Projeto: A Economia Solidária na Vida das Pessoas
Entrevista de Francisca Eliane de Lima
Entrevistada por Lucas Torigoe
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Mossoró), 19/05/2023
Entrevista n.º: IPS_HV008
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 – A gente sempre começa com uma pergunta muito complicada, que é a seguinte: qual é o seu nome completo? Quando você nasceu? E em que cidade, por favor?
R – Meu nome é Francisca Eliana de Lima, eu nasci no dia 24 de abril de 1973. E eu sou de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte.
P/1 – Neneide, você ouviu falar da história de quando você nasceu, ou de como é que foi a sua gestação? Seus pais falaram, alguém da sua família te falou sobre isso?
R – Sim! Eu nasci em casa, eu não nasci na maternidade, eu nasci, minha mãe teve eu em casa. O período de gestação… Eu tenho um irmão, já tenho irmão antes, que nasceu primeiro que eu. E minha mãe teve um caso com meu pai, não era casada. O primeiro marido dela é uma história muito engraçada, é muito popular dizer isso, ela casou também muito cedo, com dezessete anos. Quando meu irmão, com quatorze dias de nascido, o pai dele sumiu, nunca mais voltou. E aí, mamãe teve um caso com meu pai, depois de cinco anos do meu irmão ter nascido. E aí, minha mãe teve um caso com meu pai e me teve. Meu pai tinha outra família e eu não fui criada com ele. Eu lembro muito da minha infância, mamãe trabalhando, mamãe trabalhava numa tecelagem em Mossoró. E meu irmão que sempre ia me deixar na escola, eu lembro, assim, vagamente que meu irmão ia me deixar na creche. E mamãe colocava uma pessoa para cuidar da gente, para ela poder trabalhar, para poder sustentar eu e meu irmão. Eu lembro muito disso! E quando eu tinha 5 anos, minha mãe casou de novo. Meu irmão já tinha 10, meu irmão já trabalhava e ele já não quis, não aceitava o casamento da minha mãe, ele foi morar com a minha avó, porque ele não queria que minha mãe casasse...
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Entrevista de Francisca Eliane de Lima
Entrevistada por Lucas Torigoe
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Mossoró), 19/05/2023
Entrevista n.º: IPS_HV008
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 – A gente sempre começa com uma pergunta muito complicada, que é a seguinte: qual é o seu nome completo? Quando você nasceu? E em que cidade, por favor?
R – Meu nome é Francisca Eliana de Lima, eu nasci no dia 24 de abril de 1973. E eu sou de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte.
P/1 – Neneide, você ouviu falar da história de quando você nasceu, ou de como é que foi a sua gestação? Seus pais falaram, alguém da sua família te falou sobre isso?
R – Sim! Eu nasci em casa, eu não nasci na maternidade, eu nasci, minha mãe teve eu em casa. O período de gestação… Eu tenho um irmão, já tenho irmão antes, que nasceu primeiro que eu. E minha mãe teve um caso com meu pai, não era casada. O primeiro marido dela é uma história muito engraçada, é muito popular dizer isso, ela casou também muito cedo, com dezessete anos. Quando meu irmão, com quatorze dias de nascido, o pai dele sumiu, nunca mais voltou. E aí, mamãe teve um caso com meu pai, depois de cinco anos do meu irmão ter nascido. E aí, minha mãe teve um caso com meu pai e me teve. Meu pai tinha outra família e eu não fui criada com ele. Eu lembro muito da minha infância, mamãe trabalhando, mamãe trabalhava numa tecelagem em Mossoró. E meu irmão que sempre ia me deixar na escola, eu lembro, assim, vagamente que meu irmão ia me deixar na creche. E mamãe colocava uma pessoa para cuidar da gente, para ela poder trabalhar, para poder sustentar eu e meu irmão. Eu lembro muito disso! E quando eu tinha 5 anos, minha mãe casou de novo. Meu irmão já tinha 10, meu irmão já trabalhava e ele já não quis, não aceitava o casamento da minha mãe, ele foi morar com a minha avó, porque ele não queria que minha mãe casasse com essa pessoa, que ela vive até hoje, que já faz mais de 40 anos. Que eu completei 50 agora, eu tinha cinco anos, já fazem 45 anos que ela é casada com ele. E aí, a minha família morava muito fora daqui do Estado do Rio Grande do Norte, uma outra tia minha levou a família por parte da minha mãe todinha. E só ficou a minha mãe e um tio. Então a gente… família por parte de pai, tudo morava no Pará, em Altamira, fora daqui, do Estado do Rio Grande do Norte, só ficou a gente. E aí meu irmão foi embora, depois, para também morar com a minha família por parte de mãe. E eu fiquei só com a minha mãe e com meu padrasto. E é uma coisa muito engraçada na minha vida, que eu nunca chamei ele de pai. E até os meus filhos e a família dele, tudinho chama ele de Didi, e eu nunca chamei, eu chamo ele pelo nome, sempre chamei ele de Luiz. Eu nunca chamei ele de pai, nunca chamei pelo nome que o povo chama de carinho, Didi, eu nunca chamei ele, sempre chamei ele de Luiz, o meu padrasto. Eu lembro vagamente, não lembro desse período. Eu lembro de histórias que minha mãe contava, que meu irmão contava. E lembro dessa parte de quando mamãe casou de novo. E como mamãe veio da Agricultura também, ela trabalhou muito tempo na agricultura. E esse meu padrasto também vem da agricultura, eles plantavam em terras de outras pessoas. E aí tinha essa história de estar plantando em terras de outras pessoas, morava na cidade, mas plantava em terras de outras pessoas, sempre teve essa perna na agricultura. Eu não sei se eu vou… eu deixo você ir perguntando, né?
P/1 – Não, fica à vontade! Eu só fiquei curioso, por que que você não chama ele de pai ou de Didi, como é que é a relação de vocês?
R – Até hoje eu não entendo. Eu sou adulta, já! Já tenho 50 anos. Eu fui para morar com ele e sempre foi um casamento muito de turbulência. Minha mãe era muito mais jovem de que ele, eu lembro que meu irmão não foi, porque o meu irmão não aceitava. Então, assim, eu não sei porque eu não chamo ele, nunca chama ele de pai, eu não entendo, até hoje, eu não entendo! Eu não sei se eu criei uma distância entre a gente. Logo minha mãe foi muito, assim: nos meus filhos ninguém toca! Então ela sempre deixou limite nisso também, na relação dela. Então, ela sempre me protegeu bastante. Como eu sempre considerei que ela era meu pai e minha mãe. E meu pai na época era vivo, porque meu pai agora já é morto, mas antes dele morrer, ele ia muito me ver. E ele era muito doido para levar e minha mãe dizia, eu lembro também, que minha mãe dizia, ele vai dar banho em você com água quente, ficava inventando as coisas para eu também não ir embora. E aí eu não sei, acho que eu não criei referências, não criei referência dele como pai.
P/1 – Qual era o nome da sua mãe, completo? E você falar um pouquinho dela para mim, a história dela, como que ela é?
R – É Antônia Ozanete de Lima Oliveira. Ela veio da agricultura e veio para cidade, com dois filhos, como eu já falei. E ela casou com esse segundo marido dela, é agricultor também. Ela e ele trabalhavam muito na agricultura, em terra de outras pessoas. Ela é considerada hoje uma liderança, num assentamento, onde teve vários mandatos de presidente da comunidade do assentamento. Sempre quando, na luta pela terra, as pessoas queriam, os donos da fazenda, quando ia tirar ela, ela dizia sempre que______ era feita para homens e mulheres, ela estava ali porque aquela terra era improdutiva e ela estava ali porque queria produzir e queria tirar o sustento da terra. Então, eu considero ela uma pessoa… por mais que ela tenha começado a trabalhar com 8 anos na agricultura, de enxada. Ela tem muita dor hoje, ela já tem 72 anos, então ela sente muitas dores, no braço, de ter começado a trabalhar muito cedo na agricultura. E também de ter criado dois filhos sozinha, então eu considero ela uma pessoa muito importante.
P/1 – Pelo que eu entendi, ela, para você é uma referência, mas vocês não concordam com muitas coisas, é isso?
R – Isso! Nós somos muito diferentes em pensamentos, hoje. Claro que ela viveu em outra época, vem de outro mundo, também de outra história de vida. E acho que ela não teve a oportunidade que eu tive politicamente, de participar de espaço de construção política. O que eu tive, que eu aprendi outras coisas _______ por ela não ter essa oportunidade. Ela é analfabeta, ela só sabe escrever o nome dela. Às vezes eu brinco com ela e digo que ela sabe ler, porque se ela pegar a lista das pessoas todinha do assentamento, ela sabe quem é o nome de todo mundo. E aí, eu acho que ela tem facilidade com matemática, com números. Mas ela é uma pessoa, que ela não teve oportunidade de estudar, ela começou a trabalhar muito cedo na vida. Então, eu acho que é isso também, assim. Não é porque ela quis, foi o que ela aprendeu, foi a vivência no mundo dela, diferente das oportunidades que eu tive.
P/1 – Me fala um pouquinho sobre isso Neneide, você falou que o seu irmão levava você para creche, então desde sempre o seu padrasto, a sua mãe, queriam que você estudasse, é isso?
R – Sim! Eu sempre fui uma pessoa…. Eu comecei a ir para creche cedo, comecei a estudar. Antes de casar, porque eu casei com 15 anos, então não tive adolescência. Então, assim, eu estudei até a quinta série, na juventude. Para mamãe, foi um impacto muito forte, eu ter deixado, parado os estudos, porque como ela queria me dar tudo. Meu pai me dava pensão! O dinheiro da pensão ela comprava as coisas para mim, e não utilizava para coisas para casa e nem para ela, era voltado para mim. Ela dizia sempre que o dinheiro era meu mesmo, para comprar as coisas para escola, para eu estudar. E eu saí! Hoje, assim, eu reconheço. Eu caí na besteira de casar com 15 anos. E aí, na verdade eu casei com 14, tive o meu primeiro filho com 15. E mamãe teve que falar com o juiz para fazer o meu casamento, porque eu dizia que se ela não fizesse eu fugia, eu ia embora. E como o meu ex-marido, era da agricultura também, juntou muito essa história da gente também ir para o assentamento, eu fui muito cedo, e já com filho. Aí pronto! Eu não lembro dessa parte! Eu lembro dessa parte de adolescência, de creche, lembro dessa parte de estudar, já primeiro, segundo, terceiro, quinto ano e pronto! E casamento______ eu brincava de boneca na verdade, cuidando dos filhos. De 3 em 3 anos, eu tinha um, tive um com 15, tive um com 18, tive um com 21. Então, eu já tive a minha última no assentamento, então eu passei a minha adolescência… até essa parte dos meus três filhos, foi muito voltada para essa coisa da submissão, do cuidado com a casa, quando eu entrei no assentamento. Então, assim, eu só lembro dessas coisas da minha infância, eu lembro disso que falei e já lembro do casamento. Eu não tive pré-adolescência, eu não tive adolescência, porque eu já fui ser mãe. Então, eu lembro muito dessa vida sofrida do assentamento, de quando chegar lá e o barraco, de quando a gente foi. A gente não teve dinheiro nem para comprar as telhas para botar no barraco, para tampar com lona. E minha mãe sempre foi minha referência, porque quando ela foi mais meu padrasto, meu padrasto já era assentado, então ele praticamente contribuia, trabalha com coisa_________ de chuva para poder ter feijão, para poder ter milho. E eu e ele, dois jovens, tinha muita força de vontade e de trabalho, porque nós era jovens. Então, assim, a gente construiu o nosso barraco, a gente que fez as nossas coisas, porque a gente tinha muita força de trabalho, por ser dois jovens. Então, eu me lembro muito dessa parte. Quando eu falo politicamente e formação, não é formação escolar, é oportunidade. Assim, corta um pouco dessa história da minha adolescência. Aí eu vou falar já de vida adulta, com 15 anos, 16 anos, mas de vida adulta. Nesse processo, meu pai morreu, e aí depois de 10 anos, minha família por parte de pai, foi atrás de mim, quis me conhecer. E aí foi eles que me ajudaram no assentamento. E assim, nós não tínhamos condições, como eu falei, de comprar, nem de fazer o barraco. E aí eles deram, na época, um jumento, um burro, que a gente chama e uma carroça, que era para o meu esposo poder fazer, na época fazia carvão. A gente tirava para poder plantar milho e feijão, sobrava lenha, não era desmatar para fazer carvão_________ A gente limpou uma área para plantar feijão, aquela lenha fazia carvão para vender, para comprar o que a gente não tinha. Então a gente vivia muito disso. Foi muito minha família também, por parte de pai, que ajudou a gente. Além de mamãe, meu padrasto também sempre contribuiu com a gente. E aí passou muito tempo no assentamento, para poder sair o primeiro investimento, para poder fazer a casa, para poder fazer a cerca. E a gente vai fazendo essas coisas, por ser jovem, sem ter recurso, sem sair, a gente foi trabalhando na terra, ajeitando a terra da gente. E nesse processo, mamãe, Francisca Lube e outras mulheres do assentamento, foram convidadas para participar do encontro das Trabalhadoras Rurais, de mulheres. E aí eu não podia ir, porque na época eu já tinha três filhos pequenos, e eu não tinha condições de sair, que era que nem tatu, um atrás do outro. Elas foram e elas vieram… Não existia agrovila, a casa ainda era nu, a gente ainda morava no jockey, na terra. E aí elas vieram nesse intuito, viram que tinha outros grupos de mulheres, de outros assentamentos, na época, foi convidado teve o sindicato dos trabalhadores rurais e pelo Centro 8 de Março, que é uma instituição que existe hoje ainda aqui, de Mossoró, que o nome agora é Centro Feminista 8 de Março, na época era o 8 de Março. E aí elas vieram nesse intuito de formar um grupo de mulheres no assentamento. E aí eu não participava, porque eu não tinha como participar, era uma mãe que não participava. Um dia estava acontecendo uma formação, eu ia passando com os três meninos. E aí uma das mulheres que estava facilitando, me chamou e perguntou por que que eu não estava participando. Eu disse que eu não podia porque eu tinha três meninos, ela disse que os meninos não era motivo, podia armar rede lá no galpão, que podia da papel para um ficar riscando e a de braço podia ficar no meu peito mamando, podia ficar lá, eu podia ficar com ela no colo. E foi aí que eu tive a oportunidade de começar a participar de formação. E de entender que a vida não era só aquilo que eu estava vivendo, que eu podia ter outros horizontes, a realidade de outras mulheres, que eu podia mudar a minha vida a partir das organizações, a partir do _______assentamento. Eu me lembro________dessa parte da minha vida. Às vezes a gente diz assim, o que você passou de sofrimento você esquece, o que passou de bom, a gente lembra, ou vice-versa. E eu acho que eu perdi muito essa parte da minha adolescência. Então, eu não lembro muito dessa parte de 15, de 14, 16. Eu lembro que eu fui mãe! E era como se eu tivesse brincando de boneca. Então, eu acho que eu não me lembro muito de como foi o meu processo de 15 anos até eu entrar no curso de mulheres e ter um nome no assentamento. O nome de mulheres______ Então, para mim, a minha vida começou em 95, quando eu comecei a participar do grupo de mulheres_______ no assentamento. Porque essa parte, eu lembro desde a infância, da creche, lembro do processo da escola, primeiro, segundo, terceiro e quinto ano, que eu brincava quadrilha, que eu era uma pessoa extrovertida, que eu brincava muito. E de repente______ Eu não sei que paixão e que coisa foi essa que eu resolvi tanto mudar minha vida. Quando eu falo da história do meu padrasto, eu não lembro de coisas que ele fazia comigo, ou se ele fazia alguma coisa, não lembro. Assim, não é isso, mas acho que a minha mãe tinha uma vida muito ruim com ele, ele bebia muito, ele empatava ela de ir em reunião, me lembro vagamente. Me lembro que por isso meu irmão não quis ficar com a gente, porque não concordava. Então, eu acho que essa coisa também, é tipo assim,______ um ambiente que estava te fazendo mal, que você não tinha mais o seu irmão que cuidava de você, você via a situação que a sua mãe estava passando. E aí o negócio era assim, tipo assim, eu vou… um refúgio, é como se aquilo… eu queria sair daquele mundo, eu acho que… E por isso que eu não me lembro muito, eu acho, que eu cortei da minha memória, da minha lembrança, eu acho que isso tem muito a ver com esse processo, não sei se é isso, porque eu não lembro, é isso que eu estou dizendo, eu não lembro, então não sei se é isso. E quando eu vou para o assentamento, essa história, assim, meu marido também… Como é que é uma adolescente, de 15 anos, que tem uma vida boa, que estuda, que saí, minha mãe fazia tudo que eu queria, não sei se era para compensar também alguma coisa. Mas eu lembro que ela me dava tudo que eu queria. Quis casar com 15 anos! É isso que eu não entendo! E casa com uma pessoa, aqui em Mossoró, na época também de coisas muito ruins, porque eu morava num bairro periférico. Então, assim, eu lembro que emergência_____ E o meu ex-marido, que eu fui casada 15 anos, que é o pai dos meus filhos, ele vem de uma cidadezinha do Rio Grande do Norte e também era agricultor e que veio para Mossoró por falta de trabalho, de emprego______ E como é que uma adolescente de 15 anos quer casar com uma pessoa assim, que não tinha nada, e que depois a gente vai para um assentamento. Então eu não entendo aquilo, o motivo de uma adolescente como eu, querer mudar a vida e querer casar com 15 anos, pela vida que eu lembro, que externamente era boa. Então, assim, eu não entendo, até hoje, então, eu não sei! Quando a gente vai para o assentamento, meu marido é agricultor, era o que ele sabia fazer também, meu ex-marido, porque eu nasci na cidade, era na cidade e depois, com 18 anos, que eu vou para o assentamento, depois de três anos que a gente está casado, que eu vou para o assentamento. E lá a gente chega sem condições nenhuma. E é muito parte de ajuda da minha família e ele praticamente passou a fazer parte da nossa família também. Porque ele morava numa cidadezinha pequena aqui do Estado do Rio Grande do Norte, então, eu lembro dessas coisas na minha vida.
P/1 – Eu queria só antes de continuar, já na vida no assentamento, só que você desse os detalhes para a gente sobre que bairro que você morava, que cidade que o seu marido veio, como é que vocês se conheceram. E também porque que tinha assentamentos aí perto de Mossoró, qual que era a história dessas pessoas, enfim, como é que é esse contexto aí?
R – Eu morava no Santo Antônio, que é um bairro, Santo Antônio do Bom Jardim,o povo chama. E meu marido veio de Serra Caiada, não é Serra Talhada, é Caiada mesmo, porque eu acho que o nome, Presidente Juscelino. Ele veio para a casa do irmão do meu padrasto, que a gente morava tudo junto. E esse irmão do meu padrasto, ele tinha, nessa cidade…
P/1 – Podemos voltar então Neneide. Eu só perguntei sobre o contexto pra gente deixar registrado aqui, você falou do Bairro, estava falando do seu bairro, pode continuar, por favor.
R – E aí, o meu esposo é de uma cidade chamada Serra Caiada, Presidente Juscelino. E ele veio para casa de um primo, que era o irmão do meu padrasto, que era de uma família lá dessa cidade. E ele veio junto com o filho dele. E aí eu conheci ele quando ele veio passar um período nessa casa do irmão do meu padrasto. E aí a gente tinha aqui próximo de Mossoró… Aqui na cidade de Mossoró tem cento e poucos assentamentos. E minha mãe produzia, plantava, já na terra que era um assentamento, que chamava favela, que favela é de uma planta, o nome de uma planta. E esse assentamento favela, tinha essa terra improdutiva, que era empostada a ela, que ela saía, pulava a cerca e produzia nessa terra improdutiva, que o nome é Mumuzinho. Minha mãe começou lá em 91, começaram a ocupar e vinha gente de todas as regiões, para ocupar também, vinha gente de toda, não é só gente de Mossoró, uma cidade aqui chamada Angico, tem gente de la, gente de todo canto que vinha em busca, que era agricultor, em busca de terra improdutiva. A gente não teve… não é uma luta do MST e nem foi, era uma luta muito das pessoas que queriam produzir, se uniram para ocupar essa terra. Eu fui para ela em 92. Eu fui em 92! Na verdade eu fui em 91, passar um dia no barraco da minha mãe, quando eu botei a minha filha no chão, começou a vim cobra de todo canto. Aí eu disse: nunca mais eu venho aqui! Quando foi no outro ano eu fui de vez. Mas é assim né. A gente não tinha onde morar também, porque a gente morava num quartinho perto da casa da minha mãe, então a gente não tinha casa, quando a gente casou. Então, o assentamento foi onde a gente teve uma casa, um barraco e depois pode ter a nossa casa.
P/1 – E vocês quando se assentaram, conta para mim, como é que foi construir a casa? Você já falou um pouquinho, mas como é que foi construir a casa? O que que vocês plantavam? O que o pessoal do assentamento plantava em geral? Como é que vocês sobreviviam? Vendiam as coisas, enfim?
R – Quando eu fui para o assentamento, como eu já falei, a gente tinha que construir o barraco para poder ficar ali enquanto a terra não era desapropriada, enquanto o governo não negociava com o dono. Porque muita gente acha que a reforma agrária a gente toma a terra dos outros, isso não é verdade! Quando o dono da terra não quer vender a terra, ele não faz negócio com o estado e as pessoas têm que sair, que está ocupando. Enquanto a gente está ocupando, tem as negociações do estado com o dono da terra. E depois a Terra é paga! E nós pagamos depois também. Então, não é, ninguém toma a terra de ninguém. A gente ocupa uma terra improdutiva. Então, essa terra estava parada há muito tempo, a gente começou a ocupar, a gente faz os barracos e depois, enquanto o Estado está negociando com o dono da terra, enquanto não haja uma negociação, não tem a divisão dos lotes. Então você ocupa aquela terra. Então, na ocupação da terra, a gente começa a plantar milho, feijão. A gente quando está fazendo isso, vai fazendo carvão, as coisas daquela lenha que a gente vai tirando para sobreviver. E era assim que eu e meu marido sobrevivia, plantando milho, feijão, a gente guardava para comer, quando não tinha chuva e fazia o carvão para comprar as outras coisas que a gente não tinha. Então, a gente não tinha água, então a gente ia buscar água numa cacimba, muito distante. A gente tomava lama fervida, a gente fervia a água do açude, aquela nata subia e a gente tomava aquela água que fervia, para poder a gente sobreviver no assentamento. Então, tem muito sofrimento, é uma coisa muito, assim, é para gente realmente que não tem nada, não tem casa, que não tem como sobreviver, que vem de agricultura. Então, como meu marido, meu ex-marido, era da agricultura, era o que a gente sabia fazer. Então, era alternativa que a gente tinha de sobreviver, tanto ele, como minha mãe, como meu padrasto. E lá, nessa época da ocupação, a gente se ajudava, a comunidade se ajudava. Então, assim, quem não tinha uma carroça, pegava a carroça do vizinho. Quem não tinha um tambor, usava o tambor para buscar água na cacimba de outra pessoa. Então, existe uma coisa coletiva, nessa ocupação que a gente fica nos ajudando. E aí, só foi desapropriada a terra para fazer agrovila, acho que em 96, que a gente começou a dividir os lotes. Aí a gente não ficou na terra onde a gente tinha começado, na divisão dos lotes a gente foi para outro canto, então a gente já podia cercar, a divisão a gente já podia fazer, foi quando saiu o primeiro PRONAF, que é o PRONAF ______, que a gente chama. Que o PRONAF é uma linha de crédito onde você faz a cerca, onde você prepara sua terra para poder você ter uma produção ali naquela sua terra. Só que a gente, por ser jovem, a gente já tinha área desmatada, a gente já tinha a madeira de fazer a cerca, a gente precisou só comprar o arame. O que foi que a gente fez, como não existia nem uma mercearia, coisas que as pessoas podiam comprar, o dinheiro que a gente recebeu, por a gente já ter as coisas prontas, ele investiu em colocar uma mercearia no assentamento. E aí, a gente começou a mudar de vida, minha família. Mas foi uma mudança que foi boa e ao mesmo tempo foi ruim, porque ele começou a ganhar muito dinheiro e começou a farrear muito, começou beber muito e foi quando a gente começou ter um processo também de desandar a nossa família. Era um processo bom, mas ao mesmo tempo um processo ruim. E assim, uma coisa do assentamento também, é que nós mulheres, não podia participar das assembleias, quem era o titular da terra era só o homem, as mulheres não eram titulares. A minha mãe era, porque o meu padrasto era aposentado, a terra não poderia ser no nome dele, foi no nome dela. Aí, no meu caso, a terra era no nome dele, não era no meu nome. E aí ele que participava das assembleias, ele que decidia qual o crédito que queria, decidia tudo, eu não tinha poder de fazer nada. Que foi aí que em 95 para 96, quando começou a fazer Agrovila, foi quando também… em 95 teve a primeira reunião do grupo de mulheres, em 96 foi quando eu entrei no grupo de mulheres, naquilo que eu já falei, onde eu tive oportunidade de participar. E aí, eu pude perceber que existia várias mulheres organizadas e eu comecei a me informar. E uma das primeiras coisas que a gente fez do assentamento foi provocar que as mulheres também pudessem ser sócias da associação e que as mulheres pudessem também decidir os créditos, investimento, também que viessem para o assentamento. Como era que a gente conseguia isso? Aprovando uma assembleia. E aí a gente disse: quem é que decide? São os nossos maridos! Então, a gente tem que fazer o convencimento em casa, para quando chegar na assembleia eles decidirem e apoiar. E a gente vai para o lado dizendo que para poder a gente ter direito de se aposentar, para poder a gente ter direito de outras coisas. Que se a gente não fosse sócia não tinha. E a gente conseguiu. o Centro Feminista 8 de março, junto com o Sindicato. A gente fez uma assembleia no assentamento e conseguiu que as mulheres fossem sócias e que elas também tivessem direito a voto. E foi aí que eu comecei a participar do assentamento, porque eu participava do assentamento só do trabalho, mas o meu trabalho não era visto e nem era valorizado, porque era como se eu não fosse dona da terra, quem era era o homem. E aí quando foi em 2000, a gente começou, em 97, a gente reivindicou que o Centro Feminista 8 de Março, fizesse um encontro de trabalhadores rurais, onde o tema foi geração de renda para as mulheres. E aí em 2000, a gente formou. Nessa época, a gente já fazia economia solidária, desde a construção do assentamento, quando a gente formou o grupo de mulheres_____ Só que a gente não sabia que era a economia solidária, porque a gente aqui sempre discutia grupo de mulheres, o grupo informal. E a gente precisava gerar renda entre a gente. E aí foi quando a gente criou, a gente pediu para que a gente também tivesse um espaço coletivo, onde a gente fizesse a geração de renda e a gente pudesse ter uma área que a gente pudesse ser das mulheres. E aí o Centro Feminista fez um encontro, chamou mulheres de todos os assentamentos e comunidades rurais. E chamou instituições que poderia financiar a produção. E foi quando uma instituição, na época chamada Garra Brasil, se interessou muito pelo grupo de mulheres_________ Era um grupo organizado, um grupo que discutia, a gente se reunia bastante para discutir o assentamento, para discutir geração de renda, para discutir várias coisas. Direito, saúde da mulher. E aí a gente também começou a pautar essa entidade, o Centro Feminista 8 de Março, dizia, assim: ó, vocês precisam dentro da sua estrutura criar, também não ter só assistente social que disputa organização, mas que disputa a terra, que tenha assistência técnica na produção. E aí, na época, a gente fez uma parceria… a gente provocava, também ia atrás. E eu comecei também me informar, participar. Em 2000, a Marcha Mundial de Mulheres veio para o Brasil, por foi em 97, mas no Brasil foi em 2000. E a gente começou a perceber que além do Estado do Rio Grande do Norte, existiam mulheres em outros países, existia mulheres em outros estados que passavam pela mesma dificuldade que a gente passava, simplesmente pelo fato de ser mulher. E aí a gente começou também trocar e ter experiências que a gente poderia fazer para transformar nossa vida. E quando eu digo que eu sou diferente de mamãe, porque mamãe não foi, mamãe ficou. E eu que fui, comecei a participar desses debates, de sair do assentamento, participar de reuniões, de entender. Isso muito a partir, levando uma relação. Isso que eu disse, assim: eu comecei a participar das coisas e meu marido começou, assim… Então, as pessoas diziam: mas por que você vai para aquela área de produção coletiva? Porque quando essa instituição, ela se interessou para apoiar o grupo de mulheres, a gente foi trabalhar com hortaliças agroecológicas. A gente foi trabalhar com hortaliça, a gente pensou em fazer várias coisas, pensou em trabalhar com doces, mas as frutas iam ser produzidas pelos homens, então a gente não queria que aquela produção nossa dependesse da dos homens. E a gente, não, isso não dá certo! Foi inventar a experiência de criação de galinhas, foi quando a gente resolveu produzir hortaliças orgânicas, hortaliças agroecológicas, porque era diferente do mercado convencional, e era uma coisa que não ia prejudicar nossa vida e nossa saúde. E aí o povo do assentamento dizia, assim: mas por que você vai ali com aquelas mulheres? Acordar cedo para poder fazer as coisas domésticas. Que era uma área coletiva. Se você tem uma mercearia. Que já tinha crescido muito no assentamento, eu e meu marido, a gente tinha uma mercearia que cresceu muito. Eu dizia, porque não é minha! Porque eu quero ter o meu dinheiro! Porque ele não deixava eu fazer o que eu queria, não faltava comer dentro de casa para os meus filhos, mas eu não tinha autonomia de decidir, porque era como se fosse dele. Então, eu queria ter algo meu! O meu dinheiro, era uma coisa que eu vinha construindo com o grupo de mulheres. E aí a gente começou a produzir hortaliças, a gente começou a entregar cesta de hortaliças para um grupo de consumidores em Mossoró. A gente chegou a ter 50 variedades de hortaliças e raízes, frutas. A gente criou nossos filhos dentro da horta. E eu também comecei a estudar. Eu voltei a estudar também, terminei até o segundo grau. Mesmo estudando na mesma sala do meu filho, indo no mesmo ônibus, eu saía cedo e vinha. Nesse processo eu fui terminando também os meus estudos. Então, assim, eu lembro muito assim. Então, pra mim, a minha parte de vida hoje, é o grupo de mulheres_______ Porque foi quando eu me fortaleci como mulher e foi quem me fez transformar a minha vida e está se transformando até hoje. E aí a gente começou a trabalhar com sistema de produção integral, onde tinha horta, fruta, mas também tem abelha, a gente é apicultura, tem abelha. E também, a gente, na época, sugeriu trabalhar com cabra leiteira, mas a gente hoje não tem mais. A gente tem um Gold, que é um grupo de poupança, onde a gente poupa também o dinheiro onde a gente investe nas nossas coisas individuais e também no coletivo. Então, até hoje tem um grupo de mulheres.
P/1 – Agora me diz uma coisa, lá no assentamento, no grupo de mulheres, de onde que veio essas ideias, essas informações? Porque eu olhando daqui, não parece muito óbvio que vocês iam ir nessa direção, tomar essas escolhas, assim, de vamos fazer, por exemplo, uma economia Integrada. De onde surgiu, quem pensava essas coisas, como é que vocês discutiam essas ideias? Me fala um pouquinho das pessoas que estavam junto com você nessa época, para criar essas soluções. Antes da economia solidária. Você falou que a gente fazia economia solidária, mas não era esse nome. Enfim, achei interessante isso.
R – Essa entidade, o Centro Feminista 8 de Março. Porque foi essa instituição… Quando a gente foi convidada pelo sindicato dos trabalhadores rurais, que a gente é sócia, que é ligado a CONTAG, movimento sindical. Que a gente diz, que a gente foi para esse encontro fora, que a gente veio com essa iniciativa de formar um grupo de mulheres na comunidade, de lutar pelo direito da mulher, saúde da mulher. E aí, quando a gente veio com esse intuito, a gente convidou o 8 de Março, que discutia o direito da mulher, os deveres, que fazia reunião com a gente. E essa instituição existe ainda hoje, o nome é Centro feminista 8 de Março, é trabalhar só nessa lógica de organizar as mulheres. Então, a gente tinha reunião mensal, por isso que até hoje, a gente luta e eu sou fruto disso, de uma assistência técnica específica para mulheres. Porque pelo assentamento, passou várias assistências técnicas, para discutir a produção. Mas assistência técnica específica para as mulheres, são de escuta com nós mulheres, as nossas necessidades, o que a gente precisa para romper com aquela bolha da porteira para dentro, para poder você sair da porteira para fora, foi essa instituição que eu comecei a participar e ver também em 2000 que existe outras mulheres, não só no Brasil, mas em outros países também, que passavam pelas mesmas dificuldades. Claro, que cada uma com a sua dificuldade local, as mulheres lá na guerra, as mulheres com impactos das grandes empresas, quando chegam. E também de assentamento como a gente por ter direito a terra. Isso foi gerando pauta também! Eu costumo dizer que a gente só rompe com processo que a gente vive, se a gente tiver na rua lutando pelo que a gente acredita, seja na marcha mundial de mulheres, seja no movimento da economia solidária, seja no movimento de agroecologia, seja no grito da terra, seja na marcha das Margaridas. Mas também na construção da política pública. Se você tiver no conceito da economia solidária, se você tiver no conceito de desenvolvimento local. Você tem que estar no espaço do eco, do grito, mas também tem que estar no espaço da política pública. Então, eu acho que o centro feminista… quando a gente criou, começou a produzir hortaliças, a gente começou a fazer aquele papel de formiguinha. E quem era o nosso elo na cidade, era o Centro Feminista, que começou a falar com o Centro Terra Viva, com a Visão Mundial, com as universidades, com os médicos. Aonde elas circulavam, para dizer que existia um grupo de mulheres que produziam e precisavam de alguém que consumisse aqueles produtos. E com a ideia de um produto de valorização do trabalho das mulheres, com a ideia de um produto livre de veneno. Então, foi aí que a gente começou a criar as cestas. E criou a Associação dos Parceiros da Terra, onde a gente pudesse estar entregando e em troca eles pagavam com a moeda para a gente comprar o que a gente não tinha. E na época a gente ganhava R$70,00, quando dividia, a gente tirava as despesas. E o povo dizia, mas vocês morrem ali naquela horta para tirar R$70,00 mensais. A gente dizia o R$70,00 é para comprar o chinelo, mas o essencial é a feira que a gente tira lá de dentro, a gente tira a fruta, a gente tira verdura, a gente tira o grão. Então, tudo que a gente produzia lá, era o nosso alimento, não era monetário, não era o valor do dinheiro. Era também a terapia que a gente tinha lá, quando a gente sentava a gente falava sobre as nossas vidas. Muitas vezes eu também tirava lá da mercearia, coisas para levar para as outras mulheres, que eu sabia que elas não tinham o que comer. E a gente criava nossos filhos com as nossas verduras, com as frutas. E na primeira atividade que eu fui fora, que eu fiquei num hotel. Aí eu disse… veio o café da manhã, o povo dos hotéis come o que a gente tem, come o mel, come as coisas que eu produzo. Eu achava que ele comia coisas diferentes do que eu tinha. Então, a gente começou também, junto com o Centro Feminista, ô, isso que eu tenho, que eu deixo de comprar, também é monetário, ele também é dinheiro que eu deixo de gastar, é a galinha, é o ovo, é o mel, é hortaliça, é o feijão. Então, se eu produzo, eu deixo de comprar. Isso também vira moeda. E que a gente às vezes não contabiliza. Não era só aqueles R$70,00, era muito mais coisas que a gente tinha por trás.
46:54 - E liberdade, né?
R – Fora também da liberdade, fora também da escolha do direito de comer, de não ser padronizado, não ser só aquilo que o mercado convencional oferece. Mas a gente tem escolhas, da soberania, até da nossa própria alimentação.
P/1 – Isso foi tudo antes do primeiro governo Lula, toda essa movimentação?
R – Essa instituição, ela tinha muita, o Centro Feminista, na época, recebia muito dinheiro de financiadores de fora do Brasil. Aí vem começar Lula, no primeiro governo popular, em 2003. Aí muda a realidade, não só do grupo de mulheres, mas do próprio assentamento. Aquela história da falta da água, a gente começou a ter luz para todos. Eu costumo dizer, que no meu barraco, as minhas filhas e eu______ por causa da lamparina. E aí a gente começou a ter luz para todos nos assentamentos. A gente começou a ter água, porque era na cacimba. O assentamento todo mudar, os carros de linha, para a gente pegar um carro de linha no assentamento para vim para a cidade, a gente andava muito a pé. E aí começou a ter carro de linha, as pessoas começaram a ter moto, começou a ter muitos acessos, dentro da própria comunidade. E aí em 2003, a gente cria o espaço de comercialização solidária Xique Xique, também em Mossoró. A gente entregava as cestas de hortaliças em garagem dessas instituições. E aí em 2013, a gente constrói o nosso próprio espaço de comercialização. E em 2004, a gente cria a rede Xique Xique. A gente cria as feiras agroecológicas, eu antes era da coordenação extra de mulheres trabalhadoras rurais. Eu comecei a ter um destaque, eu ia se reunir com as mulheres nas comunidades, nas comissões de mulheres dos sindicatos. Eu já fazia um trabalho de multiplicadora de outras mulheres. E aí, a partir de eu estar na coordenação das mulheres trabalhadoras rurais. Eu também tinha um acento onde discutia assistência técnica, que era o MIA, que tinha assistência técnica para todos os assentamentos. E eu discutia, tem que ter específica para as mulheres. E aí a gente foi organizando para ter _____conjunta, entre homens e mulheres. Foi participando de outras coisas e teve o destaque no governo popular.
P/1 – Vamos tratar, então, dessa outra parte, digamos assim. Como é que foi estabelecer a rede Xique Xique? Por que que ela é uma rede? Por que que tem esse nome, também seria legal você falar porque vocês escolheram esse nome? Enfim, se puder contextualizar para quem for ver mais tarde essa entrevista também conhecer.
R – Quando a gente começou a discutir um espaço de comercialização solidária, a gente começou a pensar também que nome a gente daria a esse espaço, a gente dizia que a gente tinha que ter uma coisa que ela fosse… pensado um nome onde fosse representativo para o que a gente vive no semiárido. Aí o povo diz, assim: Xique de Chica! Não, é Xique de cacto, é Xique de resistência, Xique de resistir a sol, de alimento para muita gente, que alimenta os animais, Xique de… A gente pode passar por maior dificuldade, seja de sol, seja de chuva, mas a gente está ali firme e forte. Então, o nome Xique Xique, é dos nossos cactos, do Xique Xique que alimentou muita gente no período de seca e que até hoje alimenta muitos animais. E que a gente queria algo que nos representasse, era uma coisa de resistência também da luta das mulheres, resistência também de várias coisas que a gente acredita. E aí, a gente dizia muito, assim, para criar esse espaço, esse nome Xique Xique, a gente também precisa decidir qual o norte. O que que a gente quer? E aí, quando a gente criou o espaço, a gente quer só trazer produtos, trazer produtos de outros municípios______ Mossoró, a gente não quer, a gente quer também que naqueles municípios pequenos, eles também tenham produtos da agropecuária, que as pessoas também tivessem oportunidade de comer_______ E aí foi quando a gente também discutiu que a gente precisava criar uma rede, a gente tinha um ponto de comercialização solidária e que a gente precisava criar nós, que era os seres agroecológicos dos municípios pequenos. E a gente começou a discutir, a gente precisa discutir uma autogestão, então a gente tem… O que que nos guia, o que é que diz, assim, o nosso horizonte é isso? Precisava ter produto com a base agroecológica, que fosse livre de veneno. A agroecologia é um norte, que a gente tem como proteção do meio ambiente e trabalhar a questão econômica, de trabalhar a questão ambiental. A gente tinha a discussão da economia solidária, porque a gente dizia, assim, a gente não quer também qualquer tipo de economia, é uma economia que é o dinheiro por dinheiro? Porque a gente quer ganhar muito dinheiro! Não, a gente quer uma economia onde respeite os costumes locais, antes do dinheiro a gente pensa nas vidas das pessoas e que a parte maior é que a gente trabalhe em coletivo e seja transparente e seja democrático. Que a gente quando for discutir uma feira, a gente não tenha… que você vá numa barraca, que o preço do óleo do coentro é R$ 1,00 e que você chegue na outra… que não tenha uma oferecendo por 50 centavos e a outra por R$ 1,00, que não tenha disputa dentro da feira. Mas que essa gestão coletiva e transparente, ela seja comum para todo mundo. E não é só montar uma barraca e cada um se vira, mas que a gente se vira junto, a gente discuti o preço junto, que junto a gente discute como vai ser a relação, como vai ser a limpeza. Então, que a gente tenha muita transparência. E não poderia deixar de ter a discussão do feminismo, porque a gente entende também que a rede das mulheres é muito fruto do grupo de mulheres organizadas. E que não basta a gente ter um produto livre de veneno________ que a gente precisava criar uma rede, onde a gente fosse vigilantes de nós mesmos, onde não existisse exploração do trabalho infantil, onde não existisse uma violência… “Ah, mas numa rede que tem 400 mil pessoas, não existe violência?” É claro, a gente vive numa sociedade capitalista, mas nós somos vigilantes. Então a gente precisava dizer, olha, a gente defende isso daqui! A gente precisava ter uma carta de princípio, onde a gente dissesse, é isso que a gente defende! É isso que a gente quer chegar! Então, a gente precisa estar junto_____ A gente precisa ter um processo de certificação participativa, mas que não é qualquer tipo de qualificação, a gente precisava dizer, construímos no governo Lula a lei dos orgânicos. Então, dentro da leis dos orgânicos, precisava ter lá, agroecologia, biodinâmica, precisava dizer dentro dessa lei, que também existia um processo de certificação participativa, é tanto que hoje a rede é credenciada_____ Que não era uma auditoria que vinha de lá um auditor dizer que a nossa prática é ou não, mas que nós pudéssemos afirmar isso, que nós tivesse a certificação de pares, que um olhasse, que um fizesse para outro. Então, para hoje ser o que a gente é, a gente precisava dar o norte e saber______ E não poderia deixar, uma coisa muito forte, vem sendo construído hoje dentro da rede Xique Xique, que a discussão da juventude, envolver a juventude. Também porque nós passamos, eu completei 50 anos. Então, tem que ter pessoas_____ Então, a gente tem que trabalhar junto com a juventude, para também não acabar com tudo isso que a gente vem construído. Então, tem muito isso hoje na rede Xique Xique.
P/1 – Vou pegar desse ponto que você acabou de falar, da juventude. É óbvio que tem essa preocupação da sucessão, de continuar, mas vocês têm tido dificuldades com a juventude, deles se interessarem em manter a rede, de se interessarem a trabalhar no campo, ou não? Como é que está essa juventude de hoje? Se você puder dar um exemplo para gente.
R – Hoje, um trabalho que a gente vem fazendo muito forte na rede Xique Xique, é porque a gente sabe que… a dificuldade hoje é muito grande, assim, hoje você vai numa comunidade rural, você vai num assentamento, você vê o filho trabalhando no vizinho, mas não vê ele trabalhando na sua propriedade. Porque o vizinho paga e o pai não paga. Então, trabalho que a gente faz hoje na rede Xique Xique, é dizer, assim, olha, para poder a gente manter os jovens, a gente tem que mensurar qual o valor do trabalho deles, qual o valor que a gente dá_______ de alimento. Tudo bem, ele contribui! Mas se ele precisa também de levar a namorada para um canto, precisa comprar um tênis, precisa comprar coisas que eles têm necessidades. Então, esse é um trabalho que a gente faz muito forte, além também de um trabalho de dizer, assim, você vai fazer faculdade? Você quer ir fazer faculdade, seja de agronomia, seja administrativo… As cooperativas, ou a própria unidade produtiva, precisa disso! Precisa de um agrônomo, precisa de uma pessoa que entenda de administração, precisa de uma pessoa que entenda de marketing, que elabore rótulos. Então, assim, não é só trabalhar na enxada, agricultura hoje, não é só você ir lá fazer um buraco, cavar. E outra coisa que a gente tem hoje trabalhado bastante, marketing e formadoras de mão de obra._______ Para incentivar também a juventude, hoje o Governo do Estado está com uma parceria muito forte com a China, para desenvolver equipamentos e instrumentos, tanto para as mulheres como para a juventude. Então, para sair daquela lógica de dizer assim, agricultor, agricultura, só é aquela pessoa que está lá com a enxada e que tem que plantar e tem que colher, existem outras alternativas. Por que que só o agronegócio pode ter essas coisas? A gente não quer copiar, não quer aqueles maquinários grandes, a gente quer coisas que nos adequem a nossa realidade. A gente vem trabalhando muito forte, recentemente acabou agora, mas a gente quer que continue essa parceria, a gente está com um projeto______ um projeto de expressão Rural, onde a gente teve alguns apoios. Hoje, a minha filha faz essa parte administrativa também, aqui da cooperativa, tem filha que faz essa parte também de beneficiamento. Hoje o grupo das mulheres têm uma estrutura, tem uma unidade de polpa, que já tem a cooperativa_____ Nós temos uma unidade de polpa lá no assentamento, e o grupo de mulheres que coordena, e cada uma tem uma equipe que trabalha. Então, assim, tem muitas coisas que avançaram de lá para cá.
P/1 – Nessa sua última fala, já começou a estruturar bem como é que funciona a rede, você falou do nome e do funcionamento dela. Queria que você contasse para mim agora, como é que foi o contato com a economia solidária? Com a teoria, com as pessoas da economia solidária, eu imagino, formadores também. E com as políticas da economia solidária, que começaram muito nos primeiros governos Lula. Como é que vocês encontraram com essas pessoas, com essas ideias? Como é que foi esse encontro?
R – Em 2006, a rede Xique Xique, que eu não falei disso, ela surge, esse espaço de comercialização, a criação da rede, ela já parte daquele coisa de só discutir com as mulheres, que era só o centro feminista, para discutir uma construção de um espaço de comercialização, com outras famílias e com outras pessoas. Porque a rede, ela não é só de mulheres, é mista, tem homens e mulheres. Então, a gente vem para roda, Centro Terra Viva, Visão Mundial, os sindicatos de Agricultura Familiar de outros municípios. A Visão Mundial foi quem bancou um ano, através da Visão Mundial, que tem uma política aqui no estado. Não sei se vocês já ouviram falar que a Visão Mundial era apadrinhamento de crianças. E aí, dentro do apadrinhamento, tem uma discussão que é discussão de geração de renda nas áreas, então trabalhar família. E quando a Visão Mundial fazia isso através dos federais, que é o programa de desenvolvimento de área. E aqui em Mossoró, tem um PDA que é chamado Margarida Alves, que é o PDA que trabalha, é o grupo de mulheres, grupo de mulheres em ação, que fazia esse apadrinhamento. E aí vários PDA e alguns municípios de Mossoró, foi quem bancou esse primeiro ano da estrutura do espaço de comercialização________ Para a primeira atividade do fórum Potiguara da economia solidária, foi a Ação Mundial. A primeira reunião, que foi em 2006, do espaço de comercialização, ele surge em 2003, a gente cria a rede em 2004, junto à criação da rede, a gente também cria a associação Xique Xique. Que era o braço jurídico da rede, que era uma associação. E aí de 2005 para 2006, a gente começa a participar, se encontrar no debate da economia solidária, o fórum Potiguara da economia solidária. E aí foi quando a gente começou. Em 2006 também tem um deputado, que era mineiro, na época, que criou a primeira lei da economia solidária, também aqui no estado, no fórum discutia essa lei da economia solidária. E aí foi quando a gente foi se encontrando também com as ________. A gente começou a participar, a rede começou a ter acento no conselho, na direção do fórum, começou a participar do Fórum Brasileiro. A gente foi criando espaço, a rede ficou na coordenação regional, até chegar na coordenação do fórum brasileiro da economia solidária. E a gente foi se encontrando na política e na construção também. E aí a gente foi se destacando também no conselho da economia solidária e fazendo parte dessa dimensão mais nacional.
P/1 – O que o Conselho, o Fórum ajudou vocês, na trajetória da rede, como é que ajudou, tanto no sentido de teoria, de prática, de conexões, conta para mim isso?
R – Eu vou voltar só um pouquinho atrás, para dizer da minha vida. Isso eu fui crescendo politicamente, nesses espaços de representação política. E lá no assentamento, meu companheiro, como eu disse, teve uma concepção também de mudança de vida, eu comecei a crescer como uma liderança no assentamento, na comunidade, as pessoas me admiravam pela pessoa que eu era, até hoje, o grupo precisa vencer. E o meu marido, ele foi perdendo tudo que ele foi construindo, pela vida que ele foi trilhando, os caminhos e as pessoas, “ah, mas você se separou por conta do movimento”. Não, eu me separei por conta dele. E foi muito antes de eu crescer politicamente, ele já veio destruindo a nossa relação. Então, eu acabei, depois de 20 anos a gente se separou e faz 15 anos que nós somos divorciados. E eu fui tomando um rumo, e eu fui sendo um liderança, indo muito com a liderança, representando a rede como uma liderança nacional. Então, eu entrei na primeira que teve, quando foi construído o primeiro governo Lula, foi criando linhas de ações Brasil local, eu comecei ser uma agente do Brasil local, depois que era TV Bele. Depois foi ter uma chamada de redes, eu comecei participar como agente, a rede Xique Xique, desenvolveu, teve um projeto que foi do Cadesol, do comércio justo, a rede executou um projeto nacional, de assistência técnica. Teve______ teve várias ações que o nosso querido Paul Singer, que é guardado nos corações de todo mundo da economia solidária, pela visão que ele tinha de desenvolvimento e pelo que ele representava na economia solidária para a gente. Foi entrando ele também como secretário e foi tendo várias ações. E minhas também, seja de formação, de capacitação. E também a gente desenvolvendo algumas ações na economia solidária, como os convites de comercialização. Aí foi tendo a rede da economia, foi tendo projeto específico, que era com as Comunidades Quilombolas e para as mulheres. E aí, eu fui muito engajado para esse lado, desse projeto com as mulheres, que era Brasil local com a economia solidária. A gente foi criando, criou a RESF, que a rede de economia solidaria feminista, através da economia solidária. E nisso também, na construção, no crescimento da plenária da economia solidária, das conferências também, foi tendo várias linhas e várias ações também que a gente foi crescendo e fortalecendo o movimento da economia solidária.
P/1 – Quando se apresenta esse conceito, essas palavras, a economia solidária para vocês? Como é que vocês receberam isso? Você falou, a gente já fazia economia solidária, mas não sabia, ou não chamava desse jeito, como vocês ouviram essas palavras, eu imagino que a figura do professor Paul Singer, deu liga, vocês pensaram, é mais ou menos isso mesmo, é isso mesmo que a gente faz. Como é que foi esse contato? Esses primeiros contatos?
R – Porque assim, quando começou a discutir o conceito, e até hoje é muito difícil para gente que fala em grupo de mulheres, falar empreendimento, que para a gente, empreendimento, empreendedor, é falar de algo individual, é você… é coisa grande. É tanto que hoje a gente fala empreendimento, mas a gente fala muito mais grupo. Mas a gente começou a ter o conceito, a gente começou a perceber que o que a gente fazia, quando dizia, a economia solidária e pensar na história dos bancos comunitários, na recuperação das empresas, na discussão do trabalho coletivo. Que era realmente o que a gente fazia. Era discutir essa relação de troca. Então, a gente já fazia isso no assentamento. A gente já fazer isso, quando a gente matava um bicho, um animal para nos alimentar, a gente dividia com todo mundo da comunidade. Hoje é o dia de eu matar uma ovelha, aí o outro dividia para todo mundo, naquele sábado o outro fazia isso, sabe. Quando eu não tenho uma fruta, a outra tem a fruta, trocar fruta pela fruta. Então essa discussão de desenvolvimento e dessa relação em comunidade, a gente já fazia. E o Paul Singer falava muito nisso, ele falava muito, quando ele falava das empresas recuperadas, do trabalho de autogestão, dos próprios trabalhadores, isso era muito forte na fala dele, do desenvolvimento territorial, quando o lucro não estava em cima, era o primeiro fator, mas tinha a vida das pessoas. A gente foi começando a perceber que parte de tudo que a gente fazia, que era muito parecido com conceito, e era, parecido não, era o que falava com o conceito, do que define o que é economia solidária. Então a gente começou a perceber, dizia, isso aí é o que eu faço! Isso aí eu já faço! Pois é essa economia aí que eu acredito! Essa economia que eu quero para minha vida! Então, a gente foi se identificando muito. E aí foi construído algo em cima disso que a gente acredita. Tipo, assim, o povo diz, ah economia solidária, quando fala, assim, é uma utopia de vida, é como se tivesse muito distante. Eu não considero! pelo contrário, é o que mais se aproxima do que a gente defende. Porque é uma utopia de vida, mas também é uma coisa que a gente já faz na prática. Então, eu acho que quando você escolhe, dizer assim, hoje o mercado formal ele não cabe todo mundo e o Paul Singer dizia muito isso. Mercado formal não cabe todo mundo. Então, a gente tem que achar um mecanismo de sobrevivência no meio do sistema. Então, se juntar para fazer algo coletivo, é também proporcionar um trabalho para as pessoas. Então, eu acho que é isso! É assim, é um conceito a partir de uma realidade local, não é realidade aqui nas comunidades Ribeirinha, nas comunidades indígenas, comunidades nos assentamentos, acontece.
P/1 – E você e o pessoal da rede Xique Xique, tiveram contato direto com o professor? Como é que você lembra da figura dele?
R – Eu tive muito, porque eu representava muito a rede, aqui a gente dividia muitas as tarefas, por mais que eu fosse muito voltada a agroecologia, porque eu trabalho no sistema de produção integrada, eu construí a lei junto com outras pessoas, o Gal, a Ana, mas eu militei muito na economia solidária. Então como eu representava o Nordeste no fórum Brasileiro de economia solidária, eu tive o privilégio de estar muito presente na própria rede feminista, nos seminários e ele tinha muito prazer de estar junto com a gente, porque ele sabia como era importante fazer com que as mulheres fosse visibilizadas, o trabalho das mulheres. Então, eu tive muita oportunidade de estar com ele. Seja na feira lá de Santa Maria, seja na própria SENAES. Muita importância, assim, a visão dele no desenvolvimento local, porque ele compreendia sobre economia solidária. Eu lembro que foi uma pessoa muito inteligente, que você via ele ali, baixar a cabeça e fechar os olhos, como se estivesse dormindo, mas quando abria a boca, sabia de tudo que a gente estava falando. E era como se ele tivesse colocando na mente dele tudo que a gente estava ali e quando abria a boca, saía coisas. “Ele não tava de cabeça baixa? Ele tava escutando tudo que a gente dizia?” Então, assim, eu lembro dele como uma pessoa muito importante para a gente construir a economia solidária, até hoje.
P/1 – E durante a existência da SENAES, vocês puderam se inserir, não só no centro de discussão de debates com fóruns e conselhos, mas vocês tiveram acesso a linhas de política públicas, alguma linha de crédito, alguma formação, durante esse período, ou não?
R – Sim! Tem uma coisa, que eu acho que a gente não construiu, políticas estruturantes, de dizer assim, ficou coisa física, que é coisa que pega. Mas com certeza, se a gente não tivesse tido a formação que a gente teve na economia solidária e nas políticas públicas da SENAES, durante, a gente não teria sobrevivido a 2 anos de pandemia, a quatro anos de governo Bolsonaro. Eu acho, que isso foi fruto do processo que a gente teve de formação e de autoorganização, seja através do_____, seja através da rede feminista, que executa o projeto, seja através do projeto de rede dos territórios. Todas as linhas que teve de ações da SENAES, ela fortalecer o nosso processo de auto-organização. Tanto que o embate que o movimento da economia solidária sofreu foi muito forte. Um desmonte das políticas públicas, principalmente da economia solidária. Eu acho, que a gente não estaria de pé.
P/1 – Me conta uma coisa, hoje você falou, a gente tem 400 mil pessoas envolvidas na rede Xique Xique. Me conta como ela está estruturada hoje? Depois que você falou dos quatro anos do governo anterior, como é que vocês estão funcionando hoje? Quem são essas pessoas que estão envolvidas? Como é que está estruturada a rede? Eu sei que você já falou sobre isso, mas só para a gente fixar uma última vez aqui.
R – Eu costumo dizer que a rede hoje ela é amém! Ela forma, ela ajuda, ela capacita. E nós temos um braço jurídico, que é associação, que antes do golpe e da pandemia, a gente viveu muito através dessa associação, que era quem elaborava projetos, quem criava parcerias, tanto projeto com a própria SENAES, que era o projeto_______ e outras entidades que a gente sempre teve parceria. E a gente em 2012, a gente criou a Cooperxique, que é o nosso braço comercial. Então, a Cooperxique vivia muito do fruto da associação. E com o golpe e com a pandemia, foi o contrário, quem mantém a rede Xique Xique, viva e em pé, até hoje, é a cooperativa. Porque é através de quê, das compras institucionais, muita a partir também do golpe, desses quatro anos e do processo de pandemia, por a gente ter no estado uma governadora do PT e popular, enquanto não existia políticas nacionais, a gente tinha uma governadora, que reconheceu e criou uma secretaria de agricultura familiar, aqui no Estado do Rio Grande do Norte, que é a sedraf, que juntou a isso, existe uma parlamentar, também do PT, uma deputada que criou uma lei específica, que a fecap, compras institucionais do estado, tudo que o estado comprar diretamente e indiretamente, tem que ser 30, 40, 50% da Agricultura Familiar. Então, a gente sobreviveu muito através disso. Hoje nós temos uma… a Cooperxique é filiada a uma central de cooperativas, que hoje na presidência, que é a Federação UNICAP, onde a gente tem 11 cooperativas, que no processo de pandemia, a gente saiu de uma venda de 100 mil mensal, que era entrega de cestas, vendas diretamente ao consumidor_____ institucional vender um milhão e meio, 1 milhão e 600. Então, assim, foi um salto de vendas muito forte. E hoje a gente consegue, hoje, fornece para restaurantes populares, para exército, para aeronáutica, para a marinha, para escolas. Hoje a gente está fechando um contrato também, com os hospitais. Então, assim, a gente cresceu muito. No processo de pandemia, a rede Xique Xique, por estar executando um projeto junto à Fundação Banco do Brasil, em 2000, quando começou, a gente realizou o nosso sonho, que foi sair do aluguel e construir a nossa sede. Então, nós temos uma bodega, onde é um centro de multiuso, aqui, onde funciona o nosso escritório. E por estar nesse projeto, quando começou a pandemia, a fundação Banco do Brasil, teve várias ações________ Então, a gente vendeu mais de 4 mil cestas, na primeira ação, da Agricultura Familiar. E aí, baseado nessa experiência, o Governo do Estado comprou da Cooperxique 5.000 cestas para as comunidades quilombolas, todas 100% da agricultura familiar. Enquanto outros estados, com o desmonte, entregava o cartão para as famílias comprarem no supermercado. O estado do Rio Grande do Norte, por ter uma lei comprou todos os kits. Então, a gente vendeu 27 toneladas de arroz, não sei quantas mil toneladas de feijão. Então, a gente vendeu muito para o estado. Então, a gente cresceu bastante nessa parte econômica, de vendas pela cooperativa. Saiu muito dessa história da parceria de projeto, para a gente poder ter linha específica para comercialização de políticas estruturantes nessa parte de acesso ao mercado. Aqui no Estado do Rio Grande do Norte. Isso vale nacionalmente? Hoje com o fórum Nordeste, de secretário______ tem se articulado bastante, construído políticas públicas para o nordeste todo. E nós estamos muito à frente também, junto a UNICAD nacional. Então, a gente vem construindo demanda de acesso ao mercado, de formação. Então, a gente está crescendo bastante. E a Cooperxique tem muito mais salinhas, assim, nós não nos filiamos a o _____, porque a gente acredita no movimento de cooperativas, por isso que a gente está na UNICAD, porque a gente acredita no movimento de cooperativas da economia solidária. Não diferente! Então, a gente tem muita clareza no que a gente defende, no que a gente acredita.
P/1 – Eu queria, agora, que a gente voltasse só um pouquinho para sua… um pouco mais da sua vida pessoal durante esse período, acho que a gente se interessa, aqui no museu a gente se interessa muito por isso também. Você ter falado de toda a trajetória da rede, da cooperativa. Me fala um pouquinho também das mudanças que você teve na sua vida, você falou da sua separação. Me fala um pouquinho… como é que você vê a mudança que você teve com a rede Xique Xique? Me fala um pouquinho dos seus filhos também, como é que eles estão hoje, o que eles estão fazendo, qual que nome deles também, por favor?
R – Foi um momento bem difícil, assim, o meu processo de separação, até porque… nessa parte que pega. Mas assim, porque a gente foi construindo vidas muito… E as pessoas dizem, mas você se separou. Assim, ele não proibia que eu viajasse, não era mal do movimento. Minha mãe sempre questionava muito, porque eu saía muito e minha filha mais nova, na época, eu comecei a viajar muito, ela era pequena e ele que ficava. E eu acho que foi a relação mesmo com essas coisas, eu acho que no assentamento as pessoas sabiam também, as pessoas eram amigas dele pelo dinheiro e era amiga… Ele dizia, mas porque você tem relação? Quando ele começou a perder também as coisas, acabar muito com as coisas, ele dizia, você ainda é amiga daquela pessoa? Porque as pessoas gostavam de mim pelo que eu era, não era pelo que eu tinha. E ele construiu uma relação muito diferente com o assentamento. Então, quando a gente separou, pelo o que ele fazia, ele saía hoje, ele passava dois, três dias para voltar. Bebia, eu não sabia notícia, que ele com dinheiro fazia, ficava farreando, o povo encontrava ele dormindo no meio da rua,_________ no meio da estrada do assentamento pegando fogo, que ele comprava outra nova. Então, tinha muita essa história do poder.
P/1 – Se você puder voltar do ponto que você falou que o seu marido começou a beber muito, saia de casa não voltava em 3 dias, estava na rua, enfim, por favor!
R – E aí, ele saia muito e o povo da comunidade percebia também o que eu sofria, o que eu passava. Às vezes quando eu viajava, minha mãe não tinha sossego, porque ele saía e eu ficava muito agoniada, viajando com ele aprontando as coisas na comunidade. Então, a gente saiu da comunidade, passou um ano fora do assentamento. Teve um dia que eu disse, ó, eu vou voltar, eu vou voltar porque lá que está minha vida. E aí a gente já tinha acabado com a mercearia, ele não teve como recompor e ele perguntava porque eu continuava falando com as pessoas. Para ter uma ideia, ele tinha recebido um investimento de agricultura e ele ficava trocando o lote, trocando as casas, eu não tinha direito de optar. E aí teve um dia que eu chorei bastante nesse dia, porque eu apicultura, eu criava já abelha, já desenvolvia um trabalho, ele vendeu macacão, vendeu as coisas e eu atrás das coisas e ele não deixou nada para mim. Aí as pessoas ficam muito perguntando, quando você separou… O povo diz que é modo o movimento, porque a gente participa de movimento de mulheres. Mas não era, foi ele que fez isso! Não foi por causa do movimento, não foi o movimento que fez a gente se separar. Num belo dia, o meu filho, o nome dele é… o mais velho, Natalino Robson. Eu sempre tive muito leite, eu sempre dava muito de mamar e os meu filhos sempre… Um nascia com o outro mamando. E aí, para desafastar, quando a minha filha nasceu, o meu filho de mamar, minha mãe ficou com o meu filho um tempo. E ele se acostumou muito morar com a minha mãe. Então, meu filho mais velho, minha mãe disse que é dela, porque ele sempre morou com ela. Só que a gente também nunca desgrudou, sempre morava muito junto. Então, não era uma coisa que eu dei ele para ela, sempre morava perto, então ele morava sempre com as duas. E aí meu filho também casou jovem, eu tive a minha primeira neta, eu tinha 35 anos, quando a minha primeira neta nasceu. Então, quando ela estava com nove dias, teve uma vaquejada lá no assentamento, e aí, eu não ia, porque a minha nora estava de resguardo em casa, e aí as minhas meninas se ajeitaram para ir, uma filha, a do meio, é Roberta Nayara e a menor, a outra mais jovem, é Nara Rafaele. Eu fui lá onde estava as madrinhas delas, lá no assentamento, que elas vendiam lá na festa, confeito, essas coisas, bala, não sei como vocês chamam aí. Aí, eu fui dizer, olha, toma de conta das minhas filhas. Quando eu voltei ele não estava mais. E aí eu fiquei imaginando para onde ele tinha ido, liguei para minha mãe, para saber se ele estava por lá. Eu achando que ele tava lá olhando o coisa, só que ele sumiu! Ele passou 7 dias sem dar notícias, sem saber, ninguém sabia onde ele tava. Quando foi depois de 7 dias ele voltou, como se nada tivesse acontecido. Eu disse que eu não queria mais! Aí foi onde a gente separou. Ele ficou dentro de casa, bebia, eu ficava com as meninas, fechava a porta do quarto, com medo, de ele querer… porque eu dizia que eu não queria mais ele, e ele dizia que só saía depois que eu pagasse a parte dele do lote, que ele não ia sair de dentro de casa sem nada. E aí, o Centro Feminista, mais uma vez, me deu, me emprestou o dinheiro para eu pagar ele, a parte dele da terra, eu dei entrada no Incra, para ficar só no meu nome, porque a lei diz, que em caso de separação, a mulher fica com a terra e o homem pode procurar outro assentamento e outro canto. Mas ele não ligou de fazer isso. E aí, eu lembro como se fosse hoje, lá em casa______ não tinha o que comer, não tinha nada. Eu dei a parte dele do dinheiro, ele não olhou para trás nem para dizer assim, olha, pegue 100 reais e compre de comer para os meninos. E aí, foi embora! Só depois que eu paguei a parte dele, que as meninas tinham emprestado o dinheiro. E aí, sempre, quando foi com um pouco tempo, ele atrás, ele voltou para o assentamento e ficou dentro da casa de minha mãe. E eu não entendi porque minha mãe tinha botado ele dentro da casa dela. Isso foi muito ruim, na época, porque eu não podia ir lá. E ela não morava na Agrovila, ela morava no lote, na terra, tinha uma casinha lá na terra e ela plantava, ela morava lá, ela não morava na agrovila e eu morava na agrovila. Na comunidade tinha orelhão, eu só falava por orelhão, ela dizia, “não, ele tá aqui com dinheiro, dizendo que vai comprar outra terra ______ “Mamãe, você não conhece Roberto, são 20 anos de casamento, eu sei quem é ele, ele não vai!” E ela não acreditava, ele ficou muito tempo morando lá dentro da casa dela. E o povo do assentamento também não entendia, como que ela era para o lado dele. Mas ao mesmo tempo eu também entendia, porque ele viveu muito mais tempo com a gente, ele só tinha 17 anos, quando a gente se casou. Então, ele já tinha passado muito mais tempo com a nossa família do que com a família dele, porque foi depois de 20 anos que a gente se separou. Então, ele tinha muito mais tempo com a gente do que com a família dele. Para minha mãe, para minha família, ele era parte da família. Só que para mim era difícil! E a gente foi, foi vivendo, até que um dia ele resolveu ir embora, sair de dentro da casa dela, ir embora. E meu filho também veio morar em Mossoró, ele saiu do assentamento, porque ele precisava trabalhar, lá na comunidade não tinha, ele já tinha uma filha, não tinha como ele manter a família, porque era mais do que a gente produzia, era mais seco, lá no assentamento não tinha água de irrigação para trabalhar. E hoje ele mora em Mossoró e ele trabalha, até hoje, na mesma empresa, desde que ele saiu do assentamento, fazem 12 anos, que ele trabalha no mesmo canto. E já tem três filhas, eu tenho três netas dele. A minha filha do meio, também saiu muito jovem do assentamento, para trabalhar, hoje ela tem também dois filhos, também mora só. E a minha filha mais nova é quem ficou e trabalha comigo também no assentamento, assim, aqui também na cooperativa. Ela trabalha na cooperativa, ela começou muito jovem na cooperativa. E também todas duas mora só, tem uma filha, a outra tem dois, e todas duas mora só com as filhas delas. Só meu filho que continua casado. E depois que eu me separei, faz hoje… eu passei cinco anos sem casar e hoje eu tenho outro companheiro, que vai fazer 10 anos.
P/1 – Esse novo companheiro ele é da rede também? Como é que você conheceu ele?
R – Ele é da cidade, ele não é rural. Mas ele hoje fica, desenvolve algumas atividades, depois de 7 anos que eu estava com ele… Ele tem um filho especial, que a mãe abandonou e mora com a gente. E aí ele hoje desenvolve algumas atividades aqui na rede, nas entregas das escolas, ele desenvolve alguma atividade. Ele cuida muito do filho, que eu não tenho tempo. Mas contribui e desenvolve algumas atividades, as entregas de escolas aqui na cooperativa. E também, ele hoje faz muita agricultura, mas essa parte de hortaliça, couve, rúcula, essas coisas, ele planta também. Mas essa parte, assim, do roçado, ele não se envolve muito não, como milho, feijão. Hoje eu tenho plantado milho, feijão, algodão, ele não se envolve muito nessa parte não.
P/1 – Tem uma pergunta que a gente tá fazendo para todo mundo, talvez seja difícil, não sei, escolher uma ou outra história, mas se você puder me contar quais foram os momentos mais marcantes para você dentro da rede, as maiores vitórias, os dias de maior vitória, os dias de maior derrota também, de repente? Dessa trajetória toda que contou um pouco para gente, quais seriam os dias mais importantes? As histórias mais importantes que você passou?
R – Mas da rede ou de todo o processo meu?
P/1 – Pode ser do processo todo, é melhor.
R – Eu acho que a gente passou, nessa área coletiva, o grupo de mulheres, passou 14 anos produzindo numa área coletiva. E a gente dentro do assentamento, essa falta de segurança, porque o desenvolvimento também cria insegurança, a gente teve três roubos na história do poço. E a gente deixou de produzir coletivamente nessa área. Nessa área a gente produz hoje______, onde eu tenho milho, feijão, essas coisas. Mas a gente produzia 50 variedades de hortaliças, em 2010, quando a gente estava num evento da rede Xique Xique, a gente recebeu um telefonema, que tinha sido mais uma vez o poço, os cobre, os fios, roubados. E já fazia três meses que a gente já tinha colocado de novo e a gente decidiu que não ia mais produzir coletivamente, nessa área de hortaliças de irrigação. E aí para mim foi uma coisa assim, bem marcante, quando a gente retrocedeu a voltar a produzir nos quintais agroecológicos, porque a gente tinha a área coletiva, como lugar de área de produção. E sair da sua casa, de ter horário, entrar de 6, sair de 11, entrar de 2:30, sair de 5. Então, existia uma relação de trabalho coletivo. E aí quando a gente deixa de fazer isso é como se a gente tivesse retrocedendo, ter voltado para dentro de casa. Para mim isso foi… por mais que é apicultura é coletivo, por mais que a gente tenha outras coisas coletivas, para mim isso foi uma coisa marcante, no grupo, quando a gente deixou, que eu não esqueço. Toda vida que eu entro lá na área, eu lembro como era_______ que existia as Universidades, que lá servia como, trabalhava biologia, porque existia varios insetos, trabalhar essa parte agroecologica, era uma diversidade muito forte, muito grande. E a gente criou nossos filhos lá dentro, armava rede e ia trabalhar nessa área, também é uma coisa marcante. Outra coisa marcante, eu acho que é quando a gente conseguiu na rede Xique Xique, ter nosso centro de multiuso, que é a bodega, assim, onde a gente deixou de pagar aluguel, para a gente ter essa estrutura de escritório, de bodega, um depósito. Pode dizer que hoje a gente tem um ponto fixo_____ que é nosso. Então, para mim na rede Xique Xique, foi um sonho realizado. Então, para mim isso é uma coisa também muito marcante. E outra é a história da unidade de polpa também, a indústria lá do grupo de mulheres, lá onde a gente é da cooperativa, mas a gente que faz a gestão lá, para utilizar, fazer polpa. Então, assim, tudo que a gente vem construindo, passo a passo, dessa construção e de ter infraestrutura nossa para a gente sobreviver. Eu acho que são coisas bem marcantes que a gente tem. E a rede tem______ vai fazer 20 anos, tem muita história, tem muita coisa, assim, nesses 20 anos de nunca desistir. Então, para mim, essa transparência e essa coisa. Ontem mesmo, a gente teve reunião online à noite, para discutir uma emenda de uma deputada, e aí todo mundo dos núcleos dizendo, olha, a gente precisa com essa emenda comprar _______ de polpa, a gente precisa com essa emenda comprar uma massa de selar saco. Então, para mim isso é crescimento! E pensar em sobreviver do que a gente produz, e criar mecanismo e a gente continuar produzindo e criando coisas para acessar mercado.
P/1 – Indo já para as últimas perguntas. Eu queria só que você contasse para a gente aqui, que vive em outro mundo de certa forma, não só porque está mais na cidade, mas porque trabalha em empresa, essas coisas. Onde a gente olha aqui só vê problema de relação, desconfiança, não dizendo que na rede não vai ter problema entre as pessoas. Mas você acha que na economia solidária e a Agricultura Familiar, que você tem construído, é uma outra forma de trabalhar, de ganhar dinheiro, de dividir as coisas? Porque tem dinheiro no meio também, né? Tem muita responsabilidade. Você vê que há diferença entre uma forma de trabalhar, de viver e a outra, outras?
R – Eu costumo dizer que dentro da rede Xique Xique, um déficit que a gente tem bem forte, que a rede, ela é urbana e rural. Então, como sempre quem está na frente e mais pessoas rurais, a gente tem um déficit muito grande com as artesãs, com o público urbano. Então, hoje a gente vem construindo muitas alternativas para isso, se a gente tem a renda per capita para produtos institucionais rural, a gente também… Agora, essa mesma deputada fez uma lei para a economia solidária, para a rede de confecção, para tudo que o estado for comprar de confecção, seja faturamento escolar, seja material de limpeza, seja lençóis, jaleco para os hospitais, comprar da economia solidária, comprar dos grupos de confecções. Eu acho, que é sim outra maneira de pensar a economia na perspectiva do coletivo, não na perspectiva do indivíduo. Então, para a gente poder romper o individualismo, a gente precisa criar mecanismo de superação dessa história da ideia do eu, de eu poder, mas sim pensar como a gente pensa no rural, é os meus 10 óleos de coentro, é os 10 olhos de coentro da outra, é os 10 da outra, os 10 da outra, que a gente consegue ter um volume de produção. E pensando no urbano, é os 10 lençóis, os 10 lençóis da outra, os 10 lençóis da outra, a gente consegue entregar uma demanda do hospital. Que é o que aconteceu com a máscara, onde vários estados criam um mecanismo de comprar as máscaras dos grupos de mulheres da confecção. Então, eu acho que a gente faz já na prática uma economia diferenciada, onde a vida das pessoas e onde o coletivo é diferente do sistema capitalista. Onde pensa______ Até as próprias empresas hoje estão se unindo várias, para poder atingir. Por que que a gente não pode fazer isso? Você vê que as redes de supermercados, as redes. Então, assim, eu acho que o trabalho que a rede Xique Xique hoje desenvolve, é fazer isso, é se juntar para estar de igual e poder concorrer, não competir, mas concorrer de igual com o mercado. E produto de qualidade, diferenciado.
P/1 – Eu tenho mais três perguntas para a gente finalizar, você tem muita coisa ainda hoje, então, não quero mais tomar tanto o seu tempo. Essa forma diferente de viver, de economia, ela impactou muito as pessoas, acho que impactou muito você, pelo que você tem me falado. Você poderia contar a história de alguma pessoa ou de algumas pessoas que você conhece, que tiveram uma transformação na sua vida, por conta da rede Xique Xique.
R – Com certeza, se você pegar, assim, várias outras pessoas, a própria, a outra diretora que era. Porque eu fui no início, depois… Hoje eu não sou mais coordenadora da rede, hoje eu sou presidente da Cooperxique, da cooperativa, não sou da associação. Então, assim, a outra coordenadora da associação, hoje ela é secretária de cultura do município. E ela chegou nesse município, com o nome trocado, ela saiu fugida por processo de violência, a gente chama ela de Tatiane, mas o nome dela é Geralda, porque ela chegou lá nesse município, com o nome trocado, fugida, escondida e hoje ela é secretária de Agricultura. E ela era coordenadora da rede Xique Xique. Ela é pescadora. A rede também tem mulher marisqueira, pescadora. Então, é uma transformação de vida muito diferente, do que ela chegou lá, pro que ela é hoje. E ela era coordenadora, atuava mais na rede Xique Xique, nessa parte mais da agroecologia, ela que acompanhava FENAP, a comissão dos orgânicos, ela fazia parte dessa representação. Que a gente dividia devido às tarefas aqui, com o lugar de representação, cada uma. Os produtores de arroz também, que vendeu muito, agora no processo de pandemia, tem um que diz, eu botei energia solar na minha casa, eu já fiz outra transformação a partir dessa realidade da cooperativa. As mulheres também, lá do assentamento. Hoje, eu sou quem eu sou, porque eu tenho um grupo de mulheres que é… Quando eu comecei a participar da coordenação da rede, eu deixava de trabalhar algumas horas lá na produção de hortaliças, então elas trabalhavam por mim. E depois a gente começou a fazer uma discussão de quem tinha que pagar o meu pró-labore era a própria rede, porque ali eu não estava representando só o grupo, eu estava representando outros grupos. Então, as mulheres começaram também a ter hoje, através do grupo, a gente tem o gold, que é o grupo de poupança, onde a gente poupa R$ 1,00 por semana e hoje a gente tem mais de 50 mil, onde a gente empresta 10.000, 5.000, para a gente mesmo, do grupo e também para o coletivo. Então, assim, foi mudança também na vida nossa e tá sendo até hoje, uma agroindústria de poder, de sair daquela história. A gente enchia o prato e hortaliças, quando nos primeiros roubos, a gente ia para o açude encher carro pipa em lata, porque a gente enchia muito carro pipa para poder salvar as hortaliças. Logo, quando a rede Xique Xique, as instituições pagavam o aluguel, porque a gente não tinha condição de pagar. E hoje é a gente que mantém as coisas. Então, é muita transformação na vida de quem faz parte. Grande maioria da rede xique-xique, teve muita transformação na vida.
P/1 – Neneide, o que você gostaria de deixar como legado para os seus filhos, para rede, para quem te conhece, para quem vai ouvir essa história no futuro, vai ler essa entrevista mais para frente. Já pensou em alguma coisa?
R – Tem uma coisa que foi muito recente, agora, de uma pessoa que veio aqui na rede. Ela disse, assim, mas o que é que você acha que transformou, que você fez diferente? Eu digo, tudo o que eu sou hoje, é porque eu tenho um grupo de mulheres, que a minha base, meu alicerce. Se eu não fosse parte desse grupo, que eu discuti essa parte de coletividade, de organização, eu não seria a mulher e a pessoa que eu sou hoje. Se eu não tivesse tido a oportunidade. Então, hoje, quando a gente vê alguém, que hoje tenha filhos, que tenha dificuldade de participar, dê oportunidade, porque foi assim que eu consegui hoje ser a mulher que eu sou, porque eu tive a oportunidade de participar de um grupo e de poder ocupar os degraus que eu venho ocupando até hoje. Então, assim, para mim, o que eu deixo para os meus filhos e para as pessoas que vão escutar é, escute muito e quando quiser falar, também fale, porque a gente só consegue fazer as coisas se a gente ouvir e se também a gente puder expressar o nosso sentimento. Então, eu passo muito isso para as pessoas que estão aqui na rede, na gestão, eu digo assim, ó, pergunte muito também, porque a gente só aprende perguntando. Se a gente não perguntar e tirar nossas dúvidas, a gente não aprende. Então, eu acho que é isso, assim que eu deixo, é ter oportunidade de participar, dar oportunidade, escutar, perguntar e também dizer o seu ponto de vista, o que você pensa.
P/1 – Maravilha! Infelizmente eu vou ter que fazer uma última pergunta, mas por mim a gente ficava mais horas e horas, porque teria muita coisa para falar. Mas, enfim, queria saber só como que foi para você contar um pouco da sua história hoje para a gente, se teria alguma outra coisa que você gostaria de falar, que eu não perguntei. Enfim, só queria saber como que foi para você contar um pouco da sua biografia para gente?
R – Eu acho, que é sempre importante você falar de você, passar, principalmente quando tem experiência boa e de crescimento. Eu acho, que a gente pulou várias coisas, eu acho, que nunca se diz tudo. Claro, que eu tinha vontade de passar também o dia todinho aqui falando, mas eu tenho muita dificuldade de falar da minha vida, até porque, minha vida é uma vida sofrida, o que eu lembro é mais do grupo e do que eu vivi e o que eu vivo até hoje. Então, assim, não tenho muita coisa a esconder, tudo que eu sou hoje vem muito do movimento da economia solidária, do movimento da agroecologia______ Então, a minha participação na marcha mundial de mulheres, minha base através… Eu aprendi muito isso com o movimento feminista, de sair dessa redoma, de sair do espaço produtivo, para o espaço da reprodução, seja da reprodução da vida, da reprodução de conhecimento. Então, eu não tenho muita dificuldade de falar. E acho muito importante. E que outras mulheres se fortaleçam através das organizações. Participar de grupos é muito importante para o nosso crescimento como pessoa. Eu costumo dizer, que o meu alicerce é o grupo, porque para mim liderança, só é liderança, quando ela tem uma base, quando ela não tem uma base, ela é uma liderança flutuante. Então, para mim, eu sempre vou ter uma base, eu sempre vou estar lá no assentamento e as mulheres sempre… E quando as mulheres não me reconhecer mais como pessoa de fala por elas, eu acho que eu deixei de ter essa base. E até hoje eu ainda me sinto… Elas se sentem representadas por mim e eu me sinto representada por elas.
P/1 – Maravilha Neneide! Obrigado, viu! Pela sua fala! Obrigado pela sua história, por ter contado para gente. A confiança de contar sobre a sua vida para gente. Acho que só vai ser uma coisa maravilhosa, a gente vai editar, vai transcrever a sua entrevista, tá bom? Então a gente ainda vai conversar nesse período, para você ver como a gente vai publicizar essa história, mas por hora só tenho que agradecer. Tá bom! Muito obrigado! Foi uma honra
poder ouvir a sua história aqui.
R – Eu que agradeço! Acho que o Marcelo pode ver que justamente é isso, né Marcelo! Acho que as mulheres têm esse sentimento, de eu poder representar elas e elas me representar.
[Fim da Entrevista]
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