Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Regina Aparecida de Oliveira Magrini
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo, 25 de julho de 2014.
NCV_HV40_ Regina Aparecida de Oliveira Magrini
R/2 - Jessica de Oliveira Magrini
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Moisés Fonseca
P/1 – Então, primeiro, Regina, eu vou pedir pra você dizer seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Regina Aparecida de Oliveira Magrini. Eu nasci em Auriflama, dia 21 de novembro de 1970.
P/1 – Agora, o nome completo, e se você se lembrar, data e local de nascimento dos seus pais. Se não lembrar, só nome.
R – Nome completo dos dois?
P/1 – Isso.
R – Meu pai, Benedito Bernardo de Oliveira. Ele nasceu em Auriflama também, interior de São Paulo. A minha mãe é Francisca Lima de Oliveira, ela nasceu no Estado de Alagoas, se não me engano, Maceió.
P/1 – A data de nascimento deles, você sabe?
R – A data de nascimento da minha mãe é dia 28 de maio de 1947. Do meu pai, 25 de setembro de 1945.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família, Regina?
R – A minha família, ela... Bom, a minha mãe era alagoana, ela veio pra cá pro Estado de São Paulo, mais ou menos, ela tinha uns 11, 12 anos. O meu pai, ele já era do Estado de Minas, eu não sei bem com que idade ele veio pra cá também, já pro interior de São Paulo, na região de Araçatuba, também, quando criança. Ele era mineiro, descendente de mineiros, e ela de alagoanos.
P/1 – E seus avós, ou bisavós, você sabe se eles eram imigrantes?
R – Não sei te falar isso. Não sei mesmo.
P/1 – Tudo bem.
R – É interessante isso, que a gente nunca se preocupa de estudar mesmo a fundo a origem da família.
P/1 – Acho que é só quando tem bem perto, né?
R – É verdade.
P/1 – Assim, quando é o seu avô.
R – É. Meu avô paterno era mineiro, agora... Meus avós maternos, alagoanos,...
Continuar leituraPlano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Regina Aparecida de Oliveira Magrini
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo, 25 de julho de 2014.
NCV_HV40_ Regina Aparecida de Oliveira Magrini
R/2 - Jessica de Oliveira Magrini
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Moisés Fonseca
P/1 – Então, primeiro, Regina, eu vou pedir pra você dizer seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Regina Aparecida de Oliveira Magrini. Eu nasci em Auriflama, dia 21 de novembro de 1970.
P/1 – Agora, o nome completo, e se você se lembrar, data e local de nascimento dos seus pais. Se não lembrar, só nome.
R – Nome completo dos dois?
P/1 – Isso.
R – Meu pai, Benedito Bernardo de Oliveira. Ele nasceu em Auriflama também, interior de São Paulo. A minha mãe é Francisca Lima de Oliveira, ela nasceu no Estado de Alagoas, se não me engano, Maceió.
P/1 – A data de nascimento deles, você sabe?
R – A data de nascimento da minha mãe é dia 28 de maio de 1947. Do meu pai, 25 de setembro de 1945.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família, Regina?
R – A minha família, ela... Bom, a minha mãe era alagoana, ela veio pra cá pro Estado de São Paulo, mais ou menos, ela tinha uns 11, 12 anos. O meu pai, ele já era do Estado de Minas, eu não sei bem com que idade ele veio pra cá também, já pro interior de São Paulo, na região de Araçatuba, também, quando criança. Ele era mineiro, descendente de mineiros, e ela de alagoanos.
P/1 – E seus avós, ou bisavós, você sabe se eles eram imigrantes?
R – Não sei te falar isso. Não sei mesmo.
P/1 – Tudo bem.
R – É interessante isso, que a gente nunca se preocupa de estudar mesmo a fundo a origem da família.
P/1 – Acho que é só quando tem bem perto, né?
R – É verdade.
P/1 – Assim, quando é o seu avô.
R – É. Meu avô paterno era mineiro, agora... Meus avós maternos, alagoanos, mesmo.
P/1 – O que seus pais faziam, ou fazem profissionalmente?
R – O meu pai já é falecido. Ele trabalhava com agropecuária. Era gerente, assim, de fazendas no interior de São Paulo. Chegou ir, também, pro Mato Grosso do Sul, mas sempre mexendo só com gado, nunca com lavoura, sempre com a parte de gado mesmo. E a minha mãe sempre foi do lar, sempre trabalhou em casa mesmo.
P/1 – Como eles eram? Descreve, um pouco pra gente o temperamento, a personalidade deles?
R – Meu pai é uma pessoa muito rude. É aquelas pessoas que ele chegava dentro de casa, não falava nada, bastava dar um olhar que nós já entendíamos. Não era de conversar muito conosco, era naquela base. Ele falava, nós obedecíamos. Agora, a minha mãe não. Minha mãe sempre foi assim, mais protetora, carinhosa, gostava muito de conversar conosco, aliás, gosta, que graças à Deus ela ainda é viva, muito diferente do meu pai. Os dois viveram juntos durante longo tempo, depois se separaram, infelizmente. E quando ele faleceu, eles já estavam separados. Aí, ela morava aqui em Diadema, e ele continuou no interior de São Paulo.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho mais dois irmãos. Eu sou a mais velha. Tenho meu irmão do meio, se chama Ricardo, e o caçula é o Rodrigo; que inclusive continuou a profissão do meu pai. Ele também foi embora de São Paulo, para trabalhar em fazenda.
P/1 – Você passou a infância em Auriflama?
R – Eu passei a infância em fazenda, próximo a Auriflama. Sempre morei em fazenda, mas sempre estudava na cidade. Então, a minha infância foi entre a fazenda e Auriflama, que é uma cidade pequena, não é uma cidade grande do estado, não.
P/1 – Conta um pouquinho como era a casa que você passou a sua infância. Descreve um pouco pra gente como era a casa, como era os arredores, a fazenda.
R – Então, a casa que a minha mãe morava era uma casa grande, de três quartos, uma varanda enorme na frente, toda de vermelhão, não tinha piso, era vermelhão mesmo. Ela cozinhava ainda em fogão à lenha. Tinha o fogão a gás, mas gostava mais de cozinhar no fogão à lenha. Tinha, assim, um pomar muito grande no quintal. Nós brincávamos muito, muito de subir nas árvores, de balançar, andávamos bastante a cavalo, até brincadeiras, assim, de torear os bezerros do curral. A gente fazia, escondido do meu pai, é claro, (risos), que quando ele chegava, adeus à brincadeira. Mas era uma casa muito gostosa, muito gostosa.
P/1 – Você lembra o nome dessa fazenda?
R – Fazenda União. Fica na região de Pereira Barreto, quase divisa com Mato Grosso. Eu me lembro, sim, que eu também já saí de lá com quinze anos, foi quando eu me casei, que eu me casei muito nova, então eu ainda morava lá.
P/1 – Já saiu era adolescente já?
R – Isso.
P/1 – Você citou, um pouquinho, das brincadeiras de infância na fazenda. Queria que você falasse um pouco mais do que vocês brincavam, com quem você brincava.
R – Então, na época de férias, as minhas primas que moravam em Auriflama, os meus parentes da parte do meu pai, todos são de Auriflama, interior de São Paulo, então eles iam pra fazenda, as meninas. Nós gostávamos muito de andar a cavalo, então geralmente, a gente pegava aquele cavalo mais manso, sempre empacava, ia cinco. E sempre sobrava pro meu irmão puxar. Nós gostávamos de andar a cavalo, gostávamos muito, também, de brincar... Lá nessa Fazenda União tinham quatro açudes, próximos, que foram feitos mesmo pro gado poder tomar água, né? Então, a gente gostava, também, de brincar na beira da água. Tinha um outro córrego do lado, que era mais barro, então a gente brincava de fazer panelinha de barro, de fazer moringuinha. Era as nossas brincadeiras. À noite, nós jogávamos queimada, brincava de casinha. Uma prima minha, inclusive, a Edmir, ela gostava muito de inventar casa de andar. Tinha um pé de manga, e eu sempre fui muito medrosa, ela subia, montava toda a casa, quando eu subia, aí sempre um adulto tinha que me tirar de cima, porque eu não conseguia descer, subia até que eu subia, essas brincadeiras eram isso. Brincava de fazer comidinha, aniversário pra boneca, mas sempre época de férias era mais isso: era andar a cavalo, era ir atrás dos açudes, de fazer a panelinha de barro. E gostávamos também, à noite, época de junho, férias de junho, pegava um pouquinho de julho, de participar das quermesses, da vilinha próxima a esse lugar que eu morava, que se chama Bandeirantes do Oeste. Então, tinha umas quermesses maravilhosas.
P/1 – Conta um pouco da quermesse. Como elas eram, o que tinha?
R – Então, essa quermesse sempre era feita pela igreja. A igreja de lá, é de São Sebastião. Então eles se reuniam, pediam nas fazendas, prendas, aí nós participávamos. Tinha bingos, bingos de frango. A gente gostava muito de comer, que o frango assado de lá é bem diferente daqui. Eles colocavam uma farofa dentro dele. É maravilhoso. Leitoa. Então nós íamos pra quermesse, participava, tinha o correio elegante, sempre, tinha que ser muito escondido do meu pai. Como eu te expliquei, eu casei muito cedo, muito nova. Eu sou filha única, dos meus dois irmãos. Quando ele levava nós pra quermesse, geralmente a gente não podia nem olhar do lado, quando ele estava perto. Quando ele dava uma saidinha para conversar com algum amigo, aí alguém entregava algum recadinho, algum correio elegante. Eu comecei a namorar o meu marido, muito jovem, nessa época, inclusive. E tudo escondido dele! Eu acho que por isso, também, eu casei muito cedo. Se ele tivesse permitido o namoro, mas eu era muito nova mesmo, né? Mas era assim.
P/1 – Tinha música também na quermesse?
R – Tinha. Tinha música, tinha quadrilha, forró, muitos fogos, eles gostavam lá de soltar muitos fogos. De barraquinhas, assim, só tinha maça do amor. Eles não faziam barraca de pescaria. Então era assim. Se reunia ali, os amigos, sempre os mesmos. Quando tinha bingo, dava-se o lance. Geralmente a gente brincava ali com as cartelas. Era aquela coisa gostosa, mas o que mais me marcou mesmo foi o correio elegante e sempre escondido do meu pai. Era muito gostoso.
P/1 – Tem alguma lembrança específica, uma história do correio elegante?
R – Ah sim! Eu lembro que uma vez, estávamos sentados, eu, essa prima minha, a Edmir e eu acho que o meu irmão do meio, Ricardo. E aí escreveram correio elegante pra mim. Eu não me lembro quem escreveu, se foi o Marcos mesmo, ou outra pessoa. Quando ele chegou na mesa, eu disfarcei e entreguei por baixo, ela fingiu que era dela, porque se não, a festa acabava naquele momento mesmo. E sempre foi assim. Saindo com ele, né? Tinha que ser muito disfarçadamente, porque ele era uma pessoa, assim, muito ignorante nesse aspecto. Nós não podíamos jamais sentar e conversar, abertamente, o que queria, o que não queria, não! O que ele falasse, é isso, é isso e acabou. Era esse tipo de pai que ele era. Agora, mais pro finalzinho, antes dele falecer, que a gente tinha abertura de dialogar. Então foi uma infância assim que eu cresci. Amava muito ele, só que eu me sentia muito afastada. Não era aquele pai que eu podia chegar, abraçar, falar o que eu pensava. Jamais! Então sempre foi assim. Ele falava, a gente obedecia. Obedecia entre aspas, porque por trás eu sempre dava o jeitinho de fazer o que eu queria. Quando ele faleceu em 2009, que eu chegava, conversava com ele, explicava, chegava a falar as coisas pra ele. Devido eu ter casado muito cedo, ele ficou muitos anos, sem falar com meu esposo. Os netos, ele aceitou, mas o meu casamento não. Então foi, assim, muito triste. Quando nós nos aproximamos, praticamente ele já se foi.
P/1 – Nessa fase de infância, e também começo da adolescência, antes de você sair de casar, você casar, como eram as refeições na sua família? Quem que cozinhava? O que vocês comiam? Como era o momento da refeição?
R – Ah, sim, muito bom! Sempre minha mãe, porque eu nunca fui pra cozinha. Sempre minha mãe. E como nós morávamos em fazenda, gostava muito de comer frango caipira. O meu pai matava leitoa, fazia leitoa frita. Às vezes matava porco. Cozinhava a carne toda e guardava em latas, sabe? Ou às vezes, minha mãe fazia uma coisa que eu não esqueço até hoje: ela pegava a pele do porco, colocava para secar com sal, depois ela tirava totalmente o sal com água quente. Fritava, como se fosse virar torresmo, só que não tinha gordura, era pele seca. Ela virava, tipo torresmo, ficava aquela pururuca, depois ela cozinhava essa pele no feijão. E é algo que não vê mais. Isso marcou bastante a minha infância. Ela fazia linguiça caseira. E época de milho? Fazia pamonha, bolo de milho, cural, era muito gostoso. Muito gostoso. Essa coisa de ser criado em fazenda faz muita falta. Isso eu sinto, porque aqui a gente vive isolado de tudo isso, da natureza, de poder colocar, mesmo, a mão na massa, de fazer. Aqui você tem que comprar tudo feito. Mas era muito gostoso. Só que sempre era assim: meu pai estava mais presente nas refeições à noite, no jantar. No almoço, chegava um, comia, chegava o outro, ia comendo, era difícil a gente sentar todos juntos pra comer, né? Isso marcou bastante. Época por exemplo de Natal, a gente conseguia sentar todos na mesa. Domingo, que tinha uma visita, sentávamos todos na mesa, mas no cotidiano era assim, chegava um comia, depois o outro, sempre não tinham os mesmos horários, pra sentarmos e comermos todos, assim, juntos. Mas o frango caipira, o ovo caipira, tava constantemente. Ele gostava muito de queijo. A minha mãe fazia queijo em casa. Então, nas refeições, tinha o queijinho fresco, o requeijão. Então tudo isso faz muita falta (risos).
P/1 – Uma delícia de alimentação.
R – Uma delícia, é. Só não tínhamos muita verdura, nem frutas. Frutas só o que tinha mesmo no quintal, que era de época, laranja, manga; e a parte de verdura, só quando ia na cidade, mesmo, fazer compra. Então nossa alimentação não era muito rica nessa parte, mas, assim, sou muito carnívora. Essa parte eu puxei pro meu pai. Carne nunca faltou, e ele nunca, também, permitiu que se comesse sem carne. Tinha que ter. Ele sempre implicava com a minha mãe. Então, ela teve que ser criativa nesse ponto, né? Até um ovo, eu não esqueço esse ovo. Eu falo pra ela hoje, ela não se lembra desse ovo que ela faz. Ela fazia um ovo, que não era cozido, e nem frito. Colocava na frigideira, ele queria fritar, quando tava durinho, ela fazia um molho, sabe, muito interessante. E eu falo, ela não se lembra. Eu falo: “Mãe, que saudade daquele ovo. A senhora não faz mais aquilo”. Aí, ela fala, ela criava, sabe, tanta coisa na hora, ali, pra ajudar na mistura e pra deixar ele contente também, que hoje, ela já está com 67 anos. E devido ao problema de saúde, então muita coisa ela foi deixando de fazer. E com isso foi se esquecendo. Mas era muito bom.
P/1 – E a escola, você começou a frequentar com que idade? Você lembra?
R – Seis anos. Eu me lembro que a escola era na própria fazenda. A professora passou um dia na casa dos meus pais, perguntou se não queria deixar eu estudar. Aí, eles: “Ah, ela é muito novinha, seis anos.” Ela falou: “Não! Mas já pode deixar ela começar a estudar”. Nessa escola que eu comecei eram só duas salas de aula, feito de madeira, as duas classes. Na classe tinha, que eu comecei, era primeira e segunda série e na outra, terceira e quarta. Muito gostoso! As carteiras, me lembro até hoje, aquelas carteiras de madeira de sentar em dupla, e eu comecei. A minha professora chama, que ela ainda é viva, Ana Lúcia. E foi assim: eu comecei junto, ela dividiu a sala num grupo que já estava mais adiantado, e no outro grupo que estava iniciando, na cartilha Caminho Suave. Aí, eu me lembro que eu estava lá um dia, fazendo, quietinha, ela falou: “Não, Regina! Pode passar pro outro lado!” Então, rapidinho foi a minha alfabetização. E foi muito gostoso! E na hora do intervalo, as duas salas se juntavam, e as nossas brincadeiras eram queimada, na terra mesmo, porque as salas eram isoladas, não tinha cimento, nada. Era terra! Então, na hora do intervalo, a nossa brincadeira era brincar de ciranda cirandinha, brincadeiras de roda, queimada, e outras que eu não me lembro muito a música toda, só lembro que falava, uma do milho, de marré-deci, mas eu me lembro, lembro que fazia uma corrente. As meninas iam ao encontro dos meninos, e os meninos voltavam. O nosso lanche era muito gostoso. Era uma senhora que morava próxima as duas salas que fazia. Eu ia de carro com a professora pra escola, porque nós morávamos na fazenda mais próxima à rodovia, e essas salas de aula ficavam na colônia, onde viviam os agricultores da fazenda. Então, ela passava e pegava, e na volta me deixava em casa. Eu estudei nessa escola até a terceira série. Depois, eu fui pra cidadezinha próxima, que se chama Bandeirantes do Oeste. Estudei lá da terceira à sétima série. Depois eu fui pra Auriflama.
P/1 – Nessa fase da infância, do seu estudo, mais criança, antes de ir pra Auriflama, teve alguma professora ou um professor marcante?
R – Ah sim! O professor Raul, meu professor da quarta série. Me marcou muito porque ele era, assim, um senhor já de idade, calvo e muito carismático, muito carismático. Eu tinha uma dificuldade enorme de visão. Da terceira pra quarta série, eu já passei enrolando a professora. Eu me lembro da professora Aidê. Enrolava ela direitinho, até um dia eu fiquei muito chateada com ela, que a minha mãe foi numa reunião, e ela falava que não sabia quem era a professora, se era ela ou se era eu, que conversava demais na sala de aula. Então, eu passei enrolando ela, na verdade, porque eu não conseguia fazer a bendita divisão. Quando chegou na quarta série, o professor Raul me deixou de recuperação. Ele me mandava ir à lousa, e eu com medo de ir à lousa. Claro, né? Você não sabe, tem medo. Aí, eu me lembro. “Não! Você pode vir! Venha Regina que eu vou te ensinar.” Aí, ele com aquele jeitinho dele, carismático, tudo, consegui! Consegui aprender a divisão. Devo a ele, até hoje não esqueço. Quando eu estou ensinando os meus alunos, eu me lembro dele. Foi, assim, um ser humano maravilhoso. Já faleceu, infelizmente. Nós continuamos tendo contato, depois eu trabalhei como professora lá, e ele era membro do Conselho Tutelar. Ele sempre me abraçava, ele sempre continua sendo meu professor. Então, inesquecível. Professor Raul.
P/ 1 – Você se lembra o que queria ser quando crescesse?
R – Sempre professora, devido a uma tia, a minha tia por parte do meu pai, a irmã do meu pai, ela se chama Aparecida; e eu sempre a admirei muito. Eu desde criança, eu não passava em ser, não tinha outra profissão na minha mente, sempre professora. Eu acompanhava muito a minha tia às escolas, ajudava ela a corrigir caderno, gostava muito, tinha uma verdadeira admiração por ela, o jeito que ela tratava os alunos, como os alunos gostavam dela. Aquilo me fascinava, então sempre quis ser professora. Cresci com essa meta e não desviei, mas devido a ela. E na família têm muitas professoras devido a ela também.
P/1 – Quantos anos você tinha quando você começou a estudar em Auriflama?
R – Eu tinha 12 anos.
P/1 – Nessa fase, já tava entrando nessa fase de adolescência, né?
R – Sim.
P/1 – Queria saber, quando você entra na adolescência, o que muda na sua vida em termos de lazer, de passeio, de amigos? Quais são as mudanças? Ou até essa mudança de começar a frequentar essa escola em Auriflama.
R – Então, eu fui uma pessoa que amadureci muito cedo. A minha infância mesmo eu acho que foi até os dez anos, porque depois os meus interesses já mudaram. Eu não queria mais participar daquelas brincadeiras, meu foco era outro. Como eu morava em fazenda, e o meu pai sempre me segurou muito, não deixava eu ir em festas sozinhas, ir, por exemplo, andar no jardim à noite em Auriflama. Então eu queria liberdade! No entanto, eu fui estudar em Auriflama porque eu comecei a namorar escondido, o meu esposo. Eu conheci ele nessa época. Eu acho que mais ou menos, dos doze, pros treze anos. Meu pai descobriu e me transferiu pra Auriflama, fui morar com essa tia, essa tia que é minha grande inspiração por ser professora. Fui morar com ela, eu estudava de manhã. Não! Antes, eu viajei um ano da fazenda pra Auriflama, estudando em Auriflama, só que estudava de manhã. Então eu ia e voltava todos os dias pra fazenda. Quando eu passei pro primeiro ano, que eu não fiz o Ensino Médio, que na época era Colegial, eu já fui direto pro magistério, era à noite. Então eu fiz até a oitava de manhã, mas só que em Auriflama já, a oitava. Aí, quando eu passei pro magistério, pra estudar à noite, eu fui morar com essa tia. Lá, ela deixava a gente sair. Eu saía com a minha prima, tudo, com as minhas primas, porque sempre a casa dela foi sempre muito cheia de sobrinhos. Então nós saíamos, íamos pra sorveteria, pro jardim, cinema. Cinema lá teve, mas acabou, assim, muito cedo, eu ainda peguei ainda umas duas sessões, na época de “Paixão de Cristo”, não me esqueço. E era sempre assim: tinha horário pra ir e pra voltar, sempre umas nove e meia, já estávamos em casa. Mas como eu já estava começando a namorar, então, eu dava um jeitinho. Sempre ela deixava eu sair, eu falava que ia encontrar uma amiga, tal, mas não era bem amiga, era o namorado. Na adolescência, foi assim, o estudo e o envolvimento muito cedo. Então eu não tive tempo de pensar em outras coisas, porque tudo foi muito rápido. Tudo foi muito cedo. Eu estava no primeiro magistério à noite, continuei no segundo magistério, ou seja, quando eu passei pro segundo magistério, eu engravidei do meu primeiro filho. Então, me casei. Eu me casei. Quando eu engravidei, eu não tinha quinze anos ainda. Eu estava com quatorze, quatorze e meio. Nós esperamos eu completar quinze anos, pra nós casarmos. Aí eu me casei. Continuei estudando, não parei. Na época, eu fui morar, estudando em Auriflama ainda, eu fui morar em Sud Mennucci, que é uma cidade da região também, próxima. Só que o ônibus da Prefeitura continuava levando, então eu continuei estudando em Auriflama. Eu me formei em Auriflama.
P/1 – Deixa eu só voltar um pouquinho, antes de você avançar. Queria saber como você conheceu o seu marido. Como vocês se conheceram?
R – Nós nos conhecemos em um casamento da própria fazenda. Nessa colônia, onde eram as escolas, moravam muitas pessoas. Teve um casamento de um conhecido, nós fomos convidados, meu pai não estava, aí minha mãe deixou eu ir com uma vizinha. Então, eles iam casavam na cidade, a cerimônia era na cidade, voltava e a festa era na casa, na fazenda mesmo. Então, da festa, eu participei. Então, chegando lá teve uma janta maravilhosa, eles faziam aquela panelada de macarrão, carne e depois da janta, teve o baile. Aí, ele chegou. Ele chegou, me lembro até hoje, com uma jaqueta da Honda, ele sempre gostou muito de moto, e os olhos dele eram verdes, depois você vê (risos), um verde assim. Ele chegou, quando eu olhei, falei: “Nossa! Quem será?” Eu não conhecia ele. Aí, ele me tirou pra dançar. Ele tirou pra dançar e eu uma criança, doze anos, não sabia dançar, então ele me levava. Me apertava demais. Aí, chegaram pra ele: “Olha, você sabe de quem ela é filha?” Ele falou: “Eu sei.” Aí, falou: “Ó, cuidado hein, rapaz.” Que meu pai viajava, mas todo mundo ficava de olho, todo mundo conhecia ele. Tinha muita consideração por ele. Então, inclusive, minha mãe deixou eu ir até esse casamento porque sabia que todo mundo era conhecido e todo mundo ia me olhar. Não ia acontecer nada. Foi o nosso primeiro contato, foi nesse casamento.
P/1 – Ele morava também ali na região?
R – Morava. Os pais dele têm um sítio, até hoje, próximo, a um quilômetro e meio, mais ou menos, da fazenda. Aí desse dia em diante, toda vez que eu ia, estudava no Bandeirante, e ele também estudava em Guzolândia, uma cidadezinha próxima. Então toda vez que eu chegava pra estudar, ele estava esperando o ônibus pra ir pra escola dele. Só que depois do baile ainda demorou um tempinho pra nós começarmos, porque como eu era uma criança, muito nova, mas tinha os olhares. Então, eu chegava com o meu pai, sempre com o meu pai. Meu pai, às vezes, chegava, entrava num local e ele estava, então ele sempre lançava aquele olhar, e eu também, escondidinho. Depois disso, que eu passei a estudar à noite, teve uma vez que o meu pai, que tomava conta de outra fazenda no Mato Grosso, aí tinha quermesse, e eu inventei de escrever um bilhete pra ele, pra gente se encontrar na quermesse. Nós começamos a namorar, mas toda vez que o meu pai descobria, nós terminávamos. Toda vez, nós terminávamos. E foi assim até... e casamos.
P/1 – Conta pra mim, como foi a descoberta da gravidez. Como é que você se sentiu? Como é que você descobriu?
R – Olha, foi um choque muito grande, porque na hora, que eu peguei o resultado do exame e que eu vi lá, uma cegonha segurando um bebê e estava escrito: “Mãããããããeeeeeeee, tô chegando!”. Na hora eu vi o rosto do meu pai! Eu não pensei em mim. Eu não falei: “Nossa! Eu sou muito criança. Vou cuidar de outra criança! Como será o meu futuro?” Nada disso! Eu pensei no meu pai. O quê o meu pai ia fazer comigo, sabe? Veio o meu pai na hora, e como contar pra minha mãe, contar para as pessoas. Eu lembro que eu peguei, e guardei muito bem. Aí, à noite, ele foi me encontrar, porque ele sabia que eu ia fazer o exame. E ele ficou superfeliz, e eu falei: “E agora? E agora?” “Não! Nós vamos nos casar!”. Eu voltei pra minha tia, e foi assim, a minha gravidez, nos três primeiros meses, eu engordei muito rápido. Era pra mostrar mesmo, que eu estava grávida. Minha tia começou a jogar indireta, eu não passava mal, não tinha enjoo, não tinha nada. Trabalhava inclusive já, na época. Eu queria ser independente, muito cedo, então eu inventei em trabalhar em uma loja em Auriflama. Estudava à noite, trabalha durante o dia numa loja. A minha tia começou a jogar indireta que a filha da cozinheira da escola dela estava grávida e a mãe estava muito triste, e eu ficava quieta. Às vezes eu estava jantando, pra ir pra escola, porque ela percebeu, que eu tava ficando cheinha. O meu pai uma vez tava jantando na casa da minha tia, e falou assim: “Menina, você tem que ir pra uma academia, fazer uma ginástica! Olha, a sua barriga! Isso é barriga?”. Eu deixei até o prato cair, sabe, e saí de perto. Foi indo, até que a minha mãe foi até a loja que eu trabalhava e falou assim pra mim, com jeitinho, tadinha, não me esqueço, quase chorando, porque ela nunca também sentou e conversou comigo sobre nada. Nunca me explicou o que era menstruação, nada! Porque ela foi criada dessa forma. Sempre foi muito difícil conversar sobre isso. Ela falou assim: “Regi, você já foi do Marcos?” Aí, eu comecei a chorar. Ela falou: “Minha filha, o que nós vamos fazer?, pensando também no meu pai. Porque até então, ele estava na outra fazenda, que ele ia, ficava um mês, dois meses, depois retornava. Ela foi até a minha, que é essa tia que eu morava, as duas conversaram e combinaram que alguma forma tinha que fazer, como se as duas não soubessem, senão ia sobrar pra elas também, ele ia julgar a culpa da minha gravidez nelas. O que quê nós fizemos? As duas combinaram. As irmãs da minha mãe, todas são daqui de São Paulo. Nós viemos pra cá. Eu e o Marcos. Viemos pra cá, antes de casar, porque aí precisava da permissão do meu pai, né? Foi mais ou menos no mês de outubro. Ela escreveu uma carta pra irmã dela, que eu também não tinha coragem de chegar e falar pra minha tia: “Ó, tô vindo, porque eu estou grávida, e o meu par não pode chegar lá e me receber dessa forma”. Ela escreveu uma carta pra irmã dela, tudo, aí eu vim pra cá, pra Osasco. Minha tia me recebeu muito bem, ficamos quinze dias na casa dela. Ela deu todo o apoio. Enquanto isso deu tempo, meu pai chegar de volta na minha casa e, aí, contarem tudo pra ele, e tal, aí ele ligou, pra me retornar. Que eu precisava retornar urgente, que ele queria resolver essa situação, que ele precisava voltar pro Mato Grosso, que ele tinha deixado lá os trabalhos pela metade. Nós voltamos, mas como chegar a essa conversa? Como encontrar o meu pai? Nós viajamos durante o dia. Foi uma viagem, nossa, eterna, eu queria que demorasse muito! Muito tempo! Foram oito horas de viagem até chegar lá. Nós chegamos, fomos direto pro sítio que os pais dele moravam, e chegando lá, minha mãe e meu pai já estavam lá. Eu lembro que nós entramos, o meu pai e a minha mãe estavam sentados no sofá, e os pais dele em outro. Foi aquela conversa: o que seria, o que ia fazer, o que quê não ia. Aí, o meu marido, sempre falou que assumiria, que nós iríamos casar e ele, sabe, falou pro meu esposo, até foi assim bem taxativo, que se ele não cuidasse bem de mim, até o mataria. Sabe aquelas coisas de pai, mesmo? Graças a Deus, entraram num acordo: “Não! Nós vamos casar” “Então, marca a data logo que eu preciso voltar pro Mato Grosso”. Marcamos a data, nós casamos em janeiro, dia 10 de janeiro. Casamos no civil e no religioso. Só que o meu pai, ele praticamente participou obrigado. Não entrou comigo na igreja, não foi no cartório. Ele fez tudo que devia: me deu enxoval, até o almoço do casamento, foi um jantar, o jantar ele deu. Ele foi obrigado e nem foi por mim, nem pela família, foi porque um padrinho meu de casamento era grande amigo dele. Então, ele foi pra não contrariar o amigo, mas não queria de forma alguma demonstrar que estava de acordo com nada. Nós nos casamos em janeiro, dia dez de janeiro, continuamos morando em Sud Mennucci, estudando em Auriflama, viajava todas as noites, até o meu filho nascer, Fabrício. Ele nasceu em abril. Eu casei dia dez de janeiro, ele nasceu dia quatro de abril.
P/1 – Conta pra mim, um pouco, antes da gente falar do nascimento do seu primeiro filho, como é que foi o casamento?
R – Meu casamento, ele foi, apesar de toda essa contrariedade do meu pai, a minha mãe ficou muito triste também, decepcionada, mas ela me apoiava. Não deixou de falar comigo em nenhum momento, pelo contrário, sempre estava ali me ajudando em tudo que eu precisava. O meu pai, já não. Ele nem olhava mais pra mim. Nós crescemos, tendo que dar “benção”. “Benção, pai” “Benção, mãe”. É o nosso cumprimento até hoje, na família. Ele respondia, respondia, mas, às vezes, nem pegava na minha mãe, nem queria olhar pra mim, sabe? Ele ficou, assim, muito revoltado, muito triste, porque ele sonhava muito pra mim. Ele sempre falava que eu poderia casar com quem eu quisesse. Peão, preto, branco, na linguagem dele, daquela época. Mas eu tinha que estudar, eu tinha que estudar. E ele queria que eu esperasse, sabe, ter idade, quinze, dezoito anos pra pensar em começar a namorar. Que é quê eu fiz? Eu decepcionei completamente. Eu nunca parei de estudar. Jamais! Me casei, mas não parei de estudar e foi muito difícil pra ele aceitar isso, e pra mim também, eu sofri muito com a rejeição. A cerimônia foi assim, nós casamos no civil em Auriflama... (choro).
P/1 – A gente te espera, pode ficar tranquila.
R – Tem coisas que marcam.
P/1 – Mexe mesmo. Não tem como não mexer, não.
R – É.
P/1 – Pode ficar tranquila. A gente pode esperar.
R – Já passou o nó. Então... Nós casamos de manhã em Auriflama, no civil. A minha tia fez o almoço para os padrinhos, almoçamos, tudo. No civil, aliás, no casamento do religioso, nós tivemos que casar em outra cidade, porque o padre que tinha na paróquia de Auriflama não aceitava jamais casar uma gestante. Ele era uma pessoa, assim, por ser padre, naquela época, uma pessoa muito ignorante, ríspida, ele, praticamente, expulsava da igreja. Então nós casamos no cartório em Auriflama, almoçamos na minha tia, os padrinhos, depois nós fomos pra Pereira Barreto. Eu fui pro salão, me arrumar. Eu não me vesti de noiva e casamos no religioso em Pereira Barreto. Depois da cerimônia, nós voltamos pra Auriflama, aonde foi a festa, a festinha, o jantar. Teve o bolinho, ali. Mais os parentes mesmo, amigos, os padrinhos que estavam ali ao nosso lado, e foi assim. Depois, eu me lembro até hoje, que o bolo era um bolo com recheio de abacaxi. Eu comi esse bolo. À noite, eu comecei a passar muito mal e eu já estava com seis meses. Eu me lembro que a noite toda, eu passei, muito, muito, muito mal. No outro dia, eu fui direto pro hospital, tive que tomar soro e tudo. Não posso me lembrar desse bolo até hoje (risos), que o meu estômago guardou receio do bolo de abacaxi, que eu tenho certeza que me fez mal. Não fomos, assim, para lugar nenhum especial, fomos direto pra casa da minha tia. Os meus pais, dali mesmo foram embora. No domingo, me casei no sábado, no domingo nós voltamos pra nossa casa em Sud Minucci.
P/1 – Vocês já foram morar juntos? Como foi isso?
R – Antes da cerimônia, antes do casamento mesmo, nós já estávamos morando juntos. Depois, do retorno de São Paulo, que encontramos o meu pai, já fiquei na casa do meu sogro com meu marido. Depois, que nós fomos pra Sud Minucci, alugamos uma casa. Tudo, assim, com muita dificuldade, muito apoio da minha mãe, que ela nunca, assim, me deixou. E ele encontrou muita dificuldade pra arrumar emprego, porque ele trabalhava no sítio com o pai dele. Aí foi trabalhar no frigorífico de Sud Minucci, então foi tudo muito, muito difícil. Depois de um pouco, vem o nascimento do Fabrício, né? Nós continuávamos morando em Sud Minucci, ele nasceu em Pereira Barreto. Eu não tive parto normal, teve que ser cesárea. Ele nasceu prematuro. O médico dizia que ele era prematuro, mas pelo ultrassom, a contagem tava certinha. Graças a Deus, ele nasceu perfeito. E foi um período que eu sofri muito, porque nós tínhamos muita dificuldade financeira. A minha mãe, os pais dele, até nos ajudávamos, tudo, meu pai continuava ausente, até então ele não queria, ele falava que a minha mãe podia me ajudar, mas ele não queria aparecer de forma alguma. Veio o nascimento do Fabrício, ele ficou quinze dias na incubadora, eu fiquei na casa de uma prima, nessa cidade, em Pereira Barreto. Ela ia levar, eu tirava leite todos os dias, ela ia levar, ia visitar ele, na hora da visita. Eu me lembro que como ele nasceu muito pequeninho, ele nasceu acho que com uns dois quilos e quatrocentos, ele ficou na incubadora, peladinho. Eu me lembro que em uma das visitas, eu olhando pelo vidro, que não podia nem entrar, rasparam o cabelinho dele, assim, ele tomou soro na cabeça, na veinha da cabeça, uma senhora chegou e falou: “Nossa! Será que ele é deficiente, nasceu com algum problema?” Eu, na hora, respondi, eu falei: “Não, ele é perfeito. Graças a Deus, ele não tem nada”. E saí de perto dela. O pediatra que estava cuidando dele, ele queria dinheiro, na época. E nós não tínhamos como pagar mais nada. Com muito sacrifício já tinha pago o meu parto, a cesárea, e não tinha como pagar os dias que o Fabrício tava ficando ali. Ele ficou quinze dias, e ele marcava assim: “Vem amanhã que eu vou dar alta.” Ele não tinha nada. Nós chegávamos lá, ele não dava alta. E querendo, sabe, que nós pagássemos mais. Meu marido levou holerite, tudo, pra provar. Quando ele viu que não tinha mesmo como, eu me lembro que era até um sábado de Aleluia, ele deu alta pro Fabrício. Eu peguei aquele bebê no colo, desde o momento que eu peguei ele, e ele falando assim comigo: “Daqui a quinze dias, eu quero ver o seu filho.” Eu, em pensamento, olhava pro pediatra: “Nunca mais você vai colocar as mãos no meu filho, nunca mais”, E graças a Deus, nunca mais ele colocou a mão, mesmo, no meu filho. Foi aquele período, né? A minha mãe não pôde ficar comigo pra me ajudar, nos primeiros dias. Eu tenho uma tia, nessa cidade de Sud Mennucci, tia Maria, que ela me ajudava. Então ela ia, me explicava como cuidava dele, tudo, mas isso pra mim foi muito fácil. Esse papel de mãe, parece que eu já nasci sabendo. A única coisa que eu tinha medo era de dar banho. Como ele era muito pequenininho, na hora que eu virava na banheira, dava a impressão que ia quebrar. Veio uma madrinha nossa de casamento, e falou: “Não! Não precisa ter medo. Ele não é feito de casca de ovo. Você pode pegar ele, fazer assim, fazer assim. Vira pra cá, que você não vai quebrar”, aí eu me senti mais segura. Quando, nós chegamos do hospital com ele em casa, a primeira noite ele não dormiu. Chorou a noite toda! Na segunda, eu deixei a luz do banheiro acesa. Eu descobri que era a luz, por causa da incubadora, que ele dormia sempre, aquela luz no rostinho, então, ele não sabia dormir no escuro. A partir daquele momento, acabou. Foi um bebê maravilhoso. Eu voltei, depois que terminou a licença gestante, voltei pra escola, e o Fabrício comigo. E ele também estudava, o meu marido, na mesma escola, aqui. Então nós íamos, eu ficava numa sala, que eu fazia Magistério, eu já estava no terceiro magistério, e ele fazia técnico em Contabilidade. Então ele ia, pegava o Fabrício do meu colo, levava pra sala dele, depois voltava. A escola inteira ajudou a cuidar do Fabrício. Não parei, somente na licença gestante. Terminamos o terceiro ano, ele se formou, aí no ano seguinte que era o meu último ano, que era o quarto ano, ele ficou em casa com o Fabrício. Eu aí viajava sozinha. Mas só que nessa época, nós já estávamos morando no sítio. O pai dele construiu uma casa pra nós e nós fomos morar, mudamos de Sud Mennucci pro sítio. Muitas vezes, ele esquecia, perdia a hora de me buscar, na rodovia, porque o ônibus me deixava na rodovia e eu tinha que andar, mais ou menos, uns 500 metros até a casa, ou mais. Eu sempre tive muito medo do escuro, então eu ia correndo, às vezes, caía, chegava e ele: “Aí, me desculpa, perdi a hora.” E ele tava lá dormindo com Fabrício. Só que logo eu engravidei do meu segundo filho.
P/1 – Antes de você me contar da segunda gravidez, quando você estava fazendo o magistério, você trabalhava ou você estava só estudando?
R – Não. Só estudando.
P/1 – Então retomando, Regina, você estava me dizendo que você continuou fazendo o magistério, depois do primeiro filho, o Fabrício, é isso?
R – Isso.
P/1 –Me conta, como foi a segunda gravidez, a descoberta.
R – Não foi planejada. Aconteceu também, né? Eu continuava estudando à noite, que eu já estava no quarto magistério, quando isso aconteceu. Eu continuava viajando de Bandeirantes pra Auriflama, à noite. Muitas vezes, ele continuava perdendo a hora de me buscar no ponto, aí a situação minha foi piorando, porque eu fui engordando, engordando, e devido ao medo do escuro, eu só sabia correr. Então foi assim, a minha segunda gravidez foi bem tumultuada. Bem pior do que a do Fabrício, do primeiro filho, que apesar de todo o desgaste emocional, do casamento, do meu pai, foi mais tranquila. A do Fernando, que é o meu segundo filho, já foi bem tumultuada, porque eu estudava à noite, durante o dia tinha que cuidar da casa, do Fabrício, a minha mãe vinha, buscava o Fabrício, para eu continuar estudando. E a volta pra casa era um trauma muito grande, devido ao escuro. E foi assim, graças a Deus, ele nasceu no dia quatro de novembro, já no finalzinho do ano, já estava com as notas fechadas, no meu último ano de Magistério. Então quando ele nasceu, no dia quatro de novembro, a minha colação foi em dezembro, ele estava com quarenta dias, até ele chorava muito, aí, minha mãe com ele no colo, balançando. Eu lá participando de beca, e ele queria mamar. Foi assim, bem sofrida mesmo essa minha segunda gravidez. Ele já nasceu em Auriflama. Então foi tudo bem, foi cesárea também, um pediatra maravilhoso, não teve o trauma do nascimento do Fabrício. Não tivemos que pagar nada, foi pelo o SUS. Esse desgaste que eu tinha de cuidar do Fabrício e a gravidez, o estudo, aí foi sobrecarregando mais. Então quando eu me formei, foi realmente, tanto que na minha formatura eu não conseguia parar de chorar, porque o último ano, foi, assim, a verdadeira luta, mas eu não parei, nem de ir, não perdi tempo nos meus estudos. Lá na formatura, eles estavam, o meu pai foi também na formatura. A minha mãe lá, com ele chorando, e eu lá, participando da cerimônia. Depois disso, eu chegava na casa do meu pai, com os dois bebês, porque eles são diferença de um ano e sete meses, o Fabrício do Fernando. E ele nunca renegou os netos, graças a Deus. Só que era assim, ele pegava, mas se eu chegasse, ele entregava, quase jogava a criança, pra me atingir, pra eu perceber que ele não gostava de nada que vinha desse casamento. Mas ele sempre gostou muito dos netos, sempre adorou muito os netos. Depois foi passando mais a raiva, sabe? E ele foi voltando a conversar comigo, tudo. Foi ficando tudo bem. Só que na minha casa ele não ia, e nem o meu esposo podia pisar na casa dele. Os dois não conversam, porque ele não queria, porque o meu marido nunca teve nada contra ele. Depois que eu me formei, no ano seguinte, eu só cuidava da casa, cuidava da casa, dos filhos, até eu começar a substituir, fui chamada pra começar a ser eventual numa escola de Bandeirantes mesmo. Eu deixava os dois na creche, quando eles me chamavam, e ia substituía, trabalhava.
P/1 – Esse foi seu primeiro emprego como professora? Conta pra gente como foi essa primeira experiência profissional como professora.
R – Foi muito boa, porque como todos me conheciam, a vantagem de se morar em cidade pequena, que todos conhecem. Eu estudava naquela escola também, então depois eu voltei pra trabalhar. E eu peguei o meu irmão caçula na terceira série. E ele era um aluno muito inteligente. Então quando eu entrei na sala, ele ficou tirando sarro de mim, falando que eu era professorinha, por causa da minha altura, mas ele fazia as lições, eu não tinha problema de comunicação com as crianças na época. Eu lembro que eu entrei na sala, encarei numa boa, não me senti insegura. Mas o meu irmão, ali, enchendo, sabe, tentando atrapalhar a todo momento. Eu fui até a minha mãe, reclamei, falei: “Olha, mãe, pede pro Rodrigo colaborar, porque eu entro na sala de aula, ele fica me desobedecendo. Isso é muito chato perante os outros alunos. Eu vou perder a autoridade”. Logo ele parou, aí foi tudo bem. Eu continuei ir durante um ano, eventuando nessa escola de Bandeirantes, quando eles me chamavam. No aniversário de um ano do Fernando, eu decidi vim pra cá, pra São Paulo, trabalhar, porque lá, infelizmente, os professores se aposentam e voltam a trabalhar. Então é muito difícil, em ponto algum conseguir aula, emprego fixo na minha área lá. Isso é até hoje. Eu resolvi vir pra cá. Deixei os dois meninos com a minha mãe, deixei a minha casa, o meu marido e vim pra cá, pra Diadema mesmo, sozinha. Porque aqui tinha muitos conhecidos do interior, inclusive uma diretora que era cunhada dessa minha tia, trabalhava aqui em Diadema. Então eu vim pra cá, apoiada por elas. Fiquei morando, durante esse primeiro ano, era tipo uma repartição, éramos em três mulheres e dois homens, todos do interior, todos conhecidos. Meu primeiro ano aqui, comecei trabalhando à noite, com suplência. E assim, a dificuldade que eu tive aqui, eu sempre fui deslumbrada com cidade grande, como eu sempre morei em fazenda e cidade pequeninha, o meu sonho era morar em uma cidade grande. Então, eu vim pra cá, eu não tinha medo. Só que quando eu cheguei aqui, foi a época das chacinas, e eu trabalha à noite. Então o meu grande medo aqui era voltar pra casa depois, sozinha. Morava aqui próximo ao Hospital Diadema, antigo Hospital Diadema, que hoje também não tem mais. E fui trabalhar com adultos, me apaixonei, foi maravilhoso. Minha grande dificuldade era pensar nos meus filhos, no interior, sozinhos. Na época, o meu casamento tava um pouquinho em crise, porque eu enfrentei uma crise, comigo mesma. Depois que passou aquela fascinação, da paixão, do casamento, que eu caí na real, me arrependi, de ter casado muito nova. A responsabilidade era muito grande, meus dois filhos pequenos, tudo. Então eu vim pra cá trabalhar, eu vim por dois motivos. Um, porque eu queria realmente, ser independente do meu marido; e outra, pra me afastar dele, porque nesse momento, eu queria ficar sozinha. Queria ver se eu conseguia retomar algum ponto da minha vida, queria viver. Queria sair, queria conhecer pessoas, lugares, que até então não tinha tido chance. E a minha mãe, nesse ponto, ela me apoiou muito, cuidando dos meus filhos. Na época, o Fabrício já estava começando a pré-escola lá, e o Fernando, pequenininho. Então vim pra cá, trabalhava à noite, morava com essas quatro pessoas, e viajava pra lá duas vezes por mês pra ver as crianças. Eu fiquei fazendo isso, nessa vida trabalhando aqui sozinha mais ou menos uns três anos e meio. Eu só voltei pro interior quando eu consegui uma sala de aula lá, na escola que eu comecei a trabalhar em Bandeirantes. E também, por outro motivo, eu estava grávida da Jessica, a terceira filha. Nós estávamos separados, eu e o Marcos, de casa, mas continuávamos juntos. Ele não aceitava muito bem a ideia do meu trabalho aqui, mas não queria me contrariar. Continuou lá, no interior, na nossa casa, tudo. Quando eu ia pra lá, nós ficávamos em casa, buscávamos as crianças na minha mãe. Aí eu fiquei, assim, até a Jessica nascer. Quando eu vim pra cá, eu vim no ano de 91, 1991. Não, me desculpa, eu vim pra cá em 89. A Jessica nasceu no final de 91, então durante todo esse tempo, eu estava aqui sozinha. Ela nasceu no interior, fiz o pré-natal todo aqui, fazia lá também. Fui ter a Jessica lá no interior. Me candidatei, até, a vereadora, na época, pra conseguir mais afastamento, porque a minha licença gestante, de quando ela nasceu era de quatro meses. Aí, eu pensei: “Como eu ia voltar com ela pra cá, com ela tão bebezinha?”. Quer dizer, eu não podia deixá-la. Aí eu me candidatei a vereadora lá no interior, mas o meu padrinho de casamento, que era candidato a prefeito, me apoiou, e ele sabia que o meu objetivo era só afastamento. Eu consegui ficar até outubro, neste ano que ela nasceu. Ela nasceu em dezembro de 91. Eu tive que retornar pra São Paulo em maio de 92. Não retornei. Vim pra cá, só assumi as aulas um dia, com ela, e voltei em seguida, me candidatei, peguei os três meses que a lei concede pra campanha, mas não fiz campanha nenhuma. Até tive cinco votos da família (riso), mas todos sabiam que era pro afastamento. Em outubro quando terminou as eleições, eu fui obrigada a retornar. Ela veio comigo, mas era bebê já maiorzinho.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa, como foi pra você a experiência de ser mãe?
R – Foi, assim, maravilhosa. Maravilhosa! Apesar de eu ter sido mãe muito nova, com quinze anos, eu nunca tive medo de assumir esse papel, né? Eu nunca tive medo, jamais. Pra te falar a verdade, hoje, com os meus filhos crescidos, eu olho pra trás, eu não me arrependo de nada. De nada! Nem de ter casado muito nova, nem de ter eles muito cedo, né? Nada! Foi, assim, maravilhosa. Foram bebês, assim, o Fernando, do meio, eu acho devido a minha gravidez muito agitada, ele foi a criança que mais deu trabalho, no aspecto de chorar à noite, de manhã, foi o bebê mais agitado; o Fabrício foi um bebê maravilhoso; a Jessica também, uma menina supertranquila, calma. Quando eu vim pra cá com ela, nós ficamos na casa de uma tia do meu esposo. Eu vinha pra escola, ela olhava a Jessica pra mim. Problema de doença com os meus filhos eu não tive, por isso que eu fui, assim, tão tranquila. Eles não foram bebês, nem crianças de ficarem doentes, só resfriados normais. Então foi tranquilo essa parte pra mim. Até eles chegarem na adolescência, é claro, né? Porque na adolescência, são outros trabalhos, outro tipo de trabalho.
P/1 – Na sua experiência como professora, você falou que veio pra cá e começou a trabalhar com adultos. Teve alguma história marcante dessa experiência, porque é uma experiência muito diferente de dar aula pra criança e dar aula para adultos. Eu queria saber como é que foi. Se você tem uma história, uma pessoa que tenha sido marcante, uma situação.
R – Eu tinha, na minha sala de aula, um senhor idoso. Naquele ano, ele já tinha seus 65 anos. Eu não esqueço dele, jamais, porque ele tinha uma vontade enorme de aprender. Na época, ele sabia, assim, mal escrever e lia com muita dificuldade, mas a grande paixão dele era Matemática. Ele queria aprender multiplicação. Só que ele tinha, devido o problema, acho que da idade, a mente cansada... Hoje, eu ensinava, direitinho, ele pegava a tabuada, resolvia bonitinho. Amanhã, ele já não sabia mais nada. No outro dia, ele já não sabia! E eram assim, alunos muito carinhosos. Eles sabiam da minha história de vida, que os meus filhos estavam no interior, e eu aqui sozinha. Eles queriam que eu fosse a filha deles, como eu era a mais nova da sala. Sendo a professora, eles me respeitavam muito. Esse senhor me marcou bastante pelo fato da idade, da força de vontade que ele queria muito aprender, mas infelizmente, não conseguia, mas ele não desistiu, ele foi até o final. E uma senhora, que tudo, tudo, que ela fazia em casa, ela levava pra mim, na escola, sabe? Sobremesa, ela queria me agradar de toda a forma. E ela entrou no terceiro ano, na terceira série, aliás, da suplência, analfabeta. E no final do ano ela já sabia, bonitinho, ler, escrever, fazia receitas. Foi, assim, um período muito gostoso, muito marcante, da minha profissão, inclusive porque hoje em dia, infelizmente, eu dou aula para adolescentes, e você não consegue ter esse retorno prazeroso, de ver mesmo, surtir efeito do seu trabalho. E com eles não, com eles foi, assim, muito bom. Muito bom mesmo.
P/1 – Quanto tempo você ficou trabalhando com adultos, com alfabetização de adultos?
R – Então, eu trabalhei um ano, que foi esse um ano da gravidez da Jessica.
P/1 – Quando você voltou com a Jessica, já era em outro lugar.
R – Quando eu voltei com a Jessica, eu já estava com crianças. Eu tinha, na época, uma primeira série. Mas aí, eu já voltei da licença, depois da candidatura, já no final do ano, então praticamente eu só finalizei o curso com eles. Já não tinha, assim, muito contato, né? Inclusive é muito interessante que desse ano, eu nem me recordo dos alunos, porque foi um período muito curto, né? De outubro, novembro, somente, eu não me recordo nem da carinha deles, porque a gente sempre grava um ou outro, mas desse período eu não gravei. Deste meu primeiro ano.
P/1 – Dessa época, você ficou definitivamente aqui em Diadema? Como foi isso?
R – Não. No ano seguinte, em 93, eu consegui uma sala de aula no interior. Eu retornei com ela pro interior. Depois disso, surgiu concurso público na Prefeitura de Sud Mennucci, eu prestei e fui trabalhar com as crianças de pré-escola. Com isso, eu fiz a minha faculdade, em Pereira Barreto.
P/1 – Como é que você decidiu? Conta um pouco como veio a decisão de fazer um curso superior.
R – Então, desde que eu terminei o magistério, o meu sonho era fazer a faculdade, mas devido ao problema das crianças pequenininhas, toda a dificuldade, eu acabei desistindo. Depois que eu voltei com a Jessica, que eu passei no concurso, que eu fiquei com uma estabilidade no município, aí eu falei: “Bom, agora eu posso começar a faculdade.” E lá, no interior, até hoje, os prefeitos apoiam muito os estudantes no sentido de dar mesmo ônibus pra levar de um município pro outro pra estudar, então eu tinha tudo pra voltar a estudar. Quando eu fui prestar o vestibular, na época, ela ainda era um bebê então, ela foi comigo, eu passei o domingo inteiro fazendo a prova. Ela ali no meu colo, meu irmão caçula, o Rodrigo, foi pra ajudar. Então de vez em quando ele pegava, dava uma voltinha com ela, mas o tempo todo, ela sentada ali, eu respondendo às questões. Até a professora falou: “Quer que eu segure um pouquinho?” “Não precisa”, ela quietinha, às vezes ela dormia, não atrapalhou em nada. Mas o meu vestibular, ela já fez no meu colo. A gente sempre brincou na faculdade, que ela ia sair formada em Letras junto comigo. Eu amamentava, então eu prestei o vestibular com ela, eu comecei o curso com ela na faculdade. O meu marido ia junto, ele ia junto, cuidava dela fora de sala de aula. Quando ela queria mamar, eu ia lá e amamentava. Então foi assim o primeiro ano da faculdade, o segundo. Ela só parou de ir pra faculdade comigo, no terceiro ano, mas foi, assim, muito gostoso. Foi muito engraçado que sem planejar, o primeiro filho quase se forma em magistério, né? E ela em Letras. Só o segundo que ficou em casa, não frequentou a escola comigo.
P/1 – Como foi a faculdade pra você, Regina? Como foi a experiência da faculdade pra você? As aulas, se você fez amigos, se era o que você esperava.
R – Sim. Foi assim um período muito gostoso. Eu não esqueço dos professores, principalmente, um professor idoso de Linguística, que eu tive. O nome dele era Seu Ângelo; tudo que ele explicava, ele explicava muito bem, mas com uma voz, assim, tão baixinha, que a sala toda tinha que ficar quieta. Era uma turma muito boa. A maior parte da minha sala era de mulheres. Nós tínhamos, assim, cinco homens. E entre esses homens, tinham dois que eram policias rodoviários. E na época, eu tava tirando a habilitação também. E eles falavam: “Olha, eu vou te pegar”. Eu falei: “Olha, vocês quando me ver, vocês não me param, porque eu estou sem a minha carta”. Então, era uma turma muito gostosa. As meninas, também, nós tínhamos, também, uma parte que era de Bandeirante, onde eu morava e trabalhava, a outra parte de Sud Minucci e um pouco de Pereira Barreto. Não era uma sala com uma turma muito grande, nós éramos mais ou menos em trinta, mas foi, assim, tranquilo. Muito gostoso. A professora mais exigente que eu tinha era de Literatura Brasileira. O professor de Literatura Norte-Americana, pouco nós entendíamos o que ele explicava, como todo curso tem, né? Mas foi muito gostoso, e foi muito válido. Os meus estágios, eu fiz tudo na própria escola que eu trabalhava, em Bandeirantes mesmo. Então foi tranquilo o meu curso. A Jessica acompanhou todo o período, e quase ficou sendo formada. Nós falávamos que era a nossa mascote, na formatura (riso).
P/1 – Que ano você se formou?
R – Eu me formei... Deixa eu ver se eu me lembro... Eu acho que foi no final de 93, se não me engano.
P/1 – Bem nova ainda.
R – Bem nova. Eu comecei a trabalhar com dezessete anos. Como eu comecei a estudar com seis anos, eu me formei muito nova. Então com dezessete anos, eu já tinha o magistério, comecei a trabalhar. Quando eu me formei, eu acho que eu tinha o quê? Uns 22, 23 anos, quando eu fiz o curso superior em Letras. Só que eu demorei a trabalhar nessa área, porque eu continuei lá no interior com os pequeninhos, com o maternal. Dei aula pro Fernando, o meu segundo filho. Ele foi comigo pro Jardim I. Me chamava de “tia” (riso). Que eu deixei bem claro pra ele: “Aqui, eu não sou a sua mãe, eu sou sua professora”. E ele tão pequeninho, e chamava de tia. Até tem a foto que você vai ver, eu entregando o diplominha pra ele. E foi muito gostoso! Depois disso, eu fiquei todo esse tempo, trabalhando lá com a pré-escola, não consegui mais aula no Estado, eu perdi o vínculo, porque houve um concurso público, eu lembro, na rede estadual, ingressaram muitos professores, se removeram pro interior na época. Eu perdi o vínculo com o Estado, fiquei só com a Prefeitura de Sud Minucci. Eu queria voltar pro Estado, só que eu só ia conseguir voltar pro Estado aqui, lá infelizmente não tinha pra minha área. Foi quando em 98, eu resolvi retornar pra cá. Eu retornei com todos: viemos eu, meu esposo, meus filhos. Nós estamos aqui, definitivos, desde 98.
P/1 – Como foi essa decisão de voltar pra cá? Por que vocês tomaram essa decisão?
R – Na época, o meu esposo trabalhava em lavoura lá. Então nós estávamos, assim, com dificuldade financeira mesmo. E eu queria atuar na minha área, no Estado, que eu nunca gostei muito de trabalhar com crianças pequeninhas. Eu não sei muito bem, assim, sabe, brincar, ser aquela professora melosa, sabe? De gostar de brincar, de dar beijinho, de cantar. Eu queria trabalhar com os adolescentes. Eu vim pra cá em 98. Vim, primeiramente, sozinha. Participei da atribuição, peguei as aulas. Na época, na rede estadual, nós podíamos pegar 36 aulas. Eu peguei 36 aulas de Português, em duas escolas estaduais, aqui mesmo em Diadema, no Eldorado, e fui trabalhar à tarde e à noite. Então, eu vim pra cá e morava com uma professora, amiga nossa. Meu esposo e as três crianças ficaram no interior, porque eu queria organizar primeiro, aqui, né? Aí, aluguei uma casa no Eldorado também, que é um bairro aqui de Diadema. Aí sim, eu fiquei até setembro aqui sozinha, deste ano de 98. Em setembro, eles vieram.
P/1 – Como foi essa mudança pra você e pra sua família, e pras crianças?
R – Pras crianças foi um período de adaptação muito difícil, porque eles estavam acostumados com liberdade. Lá eles ficavam na fazenda, ficavam na cidade, mas a cidade muito pequena. Então eles tinham liberdade de ir e vir. Sempre brincavam com outras crianças. Então aqui começou, na verdade, a grande dificuldade deles. Até o meu filho, quando o Fabrício veio pra cá, ele estava na quarta série, eu matriculei eles na mesma escola que eu trabalhava. Mas eles estudavam de manhã e eu trabalhava lá à tarde e à noite. As crianças daqui, naquela época, já eram violentas, com brincadeiras violentas. Então eu lembro que o Fabrício chegava, sempre chorando. “Mãe, eu quero ir embora daqui. Eu não gosto daqui. Eu quero ir embora. Por que quê a gente veio pra cá?”. E eu explicava pra eles, eu explicava que a gente precisava ficar aqui, porque lá não tinha trabalho pra mim, que eu estava aqui, por causa deles, né? Então foi um período muito difícil de adaptação, para os dois. A Jessica, eu ainda deixei com a minha mãe. Na época ela tinha cinco anos, eu deixei no interior com a minha mãe ainda um ou dois anos, porque eu não tinha com deixá-la aqui pra eu trabalhar. Os outros dois já eram maiorzinhos, já dava pra ficar em casa, sozinhos. Então, ela ficou. Fez a pré-escola lá com a minha mãe. Ela só voltou pra cá, já pra começar a primeira série. O Fabrício, o irmão mais velho, levava ela pra escola, buscava, e eu, devido esse trabalho, quase o dia todo, controlava eles por telefone. Então, foi muito difícil a adaptação deles. E a adolescência deles aqui foi muito difícil também. Nesse ponto eu sofri muito, muito mesmo, ter trazido eles pra cá. Disso eu me arrependo, me arrependo de ter vindo pra cá com eles. Lá, a vida teria sido bem melhor pra eles.
P/1 – E pra você e pro seu marido? Como foi essa mudança?
R – Pro Marcos também. Como ele sempre gostou muito de trabalhar no sítio, de viver lá, trabalhar foi bem difícil. Que ele chegou aqui, ele foi trabalhar de moto, pra você ter uma ideia. Não conhecia São Paulo, então ele sofreu bastante até aprender os endereços, tudo. Sofreu muito. Depois desse período, veio pra cá, ele ainda voltou pro interior, trabalhou lá um pouco. Eu fiquei aqui com as crianças. Depois que ele retornou de uma vez, mas foi difícil a adaptação. Pra mim, foi tudo bem, porque eu tinha o meu emprego, eu tava na cidade que eu queria, pra mim tava tudo bem. Agora, pra eles, não. Eles vieram mesmo mais por mim do que por eles, né? Foram obrigados a ficar e permanecer, porque eu não consegui voltar com as aulas para o interior. Então nós fomos ficando, e passei pra Prefeitura de São Paulo. Meu sonho de voltar pro interior acabou, porque até então eu era obcecada em passar em concurso público do Estado pra voltar pro interior, mas eu não consegui passar. Eu sou ainda “ACT”, como eles falavam antes na rede estadual, hoje, eles falam “estáveis”. Estou quase pra me aposentar no Estado, mas não consegui me efetivar na rede estadual. Mas eu acho que é por causa da minha grande obsessão, de voltar pro interior. Aí eu passei no concurso público, na rede municipal de São Paulo. Me tornei efetiva de São Paulo e por isso, eu falei: “Agora acabou mesmo. Nós temos que ficar aqui.”
P/1 – E essa mudança de trabalhar com criança para trabalhar com adolescente, como foi pra você?
R – Pra mim foi tranquilo, porque era o que eu queria, né? Já era a minha linguagem. No início, eles, quando eu cheguei aqui, em 98, duas escolas boas, eles eram tranquilos. Então, não tive dificuldade. Não tive dificuldade mesmo. E graças a Deus, até hoje, eu não tenho, assim, se você me perguntar: “Regina, um momento difícil pra você, em sala de aula? De relacionamento entre você e aluno? De violência, ou até mesmo de ofensas verbais?”, eu não tenho pra te falar. Graças a Deus, sempre foi tranquilo o meu relacionamento com eles. Até esse fato, assim, as meninas, eu acho que se identificam um pouco com a minha história de vida, né, porque elas querem começar a vida tão cedo, tão cedo. Eu falo: “Calma! Vocês têm que ter objetivo. A minha vida foi assim, mas eu nunca perdi o objetivo que eu queria ser alguém na vida. Eu queria me formar. Isso eu consegui”. Eu tento passar essa minha experiência pra elas, porque essa adolescência de hoje é bem mais complicada de quando eu peguei aqui em 98. Eles eram bem mais tranquilos.
P/1 – Dessa sua experiência com adolescente, tem alguma história que tenha ficado? Alguma coisa que tenha sido marcante ou mais significativa na sua prática como professora?
R – Olha, na prática, eu não me lembro bem. Mas uma que marcou muito na escola foi um aluno meu que faleceu dentro da escola. Foi numa escola estadual, aqui em São Paulo. Ele estava na época na sexta série, eu era professora de Português dele. Tinha acabado de dar o sinal, eu saí da sala de aula, descendo pro intervalo, nós descíamos juntos. Na sala de aula ele não tava reclamando de nada, sabe? Me lembro, o Samuel, me lembro perfeitamente dele. Um garoto extrovertido, tranquilo na sala. Aí eu descendo, antes de eu chegar na sala dos professores, já chegaram com ele carregado. E ele falava que a cabeça dele tava doendo muito, muito, muito. Veio o inspetor, pegou uma almofada do nosso sofá, da sala os professores, colocou ele deitado. Já chamara todo mundo, e tentando ligar pro SAMU pra ocorrência, não deu tempo. Ele faleceu rapidíssimo. Então foi assim uma coisa muito triste, muito triste porque não deu pra gente fazer nada pra ajudar. Minutos antes, ele tava comigo em sala de aula, logo ele já estava ali morto. Então, veio o SAMU, levou, mas quando ele chegou no hospital, ele já estava morto. Foi aneurisma. Veio a mãe no outro dia, nós fomos no velório, aquela coisa toda. Então é um fato que marcou muito.
P/1 – Muito novo.
R – Muito novo e uma coisa, assim, muito rápida. Então essas coisas que a gente pega. Esses dias mesmo, um brincando com moeda, engoliu a moeda. Um aluno de sexta série também. Engoliu a moeda, só que graças a Deus, levou pro pronto socorro, deu tempo de tirar. Mas é, assim, eles fazem as coisas sem pensar hoje, né, eles fazem as coisas sem pensar e não pensam nas consequências. E nós, enquanto educadores, eu fico intermediando. Tento explicar as coisas. Um fato que hoje me perturba muito é a falta de valor que eles têm pelas coisas, né? Então, enquanto ser humano, eles me respeitam ali, eu sou a professora mas ameaça, olha: “Olha, ou você faz a lição, se comporta, ou então você desce, vai falar com a diretora”. São poucos os alunos que nós conseguimos ter uma amizade legal. Então hoje isso me entristece. Mas os anos que eu comecei a trabalhar não, eu fazia amizade, tanto que eu tenho alunos que hoje são adultos, são pais, são mães, me encontram, me abraçam. “Olha, essa foi minha professora. Não esqueço da senhora.” Eu tenho um aluno que é, assim, meu orgulho. Meu orgulho porque, pra você ter uma ideia, como a minha adolescência foi toda no interior, eu não sabia nem o que era cheiro de maconha, né? E quando eu cheguei trabalhando à noite, nessa escola, os professores viviam falando: “Nossa! Nós estamos fumando por tabela. Daqui a pouco, a gente vai chegar aqui e não vai saber nem aonde tá”. Eu falei: “Gente, mas o que é que é isso? Que cheiro tem?”. Aí eles falavam: “Regina, é cheiro de mato queimado, presta atenção”. Aí, eu comecei, né, a observar e sentir mesmo esse cheiro. Tinha um aluno dessa escola à noite, ele é um baita de um negro, e eu, né, pequeninha, como eu sou (risos). Ele entrava na sala de aula, sempre atrasado. Ele abria a porta e nem pedia licença. Entrava, eu olhava pra ele, eu não tinha medo dele. Olhava pra ele, aquele olhão vermelho, sabe? Ele sentava lá trás, colocava a touca e abaixava a cabeça. Até então, eu não tinha me tocado que ele estava drogado. Eu cheguei até ele, falava: “Cleiton, o que está acontecendo? Você é um menino inteligente. Por que você não se interessa mais pelos seus estudos? Para de perder tempo”. E tentava conversar com ele, e ele me respondia: “Não, professora. A senhora tá certa. Pode deixar que um dia eu vou conseguir”. Mas até então, na minha ingenuidade, pela falta de experiência, eu não entendia que ele ia pra escola só pra se drogar, né? Aí tá bom, passou. Eu saí dessa escola, fui para outras escolas, o tempo passou. Um belo dia eu encontro com ele já homem feito, né? Me abraçou. E ele com aquele sorriso lindo, hoje ele é pastor de uma igreja, pastor evangélico. Aí, ele veio me contar de todas as armadilhas que ele escapou, mas que ele nunca se esquece que eu tentei, sabe, ele nunca se esqueceu das minhas palavras com ele. E ele me abraça, onde ele me encontra, ele me abraça e me agradece: “Obrigada, professora. A senhora se importou comigo”. Então muitas vezes hoje eu sei, eu bato o olho no adolescente, sei se ele tá bem, se não está. Se ele não está bem, eu deixo ele quieto lá, depois eu tento conversar. Eu continuo fazendo esse mesmo papel, só que um pouquinho mais afastada, né? Que a gente aprende a fingir que é surda, cega e muda pra sobreviver no meio deles, porque infelizmente nas escolas acontecem muitas coisas, mas nunca fui agredida verbalmente, nem outro tipo de agressão. Nunca me ameaçaram. Graças a Deus, eu tenho orgulho de alguns alunos, sabe, que conseguiram sair disso. Infelizmente, perdi muitos alunos nesse meio também, muitos alunos.
P/1 – Eu queria te perguntar agora um pouco sobre a Jessica. Pra gente poder falar dessa questão, da entrada da faculdade. Isso tudo do seu ponto de vista. Como é que foi pra você, a escolha do curso? Do curso dela. Como foi, do seu ponto de vista, a experiência universitária dela?
R – Então, a Jessica, quando ela saiu do Ensino Médio, ela tava meio perdida, o foco dela, na verdade, era Psicologia. E eu: “Não, filha. Psicologia não, porque já tá uma área muito defasada. O pessoal já vai direto pra Psiquiatria, procurar os psiquiatras. Não faz Psicologia, não. Não tá uma área muito legal”. Aí, ela: “Ah, mãe, então eu vou ser professora”. Não, eu falei: “Professora, não!” (riso), “Professora, não! Tá muito desgastante. Eu não quero isso pra você. Professora também não”. “Ah, então eu vou fazer Enfermagem.” Eu falei: “Você tem certeza, Jessica? Você quer ser enfermeira?”. “Ah, mãe, vou fazer Enfermagem.” Eu falei: “Jessica, vai fazer Nutrição”. E ela aceitou, sabe, o meu conselho. Ela ficou, assim, uns dois meses pesquisando, pesquisando. Ela queria ser enfermeira numa hora, professora. “Não, mãe. Eu vou fazer, então. Eu vou prestar o vestibular pra Nutrição.” Escolheu a faculdade Metodista, fez a inscrição, fez o vestibular, começou. E eu sempre torcendo: “Tomara que ela goste do curso, porque fazer só pra me agradar, não”. Eu queria que ela se identificasse, e foi assim. Como sempre, ela estudou a vida na escola pública e ela não era uma aluna muito dedicada aos estudos. Eu sempre falava: “Jessica, não vai estudar pra prova? Você não vai ler um livro?” “Não, mãe. Não precisa, eu já li. Já fiz, aconteci”. Quando ela ingressou no curso de Nutrição, começou o grande sofrimento da Jessica, porque aí realmente eu vi a Jessica estudar. Só que, graças a Deus, ela gostou do curso, né, ela começou com dificuldades, começou a aprender realmente o que era estudar, porque até então ela não sabia estudar pra uma prova. Então ela teve que começar esse processo, de aprender a estudar. Então foi a grande dificuldade dela, mas de todo o curso, desde o início, até o final, ela foi uma verdadeira batalhadora, porque pra ela foi um curso, assim, sacrifício. E pra nós, um sacrifício de ver o sofrimento dela e não poder ajudá-la, porque ela tinha que saber a matéria, ela tinha que estudar, ela que tinha que tirar a nota. Nós apoiávamos em tudo. Essa sala aqui era coberta de livro. Tinha livro aqui, livros nos tapetes, em tudo. Eu não brigava mais. Ela não dormia, estudava a noite toda. Eu falei: “Meu Deus, essa menina vai entrar em depressão”. Mas graças a Deus, ela ficou alguns semestres em DP (Dependência), tudo, mas fez tranquilo. E até chegar no último ano! Quando chegou no último ano, que ela começou a respirar. Aí, um detalhe, ela queria continuar trabalhando, e nós não queríamos que ela trabalhasse, se dedicasse totalmente ao curso de Nutrição.
P/1 – Ela trabalhava com o quê?
R – Ela trabalhava numa empresa de cobrança, Cash do Brasil, em São Bernardo. Começou a trabalhar lá, depois saiu uma época, aí foi convidada a retornar. Ela tentava conciliar, muito difícil. No segundo ano, ela parou de trabalhar mesmo, ficou só com os estudos. Tinha as DP’s. Depois ela teve, no ano passado, foi mais ou menos em maio que ela fez uma prova pela Internet pra participar do concurso seletivo da Nestlé. Eu estava até viajando, ela não quis nem me contar. Quando eu cheguei, ela falou assim: “Mãe, eu fiz uma prova”. Eu falei assim: “Você fez uma prova?” “É, mas nem sonho eu vou conseguir entrar. É muito difícil entrar”. Eu falei: “Pra quê, Jessica?” “Ah, mãe, pra ser estagiária da Nestlé”. Eu falei: “Que bom, filha! Tomara que você consiga, né?”. A primeira fase foi pela internet, ela fez a prova: “Ai, mãe, passei!”. Eu falei: “Que bom!”. “Vou ser chamada para uma entrevista.” Foi chamada pra entrevista. Tudo bem, gostaram, ficaram de ligar. Ligaram, aí ela foi participar realmente, do estágio da Nestlé. Foi um período muito bom, porque eu via realmente como ela estava contente. Continuando os trabalhos da faculdade, continuando sem dormir à noite, porque veio o TCC, vieram os outros estágios clínicos da faculdade, e as outras cobranças e ela foi pro Hospital Grajaú, que é longe daqui. E a minha preocupação com ela era realmente a viagem. Porque ela saía daqui de madrugada, pegava trem. Então sabíamos, aliás, que o Grajaú é muito perigoso independente de trem; um horário muito ruim, mas deu conta. Gostou demais de trabalhar lá, até foi prorrogado o contrato dela, porque era de quatro meses, estendeu por mais um tempo. Lá ela pegou amizade com médico, participou de uma pesquisa, né, e o curso à noite, continuava. A grande batalha dela. Foi até que ela concluiu todo o estágio da Nestlé, né, graças a Deus conseguiu se formar o ano passado em 2013. Pegou o diploma agora em 2014. Foi indicada, novamente pela Nestlé, pra trabalhar em um outro hospital, só que longe daqui também, Campo Limpo. E hoje, ela está aqui, do lado de casa. Só que o período que ela passou na Nestlé, pra ela, os relatos que ela me conta, foram maravilhosos, porque foi só enriquecimento, né? Quando você tem a teoria é uma coisa, a prática é outra.
P/1 – Você se lembra de alguma história que ela tenha dito pra você que tenha ficado marcado, de aprendizado, de experiência?
R – Ah, sim! Tem casos de uma paciente Ivonete, Evoneide... A dos desenhos. Lindinalva! Ela tinha um caso, assim, uma doença muito rara, que ela emagrecia demais, demais, demais. Não é isso, Jessica? Então, e ela tinha que ganhar peso pra fazer a cirurgia. Então ela ficou muito tempo internada no hospital e a Jessica entrou no hospital, e estudava o caso dela. E entrava com todos os nutrientes que precisava, com todas as dietas, e ela pegava algumas graminhas, depois na semana seguinte, perdia novamente. E foi assim durante meses, até que ela conseguiu chegar no peso ideal pra cirurgia. E a Jessica me relatando, né? Todo dia chegava, às vezes, a Jessica chegava lá tão cansada, que ela, sabe, a paciente cuidava da Jessica, a Jessica cuidava da paciente. Foram assim meses convivendo com ela. Até que chegou o peso ideal, dessa paciente. Ela foi fazer a cirurgia, só que ficou um tempo na UTI. Aí a Jessica ficou muito triste, porque achou que ela não fosse reagir, que não fosse conseguir sobreviver, mas antes de ela entrar no centro cirúrgico, ela fez alguns desenhos, que ela desenha muito bem e deu de presente pra Jessica. Então, a gente só de ouvir os relatos da Jessica no hospital, a gente vai pegando amor também pelas pessoas. “E, aí? O que aconteceu com ela? Será que ela tá bem, será que não tá?” E ela voltando, pro Campo Limpo... A Natália mesmo da Nestlé que te deu a notícia? Alguém do hospital, te deu notícia que ela está viva, de que ela está bem, teve alta, foi pra casa. E isso é muito legal, depois de um grande acompanhamento, a gente ter o retorno. De como esta pessoa está hoje, né? Graças a Deus, ela conseguiu. Tá bem. Mas foi, assim, todo o curso da Jessica foi muito difícil, muito sofrido, né? Mas graças a Deus, ela conseguiu. E durante todo esse percurso do curso, nós tivemos pessoas maravilhosas com quem ela passou, que apoiou, e que ela aprendeu muito. O final, né, ela fechou com chave de ouro, porque esse estágio! Nossa! Quando ela falou: “Mãe, veio selecionadas do Brasil todo”. E ela me contando, tem fotos com as meninas. Eu falei: “É uma benção de Deus, né? Entre tantas, você ser a selecionada”. Então, tudo vale a pena, né?
P/1 – Você acha que tem alguma experiência como esta no Jovens Nutricionistas? Muda alguma coisa, ou mudou alguma coisa, do seu ponto de vista de mãe da Jessica, mudou alguma coisa na perspectiva profissional dela? Ou ajuda na experiência de carreira?
R – Com certeza. Nossa! Foi muito valioso! Muito valioso mesmo, porque até então ela sofria, ela chegou trabalhar até em fábricas de salgadinhos, sabe? Ela teve várias outras experiências, antes de entrar nesse projeto da Nestlé. Ela foi trabalhar mesmo na área que ela queria, que é trabalhar, porque a Jessica sempre falou pra mim: “Mãe, eu não quero trabalhar com nutrição pra área de estética. Eu quero trabalhar, realmente, com a área de saúde. Pessoas que precisam mesmo de mim. Precisam de dietas, e não eu aguentar uma pessoa falando ‘eu quero emagrecer’, outra ‘eu quero engordar’. Eu não quero isso. Eu quero trabalhar, realmente, na área das pessoas que necessitam mesmo.” Quando ela chegou lá no hospital, com esse projeto da Nestlé, então realmente, ela se encontrou. “É isso mesmo que eu quero.” Quando ela se formou, ela rapidinho já foi mandando os currículos, e ela ficou com o contato da Natália, que era supervisora dela da Nestlé. Uma pessoa maravilhosa, as duas se deram muito bem. A Jessica também participava de outro projeto dentro da Nestlé, que era o Nutrir. Participou também de vários eventos como voluntária, junto com os outros funcionários ali da Nestlé. Então, ela se encontrou. Se encontrou mesmo, profissionalmente, em relacionamento, e cresceu. Tanto que hoje ela segue em um hospital, né? Segue em um hospital. Então, realmente fechou realmente o curso dela com chave de ouro. Ela se encontrou profissionalmente, enriqueceu, realmente, a parte prática que ela não tinha, né? A parte de relacionamento também foi muito importante. Então foi tudo maravilhoso mesmo.
P/1 – Você mencionou rapidinho uma questão de pesquisa, que ela participou de uma pesquisa. Você sabe dizer um pouco melhor, o que era isso? Teve alguma publicação, esse trabalho no hospital?
R – Então, ela participou da pesquisa com neuro...
R/2 – Foi com o doutor César Branchi, a nutricionista Clara Rodrigues, com o patrocínio da Nestlé, com o espessante Thicken Up Clear, que é para pessoas que tinham problemas de disfagia. A gente começou a implantar um protocolo no hospital, de disfagia. Eu participava, como eu era contrata da Nestlé, estava dentro do hospital, e eles prorrogaram o meu estágio por conta dessa pesquisa com o espessante deles, que eles estavam patrocinando. Então, eu participava da equipe MTN do hospital, que tinha enfermeiro, nutricionista, tinha nutrólogo, tinha a fonoaudióloga. E nós começamos a desenvolver essa parte, do espessante, patrocinado pela Nestlé, nos pacientes, pra eles terem maior facilidade na deglutição, inibindo o risco de bronco-aspiração, e pela harmonia aspirativa. Nós tínhamos todo esse suporte.
P/1 – E vocês publicaram essa pesquisa, você sabe?
R/2 – Não sei se houve publicação. Então, não sei dessa parte. Eu deixei o projeto em andamento, foi quando o meu contrato acabou, mas eu participei bastante, as pesquisas, tudo. E desenvolvia também o trabalho, junto com a Nestlé.
P/1 – Pensando na família, que tem uma estudante de Nutrição, que se apaixonou pelo curso e foi seguir carreira, quero fazer uma pergunta. Tem alguma coisa desse conhecimento que a Jessica adquiriu que tenha vindo pra dentro da casa de vocês? Mudou alguma coisa na preocupação com a alimentação, a maneira como você pensa o que come, ou que vocês compram, hoje, pra casa? Teve alguma mudança nesse sentido?
R – Com certeza. Por exemplo, eu achava o leite desnatado horrível. Hoje, adoro leite desnatado, estou com adoçante (riso). Comemos muitas frutas, verduras, né? Então mudou bastante. Uns mitos que eu tinha antes, por exemplo, que beterraba tinha ferro, era bom pra anemia, ela já desmitificou. Então tem muita coisa que nós crescemos acreditando, que ela já provou que realmente não existe aquilo que nós pensávamos que era verdade, né? Tal proteína naquele alimento, que era bom pra isso, bom pra aquilo. Então, nossa, mudou muito, muito! E agora eu tenho meu netinho também, né? Então a gente se preocupa muito como ele está comendo, o que é quê tá dando pra ele. Então já evita toda aquela fase de refrigerante, de muito lanche, tem essa preocupação. Mudou muito.
P/1 – Então você acha que vocês começaram a pensar mais nisso depois da Jessica começar a estudar?
R – Com certeza, porque todas as pesquisas que ia fazendo em trabalhos, né? Sempre vem a curiosidade, né? O que quê provoca isso? O que quê deixa de fazer aquilo? Então, isso mudou muito. Nós temos que mudar mais, porque o que nós trouxemos do interior, da minha infância, por exemplo, comer sempre arroz, feijão, com carne, tem que ter a carne. Nós gostamos muito, assim, por exemplo, de torresmo. Então esse tipo de coisa ainda está, não conseguimos abandonar tudo, não, mas melhoramos a alimentação sim. Temos que melhorar ainda mais, claro. Mas melhoramos já bastante.
P/1 – Você, Regina, como mãe da Jessica, que fez parte desse programa da Nestlé, qual a importância que você vê? Se você vê alguma importância nesse programa de estágio Jovens Nutricionistas.
R – Olha, eu acho que se toda empresa ligada à área alimentícia fizesse isso, seria uma enorme contribuição para esses jovens estudantes, porque muitos estão no curso, mas não tem uma perspectiva. Quando estão formados, até agora, não se identificaram com a área que realmente querem trabalhar. E esse estágio, essa oportunidade que essa empresa Nestlé deu pra Jessica, pros jovens nutricionistas do Brasil todo, que não foi só a Jessica, foi muito importante, porque ali elas tiveram oportunidade de realmente se encontrarem, né? Tiveram a oportunidade de trabalhar já com profissionais da área, de ter ali o conhecimento mesmo da prática, e o que é que elas poderiam fazer com todos os produtos da Nestlé, com todos os suprimentos, né? É que antes nós não tínhamos noção que a Nestlé era responsável por essa área também. Quando ela entrou lá, que ela começou a me contar, eu falei: “Nossa, Jessica, a gente sempre acha que a Nestlé está ligada só a leite Ninho, chocolate, isso e aquilo”. Você não imagina que ela está dentro de um hospital, que ela faz parte, mesmo da saúde das pessoas. E tudo isso a gente só descobriu através desse projeto, então eu acho muito importante. Tomara que ela continue dando oportunidade, que outras empresas também do ramo deem oportunidade e façam esse tipo de projeto, porque é muito enriquecedor mesmo pro profissional que está iniciando, né?
P/1 – Antes das minhas duas perguntas finais, você mencionou que você é avó. Queria saber como chama o seu netinho ou netinha. Como é que é ser vó?
R – Então, meu neto é o Fabrício David, filho do Fabrício. Olha, o Fabrício David tem três anos e meio. O pai dele já tem, hoje, 27 anos. É, assim, uma experiência maravilhosa. Eu não sei te explicar a imensidão do amor, mas parece que é o amor do filho, dobrado, o que você sente pelo neto. Quando o Fabrício nasceu, o Fabrício David, eu senti... Eu senti, não! Ele é um presente de Deus pra nós, porque o meu pai faleceu dia dois de dezembro de 2009. O Fabrício David nasceu no dia três de novembro de 2010. Exatamente nessa data, dia três de novembro de 2009, foi o dia que o médico falou pra nós que o meu pai não tinha mais jeito. Meu pai faleceu com câncer no fígado. Então no Hospital de Câncer de Barretos, eu levei o meu pai pra lá, o médico falou: “Ó, pode levar pra casa, só tratamento paliativo. Ele vai demorar mais um mês. Se sentir dorzinha, dá remédio pra dor, não tem mais nada pra fazer”. Tinha dado metástase, né? E foi dia três de novembro. Foi, assim, o pior dia da minha vida (choro). Quando o médico falou aquilo, eu não aceitei, eu falei: “Não!”, porque como eu te relatei, a minha relação com o meu pai sempre foi difícil, e justamente aquele ano, ele veio pra cá, ele tinha vindo pra cá, ele passou o dia dos pais aqui. Então a gente tava se aproximando. Ele veio na minha casa, ele veio aqui! Uma coisa que nunca tinha acontecido. Conversou com meu marido, a gente pode sentar e almoçar, todo mundo junto. Então eu falei: “Não pode ser!”. Tudo bem, infelizmente, foi mesmo. Ele faleceu no dia dois de dezembro daquele ano. O médico realmente acertou. Ele demorou um mês. O meu filho, o Fabrício, ele namorava quando a Claudia, que é a esposa dele, já uns sete anos. Os dois não se preveniam, eu achava que ela não poderia engravidar, né? Mas eu tinha medo de comentar. Como eles já namoravam há muitos anos, e ela não engravidava, então eu achava que ela não poderia nem engravidar, né? Mas nunca tive coragem de falar pra ela “procura um médico pra ver o que é quê tá acontecendo”, né? Aí, tá bom. Neste ano, no início de 2010, já era noite, eu já tava até deitada, cansada, tinha chegado da escola. Meu esposo tava aqui na sala com a Jessica. O telefone tocou; era ela, contando pro meu esposo que estava grávida. Quando ele chegou ali no quarto, ele ficou assim, tão atordoado, ele falou assim: “Ana Claudia tá grávida.” Eu dei um pulo da cama, eu falei: “O quê? Ana Claudia tá grávida?”. Sabe quando te enche de felicidade? Nossa! Foi uma notícia maravilhosa, sabe? Me senti muito feliz. Na hora já liguei pra ela. E ela na época fumava, e quando ela soube que estava grávida, não fumou mais, graças a Deus. É uma menina maravilhosa, também. Eu falei: “Ai Senhor, muito obrigada!”, porque aí, até então eu tava naquele luto, né? Sem alegria, sem nada. Foi um ano até de depressão. Eu fiquei afastada do meu trabalho um bom tempo. E pra mim foi uma alegria muito grande, porque a partir daí, eu tinha um novo ser que tava vindo, eu me preocupava com enxoval, mandei bordar tudo. Quando descobriram que era menino, o meu filho que disse que ela colocasse o nome dele, só ela queria “David” também. O nome dele é Fabrício Fernando, o do filho ficou Fabrício David. Eu falei: “Não tem problema. É lindo o nome também. O importante é que venha com saúde e saudável”. Ela tinha muito medo de ter parto normal, queria cesárea também. Nós fomos num médico, no ginecologista, aí, eu falei: “Ana, se for possível, você marcar a sua cesárea, marca pro dia três de novembro, né?” Nós fomos, ela fez ultrassom, já estava dando as trinta e seis semanas, pra trinta e sete. Ela começou a inchar muito, muito, né? O médico começou a se preocupar, ela falou: “Não. Vamos marcar.” Ele queria, até, marcar antes do dia primeiro. Ela falou: “Não, doutor. Não dá pra esperar pra depois do feriado, lá pro dia três?”. Ele falou: “Tudo bem, vamos marcar pro dia três”. No dia três de novembro de 2010, o Fabrício David nasceu. Então, ele é um presente de Deus na minha vida, na vida de todos nós, que ele é uma alegria. Quando eu abro essa porta, que ele chega e fala: “Vovó Zizina”, nossa! Eu posso tá cansada, triste, parece que é uma luz que entrou, sabe? É maravilhoso. Ele é uma criança muito carinhosa, muito carismático. Ele é lindo! É um presente Deus, realmente, que veio pra me alegrar num momento tão difícil da minha vida, e de todos nós. Então, é muito bom ser avó (risos). É bom ser mãe, mas melhor ainda, ser avó, que hoje, ele tá lá na casa dele, eu vejo ele, beijo, mimo, levo pra passear. Faço tudo que a mãe não quer que faça e devolvo (riso), a responsabilidade é deles. Mas é maravilhoso, não tem palavras pra te definir o amor de vó. Se amor de mãe já não tem palavras, imagine de vó. Então, maravilhoso!
P/1 – Eu vou te fazer as duas perguntas finais de fechamento. Antes, queria saber se tem alguma coisa que a gente não perguntou e que você gostaria de deixar registrado, que você gostaria de falar.
R – Não. Eu acho que sobre a minha vida nós falamos tudo, né? Então, eu quero ressaltar o seguinte: devido eu ter amadurecido muito nova, ter começado uma vida de adulto, muito nova, aos quatorze pros quinze anos, né? Hoje eu tenho 43 anos. Me sinto, assim, muito cansada, mentalmente. Muito cansada. Mas eu sei que é toda essa sobrecarga, né? Mas, assim, não me arrependo de nada, de ter tido os meus filhos. Então, devido eu ter começado tudo muito cedo, na minha vida, então eu me sinto muito cansada. Muito cansada. Posso dizer que sou uma mulher realizada, profissionalmente. Graças a Deus, tive três filhos perfeitos, agora um neto maravilhoso. Meu casamento também que começou tão cedo, apesar das crises, né? Hoje graças a Deus, somos felizes. Uma lição de vida que eu tenho muito grande, que na época que eu sofri todo desprezo do meu pai, era o momento que eu mais precisava dele, mas não guardei mágoa. Pelo contrário, hoje eu sinto falta, queria que ele estivesse aqui. Então na minha vida, toda, o que faz mais falta é saber que eu sinto mais... (choro). Graças a Deus, a parte profissional sempre foi tudo muito bem. Estudei no interior, fui criada lá, né? Vim pra São Paulo, uma cidade muito violenta, que as pessoas têm outros valores, né? Jovens de hoje, são muitos... Como que eu posso dizer? São, assim, vazios, praticamente. Eles não têm uma perspectiva de vida. Então na vida profissional hoje, eu acho que o meu grande dilema é colocar um pouquinho na mente deles, que eles têm sim perspectiva de vida, que entre os 45 ali que estão em sala de aula, vão sair dali pessoas que vão procurar uma faculdade, que não vão seguir pra marginalidade, para as drogas. Então aqui eu me encontro, assim, com esse dilema, com esse medo. E tenho medo também, tenho medo pelo meu neto. Falar em voltar pro interior, qualidade de vida, né? Qualidade de vida, tudo de bom, você ter liberdade, você não ter tanta violência, poder sair de casa, deixar a porta encostada, né? Mas não me arrependo de ter vindo pra cá também, porque foi aqui que a minha vida realmente seguiu em frente: melhorei na parte financeira, criei os meus filhos. Graças a Deus, o Fernando também já está casado, segue a vida dele. Só tenho a Jessica solteira, que já se formou, logo mais se casa também. Então me casei muito nova, fui vó nova também, né? E estamos aí!
P/1 – A penúltima pergunta: quais são seus sonhos, hoje?
R – Os meus sonhos, hoje, é viver. Viver. Eu sempre falo pro meu esposo, quando ele tá assim: “Ai, tô cansado, não quero fazer isso, não quero sair.” Eu falo: “Não! Eu tenho que viver”. O que meu pai deixou, sabe, pra mim foi essa grande vontade de viver. Ele faleceu, ele tinha 63 anos, mas só que eu nunca tinha visto antes o meu pai resfriado, sabe? Tudo aconteceu muito rápido, como eu te contei. Setembro, ele tava aqui bem; novembro, já foi decretado que já não tinha como fazer mais nada por ele. Foi tudo muito rápido. Eu nunca tinha visto meu pai doente! Então, chegou assim a morte, pra mim foi um choque. Se eu te falar, assim, eu aceitei que eu sei que foi a vontade de Deus, que perante a doença ele não sofreu, graças a Deus por isso. Só que ele me deixou essa grande sede de viver. Então eu quero muito passear, quero viajar, quero conhecer pessoas. Não quero ficar parada e, principalmente, perder tempo com coisas pequenas como, por exemplo, com intrigas, com conversas malditas, com problemas do dia a dia, que tentam nos afligir. E a minha grande fé em Deus, né? É isso que é viver.
P/1 – E por fim, como é que foi contar a sua história?
R – Isso você já percebeu. Muito... Como que eu vou dizer? Relembrar de tudo, quando passa na nossa mente, passa num flash, né? Então, às vezes, você relembra mais os fatos bons, dos momentos felizes, por exemplo. Quando eu paro pra pensar na minha vida, eu penso, assim, eu penso nos momentos mais felizes da minha vida: o nascimento de um filho, a minha festa de 15 anos, o nascimento do meu neto, a formatura deles, e a formatura de Jessica, a festa de 15 anos dela, que foi também maravilhosa. Então a gente para pra pensar nos flashes da vida. Quando você para pra contar a sua história, traz, assim, muitas recordações, que te fazem (choro)... Dá uma tristeza, porque você ri de umas coisas, por exemplo, do correio elegante. É um momento gostoso. Agora, o meu pai, é um momento triste. Então contar a sua própria história é difícil, porque a nossa história não é escrita do jeito que nós queremos. A vida, o percurso da vida vai te levando. Então, de repente, se fosse para eu escrever a minha história, eu gostaria de ter estado mais tempo com o meu pai (voz embargada). Eu gostaria de ter sido mais filha. Filha de estar ali, junto com eles, não ter saído tão nova de casa. Então eu gostaria de ter mudado algumas coisas da minha vida, né? Mas de ter casado, de ter meus filhos, de ser professora, isso tudo eu continuaria. Mas eu teria ficado mais tempo com eles.
P/1 – Tá certo. Muito obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher