O carro finalmente estacionou. Ao desligar o motor, um silêncio ensurdecedor tomou conta de tudo, imediatamente o automóvel ainda deu seu último suspiro, rrrrrrá - a catraca do freio de mão. Era noite na fazenda, a temperatura agradável fazia roçar uma leve brisa no meu rosto, úmido de suor pelo cansaço da viagem. Estiquei as pernas e os braços para tonificar a musculatura e novamente agredi o respeitável silêncio com estalos produzidos por minhas juntas.
Saíram da varanda o Sr. Osmar e a dona Amélia. Hospitaleiros, gente boa como só no interior ainda podemos ver. Vieram ao nosso encontro felizes, de braços abertos. Esperavam-nos com o jantar em cima do fogão à lenha, que a essa altura apenas conservava o calor. O aroma era encantador. Após a tradicional visita ao toalete, nos assentamos e a dona Amélia foi colocando o jantar à mesa. Fui o último a entrar na cozinha e, nesse momento, alguém já levantava uma concha fumegante do caldeirão contendo caldo de feijão bem espesso e fios de couve que saíam pendurados, equilibrando-se pela concha numa viagem até o prato. Para acompanhar tínhamos pão caseiro e couve-flor empanada. Não sei como dona Amélia conseguia fritar pedaços tão grandes, cozinhando por dentro sem queimar por fora.
Na parte da noite que me restava antes de dormir, saí à varanda para contemplar o silêncio ornamentado por agradáveis cantos de grilo, o luar e as estrelas. Na cidade sofremos essa carência. O silêncio em particular é algo que em momento algum podemos desfrutar.
Na manhã seguinte fui acordado pelo aroma de café fresco que ecoava por todos os cantos da casa penetrando até nos menores orifícios como, por exemplo, nossas narinas. Do meu quarto, o único som que se podia ouvir era o tilintar da colher que ao adoçar o café bate às paredes do bule – além, é claro, do pesado som da cachoeira.
-CACHOEIRA?, Tomei um susto ao constatar - Como pode ter hoje uma ruidosa cachoeira, se ontem a melhor...
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O carro finalmente estacionou. Ao desligar o motor, um silêncio ensurdecedor tomou conta de tudo, imediatamente o automóvel ainda deu seu último suspiro, rrrrrrá - a catraca do freio de mão. Era noite na fazenda, a temperatura agradável fazia roçar uma leve brisa no meu rosto, úmido de suor pelo cansaço da viagem. Estiquei as pernas e os braços para tonificar a musculatura e novamente agredi o respeitável silêncio com estalos produzidos por minhas juntas.
Saíram da varanda o Sr. Osmar e a dona Amélia. Hospitaleiros, gente boa como só no interior ainda podemos ver. Vieram ao nosso encontro felizes, de braços abertos. Esperavam-nos com o jantar em cima do fogão à lenha, que a essa altura apenas conservava o calor. O aroma era encantador. Após a tradicional visita ao toalete, nos assentamos e a dona Amélia foi colocando o jantar à mesa. Fui o último a entrar na cozinha e, nesse momento, alguém já levantava uma concha fumegante do caldeirão contendo caldo de feijão bem espesso e fios de couve que saíam pendurados, equilibrando-se pela concha numa viagem até o prato. Para acompanhar tínhamos pão caseiro e couve-flor empanada. Não sei como dona Amélia conseguia fritar pedaços tão grandes, cozinhando por dentro sem queimar por fora.
Na parte da noite que me restava antes de dormir, saí à varanda para contemplar o silêncio ornamentado por agradáveis cantos de grilo, o luar e as estrelas. Na cidade sofremos essa carência. O silêncio em particular é algo que em momento algum podemos desfrutar.
Na manhã seguinte fui acordado pelo aroma de café fresco que ecoava por todos os cantos da casa penetrando até nos menores orifícios como, por exemplo, nossas narinas. Do meu quarto, o único som que se podia ouvir era o tilintar da colher que ao adoçar o café bate às paredes do bule – além, é claro, do pesado som da cachoeira.
-CACHOEIRA?, Tomei um susto ao constatar - Como pode ter hoje uma ruidosa cachoeira, se ontem a melhor coisa que fiz foi curtir o silêncio Sentado na cama, ainda de pijama, fiquei tentando decifrar o enigma. Talvez fosse imaginação minha, na realidade eu não estaria ouvindo cachoeira nenhuma. Tirei o pijama e sentei novamente, de cueca, na cama. Com o queixo apoiado aos dois punhos e os cotovelos no joelho pensei, não, não...Não estou maluco Esse som é de água Muita água e o manancial deve estar há uns 200m daqui. Mas como pode, ainda ontem há noite não existia? Já sei, deve ser uma represa... Sim... Uma represa e ontem à noite estava fechada Mas será que é assim que funciona uma represa? De repente ela fica fechada sem nenhuma vazão? Não... Ah Já sei, estamos numa fazenda e isso só pode ser aqueles esguichos de irrigação...Também não isso produziria um som de chuva e não de cachoeira. Bom deixe-me largar de besteira, agora, no café eu pergunto ao seu Osmar e fim do problema... Mas e se ele... Mas e se ele me responder: “- Que cachoeira, moço? – Eu não estou ouvindo cachoeira alguma”. Aí vou receber meu atestado de insanidade. Para não pagar nenhum mico, após o café eu saio à procura da cachoeira e resolvo isso sozinho, ou eu acabo com o mistério ou se volto para São Paulo e me interno.
Fui para a cozinha e já no caminho ouvi o estalar de um pão fresco sob o corte de uma faca de serra, minha primeira visão, ao entrar foi a fatia se abrindo, pondo à amostra o miolo branco somado a uma tênue e quase transparente fumaça que aparece pelo tempo suficiente para dar o recado do pão “Estou deliciosamente quente”, de imediato, alguém com um naco de manteiga na ponta da faca espalha pela fatia que imediatamente desaparece derretida pelo calor. Na ponta da grande mesa de madeira, de pés torneados e malhada pelo tempo, está o “seu” Osmar. – Bom dia, Roberto, dormiu bem? – Sim Sr.
Enquanto comíamos, ele percebeu que eu me mantinha em silêncio.
- Roberto, você não vai me perguntar nada não? Todos perguntam.
Senti um alívio enorme, percebi que alguma explicação tinha. Eu não estava ficando louco.
- Olha, eu não ia perguntar nada não, mas a sua colocação me deixa mais à vontade:
- Isso é uma...Uma cachoeira? Apontando para cima de meu ombro falei baixinho meio sem jeito, quase sussurrando.
- “Que cachoeira o que, rapaz, ocê é memo caipira da cidade. Aqui é uma granja, e isso é galinha tem mais de duas mir cabeça. De manhã elas canta tudo junto pra botá”.
(Escrito em São Paulo, em 7 de outubro de 2005. Enviado ao Museu da Pessoa em julho de 2008.)
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