Me chamo Divina Gomes Moreira e quando tinha 03 anos Meu pai e minha mãe se mudaram do gerais, um lugar lindo cheio de rios e cachoeiras mas sem terra boa pra plantar, então por isso fomos pro assentamento próximo a Angical/Bahia. Eram muitas famílias ali, mais de mil em barracos de lona preta na beira do tanque com água cor de argila e o pé de surucu, com o tempo as famílias foram se conhecendo e criando laços e as terras abandonadas do Coronel Antônio Balbino foram ganhando vida e cor, enquanto esperávamos as viabilizaçoes do INCRA e os homens de terno vinham ver como a gente tava, a alegria de ter uma terra boa pra plantar dava esperança a todos em especial meu pai, minha mãe chorava a noite com saudade do gerais e reclamava que a água ali não era boa ( e não era mesmo) aos poucos fomos fazendo amizade... Maria de Chico, Elza de Paraná, Leide de Jair, Cumade Deuselia de cumpade Rosa, Dona Nainha, Sr Deumiro, GO, Nice, Dalva, Dona Maria das virgens, sr Nicolau, Sr carlito de Landinha São parte dos colonos velhos e de toda aquela gente que tava ali.
A vida acontecia na beira do tanque numa seca de rachar o calcanhar, mas, o pé de surucucu que é acostumado a viver na catinga parecia bem, a gente tomava banho de tanque escondido e andava a cavalo, balançava nos cipos gigantes da mata da sertaneja e fazia paneladinha no meio do mato, ria na cara da própria miséria e éramos felizes e esperançosos a nosso modo. Foi quando veio uma notícia de que o \"dono das terras\" mandaria mais de 100 jumentos pra comer a plantação dos porceiros, e assim foi feito, meu pai prendeu os jumentos com a ajuda de outros colonos mas sobrou pra ele a promessa de morte, não tardou e 03 pistoleiros vieram matar meu pai, minha mãe grávida se atirou na frente chorando e meu irmão mais novo também, eu não me lembro onde estava mas me lembro que tiveram compaixão e minha mãe chorou muito. O tempo passou e a maior reforma agrária da época foi tomando...
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Me chamo Divina Gomes Moreira e quando tinha 03 anos Meu pai e minha mãe se mudaram do gerais, um lugar lindo cheio de rios e cachoeiras mas sem terra boa pra plantar, então por isso fomos pro assentamento próximo a Angical/Bahia. Eram muitas famílias ali, mais de mil em barracos de lona preta na beira do tanque com água cor de argila e o pé de surucu, com o tempo as famílias foram se conhecendo e criando laços e as terras abandonadas do Coronel Antônio Balbino foram ganhando vida e cor, enquanto esperávamos as viabilizaçoes do INCRA e os homens de terno vinham ver como a gente tava, a alegria de ter uma terra boa pra plantar dava esperança a todos em especial meu pai, minha mãe chorava a noite com saudade do gerais e reclamava que a água ali não era boa ( e não era mesmo) aos poucos fomos fazendo amizade... Maria de Chico, Elza de Paraná, Leide de Jair, Cumade Deuselia de cumpade Rosa, Dona Nainha, Sr Deumiro, GO, Nice, Dalva, Dona Maria das virgens, sr Nicolau, Sr carlito de Landinha São parte dos colonos velhos e de toda aquela gente que tava ali.
A vida acontecia na beira do tanque numa seca de rachar o calcanhar, mas, o pé de surucucu que é acostumado a viver na catinga parecia bem, a gente tomava banho de tanque escondido e andava a cavalo, balançava nos cipos gigantes da mata da sertaneja e fazia paneladinha no meio do mato, ria na cara da própria miséria e éramos felizes e esperançosos a nosso modo. Foi quando veio uma notícia de que o \"dono das terras\" mandaria mais de 100 jumentos pra comer a plantação dos porceiros, e assim foi feito, meu pai prendeu os jumentos com a ajuda de outros colonos mas sobrou pra ele a promessa de morte, não tardou e 03 pistoleiros vieram matar meu pai, minha mãe grávida se atirou na frente chorando e meu irmão mais novo também, eu não me lembro onde estava mas me lembro que tiveram compaixão e minha mãe chorou muito. O tempo passou e a maior reforma agrária da época foi tomando forma, os homens de terno chegavam a acordos positivos, os políticos começavam a aparecer, depois de muito sofrimento, secas,colheitas ganhas e perdidas tínhamos uma conquista, lotes foram divididos, uma área pra plantar e uma parte pra preservar, uma vila se formava e as chuvas no barraco de lona não tinham estragado os livros de meu pai, cem anos de solidão era tão parecida com o vilarejo que se formava ali, uma escola e a professora era Maria Merces mãe da Débora do Pindó, um boteco de Sr Judite e Dona Nelita, pais da fia de Judite, garrote, neguinho de Judite, ném, Ester, povo quilombola, nossos vizinhos, o padre também veio e a promessa de uma igreja, enquanto isso a gente trabalhava e em como todas as camadas da sociedade ali também tinha poceiro sacada que só tava de olho nos benefícios financeiros dos proceras, de ganhar pra depois vender as terras ( mas esses não valem a pena) 39 anos depois conto essa história pelos colonos velhos que tão lá, que trabalharam e trabalham lavourando a terra até hoje, minha mãe que é uma grande líder comunitária do povoado gameleira, município de Angical Bahia, graças a pais que tinham propósito e só precisavam de um lugar pra semear os frutos vieram e o estudo também, a minha geração se formou e hoje temos orgulho de todo sacrifício e luta dos nossos pais para que pudéssemos ter um futuro melhor, o Ediney filho do GO e da Nice é biólogo, Cintia filha da Nailde assistente social, minha irmã jornalista, Simone matemática, outras ficaram ali seguindo a vida dos seus pais, plantando colhendo vivendo o ciclo da terra, eu estou no sul do país agora mas aquele lugar é minha vida de fato, onde sempre vou quando quero voltar pro ninho e de onde tiro as inspirações pra seguir semeando as boas sementes, passando fome aprendi o valor do alimento, em grupo aprendi que fica mais difícil nos derrotar, que a terra deveria ser um direito de todos, que todas aquelas famílias, meu irmão e minha mãe que estão lá e todos os colonos, principalmente os velhos são a prova viva que a reforma agrária e necessária, que até hoje a parte que ficou para o coronel, continua lá abandonada e a nossa grande reforma que se dividiu em povoados junco, arcada, santa luzia, gameleira, varjao, ouriçanga, umburussu e tantas ...um grande colégio eleitoral por políticos sedentos de votos que pouco fazem de fato pela vida daquele povo, tem tanto por fazer, poderia ser tão diferente e ainda ser melhor do que é agora mas o sistema é muito falho então aquele povo todo vive ali conformado, seus filhos ou resistem ou fogem, os homens do poder se aproveitam da situação, os gananciosos aproveitam da seca e escassez para comprar as terras dos colonos e novos minilatifundiarios vão aparecendo dentro da própria reforma agrária, é uma história longa e permanente e eu sonho com o dia em que possa voltar e tentar melhorar a vida das crianças que vivem ali agora que sou eu de 30 anos atrás, andando a cavalo em pelo, tomando banho de tanque, comendo resina de angico pra não passar fome, esperando a galinha botar pra ter uma misturinha na pratada de arroz com feijão, indo tomar banho na cacimba todo mundo junto final do dia, eu sinto cheiro da lavoura, do gado bebendo a primeira água no tanque do poço artesiano, eu sinto o cheiro e o gosto do entardecer, quando depois de muitos dias sem chuva as primeiras gostas de água naquele chão seco trazia um cheiro gostoso da terra, sinto falta de bater feijão com cambão, de ver Nice enrolando fuma, Dona Santa fritando bofe, dos dedos finos de Dona nelita acariciando meu cabelo, dos bolos de Dona Elza, do sorriso de Almir balaio, eu sinto vontade de contar a história toda mas já chorei tanto e tenho pouco tempo hoje. Eu sinto vontade principalmente de voltar lá correndo e dizer a todos eles que são minha família, minha grande família e o melhor que eu já vivi, eu desejo que todos tenham direito a terra e a andar de pés no chão com a cabeça erguida e eu gostaria que meu pai fosse vivo pra ver nossa gameleira com energia elétrica e Lula presidente 03 vezes, ele lutou tanto por isso. Acredito tanto que ele faria a reforma agrária ser uma realidade livre do preconceito, muitas famílias só precisam de uma oportunidade e todos que conseguiram a terra e permanecem ali são o exemplo de que oportunidades transformam.
Quase 40 anos depois e muitos colonos ainda não conseguiram os títulos da terra, os projetos funcionam em parte e eu como parte desse movimento só queria saber quais as ferramentas pra enfrentar o sistema e viabilizar a melhoria da gameleira e todos os outros povoados, eu sonho com o dia em que eu possa voltar e de algum modo retribuir e continuar plantando as sementes que são guardadas e replantadas desde que tudo começou.
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