O povo xokleng sempre existiu
Os povos indígenas são muito diferentes dos não índio. Uma coisa que me marcou muito, eu me lembro tão bem… Tinha um menino que eu chamava de Jubei: uma vez ele matou 6 animais, 6 patinhos. Ele chegou no rancho, eu tinha 5 anos de idade, eu nunca esqueci... e...Continuar leitura
O povo xokleng sempre existiu
Os povos indígenas são muito diferentes dos não índio. Uma coisa que me marcou muito, eu me lembro tão bem… Tinha um menino que eu chamava de Jubei: uma vez ele matou 6 animais, 6 patinhos. Ele chegou no rancho, eu tinha 5 anos de idade, eu nunca esqueci... ele chegou para cada chefe de família e lhes deu um bicho daquele para se alimentar. É um gesto muito diferente da sociedade moderna, e o povo xokleng tem isso, o povo índigena em geral tem esse jeito.
Eu lembro muitos anos. Primeiro que os povos indígenas foram classificados em 1914 pelo povo kaingang, Londrina no Paraná, até porque o dialeto era muito semelhante, então se usou o povo kaingang para fazer esse contato. E quem fez foi o meu bisavô que era kaingang. Eles fizeram esse contato com o pacificador Eduardo Lima e Silva. Eu nasci, era menino, eu tinha uns quatro anos, a comunidade indígena voltou novamente para o mato, tinham feito contato depois de alguns anos, para tirar palmito para sobrevivência. Eu me criei com meus avós, eles que me criaram, voltei para o mato novamente, menino com 4 anos, 5 anos.
Eduardo Lima e Silva mata Brasílio Pripa, meu antepassado, quando foi denunciá-lo no Rio de Janeiro. É uma coisa que também faz parte do povo xokleng. Brasílio foi assassinado por que ele foi denunciar essa barragem norte que existe lá hoje nas nossas terras, em Ibirama. Isso foi em 1952, eu nem existia ainda, e por isso que hoje o meu pai, colocou o meu nome Brasílio Pripa, para dar sequência neste trabalho. Hoje eu estou aqui lutando, justamente a pedido do meu pai, do meu avô, para que continuasse trabalhando nesse sentido: de proteger as nossas terras.
Eu fiz tanta coisa... mas ao mesmo tempo eu lembro que é para o meu povo, é para o futuro e faço com muito gosto isso. Essa é história desse processo, que eu acompanhei praticamente 23 anos, como também acompanho a situação da barragem hoje. Em 2003, a portaria 1.128, como qualquer outra portaria reconhecida pelo ministro Márcio Thomaz Bastos, reconhece o levantamento antropológico do nosso povo, no momento em que o ministro assina essa portaria 1.128, ele reconhece que, tudo que foi levantado, realmente é terra tradicional, terra originária dos povos indígenas. Mas no ano seguinte o juiz federal de Joinville caçou a portaria, e estamos até hoje no Supremo recorrendo. É uma coisa que nós estamos lutando, e mais: o marco temporal e a PL490, hoje, veio pra destruir a comunidade indígena, destruir o meio ambiente no Brasil. Isso é uma vergonha para a sociedade, para os próprios deputados.
O governo brasileiro tem que ter consciência, tem que ter respeito pelo Brasil, tem que ser reconhecido o direito desses povos. O Supremo Tribunal Federal tem obrigação de respeitar o direito dos povos indígenas, o direito do povo xokleng. Nós somos o Brasil, nós representamos o Brasil, nós somos originários desta terra, nós precisamos dessa terra, essa terra é nossa.
Meus filhos, eu espero que eles se formem. Eles estão na federal de Florianópolis, e espero que eles nunca esqueçam dos avós, do pai, e continuem. Tenho uma neta na luta, vocês devem ter visto ela, com 8 anos, segurando pelas mãos uma liderança Caiapó, lutando em frente ao Supremo Tribunal Federal. Foi muito bonito e emocionante. Espero que eles tenham um país melhor, que o povo respeite mais os povos indígenas, que tenham carinho verdadeiro por esse Brasil tão grande, tão lindo, maravilhoso, onde o povo xokleng sempre existiu.Recolher