Depoimento de Assis Pereira de Albuquerque
Entrevistado por Ana Paula Soares e Manuel Manrique
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 04 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Senhor Assis, primeiro eu queria que o senhor nos falasse o nome do senhor completo, a data de nascimento e o local de nascimento.
R - Meu nome é Assis Pereira de Albuquerque, nasci em 1941, em Afogados de Ingazeira, estado de Pernambuco.
P - E o nome dos avós do senhor?
R - É... Antônio Barbosa... Antônio Pereira de Albuquerque, Antônio Pereira de Albuquerque.
P - E da avó?
R - Eu chamava ela de madrinha, eu esqueci o nome dela.
P - E os outros dois, os nomes deles?
R - Manuel Felipe e Ana Gomes Barbosa.
P - Certo. O nome dos pais do senhor...?
R - Ismael Pereira de Albuquerque e Maria do Carmo de Albuquerque.
P - O senhor nasceu em Pernambuco, né?
R - Em Pernambuco, certo.
P - E como é que era? Era um sítio, era um... era cidade? Conta pra gente.
R - Aonde eu nasci era cidade, Afogados de Ingazeira é uma cidade; agora, me criei no sítio. No sítio, aí realmente, depois nós passamos para o sítio e me criei no sítio.
P - E como é que era a vida do senhor no sítio?
R - A vida minha foi realmente uma vida meia... cheia de trabalho, de luta, desde os sete anos que eu trabalho
P - Desde os...?
R - Desde os sete anos de idade. Desde os sete anos de idade que eu trabalho. É... na agricultura e lidando com animais, que era gado, ovelha, cabritos, tudo isso.
P - O que é que o senhor plantava, lá no sítio, os pais do senhor, né?
R - Era algodão, mamona, milho e feijão.
P - E como que o senhor ajudava o pai do senhor?
R - Com uma enxadinha, também, trabalhando. É, enxadinha, também, trabalhando.
P - O pai do senhor ele era dono do sítio?
R - Não, ele era... sitiante. Vamos dizer, ele tomava conta dessa fazenda e... aquela palavrinha?
P - Meeiro?
R - Meeiro Ele era meeiro.
P - E o senhor me disse...
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Entrevistado por Ana Paula Soares e Manuel Manrique
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 04 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Senhor Assis, primeiro eu queria que o senhor nos falasse o nome do senhor completo, a data de nascimento e o local de nascimento.
R - Meu nome é Assis Pereira de Albuquerque, nasci em 1941, em Afogados de Ingazeira, estado de Pernambuco.
P - E o nome dos avós do senhor?
R - É... Antônio Barbosa... Antônio Pereira de Albuquerque, Antônio Pereira de Albuquerque.
P - E da avó?
R - Eu chamava ela de madrinha, eu esqueci o nome dela.
P - E os outros dois, os nomes deles?
R - Manuel Felipe e Ana Gomes Barbosa.
P - Certo. O nome dos pais do senhor...?
R - Ismael Pereira de Albuquerque e Maria do Carmo de Albuquerque.
P - O senhor nasceu em Pernambuco, né?
R - Em Pernambuco, certo.
P - E como é que era? Era um sítio, era um... era cidade? Conta pra gente.
R - Aonde eu nasci era cidade, Afogados de Ingazeira é uma cidade; agora, me criei no sítio. No sítio, aí realmente, depois nós passamos para o sítio e me criei no sítio.
P - E como é que era a vida do senhor no sítio?
R - A vida minha foi realmente uma vida meia... cheia de trabalho, de luta, desde os sete anos que eu trabalho
P - Desde os...?
R - Desde os sete anos de idade. Desde os sete anos de idade que eu trabalho. É... na agricultura e lidando com animais, que era gado, ovelha, cabritos, tudo isso.
P - O que é que o senhor plantava, lá no sítio, os pais do senhor, né?
R - Era algodão, mamona, milho e feijão.
P - E como que o senhor ajudava o pai do senhor?
R - Com uma enxadinha, também, trabalhando. É, enxadinha, também, trabalhando.
P - O pai do senhor ele era dono do sítio?
R - Não, ele era... sitiante. Vamos dizer, ele tomava conta dessa fazenda e... aquela palavrinha?
P - Meeiro?
R - Meeiro Ele era meeiro.
P - E o senhor me disse uma palavra que eu guardei que foi a tira a sorte. Como é que era isso?
R - O tira sorte, vamos dizer, a gente lá usava, vamos dizer... de quatro cabrito, eu tinha um: três era do dono da fazenda e um era meu. O gado era nas condições: era de oito, eu tinha um, sete era do dono e um era nosso, meu e de papai.
P - Ah, certo. E daí, com esse um, o senhor podia vender, o que é que o senhor fazia?
R - Podia... a gente vendia, vamos dizer, pra poder comprar outras coisas que necessitava.
P - E por que esse nome tira sorte?
R - Esse nome tira sorte, talvez, não sei porque a gente... É gozado, que foi a gente mesmo que inventamos esse nome eh... ele chegava na fazenda, no dia que, vamos dizer, eu comecei a ficar rapazinho, e eu peguei e falei com ele, eu falei: "Olha, eu acho que era melhor nós fazer o seguinte, fazer um tipo de uma sorte, aí, um tipo de um tira sorte pra, pra nós. Eu pegar e de... de três cabritos para o senhor e um pra mim." Ele pensou, falou: "Tá bom, é melhor que eu pagar para vocês." Então ficou nisso aí.
P - Tinha algum motivo de ser desta forma que o senhor trabalhava junto com o dono da fazenda? Porque, pelo que o senhor me falou, não havia salário?
R - Não havia salário, vamos dizer, era pra compensar, vamos dizer, um tipo de salário. Então nós não tinha, papai não tinha um pagamento por aquilo que ele fazia, por tomar conta da fazenda. Mas simplesmente, através desse, desse tipo de meia é que a gente tirava... vamos dizer... era um tipo de sorte, vamos dizer, de cada três, três era do dono e um era meu... era de quatro, de quatro, três cabrito era dele e... um era meu. E o gado era nas mesmas condições.
R - Certo. Como é que era lá, no sítio? Tinha problema de seca...
P - Infelizmente, inclusive a minha vinda para São Paulo foi através da seca. Aí é que veio o problema maior. Quando, isso em 1959, começou uma seca terrível, uma seca braba daquelas que o sulista já conhece, começou a morrer os animais. Faltou pasto, faltava tudo, e começou acabando com tudo. Aí realmente, aí eu conversei com meu pai... pode contar essa historinha?
P - Pode
R - Daí, eu conversei com meu pai, eu tinha mais três irmão, duas irmã e um irmão, e todos ali para não se criarem analfabetos, o que fizemos? Papai disse o seguinte: "Vamos comprar uma casinha lá na cidade, eu fico só tomando conta da parte da lavoura..." E aí eu falei com papai: "E eu vou para o Sul, vou tentar a vida lá no Sul", porque aqui já tinha alguns irmãos meus, né? Tinha dois irmão que morava já aqui em São Paulo. Aí peguei, vendemos o restinho que tinha para não acabar com tudo, entreguemos a fazenda pro fazendeiro, pro dono da fazenda e eu vim para São Paulo, tentar a sorte.
P - O senhor veio sozinho ou veio com o pai do senhor?
R - Não, vim sozinho, meu pai ficou lá.
P - Mas o pai do senhor tinha vendido a fazenda?
R - Não, a fazenda não era nossa A fazenda não era nossa, a fazenda, nós simplesmente tomava conta e era nessas seguintes condições, de trabalhar, de produzir e o que produzia era dividido entre o fazendeiro.
P - O pai do senhor continuou da mesma forma?
R - Da mesma forma. Só que depois ele entregou tudo. Porque aí eu vim para cá, comecei a trabalhar... e...
P - Eu queria só voltar um pouquinho para perguntar o seguinte: quais eram os tipos de brincadeira que o senhor fazia na infância?
R - Realmente a minha infância, minha filha, foi meia difícil, bem difícil. Inclusive nós... aonde nós morava não existia casa por perto. A minha, a minha, eh... divertimento seria brincar com os animais. Era, vamos dizer, o meu divertimento... muito, vamos dizer, (traquino?), aquele garoto sem experiência de vida, criado nas condições assim meio precária, difícil, sem estudo, mas a minha maior diversão era colocar os animais pra brincar, cabrito, bezerro... a minha diversão era brincar com os animais e cuidar deles.
P - E o senhor tinha irmãos?
R - Tinha, mas só que menor do que eu, tudo mais jovem do que eu.
P - Quantos irmãos mesmo?
R - Nós éramos em oito. Éramos, porque já morreu... faleceu um.
P - E vizinhos não haviam?
R - Perto, não.
P - O senhor não brincava com vizinhos?
R - Não.
P - Eh... naquela época, como é que era a divisão de tarefas dentro de casa?
R - Olha, é uma boa pergunta. A gente, vamos dizer, como eu, vamos dizer, o que estava em casa, era o mais velho, era carregar a lenha - a lenha, vamos dizer, é para cozinhar, porque não existia fogão a gás, era tudo na base da lenha, da madeira, cortar madeira. Esse era a minha parte e uma parte também, vamos dizer, de ajudar minha mãe, porque as duas irmã que eu tinha, era tudo novinha, ainda, não dava pra ajudar minha mãe. Então, realmente eu ajudava ela na parte de preparar... vamos dizer, uma comida, qualquer coisa assim, eu ajudava também ela.
P - E os outros irmãos?
R - Os outros irmãos, que eram mais velhos, já estavam aqui pro Sul. Estava um no Paraná... dois no Paraná e um aqui em São Paulo.
P - E a sua viagem, como foi a sua viagem do Nordeste a sua chegada em São Paulo?
R - A minha viagem do Nordeste para São Paulo, por incrível que pareça, naquela época não existia asfalto, era tudo por terra, até o estado do Rio. Essa BR-116, que cruza até o Paraná, naquela época era só barro e mais nada. Passei 14 dias na estrada em cima de um caminhão.
P - De um caminhão?
R - Num caminhão, uma carga de rede
P - Ah Carga de rede
R - Uma carga de rede E chegamos aqui no Brás. Aqui no Brás era onde descarregava os caminhão que vinha com aquelas carga de rede.
P - Como que o senhor conseguiu essa carona?
R - Não foi bem uma carona. Nós reunimos um grupo de rapaz e viemos tocar a vida em São Paulo. Como eu já tinha um irmão aqui, dois irmãos aqui em São Paulo, aí eu vim tentar a sorte
P - Quantos anos o senhor tinha naquela época?
R - Eu estava com... eu estava com 19 anos.
P - Antes disso o senhor já tinha vindo a São Paulo?
R - Já.
P - Ah, conta pra gente como é que foi.
R - A primeira vez que eu vim eu era de menor. E vim acompanhado com a família porque não podia viajar porque era de menor. Esse meu irmão já estava aqui em São Paulo. Chegando em São Paulo as coisas ficou difícil, porque eu era de menor e além de tudo não tinha estudo. Aí era muito difícil para mim arrumar trabalho. Passei uns dois meses, aí retornei novamente para minha cidade, para o convívio dos meus pais.
P - Em Ingazeira, né?
R - Afogados da Ingazeira.
P - E aí o senhor ficou quanto tempo em Afogados?
R - Aí fiquei mais um... praticamente uns dois anos, quando foi em cinqüenta... 59 para 60 eu retornei para São Paulo.
P - Que foi quando o senhor veio com as redes, com carregamento de redes?
R - Isso, que eu vim com o carregamento de rede.
P - E quando o senhor chegou aqui qual foi assim... o primeiro trabalho que o senhor teve?
R - O meu primeiro trabalho foi o seguinte: no dia que eu cheguei, é... um irmão meu, que trabalhava na Casa do Mate, estava saindo dessa casa, e tinha uma vaga. E o... ex-patrão dele pegou e me convidou, disse: "Quer ficar na vaga do teu irmão?" Eu falei: "Quero" E daí por diante iniciei minha vida de trabalho.
P - O que é que o senhor fazia na Casa do Mate?
R - Fazia chá. Fazia o chá mate. Comecei a aprender não tem muito segredo, mas ele me ensinou aquilo que era realmente necessário e eu comecei a fazer o mate.
P - E... o que eu ia perguntar pro senhor, o senhor já atendia os clientes, já servia no balcão?
R - Atendia Trabalhava no balcão
P - Agora que o senhor está me falando disso eu estou me lembrando quando eu falei com o irmão do senhor, ele me contou que tinha... a Casa do Mate, no começo, ela não vendia chás, ela, dava chás pras pessoas experimentarem?
R - O chá, vamos dizer, o que seria dado, era o pacotinho, porque o mate realmente quando ele veio pra São Paulo, essa Casa do Mate que foi fundada em 1950 por Hermes Bueno de Morais, é... um senhor lá de Amparo e outros lá do Rio. Eram amigos e eles começaram. O Instituto Nacional do Mate, que era na época de Getúlio Vargas, ele que fornecia o mate para a divulgação do mate, e aí eles colocaram essa casa. O mate eles cobrava chá, o litro, para, vamos dizer, você tomar no balcão, então era realmente pago, mas se oferecia um pacotinho de mate, só um pacotinho se dava, para a pessoa levar pra casa, pra ela fazer, e a gente ensinava como fazer. Porque naquela época ninguém quase conhecia o mate, a não ser o chimarrão lá no Sul, porque o gaúcho, vamos dizer, eu acho que desde que o Rio Grande do Sul é Rio Grande do Sul que todo o mundo sempre toma o seu chimarrão. Mas o mate, ele realmente foi divulgado de 50 pra cá. Que antes, você comprava um pacotinho de mate numa farmácia.
P - Ah, na farmácia?
R - Na farmácia Você comprava como se fosse remédio Um chá, um chá comum, vamos dizer assim, comprava na farmácia. Não tinha em mercado - apesar que naquela época quase nem existia mercado também, né?
P - Não existia mercado?
R - Quase não existia Existia uns mercadinhos, hoje é que... Com toda essa evolução, que qualquer coisa você encontra tudo.
P - O que é que tinha para... nos mercadinhos assim, pra se vender?
R - Os mercados, seria, vamos dizer, o arroz, feijão, é... a farinha e outras coisinhas assim, mas a maioria daquelas época se comprava era nas feiras. As feiras livres, que até hoje ainda tem, mas os mercados era muito pouco.
P - E quando o chá era vendido em farmácia, as pessoas achavam que era remédio... ele tinha alguma finalidade como remédio?
R - Vamos dizer... naquela época eles tomavam, vamos dizer assim, diziam que o mate era meio calmante... quando na realidade ele não é tão calmante, ele é uma bebida gostosa, saudável, geladinho... porque eles tomavam mais quente... Depois é que foi inventado pra tomar ele geladinho. E através dele ser gelado ele se tornou ser um refrigerante, é como um refrigerante.
P - Bom, na Casa do Mate servia chá quente, chá frio...
R - Era o chá gelado e o quente, tinha o quente também, mas a força maior era o gelado.
P - Quanto tempo o senhor ficou na Casa do Mate?
R - Na Casa do Mate eu fiquei 19 anos como empregado.
P - Certo. Em que momento surgiu o mate com leite?
R - Foi em mil novecentos... e sessenta e oito.
P - O senhor estava na... Casa do Mate?
R - Na Casa do Mate.
P - Conta pra gente, senhor Assis, como é que surgiu essa história...
R - Essa historinha realmente é meio interessante e... ao mesmo tempo muito agradável. Chegou dois rapaz, que era da minha cidade, conterrâneos meu, e perguntaram para mim: "Assis, você não tem... uma vitamina, uma coisa assim para matar a nossa fome? Nós realmente estamos com fome, estamos desempregado..." E eu respondi pra eles: "Olha rapaz, eu infelizmente só tenho chá. E mais nada. É só chá". Aí me veio na mente de fazer uma vitamina para eles. Eu peguei, pequei uns trocados, pedi para eles, que ao lado, na Avenida São João, ao lado tinha uma padaria por nome de Radiação, Padaria Avenida Irradiação. Aí eu pedi para eles ir lá comprar uma latinha de leite, leite Ninho de 200 gramas, e ao lado tinha uma casa de fruta, uma quitanda de fruta. Eles compraram lá também umas maçã, é... banana, e me trouxeram. Aí fizemos uma vitamina. O líquido, eu coloquei o chá. Aí quando eles... eu também tomei e achei muito gostoso Falei: "Puxa vida, é gostoso" Eles tomaram um copo, tomaram mais meio copo, e todo o mundo ficou satisfeito. Aí, realmente me despertou, porque achei gostoso, e achei agradável. Aí peguemos, daquele restinho daquela lata, da latinha de leite que ficou, colocamos um cartazinho na parede: Temos mate com leite. O pessoal chegava, olhava: "Mate com leite? Mas isso presta?" Mas assim mesmo a gente fazia um pouquinho para o cara experimentar, "Puxa, é gostoso, muito bom" e daí pra frente começou. De uma latinha passamos a comprar... de 200 gramas passamos a comprar uma latinha de meio quilo, depois de um quilo, depois de 10 quilos, que era o Itambé, leite Itambé... E daí por diante, aí realmente a coisa foi. Aí quando foi é... mil novecentos e se... setenta e nove para oitenta, houve uma mudança na Casa do Mate, houve uma mudança. Eu, nessa época, eu era gerente da casa. E realmente, quando chegou na década de 70 pra 80, então realmente aí começou a surgir na minha mente que eu tinha capacidade... porque o dono, ele saía de férias, eu tomava conta, eu comprava, eu fazia de tudo, quando ele chegava de férias seu dinheirinho estava lá, tudo... resumido, direitinho... e eu coloquei na minha mente: "Meu Deus, por que eu vou ficar a minha vida toda de empregado?" E ele me prometia eh... uma sociedade, só que essa sociedade nunca chegava... aí eu me propus a procurar um sócio, e o pior é que eu não tinha dinheiro. Mas eu tinha, vamos dizer, o know-how do trabalho. Eu falei: "Eu acho que com esse know-how de trabalho eu posso adquirir alguém que possa me dar uma mão." E eu procurei, comecei a procurar. E para minha surpresa, encontrei quatro pessoa que me aceitou. E inclusive pessoas que era vizinho; a primeira loja nossa, do Rei do Mate, quando foi fundada, é vizinho da Casa do Mate. O... esse que hoje é meu sócio, seu Kalil, eu me propus pra ele, conversei com ele se ele queria naquela casa montar uma casa de mate. Ele achou meio chato porque ele também era amigo do dono da Casa do Mate. Aí ele pegou e falou pra mim: "E se nós convidar ele? Eu topo ir você como sócio, entra nós quatro como sócio, e a minha parte você toca através do teu trabalho. Eu entro com o dinheiro e você com o trabalho." "Tudo bem" Aí foram convidar ele. Só que ele começou enrolando, embrulhando, vamos dizer, aceita hoje, aceita amanhã, e não dava uma decisão. Aí eu peguei, e chamei ele eu falei: "Bom, o senhor vai entrar de sociedade com a gente? " "Assis, tenha paciência, depois nós montamos uma outra casa." Aí ficou naquilo, eu peguei, me decidi. E falei para eles: "Olha, ele não quer, quer topar, vamos mudar a casa."
P - Desculpe, pode continuar.
R - Eh... Aí fizemos, vamos dizer, conversamos, sentamos, fomos conversar sobre a sociedade. Ele topou a sociedade, só que realmente eu ia trabalhar, eles me entregavam a casa, e... chegava no fim do mês... eu passava toda... vamos dizer, a parte, ah... a parte da documentação, parte burocrata, assim, quem tomava conta era eles, e eu do trabalho. E daí começamos Realmente, graças a Deus tivemos sorte, eh... começamos vender bem, trabalhando bem, e daí pra frente... aí surgiu outra oportunidade, outra casa, com esse mesmo senhor, seu Kalil, depois é... em setenta... setenta não, em oitenta e... oitenta e cinco, oitenta e seis, entrou um filho dele. Aí entrou com idéias novas, aí fez uma revolução, vamos dizer, em tudo e hoje, para não conversarmos muito, estamos, praticamente... praticamente não, ao todo são 15 casas, entre franquia e as casas próprias.
P - Eu queria voltar um pouquinho para perguntar... o senhor me falou que o senhor Kalil, o sócio do senhor, tinha um estabelecimento próximo, ali na Avenida São João. Qual era o estabelecimento dele?
R - Era uma, vamos dizer, antes era uma casa de churro, só que ele comprou esse ponto e ele estava indeciso - antes ele era dono de camisaria - então ele estava meio indeciso o que era que ele iria colocar e foi quando eu realmente eh... joguei essa semente na cabeça... na mente dele, se ele queria topar uma sociedade para abrir uma casa de mate. Foi aí que realmente surgiu. Aí eu com outro irmão fomos bolar um nome, pensar em um nome.
P - Como é que surgiu esse nome?
R - O meu irmão, hoje ele é falecido, ele pensou... "Assis, vamos colocar Tiara do Mate". Falei: "Tiara do mate? O que é que significa isso?" Ele falou: "Tiara é o que as rainha usava, é o tipo duma coroa na cabeça." Eu falei: "Mas fica meio esquisito. E rei? Em vez de rainha, rei, Rei do Mate" Aí realmente surgiu o Rei do Mate. Aí fomos e... para abrir a firma, deu para se registrar o nome como Rei do Mate e hoje é patenteado também, o nome do Rei do Mate é patenteado.
P - Quando o senhor abriu a Rei do Mate, qual era o produto que o senhor mais vendia?
R - O mate com leite. Até hoje, esse é o campeão.
P - Ah, é? Campeão de vendas?
R - Campeão de vendas.
P - E o senhor não vendia mais o mate quente... puro...
R - O quente... sai, mas é bem menos. O puro também sai, porque tem aqueles que gosta realmente de saborear o sabor do mate, só o mate. Mas a maioria... hoje porque realmente às vez a pessoa num... num está disposta a almoçar, então ele pega, ele toma... porque o mate com leite é uma vitamina. Você tomando um mate com leite, vamos dizer, meio-dia, que é a hora que você vai querer almoçar, dá para ir até às 6 horas tranqüilo sem precisar almoçar e vai direto depois pra casa pra... jantar e faz uma refeição só, é um alimento.
P - Eu quero voltar ao final da década de 50, quando o senhor vem para São Paulo e faz o serviço militar. O senhor poderia contar que lembranças o senhor guarda daquele período do serviço militar, onde o senhor fez...?
R - Realmente, para mim, eu tinha a maior vontade de servir o serviço... fazer o serviço militar. Para mim era uma coisa que... ia abrir a minha mente. Mas ao chegar lá, a coisa foi diferente. Apesar que lá, eu encontrei muitas coisas que abriu também a minha mente, me esclareceu muitas coisas a qual, às vezes, eu não tinha aquele conhecimento. Por não ter estudo. Inclusive quando eu cheguei lá, no quartel, e... fui para a escola, no próprio quartel, tinha horário de escola, apesar que era difícil para mim estudar, não sei o porquê, mas encontrei uma grande barreira, uma grande dificuldade na parte do estudo. Mas, devagarinho aprendi alguma coisa. E dentro do quartel, eu comecei... sendo ordenança de um coronel, coronel tenente, coronel (Poitas?), o nome dele, eu era ordenança dele e naquela, naquela época, como até hoje ainda tem, a Hípica de Santo Amaro, e eu treinava à cavalo, como eu já vinha do sítio, já conhecia cavalos, eu treinava para hipismo, para saltar. Inclusive fui convidado para ir para o Japão com ele, pra fazer um torneio, mas na época eu já estava a época de eu dar baixa, ele pelejou comigo para me engajar, queria que eu fizesse um cursinho de cabo e ficar no quartel. Mas realmente eu fiquei muito indeciso, porque eu já trabalhava na Casa do Mate, e o meu ex-patrão, que era o seu Hermes, que pra mim foi um pai, um amigo, me educou, me esclareceu, me ajudou muito Pra mim foi uma pessoa que me deu um entusiasmo na vida Então ele pediu para mim que retornasse. E eu fiquei naquela dúvida, não sabia onde é que eu ficava, se realmente eu ficava no quartel ou se voltava para a Casa do Mate, até que eu decidi voltar para a Casa do Mate.
P - Quanto tempo ficou no...
R - Um ano, 12 meses eu fiquei no quartel. Num chegou 12 meses, vamos dizer assim: 11 meses, e pouco, quase, quase um ano.
P - E... aquela vida rígida da vida militar, como é que era o lado do lazer e recreação?
R - Olha, realmente a vida do militar é um pouco... meio privada. Você tem que ter um certo respeito, um... tem que obedecer às ordens. Agora, eu, no quartel, para mim não houve dificuldade porque eu era um caboclo, vamos dizer, da roça, caboclo que estava disposto a tudo, pra mim não teve dificuldade. E foi na época, na época que eu servi, foi a época que o Jânio Quadros tinha renunciado. Então houve um pouco assim de... estava quase como pé de guerra, foi aquela confusão toda, o Jânio Quadros tinha renunciado e o João Goulart tinha retornado ao poder. Então ficou aquele clima meio difícil... mas mesmo assim pra mim estava tudo bem.
P - Bom, aí o senhor opta largar o serviço e entra na...
R - Retorno para a Casa do Mate.
P - Como era a freguesia, quem freqüentava a Casa do Mate?
R - Olha, por incrível que pareça... como naquela época as coisas era completamente diferente Vamos dizer, a São João era freqüentada por todas as classes. Quem... uma das personalidades, que realmente me recorda muito foi o finado Adhemar de Barros, chegou a tomar mate lá, na Casa do Mate. Jânio Quadros, também, já passou lá em frente da Casa do Mate, também, finado Jânio Quadros. Essas são as personalidades que realmente me recorda, na época. É... é uma casinha pequena, mas freqüentada por pessoas de todas as classes. E amigos, advogados, eh... militares, enfim, inclusive o ... esse meu ex-patrão, seu Hermes, ele tinha servido na base aérea, era da aeronáutica, então ele tinha, vamos dizer, um contato muito grande com os militares. Então era quase um ponto de encontro daquela turminha. Um lugar muito bacana.
P - E como era a rotina da Casa do Mate: abria a que horas, qual era os horários de pico, como é que era o funcionamento?
R - O funcionamento da Casa do Mate, vamos dizer, ela abria às 8 horas e ia até às 23 horas, era esse o horário. Agora, vamos dizer, nós trabalhava em dois turnos de pessoas, um trabalhava até às 4 e outro, até fechar.
P - Na Rei do Mate, como é a mesma... como é que é o horário de pico, como é que é o horário de abertura e de encerramento da loja?
R - Abertura sempre é na, no Rei do Mate é às 8 horas, o pico começa, vamos dizer, do meio-dia até umas 8 horas da noite sempre tem um bom movimento.
P - O senhor, lá serve lanches, também?
R - Aonde eu estou não servimos lanches, mas em outras casa nós temos na Praça da Sé, tem três casas na Praça da Sé, lá tem lanche também. Tem uma na Barão de Itapetininga, essa também é só o mate, é... na Dom José de Barros, essa é só o lanche, aliás, só o mate, umas polpas de frutas e o mate, só. Mas tem outras que realmente serve lanche.
P - Quantas casas tem ao todo o Rei do Mate?
R - São quatro de franquia...
P - Quatro de franquia?
R - É, quatro são franqueadas e... e 11 são pertencente ao grupo.
P - O senhor é sócio das 11?
R - Não, eu sou sócio só de seis casas. Porque eu peguei, dei uma, vamos dizer, nós fizemos uma abertura para aqueles que realmente queria deslanchar mais, como eu me senti, assim, vamos dizer, muito acarretado de trabalho, eu peguei e abri o leque e deixei realmente os outros que quisessem montar casa, podiam montar, só que ficou, vamos dizer, nas mesmas condições, para aquele que quisesse somos convidados, normalmente, o que... encontramos uma loja, nós nos reunimos, "quer participar?" Aquele que quiser participar, participa, o que num quiser participar, não participa daquela loja. Cada loja é individual, pertencente ao mesmo grupo.
P - O grupo cuida dessas, dessas... eu me perdi um pouquinho... o senhor tem... quantas casas são de franquia? Quatro?
R - Quatro.
P - E quantas são do próprio grupo?
R - São 11.
P - Dessas 11, o senhor é sócio de quatro?
R - De seis, seis lojas.
P - E das outras, quem cuida?
R - Dessas seis, é Antônio Carlos, que é filho do senhor Kalil, esse que realmente foi que fez uma revolução, esse que fez com que dentro de três anos ela tivesse essa explosão. Porque antes nós tinha... quando ele entrou, nós só tinha duas casas, e dentro de três anos passou pra esse montante todo.
P - E que é que ele fez? Qual foi a revolução dele?
R - Vamos dizer, porque é um rapaz bem preparado, é advogado, é formado em economia, é um rapaz bem preparado e entrou com muita força de vontade, muita vontade de trabalhar E realmente fez com que andasse bem.
P - Mas o que é que ele... teve alguma inovação que ele fez...?
R - Teve, teve. Porque, antes, nós só tinha o mate, como eu te falei no início, o mate com leite e uma polpa só, que era a polpa de cacau. Aí depois ele começou realmente criando. Começou também, vamos dizer, essa invasão do Norte, das polpas de frutas, as frutas tropical lá do Norte, que vieram pra aqui pra o Sul, e aí começamos a adaptar todas. E tem mais alguma coisa que realmente ainda vão ser adaptada ao mate. Ele tem outras idéias que vai colocar mais alguma coisa.
P - Teve alguma propaganda que o senhor fez da casa, alguma coisa pra divulgar mais?
R - Tem. A propaganda maior, vamos dizer, foi através de jornal.
P - Ah, de jornal?
R - Tem, tem.
P - Como é que foi isso?
R - Ah... vamos dizer, são matérias que não foi nem paga, nem nada, as pessoas que realmente se interessaram de divulgar cada vez mais, vamos dizer, o mate. Porque o mate realmente é uma bebida nossa, e saudável. Então, não recordo agora direito, mas acho que é no Estadão, no Diário Popular. Então, através dessa, dessa abertura que houve, inclusive saiu até no Aqui e Agora, também saiu... Eh... eles passaram lá e fizeram, vamos dizer, eh... gratuitamente; tomaram mate, gostaram e pegaram e fizeram uma propaganda também do, do mate. Através da televisão.
P - E as franquias? Quem que teve a idéia de fazer franquias?
R - É o Antônio Carlos.
P - O senhor sabe mais ou menos como funciona...
R - Vamos dizer, essa parte ficou... incumbida exclusivamente pra ele, mas tenho, eu posso dar algumas dicas, vamos dizer assim. É... fica em torno de dez mil reais, vamos dizer, para usar o nome da casa. O nome da casa fica em torno de dez mil reais. Agora, para você montar uma casa dessas, você vai gastar em torno de uns 30 mil reais.
P - E tem algum treinamento que se oferece para os funcionários?
R - Tem Uma franquia, ela é, quando você entrega a casa, ela é pronta de tudo, completa Treinamento de funcionário, como preparar, tudo, nós fornecemos tudo, faz todo o, todo o fornecimento do mate, de tudo.
P - Do mate inclusive?
R - Inclusive do mate. Já faz o xarope, e já leva lá pros franqueados.
P - Quem fornece o mate pra casa?
R - É, vem de Santa Catarina é Delbi Machado, Mate Ouro.
P - Sempre foi Delbi Machado?
R - Não, antes era o... Mate Munhoz, do Paraná. E antes, no início, que aí foi, vamos dizer, da época do Getúlio, era do Rio Grande do Sul, era o Instituto do Mate que fornecia.
P - Eu queria lhe perguntar... o senhor foi casado duas vezes, né, teve uma primeira mulher, né, e depois a atual...
R - Infelizmente o primeiro casamento, houve... não demos pra se entender, não deu para se entender e realmente tivemos que cada um tomar seu destino.
P - Onde o senhor conheceu sua primeira esposa?
R - Em Afogados de Ingazeira, Pernambuco, lá na minha própria cidade...
P - Como que o senhor a conheceu?
R - Olha, realmente... na época, eu tinha o que, eu estava com 17 anos, mais ou menos, 17, 18 anos, e eu ia saindo da igreja, por ser muito católico, estava saindo da igreja, na porta da igreja, na pracinha... como sempre, todos rapazes e moças se encontra na pracinha, pra ficar ali batendo papo, foi numa praça que nós se encontramos e se conhecemos.
P - E... o senhor tem filhos com ela?
R - Tenho três meninas. Três meninas, inclusive vivem comigo, moram comigo.
P - E essas filhas do senhor, o que é que elas fazem agora?
R - Só estudam.
P - O senhor acha que elas vão seguir no ramo com a Rei do Mate?
R - Olha, não sei, porque, vamos dizer, uma está querendo ser... todas está pro lado da medicina, não sei realmente se vão ficar com esses pensamentos, quer ser médica. Outra quer ser dentista, enfim, aí eu não sei realmente, aí depende delas.
P - E o senhor gostaria que elas trabalhassem com o senhor?
R - Gostaria, gostaria. Agora, tem o meu caçula, né, que está... do segundo casamento, que está com três aninhos, quem sabe se mais tarde esse não pode assumir o lugar do seu pai, porque realmente daqui pra frente só Deus sabe.
P - E sua atual mulher, como o senhor conheceu ela? Ela é daqui de São Paulo?
R - Não, não é daqui. Eu não sei, parece que é a força do destino... que faz com que a gente nos encontre, porque... um amigo meu ia casar. Um amigo meu ia casar e aí ele me chamou para ser padrinho de casamento. E na época eu estava separado, não tinha a companheira para realmente ser o casal. Eu falei: "Olha, só que eu num... estou sem namorada, não tenho ninguém, como é que nós faz?" Ele falou: "Gozado, eu tenho uma prima da, da que vai ser minha esposa, é uma moça muito bacana, quem sabe? Eu vou convidar ela, para ir ser padrinho junto com você." Aí eu falei: "Tudo bem." Só que nós não se conhecia, nem nada, nos conhecemos através de sermos padrinho desse meu amigo, e começamos gostar um do outro, e daí nasceu o namoro e depois veio o casamento.
P - Quando o senhor conheceu a sua segunda esposa, o senhor já era separado?
R - Já era separado.
P - Há quanto tempo, mais ou menos?
R - Estava com... cinco anos, de cinco pra seis anos que estava separado.
P - Pelo que eu estou entendendo, o senhor veio com sua primeira esposa pra cá?
R - Não. É... eu vim pra cá, depois de dez anos, dez anos que se passaram, nós nos encontramos aqui em São Paulo e houve, vamos dizer... Vamos falar o português claro? Tivemos relações, ela engravidou e eu não queria deixar alguém no mundo sem, sem pai e realmente casei-me com ela.
P - Uma pergunta. Eu queria saber do senhor... sobre o lazer, também. O senhor trabalhava muito, entrava às 8, fechava às 23. Mesmo pegando um turno ou outro turno, o trabalho era intenso. Eu quero saber qual era, como que o senhor descansava ou se distraía aqui na cidade?
R - Olha, realmente, é uma pergunta que todos gostaria realmente de ter, vamos dizer assim, um esclarecimento sobre o lazer. Realmente eu... minha vida foi um pouco, meia difícil, por que difícil? Porque sabe, a pessoa quando trabalha de empregado, o salário dele é pequeno, como todos sabemos. Então, na minhas horas de lazer eu ainda pegava, ia marretar, como se diz, pegava um bilhetinho, pegava confecções e ia vender, essa foi minha vida de lazer. Por quê? Nessa época eu era solteiro, mas eu tinha três irmãos que estava na escola e eu queria que eles estudasse. Porque eu não tive a oportunidade de estudar, mas eu queria que eles estudasse. Realmente aí me esforcei pra que realmente eles estudassem. Não chegaram, vamos dizer, àquele ponto de se formarem, mas se formou uma como professora, outra como pedagógica e assim por diante, cada um teve uma base. E isso foi realmente a minha vida de lazer. Num tive quase lazer. Hoje, graças a Deus, já estou tendo um pouco desse lazer. Hoje eu estou usufruindo um pouco aquilo que realmente eu plantei. Foi um plantio difícil, uma luta difícil que não é fácil, mas hoje graças a Deus já dá para eu ter um lazer, já dá para passear um pouquinho.
P - Que é que o senhor faz nas horas de lazer?
R - Eu gosto muito de praia; gosto de praia, gosto de piscina.
P - Pra onde o senhor costuma viajar?
R - Eu gosto mais ir pro litoral, Peruíbe, tenho uma casinha lá em Peruíbe.
P - E quando o senhor nos contou que vendia, que trabalhava como marreteiro, o que é que o senhor vendia?
R - Eu trabalhei com bilhete de loteria, eu trabalhei com confecção, era... roupa femininas...
P - Ah, o senhor mesmo vendia?
R - Vendia.
P - Conta pra gente como é que era?
R - Era difícil, porque também, vamos dizer, vida de marreteiro, sabe como é que é. Sempre, depende muito do, de cada prefeito que tá na prefeitura. Tem uns que é mais liberal, tem outros que é mais difícil, então sempre era aquele corre-corre. Mas sempre dali eu... ganhava alguma coisa também, e nunca deixei de trabalhar registrado, inclusive estou para me aposentar.
P - Em que época que o senhor trabalhava vendendo essas... essas confecções?
R - Essas confecções eu trabalhei de 64 até 1975, por aí, mais ou menos.
P - O senhor vendia roupas femininas?
R - Roupas femininas.
P - Onde o senhor vendia?
R - Eu vendi na Praça da República, no Viaduto do Chá, Santa Ifigênia, nesses locais aí. Roupa feminina foi pouco tempo, foi pouco tempo; agora também... e depois que eu casei, depois que eu casei a vida continuava difícil porque eu não tinha uma casa para morar, e o rapaz, o senhor que foi o meu padrinho de casamento, me ofereceu uma casa pra morar e eu cuidar da casa deles. E aí eu trabalhei como caseiro. Trabalhava no meu trabalho e trabalhava de caseiro, pra poder realmente conseguir dinheiro para comprar uma casinha para nós. A vida foi difícil.
P - E quem fazia essas roupas, ou onde o senhor conseguia aqueles artigos que o senhor vendia no Viaduto do Chá, na Praça da República...?
R - Bom, o bilhete eu comprava diretamente lá na Caixa Econômica, lá na Praça da Sé, e as roupas eu comprava aí na José Paulino, no Parque Dom Pedro, aí nos atacadão. Atacadista, aliás.
P - Por conta própria?
R - Por conta própria
P - Quem era os fregueses do senhor?
R - É sempre é o... vamos dizer, o público da rua mesmo. Todos os que passava, aquele que gosta, como... até hoje.
P - Voltando um pouquinho, senhor Assis, o senhor comentou que teve uma educação religiosa, que o senhor era muito religioso, o senhor... conta pra gente, foi uma educação religiosa...
R - É, realmente meus pais, minha mãe, meu pai, nós tinha por obrigação de toda a noite rezar um terço. Toda a noite, vamos dizer, isso quando nós estava no sítio. E... eu continuei por muitos anos fazendo esse tipo de... tipo de... ah... de oração, vamos dizer assim. A gente reunia na hora de dormir e se fazia, rezava-se um terço. E daí pra frente, ao chegar a São Paulo, eu continuei, só que de repente, surgiu idéias novas na minha mente. E surgiu idéias novas na minha mente, eu procurei sentir algo mais. Procurar o porquê da vida, o que é que significa a vida, o que é a vida após a morte, será que era simplesmente só aquilo que eu aprendi na infância? Aí me interessei pela doutrina espírita, hoje eu sou espírita. Não desmerecendo nenhuma das religiões, mas o espiritismo para mim foi uma nova ciência que inclusive abriu a minha mente para as coisa do mundo espiritual. Hoje a minha visão é outra, sobre a imortalidade. Eu acredito piamente que nós não estamos aqui pela primeira vez, que existe um retorno para todos nós e que através, vamos dizer, dessa lapidação que a gente vamos adquirindo é que a gente vai realmente conhecendo a nós mesmos. O porquê de tanto sacrifício, o porquê de tanta luta, nada é por um acaso. Toda a minha infância, toda a minha... batalha de viver, hoje realmente eu sei qual foi o significado, o porquê. E continuo batalhando, lutando pela minha reforma íntima, que eu acho que é em primeiro lugar, eu acho que é... e retornando um pouquinho aquela história que eu contei pra vocês, de eu me interessar de matar a fome de alguém, hoje através dos conhecimentos que eu tenho, eu agradeço tudo o que hoje eu, eu possuo, eu agradeço a esses dois rapaz, que eles vieram trazer uma luz para mim Então a gente, eu acho, a gente nunca devemos perder a oportunidade de fazer algo de bom, quando tivermos a oportunidade de fazer algo de bom, que façamos, sem olhar a quem que estamos fazendo. Eu creio realmente em tudo isso.
P - O senhor freqüenta igreja, alguma, alguma entidade...?
R - Eu freqüento Centro Espírita Bezerra de Menezes. Mas... vou em qualquer igreja, também, não sou contra religião, não. Porque o tronco é um só. O tronco é Jesus e só através dele é que nós vamos fazendo nossa reforma íntima.
P - Mudando um pouco de tema, como é que é a conservação do chá, do mate, ele chega a estragar-se com o passar do tempo?
R - Sei, o mate é o seguinte: sem o açúcar, sem você... fazendo o xarope, fazer o chá sem colocar o açúcar, ele dura até uns 15 dias, 20 dias, 30 dias e não tem problema. Agora, se você colocar o açúcar, de um dia pra outro, se ele não estiver dentro do congelador, ou dentro da geladeira, ele fermenta, ele estraga.
P - E o senhor comercializa chás que têm efeitos medicinais?
R - Olha, o mate, em si, segundo pesquisas que já fizeram, ele tem muitas proteínas, ele é muito rico em muitas coisas Segundo, não é eu que falo, vamos dizer, segundo as próprias pesquisas que fizeram através de médicos e laboratórios, e tudo é comprovado que o mate, realmente... ele não é isso que muita gente pensa, que ele é calmante, que ele é isso... não, o mate ele tem as suas proteínas ricas também.
P - E a freguesia sabe disso, o senhor fazia divulgação dessas propriedades?
R - Realmente essas qualidades ainda não foi divulgadas, realmente não, eu sei, vamos dizer, através de folhetos que tenho, inclusive está um comigo, as propriedades dadas por laboratórios, que ele tem essas propriedades. Toda essa, essa riqueza, vamos dizer toda essa riqueza do mate.
P - Quero lhe perguntar, o senhor ficou trabalhando na rua, né, vendendo aqueles vestidos, e... marreteiro, como é que chama?
R - Era marreteiro.
P - Gostaria que o senhor estabelecesse uma comparação da cidade de São Paulo naquele tempo e como é que o senhor vê a cidade agora...
R - Ah Tá completamente diferente
P - Onde está essa diferença?
R - A diferença, vamos dizer, inclusive tá, naquela época, o marreteiro... o marreteiro toda a vida existiu. Eu acho que desde da época de Jesus sempre existiu o marreteiro, desde que o mundo é mundo, sempre existiu. Agora, esse invasão que hoje existe, naquela época, não Naquela época, você tinha, vamos dizer assim, um ganho a mais, você também, vamos dizer assim, era perseguido, mas não como hoje Porque hoje a coisa já se tornou, é... um comércio clandestino, vamos dizer assim... clandestino, como é que fala?
P - Clandestino.
R - Clandestino. Então, a cidade hoje está invadida por isso aí Realmente não era desse jeito. A coisa era mais... não era liberal, liberado mas, vamos dizer, aquele que tinha a opção de ganhar alguma coisa a mais Agora, hoje, não, hoje é um comércio realmente
P - Por falar em São Paulo antigamente, quando o senhor chegou aqui, em que bairro o senhor foi morar?
R - Eu morei na... na Rua da Consolação, Rua Paim. Rua Paim, ali ao lado do Cemitério da Consolação.
P - Certo. E depois o senhor mudou de bairro, não?
R - Ah, eu mudei muitas vezes, assim, mas tudo aqui no Centro, só no Centro mesmo.
P - Atualmente o senhor mora...
R - Em São Miguel Paulista, estou lá junto com meus conterrâneos.
P - Eh... bom, a gente já está encerrando a entrevista, e eu gostaria que o senhor me contasse se o senhor gostaria de modificar alguma coisa na vida do senhor, olhando hoje.
R - Olhando hoje, olha... É claro que cada dia a vida pra gente é um verdadeiro aprendizado. Quanto mais se vive, mais se tem que aprender. Aquele que diz que pode, chegou ao teto, eu acho... nem os professores dos professores chega ao teto, todos nós somos verdadeiros aprendizes. Eh.... No campo, vamos dizer, do trabalho, talvez eu possa passar alguma coisa para aqueles que queiram batalhar e lutar. Que a minha idade, também, já estou com 53 anos, então eu acho que eu tenho que usufruir um pouquinho do meu sacrifício. Mas continuo trabalhando.
P - Mas modificar, o senhor modificaria alguma coisa na vida do senhor?
R - Modificar... em que sentido, assim...?
P - Alguma coisa que o senhor gostaria de ter feito diferente.
R - Bom, retornando mais uma vez, vamos dizer, sempre a gente tem na mente: "Ah, se eu tivesse feito isso quando eu tinha certa idade, hoje seria bem diferente" É claro, o que mais me faz falta, e talvez a única coisa que me tenho, vamos dizer assim, que eu tenho inveja de alguém - eu não tenho inveja de nada -, mas talvez a única coisa que ainda prende lá dentro de mim, é de não ter estudado. Que realmente me faz falta bastante, para que eu pudesse realmente eh... caminhar junto com o progresso, né? Porque hoje no mundo em que vivemos, para aquele que não tem estudo, ele se sente meio brecado. É difícil. Então nessa parte, realmente eu me sinto ainda meio oprimido, meio inseguro, então preciso analisar bem aonde eu estou me colocando.
P - E sonho, tem algum sonho que o senhor tenha a realizar? Ou que o senhor tenha algum sonho?
R - Olha, o maior sonho da minha vida era... bom, o sonho de pobre, quando a gente realmente... qual é o maior sonho de um pobre? É de adquirir a sua casinha para morar. Esse realmente foi um dos sonhos que no dia que eu consegui ter a minha casinha, ter o meu teto para morar, eu chorei de alegria, porque realmente aquilo parece que preencheu um vazio que tinha dentro de mim. Porque hoje, principalmente hoje, com a dificuldade que nós nos encontramos, para pagar aluguel não é fácil Hoje, graças a Deus, eu tenho mais de uma, mas no momento, naquela época, pra mim foi o maior sonho da minha vida.
P - E atualmente tem algum sonho ainda que o senhor quer realizar?
R - Não, no momento, é só na minha reforma íntima.
P - E... eu gostaria que o senhor contasse o que é que o senhor achou de ter dado uma entrevista, qual foi a... como é que o senhor se sentiu...
R - Olha, eu me senti contando algo que talvez tivesse dentro de mim que eu gostaria de um dia pôr para fora. Talvez isso realmente me fez com que eu me sentisse contente em alguém poder me ouvir. Eh... talvez não saiba me expressar por falta de, de... do quê? Do conhecimento, do estudo, porque realmente essa parte faz muita falta para alguém. Talvez eu, nesse momento, esse pouco conhecimento que tenho, mas que eu talvez tenha alguma coisa para dar para alguém Simplesmente isso. Eu agradeço, por essa entrevista que vocês me propuseram, eh... de eu contar alguma coisa da minha vida. Só isso. Muito obrigado.
P - Tá, a gente agradece o senhor também, pela presença do senhor, e a gente tá encerrando, então. Obrigada. Obrigado, seu Assis.
P - Senhor Assis, primeiro eu queria que o senhor nos falasse o nome do senhor completo, a data de nascimento e o local de nascimento.
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