P/1 – Seu Josue, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer ao senhor por ter aceitado o nosso convite e estar aqui no Museu pra conceder essa entrevista. E eu gostaria de pedir para o senhor falar pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome completo é Josue Lemos. Eu nasci em 17 de junho de 1942, na cidade de Martinópolis, Estado de São Paulo.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meus pais são falecidos, Faustino Lemos e Sérgia Lemos.
P/1 – E eles também são da região de Martinópolis?
R – Não, meus pais são da cidade de Rio de Janeiro.
P/1 – E vocês sabem como eles se conheceram?
R – Meio difícil, eu não lembro (risos), apesar deles fazerem algum comentário quando a gente era pequeno. Eu sei que era pessoal do interior trabalhava na roça, se conheceram em cidade do interior do Rio de Janeiro.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho sim.
P/1 – Vocês são em quantos?
R – (risos) Naquela época, né, as famílias eram grandes... Nós somos em 12 irmãos.
P/1 – E o senhor está em que lugar nessa escadinha?
R – Nessa escadinha, são seis homens e eu sou o mais novo, o caçula (risos).
P/1 – E como é que era ser pequeno em Martinópolis, sendo o caçula dos meninos?
R – Eu não sei agora mas, no passado, o caçula tinha mordomias, viu? Os irmãos mais velhos tinham inveja do caçula, o caçula era (risos) tratado com mais mordomia, era muito bom.
P/1 – E que mordomias eram essas?
R – O mais velho não podia bater, eu podia dar uns cascudos no irmão mais velho e ele tinha que ficar quieto, mais ou menos assim (risos).
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais?
R – Trabalhavam em lavoura de café na época. Naquela região, o café que predominava na época.
P/1 – E como era sua casa lá em Martinópolis? O que o senhor se lembra desse lugar?
R – Eu lembro que na fazenda que a gente morava, isso já com mais ou menos oito anos de idade, que a gente se lembra de alguma coisa a partir de aí pra cá, era uma casa feita de tijolo, mas não tinha forro, era telha sem forro. Às vezes, de manhã, você acordava e acontecia de ver até cobra passando no telhado, essas coisas. Você ia por o sapato de manhã, precisava olhar pra ver se não tinha sapo dentro, essas coisas (risos). Coisa de 60 anos atrás, não é mesmo?
P/1 – E quais eram as suas atividades quando o senhor era pequeno? Do que o senhor se lembra?
R – A minha atividade quando era pequeno, a gente andava muito pra ir até a escola, porque na fazenda não tinha e tinha que ir até a cidade, então, andava bastante. Você saía pra ir pra escola de manhã, às sete horas, e voltava quase uma hora da tarde. Eu geralmente voltava, ia levar almoço pros meus pais e pro pessoal que tava trabalhando, era mais ou menos isso. Voltava, ajudava alguma coisa em casa, porque mesmo na casa em que a gente morava tinha atividades, criação de porcos, galinha, então, a gente fazia isso, essa era a atividade do menino do interior, jogar bola. Eu lembro na época, em 1950, na Copa do Mundo, eu via o pessoal ouvindo rádio nos barzinhos, de vez em quando o pessoal estava lá mexendo na antena do rádio e o rádio: “Uom-uom-uomuom...”, aquele barulho, mas depois que eu fui saber que se tratava de uma Copa do Mundo no Brasil, foi aquela decepção, e eu não sabia o que tava acontecendo, só depois que a gente foi perceber aquele movimento que tinha nos barzinhos lá no interior naquela época, era a Copa do Mundo que o pessoal estava assistindo. E, às vezes, o som do rádio desaparecia, isso porque estava acontecendo aqui no Brasil, mesmo. É mais ou menos isto.
P/1 – O senhor se lembra de como era esse caminho até a escola, se o senhor ia com os seus irmãos?
R – Lembro alguma coisa sim. Coisas que realmente ficaram marcadas na vida da gente, não é mesmo? Esse caminho, a gente percorria e de vez em quando passava um caminhão, levantava um poeirão danado. Era interessante aquilo. E às vezes você pegava rabeira de caminhão, a gente subia em cima do caminhão, é mais ou menos o trajeto, era divertido até.
P/1 – E como era a escola?
R – Nessa época, na escola, uma coisa interessante (risos), as próprias professoras pediam pra gente levar umas varinhas e elas desciam as varinhas na gente. Virava e mexia, a gente pegava a varinha dela e quebrava (risos), mas a gente apanhava da professora na escola, fazia alguma coisa errada e apanhava. Hoje, em dia não pode, nem pai pode bater no filho pra educar o filho hoje. Tem as maneiras de educar que eu ainda entendo, que a varinha funcionava ainda hoje com o filho em determinada situação, mas na época as professoras usavam a varinha pra bater.
P/1 – E o que o senhor fazia na escola? Tinha recreio? Você encontrava com os amigos?
R – Tinha recreio... Exatamente, eu lembro perfeitamente a hora do recreio. A gente sempre levava alguma coisinha pra comer, não existia merenda escolar naquela ocasião, os próprios alunos levavam as merendas. E naquela ocasião, já havia alunos que não tinham condição de levar, então, se dividia o lanche um com o outro, era muito bom.
P/1 – E o senhor falou que a escola ficava na parte mais urbana da cidade.
R – Isso.
P/1 – O senhor passava por alguma loja, tinha algum lugar que chamava a atenção nesse trajeto?
R – A única coisa que chamava a atenção nesse trajeto na época era posto de gasolina. A gente parava no posto de gasolina, tinha um posto que até viajantes paravam, é esse lugarzinho que eu lembro nesse momento, um posto de gasolina que havia na cidade nesse caminho da escola.
P/1 – E nesse período de infância o senhor tinha a lembrança de querer ter alguma coisa? Vontade de comprar alguma coisa que não tinha na região?
R – Na época de menino do interior acho que não tinha esse desejo, não lembro de nada, não, que eu tinha vontade de adquirir.
P/1 – E além da Copa do Mundo de futebol que o senhor disse que ouviu no rádio, o senhor se lembra de outros momentos escutando rádio, ou da chegada da televisão?
R – Mais ou menos nessa época já era 1950, 51, eu tava com oito, nove anos de idade, por aí. E ainda se falava muito na guerra, Hitler, se fazia comentário, a gente ouvia os nossos pais e pessoas adultas comentando o que acontecia. Às vezes, minha família toda estava na capital e nessa época eu lembro que nós recebemos em casa um irmão da minha mãe que morava aqui em São Paulo e ele contava algumas coisas pra gente quando ele foi visitar a gente no interior. Eu lembro que ele contava algumas coisas interessantes que marcavam a gente, ali nascia a vontade da gente de conhecer e vir pra São Paulo. E mais tarde aconteceu da gente vir pra São Paulo.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma coisa que ele tenha falado da cidade e que ficou marcado?
R – Lembro. Eu lembro que na época os meus pais já estavam planejando mudar pra São Paulo, pra capital. E eu lembro que uma coisa que ele colocou, de ladrão, que precisava tomar muito cuidado. Já naquela época tinha isso, que o pessoal da capital era muito esperto e queria aproveitar principalmente de pessoas do interior, que eram consideradas caipiras: “Ó, os caipiras estão chegando aí” (risos). Eu lembro uma brincadeira que aconteceu mais ou menos isso. Quando chegamos aqui em São Paulo, chegamos com muitas malas e meu pai foi na rodoviária contratar um táxi, acho que precisava de dois táxis pra levar a gente até o destino, a gente ia morar ali na Penha. E conversando com os taxistas meu pai falou: “Escuta, nós estamos em tantas pessoas, vai precisar de dois táxis, mas tem as malas. Quanto vocês cobram?”. Nós tinhamos sido orientados, precisaria combinar antes com o taxista, pra não chegar lá depois e ele fala que é tanto e querer. Meu pai perguntou pra ele: “Você vai cobrar quanto?”, ele falou: “Vou cobrar tanto, tanto” “E das malas?”. O taxista falou: “Das malas, eu não vou cobrar nada”. Meu pai então falou: “Você leva só as malas que nós vamos de ônibus” (risos). Coisinha assim que acontecia porque já estava preocupado, “Poxa vida, o cara vai levar a gente, talvez não tenha dinheiro pra pagar o tanto que ele vai cobrar”. Era uma coisa mais ou menos assim, acontecia alguma coisa interessante na ingenuidade da gente (risos).
P/1 – Do que o senhor se lembra dessa viagem, de Martinópolis até São Paulo? Como é que foi a emoção desse caminho, o andar de ônibus?
R – A cidade de Martinópolis, quando nós viemos pra São Paulo, nós não morávamos mais em Martinópolis, mas numa cidade próxima chamada Uirapuru, ali na região. Nós viemos de caminhão até Presidente Prudente, que é uma distância razoável, toda a família de caminhão, as malas, tudo, pra chegar até a rodoviária de Presidente Prudente e viemos de lá pra São Paulo. Então, viemos de caminhão e nessa época nós tínhamos um cachorro. Quando nós viemos, ele subiu no caminhão, nós deixamos, mas quando chegou em um posto de gasolina que parou pra abastecer, ele desceu do caminhão e ali ele ficou. Uma coisa que ficou marcada até hoje foi que não achamos o cachorro, mas foi de propósito, a gente desceu, ele desceu, e nós viemos embora e ele ficou no posto de gasolina.
P/1 – E o que o senhor se lembra desse trajeto no ônibus, vindo pra São Paulo? Você tinha expectativa?
R – Não, nós viemos de caminhão até Presidente Prudente e de Presidente Prudente viemos de trem até São Paulo.
P/1 – E como é que foi essa viagem?
R – Achava interessante, realmente marcou na gente. Falava-se tanto de São Paulo, cidade grande, capital do Estado, isso aquilo, a gente ficava naquela expectativa. Mas a idade da gente era tudo brincadeira, era uma aventura, uma emoção, que a gente não tinha uma expectativa, não fazia planos.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha nessa época?
R – Eu tinha dez anos de idade.
P/1 – E o senhor sentiu muita diferença no cotidiano, na casa onde vocês foram morar? Como é que foi essa adaptação na cidade?
R – Não lembro bem, mas acho que não senti muita diferença porque tinha família grande aqui, quase toda a família e, logo a gente se entrosou com os primos, ficou conhecendo primos e tanta gente. Nós viemos morar em uma casa ali na Rua Amador Bueno da Veiga, bem no centro da Penha. Era uma casa grande, meus avós, os pais da minha mãe, acho que ficamos um mês até que a gente arrumou uma outra casa para morar. Eu lembro que logo a gente ficou conhecendo primos, pessoas da mesma idade, então, foi muito bom. Eu lembro que eu fui trabalhar onde tem o Shopping da Penha. Eu fui morar ali, vocês conhecem ali? Tem o Shopping Penha bem ali mesmo, já faz muitos anos que construíram o shopping, mas nós viemos morar bem ali. Tinha uma esquina e eu conheci os meninos e fui engraxar sapato ali na esquina (risos). Fui trabalhar de engraxate ali.
P/1 – E o senhor estava estudando também.
R – Estava estudando também.
P/1 – E como o senhor fazia pra conciliar isso e estudar?
R – Eu estudava geralmente de manhã, Grupo Barão de Ramalho, ali na Amador Bueno da Veiga.
P/1 – E o senhor sentiu alguma diferença de ir pra escola aqui em São Paulo?
R – Não senti muita diferença, não.
P/1 – O senhor se lembra de levar os materiais pra escola, os cadernos?
R – Lembro sim.
P/1 – E como é que fazia pra comprar esses cadernos, os materiais passavam de irmão pra irmão?
R – Geralmente acontecia isso. Primário geralmente eram quatro anos com um caderno só, a gente tinha etapas, o próprio caderno tinha etapas, primeiro ano, segundo ano, terceiro ano. E tudo isso, não sei hoje, parece que o governo dá muita coisa pras crianças que estudam, não sei. Mas na época era tudo comprado pelos pais mesmo, os pais tinham que comprar muito material, tinha uma cartilha que o governo fornecia. Eu lembro perfeitamente, era uma cartilha que você recebia e o resto do material, caderno, lápis, todas essas coisas, os pais tinham que comprar. Existia uma bolsa que geralmente se comprava pra carregar os cadernos, você colocava no ombro.
P/1 – E o senhor se lembra de ter ido com o seu pai, ou a sua mãe, comprar esses materiais, ou eles davam?
R – Não lembro, não. Acho que meus pais recebiam uma lista de material da escola, como acontece hoje, o critério era mais ou menos o mesmo. Eles pegavam a lista e compravam o material. Mas era bem menos, na época parecia que era o livro que se estudava e um caderno, no primário. Daí, no ginásio sim, tinha mais material, mas primário era pouco material.
P/1 – E os seus pais, que exerciam atividade rural com o café lá em Martinópolis, o que eles vieram fazer aqui em São Paulo? Qual foi a atividade deles aqui?
R – Meu pai arrumou emprego em uma indústria. Inclusive, meu pai chegou em São Paulo, foi trabalhar em uma indústria e ele foi construir Brasília também. Meu pai parece que ficou uns dois anos ali em Brasília, na época do presidente Juscelino Kubitschek. Ele trabalhou um bom tempo lá, não lembro quanto tempo, mas foi um bom tempo. Meu pai construiu Brasília (risos). No retorno, ele contava cada experiência que passou, foi muito interessante. Candango que se chamava o trabalhador de Brasília. Ele contava as experiências que ele passou lá, foi muito bom, muito interessante.
P/1 – E já na sua juventude, na época do ginásio, quais eram as suas atividades de lazer, o que você gostava de fazer com o seu grupo de amigos?
R – Eu comecei a trabalhar cedo, aos 14 anos, em firma. Eu fui gráfico, a última firma que eu trabalhei foi a Editora Abril. E geralmente nos fins de semana naquela época eu gostava muito, mas não cheguei a ser viciado, de jogar bilhar. Naquela época tinha os barzinhos que tinham os bilhares. Então, ficava muito no bilhar, e bailinhos que tinham na época também. Mas mais bailinho em casamento, casa de amigo, aniversário. Atividade era isso praticamente.
P/1 – E como foi o seu primeiro emprego na gráfica, qual foi a atividade que o senhor exercia?
R – Também na época, uma das coisas que a gente gostava de fazer, existia o Horto Florestal e, de final de semana, às vezes a gente ia passear, fazer piquenique no Horto Florestal ou em outros lugares assim. Lá do lado de Mogi das Cruzes tem um parque muito bom, existia, e a gente ia também nos finais de semana, sábado à tarde. Essas coisas assim, atividade minha de adolescente foi mais ou menos isso. Eu casei cedo também. Você fez uma outra pergunta, o que foi mesmo?
P/1 – Eu perguntei como era a sua primeira atividade na gráfica, como foi o começo do trabalho?
R – Ajudante geral. Comecei com 14 anos como ajudante geral em uma gráfica ali na Mooca, e nessa gráfica eu trabalhei por cinco anos, aprendi uma profissão, cresci, trabalhei na Editora Abril por oito anos, até passamos quase em frente a ela agora ali, não é mesmo? Cheguei a ter um cargo importante na Editora Abril. Saí da Editora Abril, foi quando eu comecei a trabalhar por conta, com comércio de máquina de costura.
P/1 – O senhor se lembra o que o senhor fez com seu primeiro salário?
R – (risos). Primeiro salário, entre outras coisas que eu fiz, eu comprei uma máquina de tirar fotografia, entre outras coisas, roupas. E nessa época, geralmente a gente não ficava com o dinheiro, dava o dinheiro em casa. Ficava com alguma coisinha, mas geralmente dava em casa pra ajudar a família. Quando comprava alguma coisa, eu comprei a máquina de um amigo meu que trabalhava comigo e tive que dar explicação em casa, e levei bronca também por causa disso.
P/1 – E o que o senhor gostava de fotografar?
R – Amigos, até eu fiz um passeio e eu tirava fim do dia, do sol, dos rios. Até em casa, a gente tirou bastante fotografia.
P/1 – O senhor disse que casou cedo. Conta um pouquinho pra gente como o senhor conheceu sua esposa, como é que foi todo esse processo entre o namoro e o casamento?
R – Eu conheci a minha esposa no trabalho, em uma gráfica. Eu entrei na gráfica pra trabalhar e ela estava trabalhando. Gráfica tem trabalho pra mulheres, tem um setor que trabalham bastante mulheres. E eu entrei pra trabalhar e, justamente, na seção que eu trabalhava, que era de embalagem, tinha mulheres trabalhando. Tinha uma moça, chamava Ondina, eu fiquei conhecendo ela e acabamos começando a namorar no trabalho.
P/1 – E o que o senhor fazia? Onde os senhores iam passear, ou conversar?
R – A gente não tinha... Porque nessa época, eu tinha 19 anos quando eu conheci a Ondina, e a gente tinha alguma dificuldade pra sair porque na época, sem carro, pra namorar geralmente era em casa mesmo, raras vezes a gente saía, quando tinha casamento de um parente, um amigo, caso contrário era casa, ir no cinema. Namoro na época era isso aí, a gente não tinha como hoje, de ir na balada, essas coisas todas, não existia nada disso.
P/1 – O senhor falou que trabalhou muitos anos com a parte gráfica. Como o senhor saiu da Editora Abril pra trabalhar com máquina de costura, montar o seu comércio? Qual foi a decisão, ou o momento?
R – É que na minha casa existia uma oficina de costura de bordado porque minha família aqui em São Paulo, eu tinha um tio que tinha uma confecção grande e as minhas irmãs foram trabalhar na confecção do meu tio assim que chegaram em São Paulo. Elas mexiam com máquina de costura, mas de bordar, e elas aprenderam. E daí, ele pegou e montou em casa pra elas não terem de ficar saindo. Elas compraram, começou com uma, duas, depois pra quatro, e tinham uma oficina de bordado e trabalhavam com isso. Eu gostava de ver e de vez em quando o mecânico ia lá consertar as máquinas e eu achava interessante. E quando eu saí da Editora Abril fui procurar emprego e a primeira coisa que eu vi foi que a Singer precisava de pessoas pra fazer treinamento, estágio, mas que tinha carro. Eu fui lá na Singer e vi que a pessoa iria aprender a mecânica da máquina pra poder dar assistência nas lojas que vendiam e as lojas davam garantia. Eu comecei a trabalhar na Singer, fiz o estágio, aprendi, fiquei trabalhando uma temporada na Singer como mecânico e depois que eu saí da Singer eu abri o meu comércio. Foi assim que aconteceu.
P/1 – Nesse período de estágio na Singer, qual é a parte mais difícil de consertar da máquina? O que normalmente acontece?
R – A parte mais difícil desse estágio é que quando eu comecei a fazer estágio na Singer, a Editora Abril mandou uma carta me chamando pra voltar a trabalhar. E eu fui, voltei lá pra dar satisfação para o diretor da empresa e falei que não iria voltar e tal, porque eu estava bem na Singer. Mas aí, conversando com uns amigos, eu estava fazendo estágio na Singer, não estava ganhando quase que nada, mas era o que eu gostava, e meus amigos falaram: “Você é louco, rapaz? Deixar um ordenado aqui na Editora Abril pra fazer esse estágio? Pra ficar ganhando o que você está ganhando?”. Mas a gente via mais na frente, não é mesmo? Eu falei: “É isso que eu gosto”. Então, eu dei continuidade, fiquei na Singer, depois passou o estágio e eu comecei a trabalhar mesmo, ganhei algum dinheiro e depois que saí da Singer já montei o meu comércio, foi isso, uma parte interessante que passou. Nessa época eu já era casado, a minha mulher também ficou preocupada: “Fazer estágio, ficar seis meses sem ganhar praticamente nada, só pra comer mesmo”, mas a gente venceu essa etapa e a partir daí foi muito bom.
P/1 – E como é que foram esses primeiros trabalhos com as máquinas, o senhor chegava a ver as que as suas irmãs trabalhavam?
R – Quando eu montei o meu comércio ou na Singer?
P/1 – Nos seus primeiros trabalhos com as máquinas.
R – Dando assistência às máquinas? Ah, foi muito bom. Na verdade, você faz o estágio e tem uma boa noção, mas você só aprende mesmo na prática. Então, no começo a gente teve algumas dificuldades. Lembro que tinha alguma dificuldade pra encontrar algum tipo de defeito. Porque você está ali fazendo um estágio é diferente de você pegar uma máquina depois que está lá há dez anos trabalhando, você vai soltar um parafuso, aquele parafuso não quer sair. Porque lá no estágio, de tanto mexer os parafusos estão molinhos, você poe a chave e já está saindo. Depois na prática é diferente, vai consertar uma máquina lá, faz dez anos que a máquina tá lá trabalhando, vai soltar o parafuso, o parafuso não sai, vai fazer uma regulagem e não consegue. Então, foi um pouco difícil, às vezes eu pensava: “Puxa vida, acho que entrei numa fria aqui”, mas depois tudo foi acontecendo normal, e hoje eu estou com meu comércio aberto há praticamente 35 anos.
P/1 – Queria que o senhor contasse como é que foi a escolha do lugar pra abrir o comércio, como é que foi esse clique de: “Agora vou investir num espaço pra mim, para eu trabalhar com as máquinas”.
R – Foi outro caso interessante. Eu saí da Singer, fui trabalhar com um outro rapaz que eu conhecia, ele era o dono da loja e comecei a trabalhar com ele como mecânico dele, mas sem registro, sem nada. Mas teve um momento em que ele estava meio desanimado com o negócio, porque nós passamos por crises também, mesmo naquela época lá, tinha alguns anos que tinha crise no comércio, no país, aconteceram tantas coisas. Logo no primeiro ano ele ficou meio desanimado, aí, conversando, eu não tinha dinheiro, a única coisa que eu tinha na época era um carro, e eu acabei ficando com a loja. Ele disse: “Eu acho que vou fazer outra coisa, isso aqui não está dando”. Eu fiquei com a loja e eu dei continuidade. Foi assim que começou o meu negócio. Eu fiquei com a loja, foi muito difícil também, porque era uma época que estava difícil, mas foi acontecendo, a coisa começou a andar e a gente tá até hoje. E no mesmo lugar, hein?
P/1 – E quais foram essas dificuldades iniciais que o senhor sentiu quando o senhor assumiu a loja? O que acontecia? Porque o senhor antes trabalhava como mecânico, o que aconteceu quando o senhor passou a assumir a loja, a ter que cuidar?
R – A loja, a gente comprava as máquinas usadas, revendia, consertava. As pessoas levavam as máquinas, você fazia orçamento, consertava as máquinas. E teve uma época que você comprava máquinas usadas e essas máquinas, na época eram todas importadas do Japão, da Alemanha, as máquinas novas, só grandes empresas faziam isso. Então, o meu comércio era de máquinas usadas. A gente vivia mais como assistência técnica. A primeira coisa que eu fiz, a partir dali, foi contratar um outro mecânico, mesmo a coisa estando ruim, pra dar assistência às confecções. Então, a gente fazia um contrato: “O mecânico vai vir aqui uma vez por mês pra fazer uma revisão nas máquinas”, e foi esse tipo de coisa que segurou a gente pra gente trabalhar com algumas empresas que tinham confecções grandes, que precisavam de um mecânico, então, a gente dava assistência, uma vez por mês em uma, em outro dia na outra, e isso deu uma sustentabilidade na gente pra gente começar a trabalhar, foi assim que começou a andar. No começo foi mais assistência técnica às confecções, prestar serviço às confecções.
P/1 – E isso tudo lá em São Miguel?
R – Lá em São Miguel.
P/1 – As confecções também de lá?
R – Confecções de lá e de outras regiões também, como Guarulhos. A gente correu atrás e descobriu algumas confecções que estavam precisando, até em Guarulhos, Suzano.
P/1 – E como é que o senhor fazia a divulgação dos serviços da loja? Como o senhor conseguia confecções em Suzano, Guarulhos?
R – Isso é interessante. Quando eu assumi a loja, nem telefone ela tinha. Naquela ocasião, telefone era a mesma coisa que você comprar um carro importado hoje, seria mais ou menos 30 mil reais hoje um telefone na época, pra você conseguir um. Eu lembro que eu tinha uma casa pequena ali em São Miguel perto da Imperador, que eu tinha construído, eu precisei vender essa casa pra comprar um telefone. Foi quase que uma troca. E foi através da gente procurar na lista telefônica, eu já conhecia porque já trabalhava na Singer como mecânico, então, conhecia algumas confecções. A gente ia pessoalmente, descobria o telefone tudo, conversava, era desse jeito. Ia pessoalmente. Até o telefone, foi muuuito difícil conseguir o telefone naquela época.
P/1 – E o senhor pode descrever como é a loja? Como era quando começou, o espaço dela, como está dividida?
R – É um salão de seis por dez metros de fundo, um banheiro. A gente montou um escritório pequeno no fundo, onde você atende aos clientes. Hoje eu mudei um pouquinho a loja. Eu mudei porque na esquina houve uma reforma, uma construção muito grande de uma empresa. Tinha um restaurante na esquina, a minha loja e um outro comércio grande, eu ficava ali no meio. Agora ficou um pouco diferente porque uma empresa que trabalha com moto, revende acessórios de moto e troca acessório, ele alugou e reformou tudo e me mudou, eu saí um pouquinho, fiquei em um salão um pouquinho maior, ele reformou e eu mudei. Ele queria até que eu saísse para ele ficar com todo o espaço, mas ele não quis pagar o preço para eu ceder o espaço pra ele, ele não quis pagar aquilo que eu queria, e como eu estou ali há muito tempo, isso é coisa mais recente, de dois anos pra cá que aconteceu. Eu só mudei um pouquinho do espaço, o número continua o mesmo, pra não ficar no meio da loja dele, entendeu? Então, ficou um espaço mais bonito, ele reformou tudo, nós entramos em um acordo. Ele falou: “Pra você não ficar no meio eu vou por você lá no canto, pode ser?”. Nós entramos em um acordo e eu mudei pro canto, ele construiu, ficou um espaço mais ou menos do mesmo tamanho. Eu tenho a loja e ele tem uma galeria em cima que foi construída, onde eu guardo algum material, algumas máquinas que vão reformar, eu guardo em cima e tem um espaço mais ou menos de dez por seis, 160 metros quadrados, o meu espaço é esse.
P/1 – E qual é o lugar, o cantinho da loja que o senhor prefere, que o senhor se sente melhor ou gosta mais?
R – (risos) A bancada onde a gente faz os consertos, eu adoro isso daí, adoro consertar. Máquina toda sem costurar, toda bagunçada, a gente reforma máquinas antigas também. Máquinas antigas, mas industriais, overlock, uma galoneira, então, você pega aquela máquina... Eu entendo o meu trabalho, eu gosto tanto que acho que é até uma assistência social que eu presto pras pessoas, entendeu? É a mesma coisa que um médico que pega uma pessoa quase morrendo, de repente aquela alegria do médico ao ver aquela pessoa andando depois, eu me sinto assim (risos).
P/1 – E qual é a parte mais difícil de se trabalhar na máquina? Tem alguma engrenagem que é mais complicada?
R – Tem. Hoje, essas máquinas modernas que existem, e geralmente essas máquinas vem quase todas da China agora. A China produz coisas realmente boas, fortes, resistentes, máquinas possantes pra indústria, mas produz também muita coisa pra vender baratinho pras pessoas. Porque eles querem atingir todas as classes sociais. Então, eles vendem máquinas frágeis, que a mulher começa a costurar e, de repente, a máquina já desregula tudo e a gente tem dificuldade de deixar uma máquina assim, funcionando direito. A dificuldade hoje é você fazer o conserto de algo, você precisa dar uma garantia, mas você tem dificuldade de dar a garantia porque você sabe que aquilo não vai durar muito. Essa dificuldade a gente tem hoje. As máquinas tem muita coisa frágil, com material de plástico quando deveria ser um material mais resistente, e, às vezes, as mulheres sofrem porque... Não sei se são enganadas porque se uma máquina overlock, boa, custa dois mil reais e a pessoa paga 300 em uma, sabe que... Mas a pessoa na sua ingenuidade, às vezes, a pessoa que vende, eu não vende máquina nova, eu só vendo usada, mas hoje em dia o meu comércio está mais difícil porque as máquinas novas estão baratas. Antigamente, uma overlock era muito cara, hoje você compra uma overlock boa, industrial, por 800 reais. Antigamente, as alemãs, japonesas eram bem mais caras.
P/1 – E o senhor falou do telefone, do quanto foi difícil de conseguir, quais outros equipamentos o senhor tinha na sua loja que ajudava o senhor a tratar com o cliente ou a se organizar?
R – Outro aparelho que a gente precisa ter na loja é um compressor de ar pra tirar sujeira das máquinas, que também é um aparelho claro. O resto não, é chave de fendas, essas coisas todas.
TROCA DE FITA
R – Tem senhoras de idade que querem maquininhas de manivela, de pedalar. Ainda existe, a gente faz, mas a gente aconselha a procurar se adaptar à realidade porque...
P/1 – É que às vezes é difícil se desapegar daquela maquininha...
R – Às vezes acontece. Hoje eu ainda faço adaptação de máquina com manivela, tem algumas senhoras velhinhas que querem. E, às vezes para atender os filhos vão, ainda tem essa possibilidade, ainda acontece.
P/1 – O senhor tem alguma máquina que o senhor se recorda com mais carinho? Ou alguma marca que o senhor prefere de trabalhar?
R – De trabalhar, ou que eu tenho a máquina? Eu tenho em casa, máquina que eu guardo, eu consegui uma maquininha antiga, interessante, uma maquininha bonita mesmo, mas bem antiga, coisa de cem anos que eu guardo como uma relíquia. É uma máquina canadense muito bonitinha que eu guardo, eu gosto. Eu tenho também em casa uma maquininha pequenininha assim, de manivela, que a gente reformou e tem guardado. Uma época eu colocava ela na loja, assim, mas eu levei pra casa porque tem pessoas que querem comprar de qualquer jeito. Como vocês que trabalham com coisas de antiguidade, essas coisas, tem pessoas que querem. Eu tirei da loja por medo das pessoas roubarem, né?
P/1 – Antes da gente continuar falando um pouco mais da loja, eu queria que o senhor descrevesse o bairro. Como era o bairro logo assim que o senhor assumiu a loja? Ou a região, da praça, pra quem não conhece.
R – A Zona Leste tem mudado muito, viu? Agora realmente existe uma expectativa com o campo do Corinthians que está sendo construído ali na região, e mudança bem drásticas mesmo. Mas não tem mudado muito, a única coisa mais recente que aconteceu foi a Jacu Pêssego, aquela avenida, que hoje já está complicado o trânsito ali. Mas no mais não mudou muita coisa. Agora ali na Praça do Forró está sendo construída a estação de trem, estão desativando alguns comércios, a construção já está bem adiantada, bem na praça mesmo. E vai ficar muito bonito. A gente vê lá a planta do projeto da estação, como vai ficar a estação, então, vai ter mudança. Mas todos esses anos não mudou quase nada, a avenida que eu estou está do mesmo jeito, algum comércio que quebrou, ficou mais bonita só a fachada, mas não mudou muita coisa, não, quase nada praticamente. A única coisa que mudou é a o trânsito insuportável ali na região, que está acontecendo justamente por falta de estrutura, de alguma mudança, que vai acontecer agora. Você vê, hoje mesmo, eu tava na loja e ouvi uma marcas no chão de gira, já são de pessoas que vão quebrar alguma coisa, não sei se é pra alargar a avenida, mas alguma coisa vai começar a acontecer agora. Mas até então, ó, o meu filho, faz 22 anos que ele casou e saiu dali, ele vai lá e fala: “Pai, não muda nada isso daqui, tá do mesmo jeito”. Radial Leste, aquela região, Marginal Tietê, que vai chegando ali na Penha, tudo a mesma coisa, não mudou nada, entendeu?
P/1 – E voltando a falar da sua loja, como é o atendimento? O senhor mesmo que atende os consumidores?
R – Eu já estou partindo pra começar a parar o negócio. Talvez esse ano, ou o ano que vem, continuar trabalhando mas de uma maneira bem mais sossegada, já estou caminhando pra isso já há algum tempo. Hoje, eu tenho um funcionário, já tive quatro, mas, de dois anos pra cá, a gente se acomodou, eu to mais pra parar. Hoje, minha mulher me ajuda porque ela quer, ela gosta, há uns anos eu disse: “Vou por uma moça pra fazer isso, vai treinar” “Não, não, não vai por nada. Eu que vou pra lá”. Eu achei que foi bom pra ela também, ela gosta de fazer isso. E quem atende cliente de antemão quando chega pra consertar uma máquina, comprar uma máquina, quando ela está, geralmente é ela. Ela chega umas dez, 11 horas e vai embora mais cedo também, ela gosta de fazer esse trabalho. Mas eu atendo também, e o outro rapaz é mais pra parte técnica, consertando.
P/1 – E qual é o diferencial da sua loja, como é que ela atrai os clientes?
R – Não faço propaganda nenhuma hoje.
P/1 – Mas chegou a fazer?
R – Cheguei a fazer algum tempo atrás com panfleto. Se você for hoje na loja, nem nome eu tenho na loja, a gente vive só de clientes que a gente já conquistou mesmo e a gente não tem interesse em ter mais coisa de jeito nenhum, pra ficar uma coisa mais tranquila, apenas pra se manter mesmo. Eu poderia ter hoje uma loja bem grande, mas nunca tive... Não sei se foi um erro, uma falha minha lá no passado, de não querer se expandir, alugar mais, crescer, nunca tive essa ambição, e não me arrependo disso não, pois vejo colegas que hoje cresceram a loja e estão passando por momentos difíceis porque é um gasto muito grande, mais ou menos isso. Hoje quem atende, logo de ponta, uma freguesa que chega, geralmente é a minha mulher.
P/1 – E como é que a loja atraiu esses clientes que estão fiéis à loja até hoje?
R – Eu creio que uma pessoa que entra lá, que é assistida, você faz o conserto, dá a garantia, e geralmente você faz um trabalho pra um cliente pra segurar ele pra sempre, entendeu? Tenho uns amigos que tem loja, eles fazem um conserto, põe a etiqueta deles lá, grudam na máquina uma, duas etiquetas, e, às vezes, eu vejo pessoas levando na minha loja a máquina com etiqueta deles, da outra loja, porque a pessoa... Eu nunca fiz nada disso. Hoje eu fico analisando, “Caramba, nunca peguei uma etiqueta minha na loja”. Não sei se você consegue entender, eu acho que a forma de você conversar com a pessoa, o atendimento, acho que isso é muito importante e é isso que tem segurado os clientes. Às vezes, o Jornal do Bairro vem me procurar: “Você não quer fazer propaganda?” “Não, não quero. Não preciso fazer propaganda”. Porque eu já tenho o suficiente e não posso ter mais porque não vou ter condições de assistir, se eu tiver mais não vou fazer o serviço direito. Então, é mais ou menos isso. Acho que é o bom atendimento mesmo, ser honesta com as pessoas. Tem mulher que leva lá a máquina com uma agulha virada, às vezes, ela não sabe, quebra uma agulha, põe uma agulha ao contrário e a máquina não costura mais. A gente chega lá e fala, eu cobro, mas eu falo pra ela: “Olha, sua máquina tem isso. Eu olhei, fiz tudo, quando eu descobri, vi que sua máquina está com a agulha virada”. Mas não vou cobrar aquele absurdo, falar pra ela: “Tava acontecendo isso, precise mexer aqui, vou cobrar tanto”. Não. “Sua máquina estava com a agulha virada e quando você põe a agulha virada a máquina até trabalha, mas trabalha muito mal e dá problema, prejudica a máquina”. A gente explica pra pessoa, senão, você conserta, cobra, ela leva a máquina, daqui alguns dias, ela quebra a agulha, põe a agulha virada novamente: “Tá com o mesmo problema a máquina”, então, você já explica. Acho que é isso, o resultado desses 35 anos. Muitas pessoas já abriram outras lojas lá depois de mim, mas já fecharam, não existem mais. As lojas que estão lá agora são lojas mais recentes, de dez anos pra cá. No passado, já existiam algumas lojas, quando eu peguei essa, dei continuidade na loja do rapaz já existia uma outra, mas essa outra fechou e eu fiquei. Teve uma época que eu fiquei sozinho, então, ganhei muito dinheiro também nessa época.
P/1 – E como é que surgiu o nome da loja?
R – (risos) Continua o mesmo nome do outro dono, chama Elimaq. Ele chamava Elias, então, Elimaq, e ficou o mesmo nome. Esse é o nome fantasia, porque o nome da empresa mesmo é Josue Lemos Microempresa, mas o nome fantasia ficou o mesmo nome. E na época tinha. Inclusive o Kassab pediu pra tirar tudo isso, fazer menor, só que a partir dali eu tirei e não fiz mais nada, tá a parede branca sem nada.
P/1 – E como era a fachada antes? Tinha o nome grandão, o logo?
R – Tinha um luminoso grande escrito “Elimaq Máquinas de Costura, Conserto e Vendas”.
P/1 – E quais são os dias e horários de funcionamento?
R – De segunda à sábado das oito às seis, não tem hora de almoço (risos), é corrido. E de sábado das oito às duas.
P/1 – E como é que faz para o senhor almoçar ou aguentar ficar o dia todo na loja?
R – Eu vou almoçar geralmente meio-dia e meia, uma hora, não tenho horário pra almoçar. A gente tem um lugarzinho lá que a gente almoça. E tem uma outra loja, que é do meu concorrente, ele sai. A loja dele é grande, ele é jovem ainda, então, ele tem máquinas com computador, tudo isso, ele passa na minha loja e nós vamos almoçar juntos. Ele é meu concorrente e nós vamos almoçar juntos (risos).
P/1 – E sobre o que vocês conversam no almoço? É sobre trabalho?
R – Geralmente, é sempre sobre trabalho. Como eu falei pra você, ele cresceu bastante, tem uma loja que é o dobro da minha loja e com máquinas modernas. Eu não tenho máquinas modernas, só trabalho com máquina usada, ele trabalha com máquina nova, máquina de bordar com computador, tudo isso. E ele reclama, hoje ele reclama muito. Ele tem cinco funcionários e, às vezes, ele fica preocupado, às vezes, precisava dispensar um funcionário pelo que acontece, depois pegaria outro, mas é problema fazer isso, e pega uma amizade muito grande. O pessoal de trabalho é como se fosse um a família, ele também é. E tem um outro, mas esse outro a gente conhece, mas não tem amizade. Um outro rapaz com o mesmo comércio que a gente faz, tudo, mas não tem amizade.
P/1 – E como é que o senhor escolhe as máquinas usadas pra revender? Vão procurar o senhor?
R – Os clientes vão procurar na loja, falam: “Tenho uma máquina assim e assim pra vender, interessa?”, é mais ou menos assim. A gente vai lá, olha a máquina, oferece. Às vezes, a pessoa fala: “Não, não vendo por esse preço, não quero”. É mais ou menos isso, as pessoas vão lá oferecer.
P/1 – O senhor tem estoque, tem várias máquinas na loja?
R – Já tive, hoje não. Hoje tenho só algumas máquinas na loja, mas não tenho estoque. Mesmo porque o pessoal hoje prefere máquinas novas, porque as máquinas novas hoje estão baratas, hoje vale mais a pena. Às vezes, eu até trabalho com máquina nova, às vezes, se o cliente chegar e falar: “Mas eu queria dessa nova”, então, a gente tem condições de providenciar. Porque as máquinas usadas você tem que reformar, às vezes, fazer um monte de coisa, pintar, e fica caro também, Às vezes, não compensa porque as novas estão mais em conta. Uma que você tem visto essa luta do governo com o dólar, né? O dólar tá baixando e geralmente com o dólar baixando, o preço das máquinas baixam também porque elas são importadas.
P/1 – E quando conserta o senhor, o cliente mesmo que vem buscar ou o senhor também entrega?
R – Às vezes, a gente entrega e, às vezes, a gente também conserta em casa, nas confecções, na oficina. Oficinas pequenas, às vezes, elas ligam e a gente vai lá consertar, o outro rapaz faz isso.
P/1 – E quando o senhor recebe a máquina pra consertar na sua loja, como é que o senhor prepara ela pra ir embora, pro cliente ir buscar? Embala, põe numa caixinha?
R – Não. Geralmente, o cliente traz em uma sacola. Tem muitos clientes que tem a máquina e quando ele compra aquela máquina, a máquina vem já com uma bolsa de transporte, geralmente ele já traz o material pra ele poder transportar.
P/1 – E em termos de pagamento, como é que um cliente do senhor pode pagar pelo conserto? Com dinheiro, cheque?
R – Geralmente eu prefiro dinheiro, aceito cheque também, mas geralmente eu tenho um lembrete lá pros clientes que eu prefiro dinheiro.
P/1 – E o que acontecia quando, por exemplo, a pessoa ia lá deixar a máquina, ia voltar e falava que pagava depois, aconteceu algum caso desses de ter de cobrar?
R – Acontece. Até por telefone a pessoa liga antes e fala: “To com uma máquina aí faz não sei quanto tempo, o meu marido morreu”, essas coisas mais ou menos assim. “Eu preciso da máquina, posso te dar um tanto?”. Eu falo: “Sem problema nenhum”. E acontece da pessoa fazer isso e não pagar. “Posso te dar um cheque porque eu não tenho agora”, e depois o cheque volta sem fundo. Inclusive, eu tava procurando um documento que eu tenho, documento não, uma reportagem que o jornal O Estado de São Paulo fez na minha loja, mas eu não achei. Pensei que estava em determinado lugar, mas não achei. O que eu achei foi um monte assim de cheque sem fundo, de dez, 15 anos atrás, um monte de cheque, eu falei: “Caramba!” (risos). Acho que esse monte de cheque, na época, eu dei para um advogado pra ver se ele recebia uma coisa, mas depois ele me devolveu, acho que ele conseguiu receber só uns dois, acho que foi um monte de cheque assim sem fundo.
P/1 – E quem são os seus clientes? São pessoas do bairro?
R – Geralmente, são pessoas do bairro, ali de São Miguel, mas vem pessoas de Mogi, de outras regiões também.
P/1 – E o que eles procuram na sua loja, fora a assistência? Em relação ao trabalho, eles tem alguma exigência?
R – Tem pessoas atrás de informações também. Porque hoje as confecções vão mudando tanto que, às vezes, pra você fazer determinado tipo de serviço tem aparelhos que se colocam na máquina. E as pessoas buscam esse tipo de informação. “Olha, eu to com um serviço aqui, tem que fazer assim, assim e assim”. A pessoa leva até o serviço, tem que fazer, que aparelho tem que usar, então, o mecânico vai orientar a pessoa também, dar uma orientação pra costureira. Hoje em dia, existe um zíper que você coloca e não vê, mas aquilo tudo é colocado com aparelho. Pregar botão, existe máquina de pregar botão, existem botões diferentes hoje, botões de enfeite. “Como é que eu prego esse botão?”. Existem aparelhos pra isso, as pessoas buscam informações técnicas também, pra poder fazer o serviço.
P/1 – E o senhor tem alguns de seus clientes que são conhecidos, que passam pra conversar?
R – Tenho, tenho clientes que são conhecidos.
P/1 – Como é que é essa relação?
R – Pra você ver, pelo tempo que a gente está, cliente que tinha confecções depois parou e continua sendo amigo da gente. Às vezes, até convida: “Vou fazer aniversário, vou fazer um churrasquinho na minha casa”, tem isso.
P/1 – E o que mais mudou no seu trabalho desde que você começou a mexer com as máquinas?
R – O que mudou foi justamente essa enxurada de máquinas chinesas, depois que começou mudou muito. Mudou porque é aquilo que eu falei pra você, eles controem máquinas realmente possantes, fortes, mas também muita máquina frágil e mudou muito, isso desestimulou muito também a gente se chatear. Às vezes, a pessoa chega com uma máquina, principalmente máquinas caseiras que bordam, fazem um monte de coisa. Às vezes, o cliente chega com uma máquina que vem lá da China, às vezes, você não encontra uma peça, quando quebra uma peça você tem dificuldade de repor aquela peça. Às vezes, você tem que fazer adaptações, às vezes, tem que falar para o freguês: “Olha, sinto muito, mas essa máquina sua não vai fazer mais esse tipo de bordado”. Isso também é uma das coisas que mudou muito em relação às máquinas mais possantes que existiam, alemãs, japonesas.
P/1 – E onde o senhor vai buscar essas peças, tem algum lugar específico que o senhor vai?
R – Tem. Importadores. Aqui em São Paulo tem a Cavemaq, uma loja muito grande aqui no Bom Retiro que vende peças para consumidor e lojista, tem até preço diferenciado pra lojistas. Tem várias, não é só a Cavemaq, mas ela é a mais forte.
P/1 – E como é que o senhor treinou os seus colaboradores? Como é que o senhor chegou a trabalhar com eles, o senhor dava treinamento?
R – Hoje existe lá na região, em Itaquera, na Cidade A. E. Carvalho, lojas. Um foi pra Pernambuco, tem loja lá e foi meu mecânico. Às vezes, ainda me ajudam no serviço, mas são donos de loja, trabalharam comigo, foram mecânicos.
P/1 – E como é que o senhor escolheu esses moços pra trabalhar com o senhor, o senhor se lembra?
R – Mais ou menos assim, eles estavam trabalhando na área já, mas de ajudante geral, mas conhecia um pouquinho, foi mais ou menos assim. A gente já se conhecia e todos eles foram. Esse que está em uma região de Pernambuco que só tem confecção mesmo, ele trabalhou comigo como mecânico na Singer. Quando eu comecei a trabalhar, ele foi trabalhar comigo. O outro a gente conhecia: “Tem um rapaz lá que é inteligente, trabalha em tal firma assim e assim, mas tá aprendendo”, foi assim que os mecânicos trabalharam comigo.
P/1 – E como é que era a sua relação com eles na loja?
R – Não existia esse negócio de patrão, não. E nem existe hoje com o rapaz que está lá. Ele é amigo mesmo assim, como se trabalhasse numa empresa, a mesma coisa. Não tem essa de ‘você é o meu patrão’, não existe isso, não. Nem tem razão pra existir isso, a gente é pequenininho, tudo no mesmo barco (risos).
P/1 – E como o senhor acha que a sociedade vê o comerciante hoje?
R – Nessa área de assistência técnica, eles ficam sempre com o pé atrás, que vai ser enrolado, enganado.
P/1 – E o que o senhor pode fazer pra mudar isso?
R – O que a gente pode fazer é aquilo que a gente faz desde o começo, ser honesto pras pessoas verem que ainda existem pessoas honestas, que trabalham direito. Tanto é que às vezes ainda aparecem alguns clientes que chegam assim: “Fulano de tal me recomendou pra trazer a máquina aqui”, a gente ouve isso. Então, acho que é. Não tem um jeito de mudar essa situação, posso mudar o meu comportamento, mas mudar o comportamento de outros, não sei como fazer isso.
P/1 – E tem algum horário de maior movimento na loja? Ou algum dia que coincide de ser mais movimentado?
R – Tem sim.
P/1 – Qual é?
R – Geralmente, os primeiros dias do mês são mais movimentados, de um à dez, primeira semana do mês geralmente tem mais movimento. Se você me perguntar o porquê eu não sei, mas a gente tem. E anos também, viu? Anos pares geralmente tem mais movimento na loja, são melhores, os ímpares são mais complicados. Esse ano mesmo tem sido um ano ruim, não sei por qual razão, mas existe isso. Eu sempre converso com esse meu amigo que tem loja também, ele pensa da mesma forma, a gente vê. No nosso ramo, é difícil fim do ano porque as confecções, roupa pronta, tem que estar na loja mais ou menos no mês de outubro pra revender, outubro, novembro, dezembro. Quando chega no final de outubro, a gente praticamente já para nossas atividades.
P/1 – E como é que faz pra segurar até o fim do ano?
R – Em termos assim, tem alguma coisa. Aí chega janeiro, fevereiro, sempre a gente tem isso: “Olha, as coisas vão começar a funcionar pra gente depois do carnaval”. Sempre é assim, depois do carnaval. A gente tem esse período, tem que se preparar pra enfrentar esse período, que vai ter o movimento fraco.
P/1 – E o senhor participa de alguma entidade sindical, associação de comerciantes?
R – Não. Às vezes, meu contador fala: “Você tem”. Mas eu vejo o sindicato do comércio, surgiu agora uma nova lei da prefeitura. Por exemplo, eu tiro nota com os talões de nota mesmo. Isso não pode acontecer mais agora, nesse mês que vem já não pode mais, tem que por a máquina eletrônica pra tirar a nota. Em todos esses anos aí, o sindicato nunca questiona essas coisas que o estado quer impor, entendeu? Às vezes, você gasta, paga, tudo aquilo, mas ele nunca questiona o governo. Tinha muitas lojas que tinham feito a fachada bonitinho, o estado veio e mandou tirar tudo, tem que fazer conforme eu quero fazer. O sindicato nunca questionou isso. Não é somente por isso, eu nunca participei, imposto sindical a gente paga porque é obrigado, mas nunca fui atrás, nada disso, não.
P/1 – E qual é a sua principal atividade hoje?
R – A loja? Hoje eu procuro mais, eu saio muito pra dar assistência aos clientes. Eu saio, vou na casa, converso, dou assistência. Por exemplo, a pessoa quer vender uma máquina, eu vou lá conversar. Pessoa quer comprar, às vezes, liga querendo comprar. Como eu to vendendo pouco agora, ligou, eu vou na casa conversar pra não perder a venda. Minha atividade é mais isso.
P/1 – E que materiais que o senhor leva quando tem que fazer uma assistência? Tem que levar uma malinha, alguma coisa?
R – Não, eu levo um catálogo só, catálogo das máquinas. Porque às vezes quando a pessoa liga, ela liga perguntando: “Você tem uma máquina assim, assim e assim?”. Às vezes, eu não tenho a marca que ela está pedindo, eu levo um catálogo de máquina nova e, às vezes, acabo convencendo a pessoa a comprar uma nova, que eu não trabalho, não tenho lá na loja pra ver, então, tenho que levar o catálogo.
P/1 – E o que o senhor faz ou gosta de fazer nas horas de lazer?
R – (risos) Eu sou evangélico, eu frequento a Igreja Batista. De sábado à tarde, eu vou lá pra igreja, sábado à tarde tem uma participação de futebol que o pessoal gosta de brincar, jogar. A gente fica lá no meio. E aos domingos, a gente fica na igreja direto. Vou de vez em quando no shopping com minha mulher, minha filha. Tenho uma filha ainda solteira em casa, tenho uma neta que mora comigo também, às vezes, vou no cinema, minha filha fala: “Olha, tem um filme assim, assim, que acho que vai ser bom”, e, às vezes, a gente vai assistir.
P/1 – E o senhor gosta e fazer compras?
R – Não.
P/1 – Nem supermercado?
R – Não gosto, detesto. Já fiz, mas de um tempo pra cá quem faz compra em casa é minha filha que vai fazer com minha mulher, eu não gosto de fazer compras, detesto.
P/1 – E como é o seu dia a dia hoje? O senhor levanta cedo, vai pra loja?
R – Não, não levanto cedo. Levanto sete e meia, oito horas. É cedo? (risos). Sete e meia, oito, saio de casa, às oito e meia. Geralmente, o horário de abrir a loja é nove horas, mas a gente abre oito e meia, o menino chega lá e abre.
P/1 – E o que o senhor sente falta no comércio? O que falta pro comércio da sua região? O senhor acha que falta alguma coisa?
R – O que falta pro comércio? Você fala pro comércio fluir melhor, pra atender melhor o cliente, essas coisas? Uma das coisas que a gente vê hoje, por exemplo, uma das coisas que tem me preocupado é o juros de cartão. Às vezes, o cliente quer fazer uma compra em quatro vezes, mas ele não quer pagar os juros, ele quer que você assuma a responsabilidade dos juros, certo? E são muito alto os juros. E às vezes eu falo pro cliente: “Você quer fazer em quatro vezes eu faço, mas a responsabilidade dos juros é sua”. E você vai fazer a conta daquilo, é um absurdo, e a gente aconselha ao cliente nem fazer aquilo, pra ele fazer de uma outra forma pra ele não pagar os juros tão alto.
P/1 – E faz tempo que o senhor trabalha com cartão na loja?
R – Eu não trabalho com cartão, mas esse meu amigo, quando alguém quer comprar com cartão vai na loja dele. E outra coisa, com o cartão, ultimamente, uma pessoa ia comprar uma máquina de 400 reais, ela falou: “Quero pagar em quatro vezes com o cartão”, nós fizemos a conta e ela ia pagar muito caro. E hoje até tinha um artigo no jornal que eu tinha visto até um tempinho atrás aí. Muitas firmas estão voltando a trabalhar com cheque por causa disso, muitas firmas, alguns lojistas estão dando preferência a pegar cheque pré-datado que tinha parado com isso, por causa dos juros altos do cartão. Quando a firma fala que vende quatro vezes com o cartão sem juros, mas ele paga o juros altíssimo, não está compensando isso. Essa é uma das dificuldades que eu vejo, que o cliente hoje está enfrentando.
P/1 – E indo pra uma parte mais pessoal, o senhor falou que é casado, comentou um pouco de dois dos seus filhos. Quantos filhos o senhor tem? São esses dois?
R – Eu tenho um filho moço casado. Tenho duas netas, são irmãs, uma com 21 anos, outra com oito, uma diferença grande, e uma filha solteira.
P/1 – E qual é a atividade deles? O que eles fazem?
R – O meu filho é corretor de imóveis, ele mora ali perto do aeroporto de Congonhas, ali na Chácara Flora. A minha filha trabalha em casa, é arquiteta, trabalha por conta em casa e faz muito artesanato também.
P/1 – O senhor gostaria que eles fossem comerciantes?
R – Não. Dependendo do tipo do comércio, por exemplo, uma loja. Uma loja hoje tem que trabalhar sábado até seis horas, sete, oito horas da noite, é complicado, né? Então, acho que o comércio tem esse tipo de coisa.
P/1 – E o senhor chegou a levar os seus filhos pra trabalharem com o senhor quando eles eram meninos?
R – Meu filho trabalhou comigo.
P/1 – E como é que foi essa fase? O que o senhor sentiu quando ele o acompanhava?
R – Ele estudava e trabalhava comigo, na época ele arrumou serviço, trabalhou no Bradesco, mas ele trabalhou comigo enquanto estudava. Ia na loja, ajudava numa coisinha, mas não chegou a trabalhar mesmo assim, não.
P/1 – E falando das mudanças do bairro que o senhor já comentou um pouquinho, que agora tem perspectiva de mudança. E em relação ao comércio? O senhor percebeu se apareceu algum tipo de comércio novo na região?
R – Apareceu sim. Apareceu uma loja grande que é a Kalunga. Inclusive foi desativada agora pela construção da estação que eu falei pra você. Ela tá sendo reconstruída ali em São Miguel mesmo, está em construção, mudou pra uma outra região. Tem uma outra loja, que eu não lembro o nome agora, mas uma loja bem grande também, bonita. Tem o Magazine Luiza, grande, que foi construída lá em São Miguel, que é coisa recente também. Tem algumas coisas assim, lojas grandes, mas não mudou a estrutura. Compraram um salão, outro, construíram uma loja bonita. Isso aí sim, mas estrutura de avenida, quebrar avenida, shopping grande na região, não existe isso.
P/1 – Tinha alguma coisa que existia e que agora não tem mais, que não acha mais na região?
R – Tem. Uma coisa que vocês sabem muito bem, cinema, por exemplo. Hoje existe lá o prédio do cinema que até há pouco tempo era uma Igreja Universal, mas era um cinema. Fui nesse cinema várias vezes, coisa de 40 anos atrás que eu já morava ali, e não existe mais. Acho que a gente sente falta. Parque. Tem uma região ali, onde hoje existe uma loja muito grande de pisos e azulejos, que era um parque. Eu lembro que levava a minha netinha lá no parque, era um parquinho bom, não existe mais isso na região.
P/1 – E falando em relação ao seu trabalho e ao seu dia a dia, teve alguma história marcante que aconteceu em algum momento, nesses 35 anos de trabalho? Algum fato peculiar ou engraçado que aconteceu na loja?
R – Eu acredito que deve ter acontecido alguma coisa, mas um dos fatos interessantes que aconteceu logo no começou foi justamente o problema do telefone. Tanto é que eu tive que vender uma casinha que eu tinha pra poder comprar o telefone. Então, a gente tinha uma dificuldade interessante. O que aconteceu foi o seguinte, antes de eu comprar o telefone, eu puxei de uma oficina mecânica, que tinha uma oficina grande que tinha uns 200 metros depois de mim, puxamos fio de telefone pra poder fazer uma extensão de telefone na época. Um fato interessante que logo na primeira conta nós não pudemos pagar a conta porque o filho dele usava o telefone a doidado, depois nós descobrimos lá (risos), um fato interessante foi isso aí. E acabou que eu falei, tenho que vender uma casa pra comprar um telefone porque aquilo não tava dando certo. Acho que foi um fato interessante que aconteceu. Você entendeu? A gente não tinha telefone e puxou uma extensão, aquele emaranhado de fio vindo pelos telhados, aquela coisa toda. A coisa é muito difícil no começo. Eu achei interessante uma coisa, já que estamos falando, eu ouvi no rádio, o rapazinho estava falando, conversando com um senhor de idade: “Hoje em dia nós temos a internet, temos isso, aquilo, e você no seu tempo, você não tinha nada. O que você tinha?” “No meu tempo a gente estava esquentando a cabeça pra que hoje você tivesse a internet e toda essa facilidade que você tem hoje aí” (risos).
Troca de fita
P/1 – Voltando um pouquinho, a gente conversou bastante sobre o seu comércio, um pouquinho do bairro de São Miguel. Só pra gente deixar mais específico pra quando a gente for ouvir essa entrevista, quando é que o senhor foi pra São Miguel?
R – Morar lá? Como eu fui morar em São Miguel?
P/1 – Como, quando?
R – A época mais ou menos assim eu não lembro, mas eu fui morar em São Miguel porque meus pais moravam em São Miguel, na região. Eu casei, meus pais moravam na Penha, como eu disse no início. Eu casei e fui morar na Vila Prudente, eu trabalhava nas proximidades da Vila Prudente, já era gráfico na época, trabalhava numa firma de nome Colibri ali na Vila Prudente, naquela região, e fui morar lá. Meus pais compraram um terreno em São Miguel, numa região um pouquinho afastada do centro e construíram. Eu morava em casa de aluguel. E nessa ocasião meus pais falavam: “Estão vendendo terreno aqui na região de São Miguel e você precisa ter uma casa”. Eu procurei uma casa, mas pra comprar uma casa seria difícil, então seria mais fácil comprar um terreno na periferia e construir. Eu morava na Vila Prudente, até procurei um terreno ali mas era muito difícil. Acabou que meu pai encontrou ali mesmo, “estão vendendo um terreno aqui”. Eu comprei o terreno, foi quando eu fui construir e morar em São Miguel, praticamente onde eu moro hoje ainda, no mesmo bairro. Foi desta forma que eu fui morar em São Miguel Paulista, mas eu já morava na região, só que mais pro centro, mais pra Penha. São Miguel é um bairro em depois da Penha, uns 20 minutos de carro. Foi assim que eu fui morar, a gente comprou o terreno e construiu a casa. Não é a casa que eu moro hoje, mas foi a casa que eu vendi pra comprar o telefone, a-ham.
P/1 – E como o senhor faz pra ir do trabalho até a sua casa? Porque o senhor falou que a sua loja é bem no centro de São Miguel.
R – Hoje? Eu vou de carro, mas são cinco minutos. Talvez eu comece a nem ir de carro mais porque não estou tendo mais lugar pra estacionar o carro, vou começar a ir de ônibus, talvez, vou ver aí. Porque justamente na praça onde eu deixava o carro acabou de inaugurar um Banco Bradesco. Tinha um sobrado, eles compraram, reformaram tudo, puseram um banco e quando vai acontecendo essas coisas, o banco foi construído praticamente sem estacionamento, tem estacionamento pra cinco carros somente, coisa que a prefeitura diz que não pode acontecer hoje, mas ela ainda permite. Acaba o estacionamento, não tem lugar pra você por carro na região. Eu posso ir até a pé, tem que andar um pouquinho, é uma distância de mais ou menos dois quilômetros, dois ou mais, mas dá pra ir a pé, às vezes, eu faço isso, quando meu carro quebra eu vou a pé. Então, to pensando em fazer isso porque tem dificuldade de estacionar o carro, principalmente no meu caso, eu coloco o carro de manhã, tem lugar pra por, mas eu pego o carro, saio pra fazer alguma visita, alguma coisa, quando eu volto não tem lugar pra por o carro (risos). Aí, fica difícil, mas de qualquer forma tem que ter o carro, então, estou pensando em ou deixar em casa, ou por no estacionamento. Aí, o estacionamento teria de pagar mensal porque entra, sai, não é mesmo?
P/1 – E como é que é a questão da segurança lá na praça? Tranquila de fechar a loja ou da movimentação?
R – Na loja pra gente é tranquilo, o comércio. Pra cliente já é mais complicado. De vez em quando, você vê assalto na praça, mas na loja assim não tem tido assalto. O único comércio que de vez em quando tem tido assalto é numa farmácia que tem ali na praça. A farmácia já foi assaltada algumas vezes, mas não tenho conhecimento de outras lojas terem sido assaltadas, não.
P/1 – E o senhor se lembra de algum caso que aconteceu no seu comércio?
R – De assalto?
P/1 – Não, de alguém que vem com...
R – Ah tem, conheço sim. Conheço casos de pessoa que veio, fez negócio comigo, preenchemos um recibo, a pessoa disse: “Vou buscar o dinheiro”, e voltar chorando porque foi assaltada. Isso já aconteceu.
P/1 – E casos de clientes virem na sua loja e pedirem coisas engraçadas, ou não usuais?
R – Como assim? Não entendi a pergunta.
P/1 – Se aconteceu alguma história peculiar com algum cliente de pedir um serviço ou material que não aconteceu? Algum fato marcante durante esses anos de loja?
R – Eu não sei se eu entendi bem a pergunta. Mas acontece de às vezes o cliente fazer um pedido por telefone e você confirmar tudo aquilo, dá um orçamento pro freguês, aconteceu um fato interessante, a pessoa levou a máquina antiga, galoneira, com a correia quebrada. Eu liguei pra Cavemaq, dei o número da máquina, eles me deram o preço da correia, eu passei o orçamento pro cliente, vai ficar em tanto, desmontei a máquina, fui na Cavemaq buscar a correia, até levei a correia. Chegamos lá na Cavemaq, e me deram a informação errada, que tinha, mas não tinha a correia. E essas correias são importadas. Aí, tentamos ver se dava pra fazer adaptação, não dava, mas eu já tinha dado orçamento pro freguês. Dei orçamento pro freguês, e o freguês deu um sinal pra mim, porque ia ficar caro o conserto, e depois não encontrei a peça. Depois de um tempo tentando ver se conseguia a peça em outros lugares, depois de um tempo, mesmo correndo atrás pra ver se outros fornecedores tinham ou não, ou uma coisa de outra máquina que servisse, procuramos ver, procurar informação com outros mecânicos pra ver se dava pra fazer alguma coisa, depois que chegamos a conclusão que não dava, chamei o freguês e falei: “Olha, tenho que devolver o seu dinheiro e não tem conserto”. A pessoa não quis saber: “Não quero meu dinheiro, quero minha máquina consertada” (risos). “Você me falou, passou o orçamento, disse que tinha, agora quero minha máquina consertada”. A pessoa chegou a ir pra Pequenas Causas, mas lá entenderam que não tinha como, eu levei o modelo da máquina, fotografia de uma máquina antiga, o que aconteceu direitinho. A pessoa entendeu, teve que entender, o juiz fez ela entender que não tinha como, que a gente não foi desleal, foi um acidente que aconteceu, não é mesmo? A pessoa entendeu, acabou comprando uma outra máquina. Foi orientação do advogado, pega a dela pra você aproveitar a peça e vende outra máquina pra ela. Mas chega nesses casos que acontecem, nesse período desses 35 anos aconteceu muita coisa assim, mais ou menos interessante.
P/1 – Certo, era isso mesmo! E quais foram as lições que o senhor tirou ao longo dessa carreira no comércio?
R – Que o ser humano é complicado, é difícil. Uma coisa que você acha que tem que ser, outro acha que não é nada daquilo. Você tem que saber tratar com pessoas diferentes e, às vezes, ainda acontece hoje, a inocência das pessoas ou, sei lá, ingenuidade. Às vezes, uma pessoa chega pra outra e diz: “Eu tenho uma máquina”, sabe que a pessoa quer comprar uma máquina, diz, ‘quero vender uma máquina pra você’, a pessoa ir lá, comprar a máquina sem testar, confiar na pessoa simplesmente e depois a máquina nem conserto tem mais. Tem por exemplo a Casas André Luiz que às vezes as pessoas levam a máquina pra fazer orçamento, fica caro o orçamento, não compensa. Eu vou usar pouco, quase não uso e não compensa gastar esse dinheiro. Ela pega e doa pra Casas André Luiz, que vende para um cliente que fala: “Vou comprar, é baratinho” e chega lá pra consertar. Você começa a perguntar: “Tem essa máquina há muito tempo?” pra conversar com o freguês pra saber. “Não, comprei de uma amiga, ou comprei na Casas André Luiz”. Às vezes já aconteceu de eu cair, e dizer: “Puxa vida, essa sua amiga. Essa pessoa não é amiga sua, não, pra vender essa máquina pra você”. Não deveria falar, mas às vezes acontece (risos), você vê que a pessoa... “Você comprou essa máquina da sua amiga? Olha, não funciona, essa peça aqui que tá quebrada não existe mais”, porque a gente conhece, né? “Você comprou a máquina sem testar” “Ah, a minha amiga falou que tava boa, que só faltava isso aqui e eu comprei”. Essas coisas acontecem. Às vezes, compram, levam lá pra consertar, daí eu pego e falo pro freguês, “Geralmente essas máquinas, a pessoa deve fazer um orçamento, fica muito caro, e ela pega e doa pra André Luiz”. E a André Luiz vende caro, não vende barato. Sem nenhuma garantia, já avisa a pessoa: “Já comprou aqui, se vira depois com isso aí, não adianta vir aqui pra reclamar”. Às vezes a pessoa compra e tem que jogar fora depois porque realmente não tem conserto.
P/1 – Se o senhor pudesse, o que o senhor mudaria no ramo do comércio? Tem alguma coisa que o senhor mudaria?
R – É. Hoje, muitas máquinas, principalmente máquina caseiras pra usar em casa, são descartáveis. Se eu pudesse mudar eu mudaria esse tipo de coisa. Porque é difícil. Às vezes, você vê a mulher comprar uma máquina nova, pagar caro, e de repente ela leva a máquina lá e você tem que falar pra ela: “Olha, quebrou isso daqui não tem mais jeito, não”. E existe isso, viu? Ou o conserto fica muito caro, ou realmente você não encontra mesmo a peça, entendeu? Porque plástico, essas coisas todas. Seria isso, se tivesse condições de se fazer, mas não existe, a possibilidade de você chegar num fabricante e falar: “Olha, fabrica uma coisa melhor aí, que se encrencar realmente tenha conserto”. E tem mulheres que entram com processo contra a loja em que comprou, e às vezes ganham, a empresa tem que dar outra mesmo se já saiu da garantia, acontece assim, assim e assim. Tem mulheres que levam, levam na loja, entram com um processo e a loja acaba dando uma outra, mesmo estando fora da garantia, acontece. Se tivesse condições de fazer eu mudaria isso, o governo não permitir que as pessoas fabriquem uma coisa descartável, acabou, tem que jogar fora. E existe muita coisa assim hoje, certo? Inclusive celular, que muitos celulares que tem por aí, quebrou tem que jogar fora, não vale a pena consertar.
P/1 – E qual é o seu sonho? Quais são suas perspectivas agora pro futuro?
R – Acabar com essa loja que eu estou, colocar uma lojinha, bonitinha, só com maquininhas caseiras pra atender um público de donas de casa, uma coisinha mais sossegada. Só eu, minha mulher, talvez mais uma pessoa pra estar ajudando a gente.
P/1 – E o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista? Contando pra gente um pouco da sua trajetória, da sua experiência de vida?
R – Eu não sei realmente qual é a finalidade de tudo isso, entendeu? Ainda não sei, mas achei interessante, uma coisa nova pra mim (risos). Nunca pensei em passar por esse momento, achei legal, gostei.
P/1 – E tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar ou deixar registrado, que a gente não tenha perguntado?
R – Eu tenho. Uma reportagem que foi feita a uns 25 anos atrás, e tem no jornal a minha foto. E o tema da reportagem era o seguinte, o comércio desta área estava passando por um momento difícil, eu tenho uma prateleira cheia de máquinas consertadas, então, o repórter está conversando comigo e acho que o título está mais ou menos assim: “Clientes abandonam máquinas consertadas por não terem condições de buscar a máquina, pagar o conserto”. Era mais ou menos isso. Até ia trazer, eu procurei hoje de manhã, mas não achei, sei que está em algum lugar.
P/1 – E ainda tem essa estante com as máquinas, ou os donos já foram todos buscar?
R – Não, mudou um pouco, mas tem ainda a estante. Não com aquelas mesmas máquinas, aquelas ou a gente reformou, ou revendeu, muitos foram buscar depois.
P/1 – E ainda continua com algumas máquinas que os clientes vão, pedem pra consertar...
R – Tem uns que demoram mas vão buscar, hoje geralmente vão buscar. Uns vão lá e dizem: “Não vim buscar a máquina, não, mas vim dar um pouco do dinheiro”. Acontece tudo isso (risos). É interessante.
P/1 – É mesmo. Então, seu Josue, em nome do Museu a gente agradece a sua entrevista.
R – Eu que agradeço também, esse momento foi muito bom. Agora só espero que vocês vão me levar em casa porque eu estou perdido aqui, não sei nem onde estou aqui, viu? Se eu sair aqui vou em sentido contrário e vou sair nem sei aonde.
P/1 – O senhor pode ficar sossegado.
R – Então, tá bom.
P/1 – Obrigada.
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