Essas panelas aqui eu usava quando tinha folga, fazia tacacá, bolo, pãozinho, pastel, canudinho, empadinha, todas essas coisas. Eu tinha também umas formas de tudo quanto é tamanho. Aí eu vendia o bolo, o tacacá, a empada, o pãozinho, também a berlinda – por aí chamam sonho, aqui a gente ...Continuar leitura
resumo
Neste depoimento, Dona Maria nos conta sobre sua família, infância e os modos de subsistência na época. Dona Maria nos fala sobre como era a pesca no Rio Amazonas, suas brincadeiras de criança, seu período escolar e as "visagens" noturnas, que impediam os moradores de Juruti de sair à noite de suas casas. Vemos também como eram as festas na região e como foi o casamento de Maria Elba. Em seguida, adentramos pelos costumes alimentares da região, sobretudo o tacacá e o tucupi, especialidades de Dona Maria, pelos quais construiu sua casa, seu casamento, sua vida.
história
Maria Elba de Sousa Silva
Mulher em uma cozinha em uma casa. Há utensílios de cozinha ao fundo e ervas frescas em frente a mulher.
Maria Elba de Sousa Silva
Mulher em uma cozinha servindo um tipo de caldo de uma panela para uma tigela. A panela com o caldo está em cima do fogão e há utensílhos de cozinha ao fundo.
Maria Elba de Sousa Silva
Mulher em uma cozinha mostrando a panela com um caldo. A panela com o caldo está em cima do fogão e há utensílios de cozinha ao fundo.
Maria Elba de Sousa Silva
Mulher em uma cozinha mostrando a panela com um caldo. A panela com o caldo está em cima do fogão e há utensílios de cozinha ao fundo.
história na íntegra
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- Ficha técnica
Depoimento de Maria Elba de Sousa Silva
Entrevistada por Márcia Trezza
Juruti, 18 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV_103
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Heci Regina Candiani
Tags: família, infância, subsistência, pão, pesca, camarão, rio Amazonas,...Continuar leitura
Depoimento de Maria Elba de Sousa Silva
Entrevistada por Márcia Trezza
Juruti, 18 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV_103
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Heci Regina Candiani
Tags: família, infância, subsistência, pão, pesca, camarão, rio Amazonas, lago Jará, brincadeiras, escola, lendas, festa, canções, casamento, costura, costumes alimentares, acidente, tacacá, tucupi.
P/1 – Para começarmos, dona Maria, a senhora pode falar o seu nome inteiro?
R – O meu nome inteiro é Maria Elba de Sousa Silva.
P/1 – A senhora nasceu onde?
R – Eu nasci aqui mesmo, em Juruti.
P/1 – Em que data?
R – Foi no dia 7 de dezembro de 1940.
P/1 – A senhora nasceu aqui mesmo onde nós estamos?
R – Não, meus pais tinham uma casa do outro lado da rua. Lá que eu nasci. Mas depois de muito tempo, uns 20 anos, eu vim morar aqui nessa casa.
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
R – Os nomes dos meus pais: Arnaldo Batista de Sousa e Almerinda Pereira de Sousa.
P/1 – Qual a atividade deles, dona Maria Elba?
R – O meu pai fazia de tudo: era pedreiro, padeiro, consertava canoa, ele lavava até roupa! Porque quando a minha mãe ficou doente, no tempo que ela adoeceu muito, era ele que cuidava dela. Ela sofreu câncer no útero, quando ela adoeceu a primeira vez, nós fomos para Belém, eu era pequena e era ele que cuidava da esposa, porque os filhos foram todos saindo, ficaram só os dois velhos e eu fiquei acompanhando eles.
P/1 – Quantos irmãos a senhora tem?
R – Sabe que eu nem lembro quantos? Vivos eu tenho o Aristeu, o Armênio, o Mário, só esses três.
P/1 – Quantos eram?
R – Era o Aristeu, Armênio, Mário, Teresinha, Betinha, que era Maria Elizabete, mas só chamavam Betinha. Só, éramos seis. Ah, o Rosa. Nós éramos sete, entre dois que já tinham morrido. Aliás, eles tiveram nove filhos, aí, eu pedia pra Deus me dar doze filhos porque eu achava bonito a mesa cheia de pessoas, o pai e a mãe. Eu achava não, eu acho (risos). Bonito a família reunida assim.
P/1 – A senhora é a mais nova?
R – Eu sou a mais criança.
P/1 – E a senhora disse que ela ficou doente. Ela trabalhava em quê?
R – Ela trabalhava em serviço doméstico. Ela fazia como eu, fazia bolo, farinha. Tirava o tucupi, a tapioca, tudo assim, pro nosso mantimento mesmo, sabe? O serviço dela de casa, ela cozinhava, lavava roupa, tudo assim, como eu. O que me pedirem para eu fazer, eu posso fazer.
P/1 – Como era aqui quando a senhora era criança?
R – Era só uma casinha aqui e a outra casa de lá. Onde é a rua da igreja, era um caminho que ia pra igreja mesmo. A igreja era lá onde é mesmo, era uma igreja pequena. Depois de muitos anos que foi feito pelo Frei Patrício essa nossa paróquia.
P/1 – A senhora falou que ela fazia o tucupi. A mandioca vinha de onde?
R – Nossa, nós tinhamos um terreno ali no Jará, que a gente chama. Agora não tem mais nada.
P/1 – O que era esse Jará?
R – Jará era um lago onde o pessoal ia tomar banho. Tinha uma parte aqui na frente, a gente andava pelo igapó, lá onde era o riacho grande, o riacho bonito, batia por aqui de fundura, mas era areia, areia, bem clara a água. Era muito bonito. Agora foi tudo destruído, é tudo casa para lá. Só tem lá mais pra baixo, mas pra cá pra cima não existe mais.
P/1 – E lá no Jará vocês tinham um terreno...
R – Nós tinhamos um terreno onde plantávamos mandioca, tirava pra fazer a farinha. Descascava a mandioca, colocava de molho. Quando era no outro dia, a gente descascava tudinho, ralava, aí que tirava o tucupi, a tapioca. A gente colocava num tipiti. Punha aquilo no tipiti, espremia e ainda saía tucupi. Depois de lá que a gente passava na peneira para ficar assim, graúdo. Depois que colocava no forno pra torrar e fazer a farinha. Enquanto a gente estava fazendo isso, o tucupi estava assentando, tapioca, sabe? Quando a gente vinha pra cá, tirava o tucupi em uma panela, a tapioca aguava, no outro dia, a gente vinha embora, fervia o tucupi, às vezes deixava lá bem tampado, quando não, a gente trazia pra ferver aqui em casa, era assim.
P/1 – A senhora tinha todos esses irmãos e a senhora estava dizendo que iam pra lá, voltavam.
R – Era, iam pra lá, voltavam.
P/1 – Que lembranças a senhora tem desses momentos?
R – Queria que essa época voltasse novamente (risos). Era tão bom. Não existia tanta ganância como agora, o pessoal já briga pra cá, e morte pra ali. Não tem mais nenhuma reunião que não saia briga desses meninos grandes que não têm o que fazer.
P/1 – Mas e de quando a senhora e seus irmãos eram crianças, que lembranças a senhora tem? O que acontecia durante o dia?
R – Acontecia que a gente brincava muito, até de fazer pão mesmo. A gente brincava com a terra, fazia aquela massa, aquela terra molhada, aí fazia os pãezinhos, colocava na folha de bananeira que era a forma, colocava numa lata, dessas latas de manteiga. A gente colocava, fazia de conta que estava assando, sabe? Fazia de conta que era um forno. Depois a gente dividia. Quando não, a gente fazia uma massa logo, eu fazia logo uma massa com o trigo e, às vezes, fazia o pão mesmo, porque eu sei fazer desses pães compridinhos e sei fazer daquele de forno.
P/1 – E onde assava o pãozinho quando a senhora era criança?
R – Era nessa lata mesmo. A gente fazia o fogo, deixava criar aquela brava, colocava a lata lá em cima daquela quentura. Só daquela quentura ele assa, o pão. A gente fazia aquele pão, pão de farinha, a gente amassava a farinha com água e botava pra assar.
P/1 – E eram só as meninas ou eram os meninos também?
R – Éramos todos juntos, os meninos eram os pais e as meninas eram as mães. Tinha os filhos e as filhas. Mas eram só os irmãos mesmo, a mamãe não deixava a gente sair pra casa dos outros, a brincadeira era só entre irmãos, mesmo.
P/1 – E a senhora lembra de alguma situação, algum fato que a senhora nunca vai esquecer nessa época?
R – O fato marcante pra mim, depois de eu casar, que eu tive os filhos e acho bonito a mesa rodeada, foi o tempo que eu gostava de pescar o camarão lá do outro lado do Amazonas. Tinha que atravessar o Amazonas, ia lá e com os paneiros, a gente colocava lá de molho e com uns 15 minutos a gente puxava e já vinha o camarão. A gente só ia jogando no fundo da canoa. Tinha vezes que a gente tirava duas, três paneladas dessas cheias de camarão. Antes deles morrerem, a gente ia e aferventava logo. A gente ia prevenido, levava sal, tudo que a gente precisasse pra cozinhar. A gente ia de manhã e passava o dia lá e quando eram cinco ou seis horas da tarde a gente estava voltando. Às vezes, quando a gente pegava muito camarão, a gente vinha umas quatro horas. Na hora boa de pegar o camarão a gente vinha embora, mas com as panelas todas cheias de camarão, sabe? Pra poder trabalhar bem nele, lavar bem com limão, com vinagre, sal. Depois deixava ele fervendo, criava aquela água dele mesmo e a gente fazia sacudir a panela pra ir mexendo o camarão até que ele ficasse no ponto. No outro dia, a gente colocava em umas formas compridas, nos tabuleiros, e abria. A gente deixava fora pra pegar essa temperatura, ele ia secando, sabe? Depois a gente só fazia ensacar. Eu cansei de ter duas, três sacas de camarão pegos por mim. Era difícil eu comprar camarão.
P/1 – A senhora pegava onde?
R – Do outro lado do Amazonas, a gente atravessava esse Amazonas e tinha o igarapé, a gente colocava os paneiros. Era eu, uma outra colega minha, uma outra que está pra Belém.
P/1 – Só as mulheres que iam?
R – Só mulheres que iam, a gente remava, quando não, a gente pagava um senhor pra remar pra gente na canoa grande.
P/1 – Alguma vez aconteceu algum imprevisto pra atravessar o rio Amazonas?
R – Aconteceu. Uma vez deu uma onda grande que a canoa foi embora, afundou. Nós tentamos nadar pra beira (risos). Aconteceu uma vez. Eu queria gritar, e ao mesmo tempo não gritava, porque eu tinha medo que acontecesse mais alguma coisa. Mas nós estávamos perto da beira, chegamos lá e aguentamos na raiz de pau.
P/1 – Porque a correnteza era forte.
R – Era forte, era forte. A gente chamava pedindo socorro, e a canoa pra lá, até trazerem a gente de volta.
P/1 – E quem eram as pessoas?
R – Era eu, uma prima minha, a Irani, um senhor que chamavam de Cururado – era Francisco o nome dele, mas só chamavam ele de Cururado. Eram sempre quatro pessoas que ficavam, dois na frente e dois atrás na canoa, a gente dividia. Quando não, a gente saía pra terra e ia colocar mais pra diante, procurando lugar pra pegar. Conforme pegava, a gente mudava de ponto, como a gente dizia: “Vamos mudar de ponto, vamos ali para aquele lado, ali”. A gente procurava tudo no baixo, não era parte funda, sabe? Era no baixo. O paneiro, às vezes, ficava meio no fundo e meio pra fora d´água, sabe? Mas era um divertimento isso pra gente, a gente ia se divertir nesse trabalho. O trabalho que dava era mais da gente colocar o paneiro na água, demorava uns 15, 20 minutos, tirava de lá, virava, os camarões pulavam tudo pra dentro da canoa. E a gente, de novo, arriava o paneiro lá. Quando não era um matapi que a gente tinha.
P/1 – Como é o matapi?
R – É um negócio tudo de tala, que pega camarão, ele tem um funil daqui, outro daqui, que os camarões entram e não sabem sair. A gente colocava de manhã quando chegava logo cedo lá, tinha vezes que tirava só duas vezes no dia. Aí ficava lá, e os camarões iam só entrando e não saíam. A gente pegava muitos nesse matapi, a gente não mudava de lugar porque os camarões iam só comer (risos), iam só se entregar lá.
P/1 – E como era do outro lado nessa época?
R – Era assim, como tem agora essa parte aí que a gente atravessa o rio e tem uma ponta de mata, antigamente era assim. Não era muito larga como é agora, era mais estreita um pouco.
P/1 – O rio?
R – É, o rio era mais estreito um pouco, não é como agora, que é muito grande, que já caiu muito. Ih, está muito diferente do que era. Primeiro, só tinha uma rua, que era um caminho, a igreja foi formada aí mesmo onde tem a igreja.
P/1 – Agora, voltando quando a senhora era criança, a senhora disse que tinha um lugar gostoso de nadar...
R – Tinha, esse Jará. Esse lugar que eu chamo de Jará, que era o nosso lugar mesmo de trabalhar, lá tinha a paz de tomar banho, a gente ia pra lá tomar banho.
P/1 – E tinha algumas brincadeiras nesse Jará, que a senhora fazia com os seus irmãos?
R – Tinha brincadeira que a gente jogava bola (risos), brincava de mãe, pular aquela macaca que chama caca (risos). Essas coisas, agora a gente não vê mais.
P/1 – Qual era essa brincadeira de pular a macaca?
R – Rodeia, risca e vai pulando, vai pulando aqueles quadros, sabe? Ganha um quadro, o primeiro, o segundo, o terceiro, tipo um caracol. De lá volta de novo.
P/1 – Como é que chama?
R – Tia Chica (risos). E tem um que é só quadrado assim, reparte em seis partes, três de um lado e três de outro, mas só uma parte, a gente pulava.
P/1 – E como chama essa brincadeira?
R – Pois é, tia Chica.
P/1 – As duas eram Tia Chica?
R – Eram.
P/1 – E na água, tinha brincadeiras na água?
R – Na água era só que a gente tomava banho, pulava na água pra pegar um, pegar outro, assim. Era divertido mesmo. Aquela brincadeira que a gente fazia. Às vezes, a gente convidava outros colegas, mas era pouca gente, eram três casas que tinham aqui nessa rua, era uma lá no canto, outra nossa aqui e outra do nosso tio. De lá era só caminho mesmo.
P/1 – E a mata, como era? Era como é hoje? A senhora falou que tem várias casas, mas a parte da roça, da mata...
R – Tudo isso já é casa por lá, não tem mais. Já está mais distante, lá pra baixo, e pra cá, pra cima, o resto já foi tudo ocupado por casas, casa de taipa, tem cada casa de alvenaria ali. “Não vai lá no Jará?” Agora não existe mais esse nosso Jará.
P/1 – A senhora falou que vocês brincavam de fazer os pãezinhos, ou de barro, ou de farinha. Tinha alguém que gostava mais de fazer esses pães?
R – Era mais eu que gostava de fazer (risos), eu comandava, os outros só faziam, colocavam pra assar, outro fritava. Mas quem fazia e preparava a massa era eu.
P/1 – A senhora comandava como?
R – Eu falava: “Deixa eu fazer massa pra tal coisa”. Aí, fazia logo aquela massa, colocava farinha de molho. Molhava a farinha até ela ficar, porque ela fica assim mole, a gente amassava, amassava, amassava até ela formar e a gente ia formando as bolas, que eram os pãezinhos. A gente fritava e comia mesmo.
P/1 – E a senhora comandava os outros?
R – Era.
P/1 – E eles atendiam?
R – Atendiam! A gente fazia de conta que era uma família que estava brincando ali, os irmãos, mas um era pai, outro era mãe, outro era filho, outro era sobrinho, era assim. Agora a gente já não vê mais essa brincadeira por criança nossa, é muito difícil.
P/1 – E que lembrança a senhora tem da sua mãe nessa época, quando vocês eram crianças e a senhora brincava assim?
R – A lembrança que eu tenho dessa época é que, quando eu fazia, como até agora eu faço pão, faço beiju de tapioca, que é da goma que a gente faz na frigideira, um beijuzinho.
P/1 – Eu já comi, mas como é feito esse beiju?
R – É só da goma mesmo, um pouquinho de sal. E aí a gente faz bem fina, coloca na frigideira pra assar, fazer o que chamam de beijuzinho. Quando ela está pronta, a gente passa na manteiga, enrola. Mas é ótimo! É rápido, fácil de fazer e é muito bom.
P/1 – E a senhora estava falando da sua mãe, que a senhora lembrava...
R – Pois é, dessa época.
P/1 – E a senhora falou do beiju.
R – A parte que eu mais gostava é que eu lembro muito dela na parte do beiju, da tapioca.
P/1 – Que ela fazia?
R – Que ela fazia, todo dia de manhã ela fazia. Ela fazia dez, era um pra cada um. Se a gente brigasse pra querer mais, a gente apanhava dela, se tirasse um do outro, sabe? Porque tem criança que faz assim, né? Eu tenho duas gêmeas aqui, elas brigam comendo uma da outra, sabe?
P/1 – E a senhora lembra se tinha um gosto especial esse beiju da sua mãe? Tem alguma lembrança de gosto, de cheiro?
R – Porque o beijuzinho é gostoso mesmo. Faz de conta que a gente está lá no Jará, comendo. Vem aquilo na minha lembrança. Pra mim parece que não foi destruído pra lá, sabe? Que foi invadido por outras pessoas, assim, acabou com o nosso Jará, acabou.
P/1 – E o seu pai sempre trabalhou com aquelas atividades que a senhora falou, né?
R – É, ele era pedreiro, padeiro, era pintor. Tudo que pediam para ele fazer, ele ia fazendo. Ele era um velho, assim, animado, ele nunca encarou as coisas de serviço. Ele bebia, tinha dias que ele bebia, bebia, de ficar de porre, caído na rua mesmo. Aí, depois ele adoeceu, nós aconselhamos a deixar de beber, que não prestava. Ele parou com a bebida dele, foi o tempo que ele caiu, quebrou aqui essa coluna dele, essa parte aqui, que não deixou mais ele andar, ele morreu sem andar, deitado na cama ou na rede. A gente carregava ele, paralisou tudinho. Ele adoeceu mesmo pra morrer.
P/1 – Que idade ele tinha?
R – Ele tinha 97 anos.
P/1 – A senhora falou que foi pra escola. Como era a escola, dona Maria Elba?
R – A escola era uma casa de uma senhora que a gente frequentava, ia todo dia na aula. Não era escola mesmo, era uma casa de uma senhora que gostava de ensinar a gente, a gente queria aprender e ia pra lá. Não tinha preguiça, sabe? Eu cansei de escrever em caderno feito de folha de papel de cimento. Meu caderno principal era esse, eles eram pobres, não podiam comprar as coisas e a gente escrevia na folha de banana, depois a minha mãe começou a fazer esses cadernos de folha de papel de cimento. Ela lavava pra tirar o cimento, depois ela botava pra enxugar, cortava, costurava tudinho, era o nosso caderno.
P/1 – Do saco de cimento?
R – Do saco de cimento. Agora já não vem mais, é tudo mais em fibra...
P/1 – E todos os irmãos iam pra escola? Todos iam juntos?
R – Todos os irmãos, nós iamos pra escola.
P/1 – E era longe?
R – Não, era perto. Era, por exemplo, a gente morava aqui nesse meio, era como ali no meio daquela rua lá era a casa da mulher que dava aula.
P/1 – E sempre foi a mesma professora?
R – Sempre foi a mesma professora. Naquele tempo não é como agora que já tem professores formados, novos, velhos. Não, naquele tempo era sempre uma senhora idosa, que dava aula pra gente.
P/1 – E aí, a senhora lembra dela como?
R – Eu lembro dela quando as meninas saem pra aula, que eu vou levar elas ali no portão. Elas estudam lá na paróquia. Eu me lembro quando vou levar e digo assim: “Ihhhh, eu já fui como vocês, fui estudar. Tinha dia que eu chorava com preguiça”. Era assim, como elas fazem (risos). Elas fazem isso no dia que elas têm preguiça: “Eu não quero, não”. “Tu tem que ir, porque o que tu vai levar pra tua vida é o teu estudo”.
P/1 – E o que aprendia na época, dona Maria Elba? O que a senhora lembra?
R – Eles ensinavam só a ler e escrever, fazer conta, a cópia, que era tirada a cópia pra endireitar a letra, a continha também. Não fazia como agora já fazem desenho, essas outras coisas, não. Nesse tempo era mais na marra mesmo. Não tinha pessoas que soubessem mais pra ensinar. A minha professora só teve condições de me ensinar até a quarta série, mesmo. De quarta série em diante ela não ensinava mais porque ela não sabia.
P/1 – E tinha escola depois pra continuar?
R – Depois de muitos anos teve a escola.
P/1 – Mas na época?
R – Na época, não. Foi o tempo que eu parei, parei de estudar e parei mesmo, de uma vez, não quis mais estudar. Foi o tempo que apareceram outras oportunidades de ter outro estudo. Como agora facilita, estuda de tarde, de manhã, à noite. Naquele tempo, não, era só de manhã até de tarde, mas à noite, não. Era o maior medo sair à noite.
P/1 – Por quê?
R – Porque diziam que aparecia visagem (risos).
P/1 – E a senhora viu alguma visagem?
R – Não, era só aquela impressão, aquele medo que a gente tinha, sabe? Nunca vi.
P/1 – O que eles falavam que tinha, que aparecia?
R – Aparecia Matinta Pereira (risos). Era só pra meter medo, pra gente não querer sair, sabe? Porque se a gente quisesse: “Olha, tal coisa!” Aí, pronto, acabava com aquela animação de querer sair. Porque eles não iam deixar mesmo, aí acabava.
P/1 – E quando a senhora foi ficando mais velha, a juventude, continuava não podendo sair à noite?
R – Saía, mas eu saía mais pra igreja. Eu ia na reza de noite, já fui começando a aparecer, saía mais assim pra essas coisas. Agora, pra passear, eu não fui acostumada.
P/1 – E mesmo assim, quando a senhora era jovem, durante o dia tinha alguns passeios, como é que vocês se divertiam além da igreja?
R – Era esse da gente ir lá pro Jará, tomar banho, pulava corda, essa Tia Chica, jogava bola, era esse divertimento que tinha. Agora já é tudo diferente.
P/1 – Mas quando a senhora era mais mocinha, continuava essas brincadeiras?
R – Era.
P/1 – E festas? A senhora lembra de alguma festa boa?
R – Festa. Tinha muita festa, mas não adiantava eu querer dizer: “Eu quero ir na festa.” Meus pais não deixavam.
P/1 – Não deixava nenhum dos irmãos?
R – Só ia com eles. Eles iam na festa e eu ia também, mas fora disso, não.
P/1 – As meninas não iam na festa?
R – Não.
P/1 – Nem os rapazes?
R – De casa, não. Os rapazes iam, mas dizia: “Tal hora tem que chegar.” Tinha que chegar, se não chegasse, ia de castigo quando chegava.
P/1 – E as moças, as jovens, não iam pra festa?
R – Não, só ia junto com os velhos, os pais. Os pais que iam levar.
P/1 – E a senhora lembra de alguma festa, alguma coisa que senhora ia com os seus pais e gostava de ir?
R – Pois é, a gente ia lá na igreja, de lá, às vezes tinha festa, aniversário de colega. “Nós vamos na casa do fulano jantar”. Aí, a gente ia pra lá, ficava lá e ficavam tocando violino, essas coisas assim. Não tinha como agora, guitarra, essas coisas assim, né?
P/1 – Era violino? E o que mais que tinha?
R – Era violino, era viola, tipo um violão, mas pequeno, que os rapazes tocavam. Tocavam, eles mesmo cantavam. Saía a festa lá, pessoal dançava.
P/1 – E festa, na época do meio do ano, festa tradicional, a senhora lembra de alguma?
R – Só da festa da Nossa Senhora da Saúde, que é a padroeira até agora. E festa de Natal também, faziam festa de Reis, sempre faziam na igreja e a gente ia.
P/1 – Festa de Reis?
R – É, festa do Dia dos Reis.
P/1 – Como era essa festa?
R – Festa mesmo. Tinha a reza, o pessoal preparava comida pra depois da reza e davam pra comer. Depois, dançavam, tinha a festa, chamavam Festa dos Reis.
P/1 – E já tinha cordão de pássaro?
R – Sempre teve. Tinha o tucano, o boi-bumbá, eram esses dois. Era o rouxinol, o pássaro-tucano e o boi-bumbá. Até o meu tio era um dos que faziam o boi, sabe? Eles moravam nessa casa aí adiante. Ele era um dos que faziam o boi, de madeira. Arrumavam o chifre, até hoje eu guardo um chifre de lembrança.
P/1 – E essas festas, dona Maria Elba, do boi, dos pássaros, elas eram ligadas à igreja ou eram outras festas?
R – Não, eram outras festas. Por exemplo, tinha um aniversário na minha casa, aí eu digo: “Eu queria dar um bolo pra comerem. Eu vou já chamar um boi pra vim dançar aqui em casa”. Aí, eu convidava o chefe pra trazer, ao todo eram umas 50 pessoas. Tinha o pai Francisco, a tia Chica, o amo do boi, tinha o dono do boi, todas as pessoas que ficavam de um lado e do outro, e o boi dançava aqui no meio. Assim era o pássaro também, rouxinol. O rapaz que dançava com o pássaro dançava aqui no meio, era muito animado.
P/1 – Mas podia chamar tanto o pássaro como o boi em qualquer data? Se a pessoa quisesse?
R – Podia.
P/1 – Não tinha uma data especial?
R – Não, não. Dependia da pessoa. Por exemplo, a senhora queria que ele dançasse hoje na sua casa, iam lá. Por exemplo, se eu quisesse que dançassem hoje na minha casa, quando terminasse o da sua casa já iam lá pra minha casa, era assim.
P/1 – E o cordão de pássaros também?
R – O cordão de pássaros também era assim. Era muito animado naquele tempo, eu achava.
P/1 – A senhora gostava?
R – Gostava, era animado.
P/1 – Qual a senhora gostava demais?
R – De todos, quando a gente ia no pássaro, a gente ia no boi. A gente dizia: “Mamãe, vam’bora lá ver o rouxinol”. Era o rouxinol. Aí, vam’bora, mas ninguém vai demorar. Só vinha quando terminava (risos).
P/1 – Ela ia junto?
R – Ela ia. Imagina se fosse pra demorar, né? (risos). Ela dizia que não ia demorar e a gente só vinha quando terminava. “Não, ninguém vai ainda”. Depois: “‘Bora’ ver o Pai Francisco. Ele vai matar o rouxinol. ‘Bora’ ver o boi. ‘Bora’ ver tia Chica”. E começava (risos). A gente queria ver as personagens, né?
P/1 – Ali iam ficando...
R – Aí, iam ficando, até quando eles terminavam: “Olha, ‘vam’bora’ pra casa, agora já terminou”. Aí, terminava, a gente vinha logo embora, já estava com sono.
P/1 – A senhora lembra de alguma música dessa época, dona Maria Elba? Que cantava ali dos pássaros.
R – (risos) Tem do boi: “Boi, boi, boi, Morena vem ver, Chega na janela, o Desejado vai morrer”. Essa era do Boi. Agora tinha do Rouxinol, era: “Muito querido Rouxinol, é campeão, é campeão. Ele veio lá do Jará, pra dançar aqui dentro do coração. Vem moreninha bonita, vem meu amor, o céu está lindo, o céu está lindo, está cheio de teu calor”.
P/1 – Olha, que bonita! Muito bonita (risos). E como é que namorava nessa época?
R – Namoro nessa época era... Diferente (risos). Não tinha muito agarra-agarra, a gente namorava, muitas vezes a mãe estava lá perto. Aí, depois, ela saía, quando eles saíam um pouco a gente abraçava, se beijava (risos). Era tudo rápido (risos).
P/1 – E a senhora teve muitos namorados?
R – Não, não tive muitos. Como diz a moda, eu não era muito piranha (risos). Naquela época chamavam: “Você é muito piranha”. Uma dizia pra outra, sabe? Que tinha muitos namorados, deixava de um, pegava com outro. Eles diziam assim: “Vocês são muito piranha!” (risos)
P/1 – Na época falavam assim?
R – Na época falavam assim. Agora acho que não falam mais nada dessas coisas. Nessa época falava, sim: “Pô, fulana, mas tu está muito piranha essa noite” (risos).
P/1 – E era à noite que namorava?
R – Era à noite.
P/1 – A senhora conheceu o seu namorado onde? Como foi quando a senhora conheceu o seu atual marido?
R – Ah, foi assim: eu gostava de lavar roupa para uma moça, ela pediu para eu lavar roupa pra ela e eu lavei. De tarde ela disse: “Olha, tu vai lá em casa levar a roupa”. Eu fui, acho que já estava certo com ele, né? Eu não sabia, mas eu penso que foi assim. Eu fui levar a roupa pra ela, ela disse: “Olha, Maria Elba, vem cá. Deixa eu te apresentar um amigo aqui”. E me apresentou ele, deu o nome dele, aí tive que dar o meu nome. E de lá nunca mais enxerguei ele, foi o tempo que ele foi embora pra ilha, pro Juruti Velho, não sei, foi embora daqui. Mas ficou certo. Ele disse: “Eu vou em tal dia na sua casa”. Eu disse: “Vai pegar ralho do papai, lá” (risos).
P/1 – O que é pegar ralho?
R – Da gente dizer, por exemplo: “Onde tu estava? Com quem estava conversando? Estava pela rua, pela casa dos outros?” Esse era o ralho, eles queriam saber logo de tudo onde a gente estava. A gente dizia: “Olha, eu já vou, vou chegar em casa e papai ou mamãe vai ralhar”. Aí, vim embora. Mas era festa, mesmo. Aí, quando fui desta vez lavar roupa, ela disse: “Deixa eu te mostrar um amigo aqui”. Conheci. Passou, passou um tempo, eu disse assim: “Mas será que o amigo da fulana está por aí? ‘Vam’bora’ lá!” Eu convidei uma outra colega que mora lá na casa da Odesi. “Ela quer ia ver o namorado dela”. “Não, ele não é o meu namorado, ele é meu conhecido, meu colega, meu amigo”. Nós fomos, quando chegamos lá ele não estava. Aí, a minha colega disse: “Ele deu uma barrada agora”. Barrada era que não encontrou ninguém (risos). “Ela levou uma barrada agora”. Eu disse: “Eu não. Faz de conta que não aconteceu nada, né?” Mas ele não estava mesmo, quando ele chegou lá desse lugar, ele veio aqui em casa. Veio e teve coragem de falar com os meus pais.
P/1 – E a senhora tinha gostado dele?
R – Eu tinha gostado dele já. Acho que foi o terceiro namorado que eu tive (risos). O primeiro namorado que eu gostei era um moreno, um preto, chamava ele de “Preto”. Ah, meus pais ficaram lesos pra eu casar com ele, eu não quis, disse que não. Eu tinha que aprender a gostar um pouco mais da vida.
P/1 – E seus pais concordaram?
R – Concordaram, disse que eu não queria e pronto. Aí eu não procurei nem me dar conhecer com ele, falar com ele.
P/1 – Por que eles queriam que a senhora casasse com ele?
R – Não sei (risos), acho que gostaram dele, porque desse outro também gostaram.
P/1 – E o segundo?
R – O segundo foi outro rapaz, ele andava em um barco. Meus namorados eram sempre embarcadistas, os comandantes do barco. Depois foi que ele veio, me pediu para eu casar com ele, perguntou se eu queria. Aí, eu engravidei antes de casar.
P/1 – Desse seu marido?
R – É, dele. Quando eles descobriram que eu estava grávida... Mas eu ainda fui passear em Belém com eles.
P/1 – Com eles quem?
R – Com os meus pais. Antes deles saberem que eu estava gestante, porque se eles soubessem, não deixavam eu ir pra Belém, e eu queria conhecer Belém. Eu ainda fui com eles, passamos três meses em Belém. Quando eles vieram a saber eu já estava com seis meses! (risos)
P/1 – E eles não perceberam nada, lá?
R – A mamãe disse que percebeu, mas ela nunca perguntou pra mim.
P/1 – A senhora ficou três meses lá. E o seu namorado?
R – Nós fomos juntos.
P/1 – O seu namorado também foi?
R – Não, pai, mãe e filha. Naquele tempo que ela estava doente, aí, ela adoeceu muito.
P/1 – Foram todos os filhos?
R – Não, fui só eu, a mãe e o pai, nós três. O resto ficou por aqui.
P/1 – E o seu esposo, que na época era o namorado?
R – Ele ficou aqui.
P/1 – Três meses esperando a senhora?
R – É, três meses.
P/1 – Ele sabia que a senhora estava grávida?
R – Ele já sabia. Eu disse: “Olha, não vai fugir de mim! Não vai fugir porque agora tu está ferrado, rapaz”. “Não, Maria, pode ir que eu não vou fazer nada disso, dessas coisas”. No dia que nós chegamos, passou um dia, no outro dia ele veio, falou com os velhos e contou a situação.
P/1 – Ele já tinha pedido a sua mão?
R – Não, dessa vez que ele veio e falou. Ele disse que iria casar comigo. Aí, ela deixou. Mas quando eles descobriram que eu estava gestante (risos), eles queriam me bater! (risos) Mas minha mãe não deixou. Meu pai queria me lambar, com cinta e tudo, olha lá. Dobrado. Ela disse que não, que não era preciso me lambar, não, que o rapaz ia casar comigo, se comprometeu. E aí pronto, foi aquela conversa pra cá, pra ali. Ele pediu dia 15, deram uma semana só de...
P/1 – Pra casar?
R – Pra casar.
P/1 – E foi assim?
R – Foi. Com uma semana eu casei, foi um casamento normal. Casamos embaixo de chuva, veio que só nesse dia, foi no dia 21 de fevereiro, dia do aniversário dele. Este ano nós completamos 31, sei lá, nem me lembro quantos anos...
P/1 – A senhora tinha quantos anos quando a senhora casou?
R – Eu casei com 16 anos.
P/1 – A senhora casou com 16?
R – Foi, com 16.
P/1 – A senhora lembra quantos anos ele tinha?
R – Não me lembro, mas parece que ele já tinha 21 anos.
P/1 – A senhora lembra do dia do seu casamento? A senhora disse que estava chovendo muito, o que mais a senhora lembra?
R – Estava chovendo, quando parou a chuva, nós fomos pra igreja. Nós fomos primeiro na igreja, quando terminou o casamento já tinha parado a chuva e nós atravessamos pro fundo, pro cartório. Aí, foi só um casamento, como diz a moda, católico e civil.
P/1 – E depois teve alguma comemoração?
R – Não, teve só comida, vatapá, um bolo.
P/1 – E tinha os convidados?
R – Eram só os amigos mesmo, não foi convite de nada, não.
P/1 – E a senhora estava feliz?
R – Ah, eu estava muito feliz (risos), porque eu estava casada com o pai do meu primeiro filho. Aí disse: com esse eu vou ficar até o dia que Deus precisar de mim.
P/1 – E ele também, né?
R – Ele também, até que graças a Deus...
P/1 – E ele trabalha em quê, dona Maria?
R – Agora ele não trabalha mais em nada, ele já é aposentado, vive só da aposentadoria dele. Ele era pedreiro, construía casas.
P/1 – Também era pedreiro, como o seu pai?
R – Era, ele era pedreiro como meu pai. Mas meu pai era pedreiro, padeiro, funileiro, marceneiro, ele fazia um pouquinho de tudo. Era roceiro (risos), tudo ele fazia um pouquinho.
P/1 – E o seu esposo era pedreiro mesmo?
R – Era pedreiro. Do tempo que teve esse negócio de aposentadoria pela colônia dos pescadores, que ele era pescador.
P/1 – Ele foi pescador também?
R – Ele pescava, ele não foi pescador mesmo, mas ele sempre gostava de ir com os companheiros, pescava sempre. Ele se associou e foi o tempo que ele conseguiu a aposentadoria dele.
P/1 – A senhora começou a contar que fazia pãozinho desde criança.
R – É, desde os 15 anos eu comecei a fazer.
P/1 – E depois que a senhora casou... Até lá você trabalhava mais em casa, ajudando a mãe. E depois que a senhora casou, continuou a trabalhar só em casa ou começou a trabalhar fazendo outras coisas?
R – Não, eu costurava pra fora, o que pediam. “Fulana, faz tal coisa pra mim”. “Eu faço”. E fazia, dava conta de tudo.
P/1 – A senhora costurava também?
R – Eu costurava. Quando tinha folga, eu fazia minha venda nesse canto, eu vendia tacacá, bolo, pãozinho, pastel, canudinho, tudo, essas coisas. Fazia empadinha. Eu tenho umas formas por aqui, olha. Tenho forma de tudo quanto é tamanho (risos).
P/1 – E antes de casar a senhora já fazia essas coisas?
R – Já fazia.
P/1 – Porque a senhora disse que lavou a roupa pra outra pessoa...
R – É. Por exemplo, a senhora vinha e pedia para eu levar: “Fulana, dá para você lavar uma roupa pra mim?” “Dá”. Lavava. Dava tempo pra tudo.
P/1 – Costurava...
R – Porque é a gente que faz o tempo, né? (risos).
P/1 – Ah, é? E como é isso?
R – A gente que faz o tempo. Por exemplo: “Eu tenho que fazer um bolo, ainda vou fazer um bolo”. Faço aquele bolo e ponho pra assar. “Ah, ainda vou lavar uma roupa”. Lavo aquela roupinha ali. Por isso que eu digo, é a gente que faz o tempo, porque se a gente não quiser fazer nada, não dava tempo pra fazer nada. Se a gente faz uma comida, a gente não pode fazer outra coisa. De preguiça (risos).
P/1 – Então, desde solteira a senhora já fazia alguma coisa, serviços pra fora.
R – Já, já fazia. E eu gostava mesmo, eu achava animado. Porque o corpo da gente não dava muito trabalho, como agora (risos).
P/1 – E depois quando casou continuou fazendo?
R – Continuei fazendo essas coisas.
P/1 – Não mudou nada nessa parte de serviços que a senhora fazia, desses trabalhos?
R – Não.
P/1 – E com os filhos?
R – Quando eu ia ter os filhos, eu tinha de dois em dois anos.
P/1 – Quantos filhos a senhora tem?
R – Eu pedi pra Deus me dar doze. Deus me deu doze filhos (risos). Morreu, ele já precisou de dois, tem dez vivos. Moram aqui comigo dois, e lá, mais pra trás, moram os outros, tudo, moram pra cá, pra baixo. Os mais novos moram mais pra cá, o Paulinho. Eu disse: “Agora não vai mais chamar Paulinho, vai chamar Paulão! Tá grande!” (risos)
P/1 – E tem fora daqui de Juruti?
R – Fora de Juruti tem. O mais velho mora em Cuiabá. E eu tenho duas filhas que moram em Fortaleza, há uns 20 ou 30 anos, é, a idade que elas têm.
P/1 – A gente estava falando que a senhora já fazia trabalhos pra fora, costurava, cozinhava, lavava... E quando a senhora casou continuou. Mas quando a senhora tinha filhos, a senhora começou a falar que tinha filhos de dois em dois anos.
R – Era, de dois em dois anos.
P/1 – E aí, como acontecia o trabalho?
R – O trabalho, quando o meu filho já estava com dois meses, eu começava a vender novamente, a fazer as coisas pra vender. Aí, eu arrumava uma pessoa pra ficar com o meu filho enquanto eu ia vender.
P/1 – Agora conta mais como era essa venda. Era de antes de casar, mesmo?
R – Era de antes de casar, mesmo.
P/1 – O que a senhora vendia?
R – Eu vendia o bolo, o tacacá, a empada, o pãozinho, a berlinda, que por aí chamam sonho, aqui a gente chama de berlinda. Sabe por quê? Fica aquela goiabada escondida dentro da massa e a gente frita. Por aí chamam de sonho, mas aqui é conhecida como berlinda. A senhora acredita que as ditas berlindas já foram daqui de casa pra Manaus, pra Belém?
P/1 – Que a senhora fazia...
R – Que eu faço. Tem vezes que vem e me encomendam: faz tantas berlindas, faz 50 berlindas para eu levar pra tal dia.
P/1 – E a senhora ainda faz.
R – Faço. No mês retrasado eu fiz 20 pra ir pra Belém.
P/1 – Como é que a senhora resolveu começar a vender essas coisas gostosas que a senhora faz? Como que começou?
R – Eu acho que começou assim da vontade mesmo, da disponibilidade minha, sabe?
P/1 – Mas e a primeira vez que a senhora vendeu? Como é que foi?
R – Eu fiz umas berlindas aqui, que eu fazia sempre aqui pra casa. Eu já vendia tacacá pro campo. Eu disse: “Mas eu vou levar essas berlindas para eu vender”. Eu fiz uns bolos. Fiz as berlindas e fiz os cachorros-quentes! Os cachorros-quentes são pãezinhos desse tamanho assim. Eles são fritos. Aí, a gente parte, faz o picadinho, prepara o picadinho, aí passa a maionese no pão e recheio com aquela carne, aquele picadinho. Ele é chamado de cachorro-quente.
P/1 – A senhora falou: “Eu levava pra vender”. Onde que a senhora vendia?
R – Era bem nesse canto aí, na rua do Banco do Brasil, tem uma farmácia no canto, bem lá nesse canto é que eu vendia.
P/1 – Mas a senhora falou: “Eu já vendia tacacá”.
R – Já.
P/1 – E como é que foi essa primeira vez que a senhora resolveu vender o tacacá?
R – Pois é, da primeira vez que eu fui vender tacacá foi quando eu fazia tacacá aqui em casa, aí, vinham uns meninos que gostavam e diziam: “Dona Maria, faça o tacacá pra gente hoje”. Eu disse: “Eu faço, mas eu vou vender, não vou dar, não, porque eu compro as coisas. Eu posso fazer, mas eu vou vender”. “Então faça, faça, faça”. O banco era o Bradesco, eram uns meninos que trabalhavam em uma casa que tem aí. Lá era o Bradesco. Eles diziam: “Faça dona Maria, faça que a gente vai comprar o tacacá da senhora”. Aí, eu peguei e levei, a primeira vez eu levei. Mas foi só no “vap” (risos), foi rápido que eu vendi uma panela. Vendi pra lá. “Amanhã a senhora vem?” “Venho”. Ficou certo, no dia que eu podia ir eu ia e vendia. Eu vendia rápido mesmo.
P/1 – Lá no banco?
R – Lá no canto do banco. Bem no canto.
P/1 – E eles trabalhavam no banco?
R – Os meninos que compravam, que pediam pra eu fazer, eles trabalhavam no Bradesco. Eles mesmos se comprometiam em comprar, mas não eram só eles, outras pessoas foram comprando. Depois, quando terminou o Bradesco, ficou o ponto lá, aí pronto, eu já vendia mesmo sem eles. Já era o ponto da Maria Elba (risos).
P/1 – E a senhora pôs alguma coisa ali pra apoiar as coisas? Pôs alguma barraca?
R – Não, era só uma banca. Se eu não me engano, é esta azul.
P/1 – Essa mesa?
R – Não, era a outra, a vermelha. Esta aqui, essa vermelha. Era essa que eu levava pra lá, a vermelha, de lá. Levava o bolo, pudim, empada, levava risólis, pãozinho. Eu tinha tempo pra fazer todas essas coisas.
P/1 – E que época foi essa, dona Maria Elba, que a senhora começou a vender assim?
R – Acho que eu estava com... Dos 16 pros 17, 18 anos que eu comecei a fazer essas vendas.
P/1 – E nunca mais parou, até há pouco tempo.
R – Até há pouco tempo, quando eu caí e quebrei a minha mão. Não deixaram. Agora eu comecei a vender ali em frente de casa.
P/1 – Começou a vender o quê?
R – Vender novamente, só não faço tacacá.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu abandonei mesmo.
P/1 – Mas a senhora continua vendendo?
R – Vendendo berlinda, que é o sonho, o cachorro-quente, o pastel, canudinho, o bolo.
P/1 – E a senhora faz tudo?
R – Sou eu que faço tudo.
P/1 – E o tacacá famoso a senhora não faz mais?
R – Não. Às vezes eu faço, quando dizem: “Dona Maria Elba, cadê o tacacá?” Eu digo: “Tu quer tacacá?” “Quero”. “Então, venha comprar amanhã”. Aí, eu faço (risos).
P/1 – Por encomenda, agora (risos).
R – Aí, eu faço.
P/1 – Dona Maria Elba, por que a senhora continua fazendo os docinhos, os bolos, e o tacacá a senhora só faz por encomenda?
R – É porque eu me desprevini mesmo, não tenho a disposição de fazer. Mas dá tempo de fazer.
P/1 – Agora, a senhora é muito conhecida pelo tacacá. A senhora é a mais famosa, a que melhor faz.
R – (risos) Até hoje eu gosto de fazer as coisas bem direitinho, eu gosto de fazer tudo bem ajeitadinho. Tem gente que faz as coisas tudo mal feita, eu procuro fazer cada vez mais bonito, pra mim é melhor (risos).
P/1 – Como foi que a senhora aprendeu a fazer esse tacacá?
R – Foi com a minha mãe. A minha mãe era tacacazeira mesmo, chamavam antiga. Foi com ela que eu aprendi a fazer essas coisas.
P/1 – O que é ser uma tacacazeira mesmo?
R – Eu acho que é dela todo dia ter aquela profissão de vender aquela goma, aquele tucupi, jambuí e camarão, né?
P/1 – Ela fazia pra vender também?
R – Fazia pra vender. Ela fazia mesmo pra vender, como eu também trabalhei muito assim vendendo. Eu gostava, gostava não, até hoje eu gosto.
P/1 – Quais são os ingredientes do tacacá, dona Maria Elba?
R – É a goma, é o tucupi...
P/1 – Goma?
R – Goma, a gente chama tapioca, conhecida por goma. A goma, o tucupi, o jambuí. A pimenta, o camarão, o cheiro-verde. A gente põe até o cheiro-verde. Tem gente que gosta com aquela cebolinha, que é o cheiro-verde e gosta com aquela cebolinha branca, cortada miudinha também.
P/1 – E o jambuí, é?
R – Esse que é o jambuí. Eu chamo jambuí, aqui a gente conhece como jambuí, mas por aí conhecem por agrião.
P/1 – Mas esse jambuí tem um sabor especial.
R – Tem, tem um sabor especial. Ele é ardoso, meio cremoso, a boca da gente fica trêmula. Quando a gente não lava bem, quando não cozinha bem, a língua fica tremendo. Ele dá um ardume.
P/1 – A senhora lembra da sua mãe fazendo tacacá?
R – Eu me lembro dela fazendo tacacá.
P/1 – Como é essa cena que a senhora lembra?
R – Ela sempre estava com uma tigela grande, uma bacia dessas, que ela aguava a tapioca. Quando estava fervendo, eu me lembro dela batendo aquele tacacá, aquela goma. Porque é aquela goma que eles chamam de tacacá.
P/1 – A goma que chama tacacá?
R – É, a goma que a gente chama de tacacá. Ele preparado, já com o tucupi, o jambuí, o camarão, aquele cheiro-verde, tudo.
P/1 – Sem a goma não é tacacá.
R – Não. E tem muitos que gostam só do tucupi, com aquela folha, o camarão, não gosta da goma. Tem muitos que não gostam da goma.
P/1 – E se eu comer sem a goma... eu não estou comendo tacacá?
R – Não está tomando tacacá, está tomando tucupi (risos). Porque o tacacá é com todos os ingredientes juntos.
P/1 – Além da senhora, outras irmãs aprenderam pra vender?
R – Não, da minha família fui só eu. Mas elas sabiam fazer, mas não se dedicaram.
P/1 – E como a senhora foi aprendendo com a sua mãe?
R – Ah, vendo ela fazendo. Ela chamava a gente pra escolher o jambuí. Descobria bem direitinho. Por exemplo, ela mandava a gente tirar um galho, por exemplo. A gente pegava e fazia, tirava as folhas.
P/1 – Essa que ia?
R – Ultimamente, eu já fazia com tudo, só tirava só um pouquinho, por exemplo, o galho inteiro assim eu só tirava um pouquinho e cozinhava, que era pra pessoa pegar, pra comer aquela folha, sabe?
P/1 – Aí, foi o toque da senhora?
R – Foi.
P/1 – O que mais ela ensinava de especial, como a senhora falou agora? Porque as pessoas sabem fazer o tacacá, mas esses detalhes... Tinha mais algum detalhe que ela falava?
R – Não, era só esse, que a gente fazia aquela goma, preparava o tucupi. O tucupi com pimenta e o sem pimenta.
P/1 – Pode ir qualquer pimenta ou tem uma especial?
R – Pimenta queimosa, ardosa, que era pra ajudar a tremer a língua da pessoa (risos).
P/1 – E pra goma, ou pro tucupi, tem algum truque, algum toque especial pra dar o ponto?
R – Tem. Por exemplo, a gente não tem que deixar a goma, quando a água está fervendo, ponho a água no fogo. Aí, quando ela está fervendo, a gente pega aquela goma que está aguada, põe e vai fazendo, pra não ficar dura nem rala, ficar um ponto normal mesmo.
P/1 – E o tucupi?
R – O tucupi está preparado ali já com a folha, o camarão.
P/1 – E a senhora estava contando que a ia pegar o camarão...
R – É, muitas vezes eu ia pegar o camarão, gostava de pegar o camarão.
P/1 – E agora?
R – Agora não, agora não tem nem mais lugar pra gente pegar camarão, caiu tudo. E tem pessoas que não se dedicam mesmo, não gostam de fazer trabalho.
P/1 – Ainda tem camarão aqui.
R – Tem, ainda tem camarão aqui.
P/1 – A senhora falou que caiu tudo.
R – A primeira parte caiu tudo, tem a segunda parte. As partes por onde a gente gostava de pegar camarão não existem mais.
P/1 – As terras caíram.
R – É, as terras não existem mais. Tem outras partes que já nasceram, mas muitas não têm camarão, eu perguntei para um rapaz: “Escuta, me diz uma coisa, ainda tem camarão pra lá onde tu mora?” Ele diz: “Mas quando, mana? Não tem porque é muito fundo”. Porque eles gostam da praia, do raso. E agora é uma ribanceira grande, não dá. Mas eu gostava muito disso, eu ia quase todo dia.
P/1 – Trazia e fazia aquele...
R – Colocava pra secar, agasalhava nas sacolas, guardava, depois, quando eu já tinha freezer, geladeira, já guardava na geladeira, na panela.
P/1 – Não salgava?
R – A gente fervia salgado já, com aquela água bem salgada.
P/1 – Depois não precisava mais por sal?
R – Não.
P/1 – Secava assim.
R – Secava, já colocava o normal do sal naquela água. Porque ele fervia ali e já ficava no ponto. Quando a gente tinha que usar, às vezes tinha que colocar de molho, às vezes aferventava pra tirar mais aquele sal.
P/1 – Depois a senhora parou de ir lá e ainda assim a senhora continuou fazendo tacacá.
R – Eu continuo fazendo, mas aí eu já compro camarão de Santarém, mando comprar, já vende aqui as taquinhas e a gente já compra aqui de um homem que chamam Joca (risos).
P/1 – E faz diferença?
R – Não, não faz diferença, não. Agora, tem os maiores, que chamam, tipo lagosta, esses são bons mesmo, aqueles camarões grandes assim.
P/1 – Agora, dona Maria Elba, a senhora aprendeu a fazer o tacacá com a sua mãe, né?
R – É.
P/1 – E a senhora disse que alguma coisa já faz diferente, que é a parte das folhas.
R – É.
P/1 – Tem alguma coisa que a senhora foi mudando conforme ela ensinou?
R – Não, bem pouca diferença mesmo. Porque não tenho o camarão, senão eu fazia um tacacá rapidinho aqui pra vocês agora. Mas no outro dia vocês vem tomar, não vem?
P/1 – A senhora sabe que dizem que a senhora faz o melhor tacacá daqui (risos)
R – (risos) Assim dizem, né?
P/1 – E a senhora acha que é por quê?
R – Eu não sei. Porque tem gente que não se dedica a fazer as coisas, é azedo. Às vezes, vende o tucupi azedo, aquele que dói mesmo no ouvido da gente. Tem uns tucupis que tem gente que não se incomoda.
P/1 – E o que tem que fazer pra não azedar?
R – A gente tem que ferver e deixar guardado na geladeira, no freezer. Como esse está fervido aqui, eu vou “agasalhar” ele lá na geladeira pra ele não azedar. Porque se deixar aqui até mais tarde, ele azeda mesmo.
P/1 – A senhora sempre gostou muito de fazer, né?
R – Sempre gostei. Eu gosto de fazer as coisas, eu não sei ficar parada assim.
P/1 – Mas de fazer essas coisas gostosas que a senhora faz, né? A senhora falou que gosta de se dedicar mesmo. Qual o sentimento da senhora na hora que a senhora está fazendo o tacacá, por exemplo, essas outras coisas gostosas. Dá pra dizer que sentimento é esse?
R – Eu sinto prazer estar fazendo aquilo, eu acho gostoso. A gente se dedicar. Por exemplo, a senhora se dedica pra fazer alguma coisa, a senhora gosta, faz por gosto, por vontade.
P/1 – E quando a senhora vendia naquele lugar que a senhora acabou de falar, tinha aqueles fregueses que sempre iam, até a senhora parar de vender? Tem alguns fregueses que a senhora poderia falar?
R – Tem, tem. Tem uns que trabalham aqui em Juruti, outros estão em outros lugares, mas sempre, quando eles me topam na rua, eles dizem: “Hoje vai ter tacacá?” E eu digo: “Vai” (risos). Eles perguntam assim, acho que eles pensam que eu não faço, mas eu faço. Eu acho que é assim. “Hoje vai ter tacacá?” “Vai”.
P/1 – Algum pedia diferente. “Ah, eu quero desse jeito”.
R – Pois é, tinha uns que diziam assim: “Eu quero só a goma com o camarão e o jambuí”. Não queria o tucupi. E outros já queriam o tucupi com a folha e o camarão.
P/1 – Sem a goma.
R – Sem a goma.
P/1 – Então a senhora faz um separado do outro?
R – Faço. Na hora de servir na cuia.
P/1 – Onde que serve?
R – Na cuia.
P/1 – Como que é que fica antes de servir, como ficam os ingredientes.
R – Por exemplo, o jambuí, eu ponho junto do tucupi, uma parte, ponho logo o camarão também, na parte do tucupi. A pimenta é separada. Quando vai servir, serve o tucupi na cuia, põe a goma, põe o tucupi, a folha, o resto dos ingredientes tudinho.
P/1 – Separado pra depois ir montando.
R – É.
P/1 – E a senhora lembra de alguma coisa engraçada, algum fato marcante de todo esse tempo que a senhora vendeu esse tacacá? Alguma situação que a senhora lembra sempre?
R – Volta na minha lembrança só que eu gostava de ir com a panela lá pro canto. Isso vem na minha lembrança. Eu levava a panela de tucupi de um lado e a panela de goma de outro lado. Levava as duas mãos ocupadas.
P/1 – A senhora que levava.
R – Era eu que levava sim, a panela com a goma e a de tucupi. As cuias iam numa bacia, sabe? Ia uma cuia dentro da outra, o molho de pimenta, tudo. O camarão assim na sacola, fora do tucupi.
P/1 – Já ia tudo quente?
R – Até hoje eu tenho um fogareiro, eu não sei onde ele está. Um fogareirinho de ferro que eu mandei comprar. Naquele fogo ficava a água pra escaldar as cuias. E aí, sempre esquenta o tucupi. Muitas vezes a goma, quando ela já estava fria, eu demorava pra vender, ela esfriava e a gente colocava em cima daquele fogareiro, daquele fogo, pra ferver novamente. O meu tacacá era quente o tempo todo por isso, porque eu fazia assim, me dedicava, gostava mesmo dessa arrumação.
P/1 – Além de manter o tacacá quente, fresquinho, gostoso, a senhora ainda cuidava pra servir.
R – Era, pra servir, tudo era só eu que fazia.
P/1 – E os outros ingredientes, além do camarão, onde a senhora consegue? Essa verdura tão fresquinha?
R – Isso é uma feira ali no mercado, lá pra cima que a gente encontra, quando não tem uma mulher que passa sempre vendendo aqui na rua. Ela passa vendendo esse cheiro-verde, o jambuí, às vezes até o camarão, miudinho.
P/1 – E a mandioca...
R – O tucupi também é na feira que é comprado. Tucupi agora é na freira.
P/1 – A tapioca também.
R – O tucupi, a tapioca...
P/1 – Na feira, também?
R – É, na feira. Tem uma feira pra cá, pra cima, e tem outra. Aqui no mercado tem uma mulher que sempre vende aí no mercado. Quando ela me enxerga, ela já diz: “Ê, dona Maria Elba, já vem comprar o tucupi e a tapioca” (risos). Aí, eu digo assim: “Nenhum dos dois!” (risos) Eu não vendo mais (risos). É só ela me enxergar por lá que ela fala: “A senhora vem comprar tucupi ou tapioca?” E eu digo: “Nenhum, mulher” (risos).
P/1 – Tá vendo, a senhora está famosa, não tem jeito.
R – Eles eram acostumados a vender pra mim. E uma queria vender primeiro que a outra, sabe?
P/1 – Dona Maria Elba, a senhora pode dizer que quando a senhora vendia tudo isso, podia sustentar a família?
R – Eu ajudava com isso, é uma ajuda que eu dou pro meu marido. Eu não sou aposentada, eu não pude me aposentar. Agora eu vou tentar por velhice, por idade. Eu vou tentar, ainda vou fazer uma tentativa em Santarém, porque eu já até passei da idade. Eu estou com 68 anos. É de 65, né? E tem agora aposentadoria por velhice, né? Aí, eu disse assim: “Mas Deus, me dá forças para eu trabalhar”. Eu não preocupo de me aposentar.
P/1 – A senhora disse que tem prazer, né?
R – É, faço com prazer mesmo.
P/1 – Agora, a senhora não está fazendo tacacá como antes, a senhora ainda faz se alguém pede. Tem alguém que continua fazendo? A senhora aprendeu com a sua mãe. Tem alguém que quis continuar fazendo?
R – Tem, mas não é da minha família, tem uma senhora que vende lá na praça. Mas é muito diferente da minha venda.
P/1 – Por quê? No que ela é diferente?
R – Eu acho que é muito diferente de quando eu vendia, né? Eu acho diferente assim.
P/1 – No que é diferente?
R – A colocação do tucupi, da goma. O modo deles colocarem na vasilha, eu acho diferente. Porque eu gostava do meu tacacá sempre bem quentinho, quando não era a goma, era o tucupi que ficava no fogareiro. Quando tirava os dois de lá, aí ficava a água fervendo pra escaldar as cuias. Agora, não existe essas coisas. Eu estava olhando um dia desses, muito diferente de quando eu vendia (risos).
P/1 – Dona Maria Elba, a senhora disse que não pode mais fazer, que a senhora machucou a mão? Como foi?
R – Quando eu caí, eu quebrei a minha mão, eu deixei de vender, eu disse que fazia tacacá, tudo, aquele biscoito de tapioca, fazia pão, tudo essas coisas eu fazia. Se, por exemplo, a senhora dissesse, faz tal coisa assim pra mim, eu faço. Mas não é como antigamente, quando eu ia vender mesmo, quantidade, sabe?
P/1 – Faz tempo que a senhora caiu?
R – Já, né, Jofre? Jofre?
Jofre – Foi de 99 pra 2000.
P/1 – 99 pra 2000. E a senhora caiu, o que aconteceu?
R – Eu fui colocar aquilo na minha cabeça, essa minha mão na cabeça e, em vez de eu pegar na cama, como eu disse, porque eu estava em cima de uma cama. Essas camas de beliche. Em vez de minha mão pegar na cama, ela varou pro piso, não sei como foi, eu sei que machucou. A minha mão ficou caída, ficou negra até aqui, dolorida. Um rapaz, antes dele morrer, já estava com três meses, ele veio, colocou a minha mão e disse que não quebrou, não, saiu fora do lugar. Aí, não foi colocado no lugar, ele disse que não quebrou a minha mão: “Está tudo inteiro, tudo direitinho”. Mas só que já estava com três meses, ele disse que já tinha criado nervo, carne, tudinho.
P/1 – A senhora foi no médico quando caiu? Cuidou em casa?
R – Em casa mesmo. Quando eu fui lá, só fizeram um pouco assim, porque minha mão ficou enorme de inchada. Aí, eu mandei tirar o gesso e fiquei cuidando.
P/1 – Mas pôs o gesso?
R – Não, não foi colocado. Acho que por isso que não foi pro lugar, porque não foi ajeitado pra colocar, né? Aí, nisso ficou.
P/1 – Mas a senhora falou que ainda faz coisas, né?
R – Faço.
P/1 – E como é que a senhora faz?
R – Assim, por exemplo, agora, eu pego aqui, eu abro esse maço. Está ajudando ela, ela pega. Aí, eu escolho assim, quando não, eu faço a massa, docinho, que não tenho agora. Eu faço docinho da tapioca seca.
P/1 – Hum, que gostoso.
R – Chamam beijinho de moça, sabe? Eu faço aqueles docinhos, eu enrolo em cima da mesa, corto tudinho, agasalho. Tudo eu ainda faço. Não acho difícil.
P/1 – Só pra fazer grande quantidade...
R – Tem vezes que a gente faz aqui. Eu ajudo ele a fazer, ele que é o meu ajudante.
P/1 – Ele quem?
R – O rapaz que estava aqui, o Jofre.
P/1 – Ele é o que seu?
R – Ele é o meu filho. É o meu segundo filho. E eles aprenderam a fazer comigo essas coisas. Ele faz bolo, faz pudim, se a senhora pedir pra ele fazer um pudim, ele faz. Faz aquele doce de gengibre que a gente faz, de macaxeira também. Rala e cozinha tudinho.
P/1 – Então, vocês continuam fazendo doces e outras coisas pra vender ainda?
R – Doces, salgados. No sábado passado, ou foi sexta-feira. Jofre? Quando foi que nós fizemos a última encomenda agora aqui? Foi sexta-feira ou sábado?
Jofre – Sexta-feira passada. A gente está mais só no salgado agora.
R – Agora a gente trabalha mais no salgado, coxinha, pastel, canudinho, empada, tortinha. Mais essas coisas assim, salgado. Faz com frango e com carne, mais esses dois que a gente trabalha.
P/1 – Agora o tacacá é especial, só por encomenda, né?
R – É, tacacá é mais por encomenda que a gente faz.
P/1 – Dona Maria Elba, quais comidas são mais características aqui da região. Tem outras além do tacacá?
R – Pato no tucupi. Pato no tucupi é um prato especial aqui da região.
P/1 – E tem mais algum?
R – Tem, tem diversas comidas. Tem umas que chamam lasanha, né?
P/1 – Agora o tacacá, esse que a senhora aprendeu com a sua mãe, que é tão gostoso, que todo mundo gosta tanto, esse prato tacacá, ele tem algum significado especial aqui na região ou é como um pato no tucupi, como um outro alimento qualquer?
R – Eu acho que ele é como o pato no tucupi, um alimento, especialidade. Às vezes, eu estou passando assim e digo: “Vou tomar um tacacá lá na Maria Elba”. Aí, eu digo: “Só que ela não vende mais” (risos).
P/1 – Mas ele tem alguma coisa em especial, em relação às outras comidas?
R – Acho que tem, eu gosto do tucupi. Aquele tucupi normal, tendo todos os ingredientes dele. Porque a alma do tucupi é isso, o jambuí.
P/1 – Mas assim, pra quem mora aqui na região, comer um tacacá tem uma coisa assim, especial? Eu quero dizer, tem um momento especial que as pessoas mais gostam de comer? Alguma coisa assim que é do costume?
R – Por exemplo, no dia de domingo gostam muito de passear, levar as crianças na praça, que tem aqueles balanços. Aí sempre: “‘Bora tomar um tacacá aqui”. Sempre tem aquela venda do tacacá, é conhecido mesmo o tacacá.
Jofre – Eu poderia só lembrar ela um pouquinho? Mãe, tinha também aqueles seus fregueses que curtiam o negocinho da bebidinha e tomavam o tacacá dela pra matar a ressaca, a famosa ressaca.
P/1 – Bom, conta pra nós, então, dona Maria Elba.
R – Os meus fregueses... Eram esses que sempre que eu fazia eles compravam. Eram esses que diziam: “Dá pra fazer um tacacá hoje pra mim?” “Aí, eu faço, mas é comprado, não é mais dado, agora”. “Faça que não é só eu que vou, e convidava outros colegas e vinham”. Eu fazia o tacacá: “Ah, mas que ‘mata-ressaca’” (risos). Eles chamam de “mata-ressaca”. Eu gosto mesmo de fazer essas coisas assim. Eu gosto da tapioca, eu faço esse beijuzinho que eu disse, né?
P/1 – De tudo o que a senhora faz, o que é que a senhora tem mais prazer em fazer?
R – Eu acho que tudo, eu gosto de tudo mesmo. O que eu mais faço, eu faço a minha venda do dia, por exemplo, berlinda, esse pãozinho, que o tacacá eu já faço, mas assim por encomenda. frente de casa.
P/1 – A senhora vai voltar?
R – Eu vou voltar a vender o tacacá.
P/1 – Oba.
R – Aí, eles disseram: “Vai voltar a vender?” “Eu vou, eu vou”. “Que dia, que dia?” Eu disse: “Pera aí, quando eu me mudar pra essa casa eu vou vender, vou continuar minha venda”. Porque essa já não é mais minha, eu vendi e comprei essa daí defronte, essa vermelha que tem aí na frente.
P/1 – Aí, a dona Maria Elba do tacacá vai voltar (risos).
R – Aí, eu vou voltar a vender o tacacá. Mas eles querem muito. Quase todo dia perguntam do tacacá. Eu digo: “Mas vocês vão mesmo comprar o tacacá? Eu vou voltar a vender se vocês comprarem, se não comprarem, vão ter que me pagar” (risos). Eu digo pra eles: “Porque eu não vou me dar o trabalho de fazer o tucupi, a tapioca, escolher o jambuí pra vocês não virem comprar, vocês vão me pagar (risos)”. “Não, a senhora pode fazer que a gente vem comprar, sim”. E se eu voltar a vender, eu vendo. Tanto faz eles virem ou não, eu vendo. Porque, como diz a moda, é o famoso tacacá, né? (risos) Tem gente que diz assim: “Ah, dona Maria, eu tomei um tacacá ali, mas é muuito diferente do seu tacacá”. “Mas por quê? Não é o mesmo?” “Não é não, é diferente. É azedo, azedo, azedo, o tucupi não é tucupi como a senhora faz”. Porque acho que eles gostavam de sentir o cheiro do alho, porque eu gostava de colocar bastante alho no meu tucupi, ficava aquele cheiro do alho, sabe? Aí, eu digo pra minha sobrinha que vende bem aqui no canto: “Maria Helena, procure direito o teu tacacá, que tu vai ter uma boa venda”. “Não sou eu que vou tomar”. Não se incomoda, não se interessa em fazer as coisas. E a gente tem que procurar se dedicar, fazer as coisas com prazer, eu acho.
P/1 – Muito bom. Dona Maria, a senhora tem algum sonho agora? Tem esse da casa nova, voltar a vender tacacá. Tem alguma outra vontade?
R – Eu tenho vontade de conhecer onde a minha filha mora, pras bandas de Porto Velho. Eu estou prometida de ir pra lá. Se eu ligar pra lá: “Olha, eu quero ir pra lá com vocês”. Na mesma hora eu recebo, porque eu sou prometida por meu genro: “A hora que a senhora quiser, pode ligar e dizer, ‘eu quero ir pra lá contigo, Nilton’, que no mesmo dia a senhora embarca” (risos).
P/1 – E por que a senhora não foi ainda?
R – Porque ainda não me incomodei mesmo de ir. Ainda na semana passada minha filha ligou e disse: “Olhe, mamãe, eu vou passar dias sem falar com a senhora”. “Por quê?” “Porque aqui onde a gente está morando não tem água, não tem luz, não tem telefone, não tem nada dessas coisas. É uma cidade pequena, só tem onde a gente mora por causa da firma que tem lá”. Onde eles trabalham, é só lá. Agora que o prefeito está se interessando. Diz ela que ele está se interessando de colocar essas coisas. É uma comunidade, é tipo uma cidade mesmo, mas está iniciando e está faltando essas coisas. Ela disse que se colocarem essas coisas tudinho, ela disse que é muito bom lá.
P/1 – A senhora está esperando agora chegar a hora pra ir.
R – É, estou esperando. Ela disse: “Nós vamos passar dias sem falar com a senhora, vamos lá mesmo pra onde o Nilton está trabalhando. Mas se a senhora quiser vir é só dizer” (risos). E é só eu falar pra ele: “Nilton, em que dia eu posso ir?” “Hoje a senhora vem”. Ele quer que eu vá lá de Porto Velho pra Cuiabá pra conhecer a mãe dele. E a mãe dele quer me conhecer, é assim que está o negócio. E eu ainda não me incomodei, ainda não quis ir por causa dessas duas netas que eu tenho, não vai dar para eu levar elas.
P/1 – Elas moram com a senhora?
R – Elas moram comigo mesmo, são as duas meninas.
P/1 – A sua filha...
R – Não, só moram as netas. A filha mora lá pra trás, em Maracanã.
P/1 – Então, dona Maria Elba, a gente está terminando. O que a senhora achou de contar a sua história pra gente?
R – Eu achei um prazer ter relembrado as coisas que estavam quase no esquecimento, como diz a moda (risos). Vocês vieram fazer eu me lembrar, de modo que eu estou vendo passar aquele filme na minha cabeça, especialmente da minha mãe. Eu me senti muito feliz. Como dizem: “Você é uma privilegiada, né?” (risos)
P/1 – Muito obrigada, viu, dona Maria Elba. Nós também somos privilegiados em ouvir a história que a senhora contou, principalmente de tudo o que a senhora aprendeu, tá? Obrigada.
R – Tá.Recolher
Título: O melhor tacacá de Juruti Velho
Data: 18/04/2010
Local de produção: Brasil / Pará / Juruti
Personagem: Maria Elba de Sousa Silva Transcritor: Karina Medici Barrella Revisor: Heci Regina Candiani Entrevistador: Márcia de Fatima Elias Trezza Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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