro o cara. Já muito gaga, surdo, mas este camarada foi um dos camaradas que me pegou pela mão e me levantou. Agradeço ___ a ele, queira Deus ___ o Casemiro porque ele foi uma das pessoas que me valorizaram muito. Pra quem vem lá do pó e chega a altura que eu cheguei, meu amigo, é uma graça. Não é pra qualquer um, não.
P/1 – Antonio, obrigado. A sua história foi bonita.Recolher
Título: O rei da juta
Data: 17/04/2010
Local de produção: Brasil / Pará / Juruti
Personagem: Antônio Raimundo de Souza Printes Entrevistador: Thiago Majolo Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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