Retiro dos Artistas
Depoimento de Helio Simon
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 15/04/2016
Realização Museu da Pessoa
RDA_HV11_Helio Simon
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Helio, você pode falar seu nome completo?
R – Meu nome civil, não artístico, é Helio Sereno Silva, meu nome no meio da arte é Helio Simon.
P/1 – Qual é a sua data de nascimento?
R – Eu nasci no dia três de novembro de 1946, aliás, foi dia dois, mas marcaram para o dia três, então sou do dia três de novembro de 1946.
P/1 – Em que cidade você nasceu?
R – Eu sou carioca, da Tijuca,
P/1 – Seus pais são da Tijuca, Rio de Janeiro?
R – Não, minha mãe era cigana, era filha de cigano com africano, meu pai era descendente de árabes, ele nasceu… meus avós nasceram na cidade de Ankara, na Turquia, minha avó de Ankara, na Turquia, meu pai era descendente de português.
P/1 – Por parte de pai?
R – Por parte de pai.
P/1 – O quê que seus avós por parte de pai faziam?
R – Meus avós por parte de pai, naquela época, quando vieram para o Brasil, eles mexiam com fazendas, eram pessoas ligadas a fazendas, animais, gado, tal. Então, a minha mãe e o meu pai foram muito ligados a isso e o meu pai era comerciante.
P/1 – Ele tinha comércio do quê?
R – Ele tinha comércio, quando começou a rua da Alfândega, ali o Saara, ele foi um dos primeiros a ter loja na época. E por motivo de tempo, tempo passando, ele começou a se envolver em jogo e tal e foi à falência. Mas a falência dele foi ter uma vilaa de casa, naquela época, que na época, eu nem tinha nascido, tô dizendo aí de solteiro, ele chegou a ter na falência dele, teve uma vila de casas na baixada fluminense, no lado de Nilópolis, ele era banqueiro, bicheiro, tal, uma pessoa ligada a…
P/1 – Seu pai?
R – Meu pai.
P/1 – Era bicheiro?
R – Não, ele tinha assim, um conhecimento com o jogo. Ele teve na época dele, ele juntamente com o meu tio, eles montaram um cassino e esse cassino, eles ganharam muito dinheiro e tal, e também perderam, porque naquela época, o jogo era muito perseguido. Aí depois, ele casou, aí foi ser um comerciante comum…
P/1 – Foi aí que ele abriu a loja no Saara?
R – Aí foi quando ele abriu um comércio no Saara. Esse comércio do Saara foi uma loja de guarda-chuvas e dessa loja de guarda-chuvas em menos de um ano ele comprou três lojas e por motivo do próprio jogo, ele foi à falência. Aí, pronto, ele foi à falência, eu saí de casa cedo…
P/1 – Deixa eu voltar… e a sua mãe, seus avós maternos, você conheceu?
R – Não, não, só os meus avós maternos, da parte da minha mãe? Ah, sim, os meus avós eram pessoas excelentes, eles trabalhavam com ouro, eles eram muito ligados ao ouro, à prata, mais ao ouro, que naquela época, o cigano só trabalhava com ouro. Então, eles tinham casas em que eles negociavam as antiguarias e meu avô era muito ligado a antiguaria, ele ia para esses interiores de fazenda e ele comprava essas estátuas antigas de madeira que os escravos faziam, então, ele vendia a preço exorbitante, ele ficou muito rico, entendeu?
P/1 – A sua mãe veio para o Brasil com eles?
R – Não, minha mãe foi feita aqui, minha mãe nasceu aqui. Meu pai nasceu aqui, eles nasceram aqui.
P/1 – Você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Não sei te informar.
P/1 – Aí, eles casaram e foram morar…?
R – Eles se casaram, quando eles se casaram, nós fomos morar na Tijuca…
P/1 – Quanto tempo você morou lá?
R – Morei na Tijuca até os 17 anos.
P/1 – Como é que era a Tijuca naquela época?
R – A Tijuca era uma coisa fora de série. A Tijuca era um bairro excelente, inclusive nessa época, eu fazia… eu sempre fui envolvido com rádio, então, eu estava sempre na Rádio Mayrink Veiga, na Rádio Nacional e nós tínhamos um conjunto, até chamado Sputinik que ele tocava até os Beatles e tal, na época da mimica, né? E aí, começou a minha vida no meio artístico.
P/1 – Mas vamos voltar para sua infância.
R – Mais da minha infância?
P/1 – Eu vou perguntando, daí a gente vai te ajudando a criar a narrativa. Aí, você morou na Tijuca, como que era a casa? Era uma casa?
R – Era uma casa de vila, um casarão, que era própria, do meu pai e onde era eu, ele e a minha mãe.
P/1 – Você não tinha irmãos?
R – Tinha sim, aí que veio o meu irmão. Aí, eu com sete para oito anos, nasce o meu irmão, que veio, mas ele já morreu, ele se enforcou por motivo de uma paixão por uma determinada mulher e ele se enforcou. Atualmente, eu não tenho parentes, eu tenho sim, cinco filhos com três mulheres, um casal de filhos com uma, um casal de filhos com outra e uma filha quando estive em Cuba, Havana, na época da Revolução e tal, a gente passou por lá, eu tive uma filha que ela hoje tem 39 anos.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Eu entrei na escola ainda moleque e eu fui alfabetizado com cinco, seis anos, cinco anos. Cinco anos eu já era uma pessoa alfabetizada, já articulada. Eu sempre liderava a molecada e na Tijuca tinha uma coisa que era muito importante, que tudo isso que tá acontecendo aí que a gente tem como ícone da arte e tal, tudo passou pela minha vida, Erasmo Carlos, Tim Maia, Jorge Ben Jor, quer dizer, a gente conhecia essa rapaziada toda quando moleque, isso já mais na minha fase de adolescente, né? Isso…
P/1 – Você se lembra da escola que você estudou?
R – A primeira escola que eu estudei eu não posso esquecer, foi uma escola chamada Canadá. Eu lembro a primeira professora que eu tive, era uma professora, uma mulher lá, me lembro dela, era uma pessoa excelentíssima, que me dava muito conselho, professora Dulce, uma mulher excelente, me preparou muito, me deu muita orientação e nesse período, eu já tinha uma afinidade com as artes.
P/1 – Desde pequeno?
R – É, desde pequeno.
P/1 – Mas você tinha algum parente?
R – Não, na minha vida… o meu irmão era compositor, mas nunca... ele chegou… ele chegou sim… isso bem aqui na frente, eu cheguei a levar ele a vários produtores, mas infelizmente, pelo temperamento dele, ele não conseguia, porque se um produtor falasse mal da música ou botasse uma dúvida, aí ele virava a mesa. Então, ele era muito genioso, era um segundo Tim Maia, duas vezes mais do que o Tim Maia em temperamento, então, ele nunca deu sorte porque ele não tinha paciência de conviver com as críticas. Enquanto que, felizmente, eu aprendi isso porque eu tive uma educação mais dentro de um seminário, eu me formei, então, me deu a condição de ouvir crítica, de receber crítica e de saber respeitar os dois lados.
P/1 – Como é que era a autoridade na sua casa, quem exercia a autoridade? Seu pai ou sua mãe?
R – Não havia esse lance, porque como minha mãe era uma mulher de um caráter assim, muito severo, era… você sabe que naquela época, inclusive, tem uma novela aí, uma novela de vocês, minha mãe nunca foi uma mulher submissa, ela sempre foi uma mulher autoritária, entendeu? Eu comparo ela com aquela personagem de uma atriz que faz uma ricaça dessa novela “Êta Mundo Bom”, ela é uma mulher muito autoritária, muito… e o meu pai era um homem que ele… vamos dizer assim, muito malandro, muito esperto, entendeu? Era um homem muito vivido, um homem que tinha muitas amantes, mas ninguém sabia, só eu que sabia e eu nunca deixei ninguém saber porque, para mim, ele foi o meu ídolo. Ele me ensinou muitas coisas boas, sempre me ensinou uma coisa, nunca mentir, nunca dar golpe em ninguém, mas muito mulherengo, muito mulherengo e isso eu herdei dele, também. Isso eu posso dizer, menos o meu irmão, meu irmão com a primeira mulher, infelizmente, se apaixonou e a mulher deixou ele, ele não aguentou, três meses depois, se enforcou. Eu não, não sei quantas mulheres já tive, tenho filhos aí de 39 anos, tenho uma na Argentina que tem 39…
P/1 – Fora esses cinco, você tem mais?
R – É, a Adila está com 39.
P/1 – Só esses cinco você tem?
R – Não, são cinco, a Adila tem 39, jornalista numa rádio em Cuba. E tenho dois com uma mulher, um tem 31, tem 30, a Manuela tem 31, com uma mulher. Essa última que eu me separei agora, que tem cinco anos que eu vim parar aqui no Retiro, eu estava com uma depressão fora de série. O Stepan, vim, conversei aí com meu presidente que eu tenho uma grande admiração por ele, gosto muito dele, e estava mal. Ele me acolheu aqui na casa, por sinal sempre me foi acolhedor. Inclusive antes, quando eu passei aqui, eu já dei aula nesse teatro na década de 80, fiquei aqui cinco anos trabalhando, dando aula de teatro.
P/1 – Então volta. Aí você estava lá na sua casa, você estava contando do seu pai. Se comemorava festas, datas, Natal?
R – Não, nós não tínhamos datas. Esse negócio de festa nós nunca comemoramos. Isso nós tínhamos uma tradição que infelizmente isso me prejudicou muito nos meus relacionamentos porque as minhas ex-mulheres falam: “Helio, puxa, vem aniversário do filho você não fala nada, vem aniversário de casamento você não fala nada, vem seu aniversário e você não fala nada”. É porque eu não fui habituado a isso, então eu não tive esse costume, nós nunca comemoramos nada.
P/1 – Nem Natal?
R – Nem Natal. Não, Natal, sim. O Natal era uma coisa que nós comemorávamos entre nós, porque meu pai tinha um princípio da família ser só nós, nem a mãe dele. Ele era tão rude, pra mim isso é rudeza, ele deu uma casa para minha avó para a minha avó não morar com a gente. E a gente tinha um casarão. Então pra ele a família era eu, ele, minha mãe e depois meu irmão, quando eu tinha sete anos nasceu meu irmão, Robert, que morreu, que fez esse ato, que eu rezo sempre pela alma dele...
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância?
R – As minhas brincadeiras de infância eram brincadeiras de todo moleque, né? É bola de gude, pipa. Eu gostava muito de reunir grupos de crianças e ler, quando já estava em fase de leitura, e ler. E eu tinha uma coisa comigo nessa idade da infância que você fala de seis anos, sete, tem sempre um mais velho que sabia ler e não sei como aquilo surgia da minha cabeça, eu falava assim: “Lê isso e a gente vai fazer aqui uma brincadeira”, que hoje a gente fala uma dramatização, um jogo dramático. Então já tive isso, quer dizer, a gente vê que já é de vocação mesmo, da pessoa. Mas eu não tenho na minha família ninguém que é ligado à vida artística, apenas eu que sempre fui ligado.
P/1 – E quando é que você foi pro seminário?
R – Eu entrei pro seminário quando eu estava com 17 anos. Eu entrei pro seminário eu já tinha concluído na época o ginásio e do ginásio eu fiz depois, a gente fala, não sei agora como que chama o científico.
P/1 – E onde, a escola que você fez?
R – As escolas eu vou te falar. A primeira escola minha foi o Canadá, a segunda escola foi Pedro (inaudível, , problema no microfone), no Catumbi. Era no Estácio. Depois eu fui pro seminário com 17 para 18 anos, vou para o seminário (inaudível) Paulo Santos.
P/1 – Por que você quis ir pro seminário?
R – Eu quis ir pro seminário porque meu pai me botou a faca no peito, falou: “Olha, do jeito que está não dá. Não está bom, você não quer trabalhar comigo”. Eu não queria trabalhar em loja, ele ainda tinha uma (inaudível). Eu quero seguir minha vocação, quero estudar, eu vou entrar no conservatório, vou fazer o curso de ator. Eu quero porque eu já tinha um movimentozinho (inaudível). E na época eu fui um dos primeiros daquela área que eu morava, das paróquias, eu fui um dos primeiros a dramatizar a vida dos santos. Por exemplo, agora vem São Jorge (inaudível). Então eu tinha muito isso, então isso pegou, entendeu? E teve um padre que chegou pra mim e fez o convite (inaudível) “Você que gosta de dramatizar”. Ele não falou dramatizar, ele falou: “Você que gosta de fazer esses”, nem falava auto, porque se chama auto da paixão, e eu sempre fui ligado nesses autos também. Aí ele chegou pra mim e falou assim: (inaudível) tem meu altar, meu Cristo, tem minha Nossa Senhora, minha padroeira Santana, então faço minhas orações e tal, rezo meu terço, eu mantenho (inaudível).
CORTE NO ÁUDIO
P/1 – Como foi o convite que ele fez.
R – Ah sim, eu me lembro inclusive, quando as pessoas marcam a gente, a gente raramente esquece, eu falando por mim. E o padre Aldo, era um polonês, ele me perguntou: “Helio, meu tio é padre, ele fundou um seminário em Niterói. Você não gostaria de entrar? Você que já tem um certo, já está formado”, na época podia fazer, “você faria o vestibular e poderia fazer Teologia e ser padre. Você não quer fazer uma experiência?”. Eu falei: “Não, posso”. Aí eu entrei pro seminário. Mas o seminário, ele foi pra mim muito importante porque ele me educou muito, ele me deu muito equilíbrio.
P/1 – Mas você queria ser padre?
R – Não. Eu não tinha vocação pra padre. Porque inclusive eu falo isso sempre pros meus amigos e meus alunos: o período que eu mais namorei foi quando eu usava batina. Porque na época você era obrigado, como seminarista, a andar de batina. Eu tenho até em casa retrato meu de batina. E foi o período que eu mais namorei, entendeu? Então eu não tinha vocação. Mas ninguém poderia saber. Eu não queria ser um hipócrita. Mas foi um período que eu li muito sobre esses livros espíritas de Kardec, os cinco livros básicos.
P/1 – Você leu Kardec no seminário?
R – Li Kardec no seminário. Aí que vai entrar o problema. Até que um dia descobriram (risos). Agora você imagina naquela época você ler Kardec num seminário, entendeu? Eu deixava às vezes o dormitório para ir para a sala de leitura pra ler Kardec.
P/1 – Como é que apareceu Kardec na sua vida?
R – O Kardec me apareceu porque eu tinha uma cristandade, os seminaristas tinham... Lá em Niterói, ela foi subdividida para os 28, eram 28 pessoas, porque na época para entrar no seminário era muito difícil, você passava por exame psicológico muito grande, você ficava sob avaliação. Não era como hoje: “Ah, quero ser padre”. Não tinha esse negócio, não. Na época você nunca ouvia falar desse lance de pedofilia, de tal, não. Eles tinham que sentir que você realmente era uma pessoa equilibrada, entendeu? Então, eu passei, entrei no seminário e nisto um dia passando por uma livraria ali na avenida Passo, eu vi FEB, Federação Espírita Brasileiro. E mesmo de batina eu entrei. Falei: “Poxa, interessante”. Aí folheando um livro veio uma pergunta: “O que é Espiritismo?”. E aí veio a resposta. Dentro daquela resposta que Kardec faz aos espíritos vem a resposta do espírito superior. Aí eu falei: “Mas isso é interessante, vou levar isso pra pesquisa”. E da pesquisa se tornou, não digo fanatismo que eu não sou fanático por nada, me tomou uma curiosidade que eu fui lendo. Quando eu descobri que a filosofia kardecista, a gente chama, que o Espiritismo não é uma religião, é ciência, religião E filosofia. Quando bateu na ciência e em filosofia eu me identifiquei. Na religião, não, na filosofia. Aí eu comecei a ler. Nisso que eu comecei a ler foi me dando embasamento e entusiasmo, foi quando eu comecei a questionar a Igreja Católica Romana. Das inquisiçõoes, etc, aí eu fui lendo o livro. Até que chegou um dia de revisão de vida, que de três em três meses nós fazíamos, onde reuníamos todos os seminaristas. E esse seminarista falava o que fez naquele período. Aí perguntaram: “Hélio, o que você fez nesses três meses?” “Eu tenho lido muito, tal”. E o padre reitor perguntou: “Que tipo de livro você tem lido?”. Eu falei: “Bom, padre, independente dos livros normais eu tenho lido tal, tal, tal, inclusive eu encontrei três livros, aliás eram cinco, do Espiritismo segundo Allan Kardec”. Ele falou: “Como? Por que não me levou ao conhecimento?”, porque era uma perseguição total, para eles era uma feitiçaria. Aí ele falou assim: “Poxa, mas como você não levou ao conhecimento meu?”. Aí parou a revisão de vida, me chamou no gabinete: “Eu vou te encaminhar para o superior”. Aí me encaminhou para o arcebispo, que na época era o Dom Antônio de Almeida Moraes Júnior, e me suspenderam do seminário durante três meses e eu estou suspenso até hoje (risos).
P/1 – Aí você nunca mais voltou.
R – Aí eu nunca mais voltei.
P/1 – Como é que era a convivência no seminário, com os outros seminaristas?
R – A convivência no seminário era boa, sabe? Era a convivência de um colégio interno muito severo, não deixa de ser igual a uma vida miitar. Nós andávamos de batina, nós acordávamos quatro, cinco horas da manhã, fazíamos ginástica, depois rezávamos o terço, assistíamos à missa, depois nós íamos tomar café e depois íamos estudar. Estudava, parava, normalmente até à noite, quando a gente fazia os estudos maiores. Assistia à missa das 18 horas e era coisa diária.
P/1 – E como seu pai reagiu quando você saiu do seminário?
R – Meu pai reagiu, pra ele foi um elogio porque nunca na família teve um religioso e ele admirava. Ele não era católico, mas ele admirava eu ter entrado numa, não ter desviado como alguns colegas meus desviaram de vida.
P/1 – E quando você saiu?
R – Quando eu saí eu estava começando a fazer o curso de formação de ator. Eu entrei no Conservatório Nacional de Teatro pra fazer um pequeno curso de ator, onde eu conheci Moal, Haddad e comecei a me envolver com o pessoal mesmo de teatro. O Amir Haddad. E o Celso Martinez e tal, conheci ele lá. E comecei a gostar do movimento até que eles viram que eu andava de clesvan, clesvan é o terno preto e aquela gola que você anda. E eu cheguei pra ele e falei: “Padre, eu peço ao senhor que eu vou pedir a minha suspensão do seminário, eu vou estudar Artes Cênicas”. Aí entrei, fiz Artes Cênicas, depois começamos a fazer montagem e nisso a coisa foi transcorrendo, a vida foi correndo.
P/1 – Quanto tempo foi esse curso?
R – Ah, o curso de Formação de Atores foi durante três anos. Eu fiz formação de atores, depois eu fiz curso de Direção.
P/1 – E a faculdade de Filosofia?
R – A faculdade de Filosofia parei. Porque a faculdade de Filosofia eu suspendi a matrícula, mas depois eu consegui fazer mais um ano, porque era para o seminário. E aí eu fiz o Conservatório Nacional de Teatro, que era no Botafogo. Aí o Conservatório me deu o conhecimento e eu comecei a fazer montagens, produções e tal, já comecei a exercitar.
P/1 – Qual foi seu primeiro trabalho?
R – O meu primeiro trabalho foi quando eu fui em São Paulo, foi um dos primeiros, esse é o que me marcou mais, que eu conheci o Plínio Marcos e o Plínio Marcos estava com uma peça que eu fiquei com ela quase três anos em cartaz: “Dois Perdidos numa Noite Suja”.
P/1 – Como foi? Você foi pra São Paulo fazer o quê?
R – Eu fui em São Paulo apresentar pelo Senac um auto de Natal no período da Páscoa. E nesse auto de Natal tinha uma pessoa que era ligada ao Valdirez, ao Plínio. Aí ele falou assim: “Tem uma pessoa aqui que é parente do Plínio”. Eu falei: “As peças do Plínio eu sei a história toda, quando ele escreveu a peça escreveu num pedaço de papel lá na Boca do Lixo, tal”. E fiz amizade com o pessoal do Plínio. Mas nesse ínterim comecei a ler as peças dele. E fiquei trabalhando... Plínio Marcos, depois veio o período da “Revolução”.
P/1 – Como você conheceu ele?
R – Eu conheci o Plínio Marcos num período que ele estava bem no apogeu, ele estava muito bem. Ele tinha um temperamento. Porque ele era uma pessoa rude, ele escreveu “Dois Perdidos numa Noite...” na zona, entendeu? Ele estava na zona, estava lá bebendo, que ele gostava de tomar um goró, pediu a um cara, viu dois caras passando, segundo ele me falou, dois caras passando com saco de coisa... de mercado, aí ele começou a escrever, de onde saiu “Dois Perdidos numa Noite Suja”.
P/1 – E ele te contratou pra fazer o quê?
R – Não, ele não me contratou, ele falou da peça. Aí que está. Eu falei: “Como eu faço para eu ter essa peça sua?”, ele falou: “Ah, eu vou te dar uma cópia. Eu peguei a cópia feita na caneta, na época não tinha negócio de smart, porque smart acabou, não tem mais smart. Aí eu fiquei com ela e nesse ínterim o tempo foi passando, o tempo foi passando, eu sempre metido com teatro e nisso veio o período da ditadura, a coisa começou a pegar.
P/1 – Mas eu tinha entendido que esse tinha sido o seu primeiro trabalho.
R – Não, não. Em nível profissional, sim, porque eu peguei, porque muitas vezes a gente estava com “Dois Perdidos numa Noite Suja” em cartaz e a censura estava entrando, entendeu? Era a época que a censura era braba. Você estava montando um trabalho, a censura era brava. Então, você era obrigado a: “Não pode falar isso, você tem que trocar isso, tem que falar isso, tal”. Então a gente fazia as vezes “Dois Perdidos numa Noite Suja” com “Dois na Gangorra”, de Gogol, fazia uma comédia, uma brincadeira. Aí os caras viam assim, vinham aqueles homens sisudos de chapéu, tal, olhava, aí colocava lá: “Não, tá aprovado”. Em vez de pensar que aprovou a peça de tal, aprovou a nossa apresentação, davam o certificado e a gente ia viajar.
P/1 – E você fazia o quê na peça?
R – Em “Dois Perdidos numa Noite Suja” eu fazia o Vado. A gente intercavala. Como são dois atores que pode ser levado em qualquer lugar, então você pode fazer o Vado ou pode fazer o Paco. Não sei se você conhece a história.
P/1 – Conheço.
R – Então Paco e Vado, né? Eu acho que é. Não sei se eu estou trocando o outro personagem. Depois veio “Navalha na Carne” e eu comecei a especializar com “Navalha na Carne”.
P/1 – Na Navalha você fez quem?
R – Navalha na carne eu fazia o cafetão. E tinha uma aluna minha, aí eu já tinha uma formação...
P/1 – Mas isso em São Paulo?
R – Não, isso nós tínhamos lá no Conservatório Nacional de Teatro, uma sala pra ensaio. Então ensaiava lá, montava lá e nós pegávamos, chegávamos, tudo eram pessoas livres, nós éramos jovens livres, era uma época da liberdade, estava começando a abertura da liberdade, na época quem fumava a maconha era o “ou”. Então eu arrumei cinco pessoas, reuni e falei assim: “Olha, gente, vamos sair pra gente ganhar dinheiro. Porque no Rio de Janeiro a gente não ganha”. Naquela época. Aí fomos viajar. Começamos em Minas, Juiz de Fora, e fomos fazendo aquelas cidadezinhas todas. Montamos três espetáculos: “Dois Perdidos numa Noite Suja”, “Chapeuzinho Vermelho” e uma peça infantojuvenil, eram sempre três peças, nós tínhamos três espetáculos quando íamos nas cidades. Aí eu era ator, diretor, além de fazer a produção ia captar recurso para a montagem do espetáculo e ia buscar espaço (risos). Fazia tudo. Até esticar a faixa na cidade a gente ia, aquela cidade pequena do interior, né? Claro que a gente não ia levar uma peça igual “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, pra Juiz de Fora sim, Barbacena sim, inclusive onde eu lecionei depois.
P/1 – O Plínio chegou a ver as peças?
R – Ele chegou a ver uma montagem nossa e quando nós fizemos no teatro que hoje é o Teatro Glauce Rocha, não sei na época como chamava, hoje é Teatro Glauce Rocha, ali na Rio Branco, onde em cima eu tinha até um trabalho e depois veio o Boal, o Boal tinha o Teatro do Oprimido. Aí depois eu abracei o Teatro do Oprimido, que é uma ideia venezuelana que o Augusto Boal muito espertamente usou pra trabalhar os textos, os temas dele e introduziu o nome de Teatro do Oprimido, que é nada mais, nada menos do que um tipo de teatro que eu me formei, que eu fiz um curso durante dois anos, teatro laboratório de Grotowski. O teatro de Grotowski é um teatro laboratório, é um teatro de pesquisa, onde você trabalha mais a parte pessoal da pessoa em nível físico e mental pra trabalhar o personagem. Pra pessoa trabalhar um texto de Grotowski tem que ter um grande conhecimento, não é assim fácil porque você vai fundo na pessoa. Então eu me aprofundei com Grotowski e fiquei com Grotowski e meus cursos foram todos em cima de Grotowski e do Teatro do Oprimido. Aí depois foi só dando aula, fui dando aula, viajando, conheci esse Brasil...
P/1 – Dando aula de quê? De Artes Cênicas.
R – De Artes Cênicas, oficina e workshop. E também uma coisa que eu fazia muito era, na época da ditadura, por incrível que pareça, não estou fazendo apologia à ditadura, mas nós tínhamos uma verba do MEC e na época do Figueiredo, logo no início, ele deu um apoio e nós tínhamos uma pequena verba e fundamos a Carroça da Cultura. O que era a Carroça da Cultura? A Carroça da Cultura era uma Kombi que você tinha uma verba e ela ia pras cidades pra divulgar o teatro, as artes. Então nós fazíamos esse trabalho de onde eu comecei a trabalhar nos interiores. Eu era carioca mas eu ficava mais no interior, interior de São Paulo, interior de Minas, interior da Bahia, enfim, os interiores.
P/1 – Recebia do MEC?
R – É, a gente recebia do MEC uma verba. Recebia uma ajuda de custo e a bilheteria era nossa. Mas eles não tinham...
P/1 – Mas divulgava o teatro como?
R – Nós divulgávamos o teatro não em nível de divulgação política. Nós tínhamos o apoio por semos artistas, mas não tinha nenhuma apologia a regime político, não tinha nada a ver com política, era uma coisa assim, éramos um grupo de atores, como muitos tinham. Hoje não tem a Lei Rouanet? Na época tinha uma outra lei, então, por exemplo eu era ator, tinha minhas credenciais, diploma de ator, documentação de ator, então eu ia lá, entrava com requerimento e solicitava uma verba. Ia ser avaliado, só que quando terminasse de fazer, vamos supor, 18 cidades, eu tinha que voltar e apresentar que eu estive naquelas 18 cidades, para eu ter mais dinheiro. Mas não era falando do governo, não tinha nada a ver com o governo, era um apoio do Ministério da Cultura.
P/1 – E depois dessa...
R – Aí fui indo.
P/1 – Da Carroça.
R – Da Carroça da Cultura eu comecei a fixar mais na cidade. Aí já mais pra cá, já com 25, 26 anos, mais ou menos, já estava em Campinas, de Campinas fui dar aula na Unicamp, pela PUCCamp, onde eu fui coordenador de Artes Cênicas lá, onde eu introduzi o teatro de Grotowski.
P/1 – Na Puccamp você foi dar aula?
R – Na Puccamp, na Unicamp, é.
P/1 – É concurso, como é que fez?
R – Não, foi por avaliação. Eu fui pra dar uma oficina, um workshop. Tinha uma mesa com “os papas”, porque Campinas é aquele negócio, tudo é elite, uma das cidades brasileiras que todo mundo pensa que é cheiroso. Então: “Poxa, um carioca vem pra dar uma oficina, tem que ser feita uma avaliação”. Então botarão uma mesa, cinco pessoas, para me avaliarem se eu tinha condição de dar aquela oficina. E principalmente me botaram para falar sobre Stanislavski. Po, conheço Stanislavski como referencial, mas a minha formação mais foi em cima de Grotowski, entendeu? Em cima dos outros atores também, claro. E Grotowski é um teatro mais profundo, que não é qualquer um que pode fazer. Então eles foram me avaliar e quando eles souberam que a minha especialidade era a linha de Jersy Grotowski, que nasceu na Cracóvia, Polônia, foi o homem que criou esse teatro porque ele tinha uma filosofia de falar que você antes de interpretar, antes de você viver um personagem, você tem que conhecer o seu personagem, quem é você. Você não pode ser o outro sem conhecer as suas máscaras. Então o nosso teatro, para muitos a gente fala assim: “É um teatro psicanalítico, é uma psicoterapia de grupo?” “Não, é apenas teatro, é você ir em busca de você mesmo, mas buscando um personagem”. Porque ele se baseia no seguinte: como eu posso viver um personagem na sua essência sem eu me conhecer? Por isso que é difícil, porque muitas vezes, já aconteceu comigo muitas vezes, por exemplo, numa peça “Seis Personagens em Busca de um Autor”, de Pirandello, da atriz se perder, entende? Porque ela entrou no personagem mas ela não se conhecia. Mas eu estava na linha de Grotowski, era difícil. Então você tem que preparar muito a cabeça da pessoa porque o teatro para muitos é um mascaramento, mas para outros é o descobrimento. Mas como você vai ser um outro sem você conhecer suas emoções? Porque a minha formação de arte sempre foi essa: você não viver o outro superficialmente, mas viver outro, sair do útero, sair de você, com toda a intensidade para viver o outro, porque senão não é teatro, faz-se apenas uma imagem, não vai ter emoção, entendeu? A sua emoção tem que ser profunda. Então Grotowski ensinava isso, inclusive ele só escreveu um livro chamado “Em busca do teatro pobre”. E esse livro eu já li, leio. Já li, agora eu estou na minha, não estou atuando muito e nem faço mais, só de vez em quando eu dou um workshop, mas quando eu faço trabalhos dele, os exercícios dele são dificílimos, entendeu? E no Brasil, no Rio de Janeiro, aliás, no Brasil pode-se dizer, são poucos os que trabalham o método dele. Você vai por exemplo no Wolf, ele tem a escola dele, é linha de Stanilavski, você vai na escola tal, é linha Stanilavski. Quer dizer, é a referência. Mas a minha linha é mais difícil, por isso que nós não aceitamos qualquer um. Quando eu dei o curso aqui eu dei na linha Stanilavski. Eu tive aqui uma base de quase 180 alunos, na década de 80, no teatro Iracema. Eu fiz aqui uma revolução. Eu dava aula para os internos primeiro, depois, mas na década de 80, isso já faz muitos anos, na época que era administrador por outro administrador. E minha vida sempre foi assim, em busca de novos caminhos, novas paisagens.
P/1 – Quais são as peças que você montou?
R – Somando todas dá uma base de 140 peças. Eu vou desde Nelson Rodrigues, todas as peças de Nelson Rodrigues.
P/1 – (inaudível).
R – Como diretor. De Nelson Rodrigues, “Bonitinha mas ordinária”, “Os cafajestes”, “Dragão”, todas as peças de Nelson Rodrigues nós montamos, entendeu? Mas sempre também a pedido porque Nelson é um teatro mais, você tem que ter muita cautela em mexer com Nelson. Com Plínio também. E Plínio como Nelson eu nunca atualizava o texto, eu levava ele na íntegra, do jeito que ele foi escrito naquela época. Pirandello. Fagundes. Não sei se você sabe, Fagundes é autor de uma peça excelente chamada “Por Telefone”. Eu ganhei muito dinheiro com aquela peça. É um casal que na madrugada recebe um telefonema que a casa dele vai ser invadida porque ele fez uma denúncia na fábrica, tal, uma peça mais política, de Antônio Fagundes. E “Nó Cego”, do nosso querido Vereza, meu amigo, um excelente ator. Pirandello como te falei. Shakespeare fiz alguma coisa, não gosto muito desses clássicos, tenho um grande respeito porque são coisas trabalhosas e mal entendidas. E ultimamente estava trabalhando muito mais com as realidades do dia-a-dia, das peças que faziam o povo participar mais. Depois tentei entrar na área das comédias, aí fiz Gogol. É, teve outros, muitos autores, muitos autores, fica difícil...
P/1 – Com quais atores você trabalhava, você dirigindo?
R – Atores?
P/1 – E atrizes.
R – A grande maioria era estudante. E o interessante que a grande maioria que trabalhou comigo hoje nem está no Rio, muitos estão em São Paulo, são radialistas, como o Paulo Moura é radialista em São Paulo. Outros casaram. Porque acontece o seguinte, você sabe que o teatro na minha época, eu por exemplo abracei a arte para viver da arte. Muitos entravam na arte para sair de casa para poder viajar, entendeu? Pra ter uma certa emancipação e depois ter sua profissão. Porque sempre eu falei, quando eu tenho um curso a primeira coisa que eu falo: “Não faça teatro como profissão. Ser ator não deixa ninguém rico na atualidade. Feche o livro, pegue o texto e vai criar. Eu não vim ensinar nada, eu vim apenas despertar, dar um toque, dar uma dica, agora vocês vão buscar”. E dava as técnicas. Dava a ideia. Então, o meu teatro era assim. Agora quando eu era contratado, vamos supor, Teatro Tablado, Maria Clara Machado trabalhei com ela. Eu ia fazer um trabalho pra dar uma aula de improvisação, aí já era uma outra coisa, eu era contratado, aí eu era como um professor contratado e tinha que rezar a cartilha da casa. Agora quando eu pegava um trabalho meu pra montar, eu via. Por exemplo, na situação de hoje que está acontecendo, o que eu iria fazer? Eu iria fazer uma peça dramática? Não, eu ia fazer uma comédia, com a comédia que o Brasil está tendo, com a situação no país, entendeu? Eu ia brincar. Eu ia fazer uma comédia. Então, quer dizer, eu usava termos acompanhando a atualidade política social do Brasil. E familiar também, né? Eu brincava muito com problema de família, “Direita Volver”. Inclusive Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça apresentaram várias vezes no teatro que eu dirigi, dirigi vários teatros, dirigi Teatro Grande Otelo, que era chamado Teatro Grande Otelo lá em Quinto, hoje é da Ceteb. Porque quando o Garotinho foi eleito, ele me convidou pra ser assessor de gabinete dele, eu não queria ficar lá dentro sentado numa mesa. Formado, professor, gostava de pessoa. Aí eu falei com ele: “Excelência, Garotinho, não me leva a mal, não, mas me dá um cargo fora daqui”. “Ah, você está bem aqui, tal”. Eu falei: “Queria que você me desse um teatro, um lugar para eu trabalhar na minha área, você sabe que eu sou professor”. “Tá bom”, aí me botou em Quintino. E em Quintino nós inauguramos o Teatro Grande Otelo. Aí inauguramos, fizemos o Teatro Grande Otelo, aí depois o Pratinha que é filho do Grande Otelo descobriu, ele não foi consultado, exigiu... era Faetec. Inauguramos com Grande Otelo em vida. Aí o Pratinha esteve lá e exigiu, o governo não aceitou o que ele pediu, tiramos o nome e aí botamos Teatro Cefet. Eu dirigi aquele teatro. Aí levava. Mas antes eu tinha trabalhado com o Albino Pinheiro, Projeto Seis e Meia. Fiz o Projeto Seis e Meia, conheci aquela rapaziada toda.
P/1 – Quem que é?
R – É Albino Pinheiro, da banda de Ipanema. Eu sou cofundador daquela banda, saía naquela banda, tal. Depois eu fui, trabalhava lá, de lá depois eu estive aqui na década de 80. A década de 80 é a que eu lembro mais. Eu fiquei aqui durante cinco anos, de 80 até 84, 85, inclusive aqui que era a administração, não era aqui em cima. O restaurante acho que era por aqui também e eu dava aula aqui no Teatro Iracema de Alencar. Tinha turma adolescente e adultos. E montamos peça. Tenho inclusive reportagens disso. Fiz o Primeiro Festival Estudantil de Teatro aqui. E aí foi, tal.
P/1 – E as cidades que você disse que foi pra Cuba.
R – Quando eu fui pra Cuba? Foi no período da “Revolução”, né? Pra ficar aqui ou ir pro país, tinha que ser exilado. Aí procurei fazer e achei por bem dar um pulo fora pra fazer Arte. Um amigo meu falou: “Helio, vamos pular fora porque lá a gente pode fazer Arte”. Ele mexia com artesanato, aí fui pra lá. Mexia com teatro lá.
P/1 – Você já era casado?
R – Não, eu era solteiro, ainda era solteiro. Eu fui me casar já com certa idade, sabe? Se eu estou com 68, a primeira mulher eu casei já com 45 anos. É, fiquei oito anos com uma, depois separei, fiquei mais oito anos separado e com essa outra fiquei 20, me separei agora há cinco anos, cada uma tem um casal de filhos. Todos eles são adultos, são casados.
P/1 – Você chegou a ter casa durante a vida?
R – Você sabe que a minha vida sempre foi voltada assim, eu morava com meu pai, meu irmão morou numa casa que hoje é da viúva do meu irmão e eu sempre morei de aluguel. Sempre tinha meu aluguel, morava em flat. Eu ganhava muito dinheiro porque o meu teatro, eu sempre tive, quando eu trabalhava no interior, por exemplo, como era solteiro eu cismava, falava assim: “Vou morar dois anos, vou fazer uma experiência em Minas”. Aí ia pra Juiz de Fora. Chegava em Juiz de Fora, alugava um hotel. Primeira coisa, conhecer a cidade. Lugares. Ia na prefeitura, me identificava. Departamento de Cultura, me identificava. Via a possibilidade de eu dar um curso pela prefeitura. Tinha possibilidade a prefeitura me contratava. A minha vida começou assim, em cidades. Por isso que eu falo, conheço esse Brasil todo assim. Isso começou em São Paulo. Eu fui a Campinas, de Campinas dei aula na Secretaria de Cultura. Da Secretaria de Cultura fui diretor do Núcleo Cênico. Ali eu dava aula uma vez por semana e comecei a fazer contato com as prefeituras. Campinas, Amparo, Socorro, Águas de Lindoia, Lindoia. Cada dia eu estava numa cidade, então eu morava num apart hotel, num flat. Nesse período eu já estava casado com essa minha mulher que era a primeira mulher. Aí depois que eu me separei dela continuei com o mesmo processo, dando aulas assim, fazendo essas cidades, mas sempre assim, cada dia numa cidade diferente daquele estado.
P/1 – Já tinha filho?
R – Já. Da primeira já tinha um casal de filhos. Na época que eu me separei, um tinha oito, ela tinha nove. Hoje está com 31 anos e outro está com 30. Aí passou, da Bete. Dessa segunda, da Claudia, me casei, ficamos 20 anos juntos casados. Essa exigiu mais, papel, tal, fui obrigado a ir lá, tal. E casamos. Nessa eu tenho uma filha de 20 anos e tenho um filho... Mmiguel de 11 anos.
P/1 – E por que separou depois de 20 anos?
R – Porque minha mulher é decoradora, ela tinha uma loja de decoração. Decoradora, ela fazia tudo o que você possa imaginar em decoração. E ela queria que eu fosse gerente da loja. Poxa, não dava pra mim, né? Eu gosto do meu trabalho, eu ser gerente? Cara, eu fiz gerência em marketing, tal, fiz vários cursos, independente de teatro eu tenho vários cursos. Mas o que me identifica é a arte, entendeu, o que eu posso fazer? Passei necessidade, não pense que minha vida sempre foi um mar de rosas, muitas vezes a gente ficava ensaiando na base do café dormido e pão com mortadela, ia até altas horas de madrugada. E isso herdei uma úlcera, tenho uma úlcera até hoje. Eu tenho um sistema nervoso abalado, sou hipertenso, tenho problema de coração. Eu tenho insônia. Você pode bater lá no meu apartamento, no 206, três horas da manhã eu estou acordado no laptop, eu não durmo. Às vezes cochilo. Eu e a vizinha, a Vera (risos). Quer dizer, então...
P/1 – Como você veio parar aqui no Retiro?
R – Ah sim...
P/1 – Não, a gente tinha perguntado antes, a gente ia falar de Cuba. Você falou que tem uma filha lá.
R – Eu conheci uma jovem, que era jornalista, era radialista, e ela não estava trabalhando na rádio, a coisa não estava boa lá, ela estava revoltada. Tivemos um flerte, uma coisa normal e tal. E entre bebidas e tal, de repente a gente acorda e os dois estão na cama no outro dia seguinte, os dois bêbados na cama. E anos depois eu recebo um cartão, fui localizado não sei como, que eu tinha uma filha e a filha era dela. Aí que bateu, quando olhei o nariz era igual. Porque se você olhar todos os meus cinco filhos, eu te mostro os retratos, teve um ano no Natal que eu juntei todas minhas duas mulheres e botei, parece que todos eles saíram só de mim, nenhum deles tem a cara da mãe, não tem nada da mãe, até o pé. Então, as mães ficam p da vida, né? Então ela, quando eu olhei eu falei: “Mas é Fulana”. “Ah sim”. Aí veio o cartão, ela está casada, está bem de vida e tal.
P/1 – Tem contato com ela?
R – Esporadicamente. Eu gosto muito, sabe, jornalista, é de viver minha solidão, da onde eu procuro às vezes até criar. Porque independente disso, tem pessoas que me pedem textos, me pedem... eu trabalho muito com isso, isso inclusive é do próprio artista, né? Diz que quando você está na solidão é que você consegue criar, quando você está no silêncio, quando você está procurando ouvir você, quando você consegue ouvir você, você consegue criar. Aí que vem a depressão, as neuroses. Porque o verdadeiro ator, o verdadeiro artista é aquele que tem mil neuroses. Eu tenho mil neuroses. E se eu não tivesse essas neuroses eu não conseguiria criar. Você pode ver que os grandes artistas pela história, tanto da arte como da pintura, como da música, todos eles tiveram seus desequilíbrios emocionais. Mas dentro desses desequilíbrios que eles conseguem criar. Não sou eu que falo, são eles mesmo. Você vê Beethoven, Monet, Grotowski. Grotowski esquizofrênico em excesso. Plínio Marcos cachaceiro de primeira, só criava cheio de cachaça, não era bebidinha, era cachaça de litro.
P/1 – Como você veio parar no Retiro?
R – Como vim parar no Retiro, boa pergunta. Eu me separei e fiquei sem chão. Eu falei: “Eu não vou trabalhar agora”. E eu era muito ligado a esse meu filho de 11 anos. E eu sempre saía, sempre saindo, saindo, saindo de casa. E minha mulher falando: “Helio, se você não der atenção à família, não tá bom, o nosso casamento não tá legal, a gente tem que sentar pra conversar”. Eu falei: “Uma hora a gente conversa”. Não dava crédito. Minha culpa, minha culpa, minha culpa. Eu sou o culpado. Todas as minhas separações o culpado fui eu por não dar ouvido à mulher, entendeu. Respeito. Nunca bati, nunca gritei, nunca agredi, isso eu tenho graças ao meu poder superior. Não sou de beber. Meu passado é passado. Teve a época da juventude que o que os jovens faziam na Arte eu também fazia, claro, mas depois... falando da chegada aqui. Ela falava, até que um dia que ela falou: “Helio, você não está me levando a sério”. Sem briga. Eu falei: “Não, não, Claudia, a gente vai ter uma conversa, mas me dá um tempo”. E eu sempre na rua, correndo, fazendo o que tinha que fazer. Resolver assunto, ia fazer workshop. Era um período, cinco anos atrás, que todo dia eu tinha um workshop pra fazer, um oficina de um dia. Fazia uma oficina, ganhava na época 300 reais. Até que um dia eu estava sentado no computador e ela falou: “Agora nós vamos conversar. Eu estou deixando você”. Eu falei: “Ótimo”. E não parei. Não é ironizando, é brincando. Ela falou: “Vai sair agora?”. Eu falei: “Não. Mas você pode aguardar”. Eu não levei a sério. O mau do homem é esse. Porque vocês são fogo. São três pessoas que você não pode subestimar: padre, juiz e mulher. Não cria inimigo com mulher.
P/1 – Aí ela falou isso.
R – Aí ela falou e eu não levei a sério, minha filha. Não levei a sério. Aí passou. Eu fechei o computador e falei: “Tá, vamos conversar”. Ela falou: “Não, agora eu estou de saída, não é o momento”. Eu falei: “Poxa, agora que eu parei, desliguei”. “Agora não é hora”. Saiu, pegou a minha filha mais velha, hoje ela tem 20, na época, são cinco anos, ela estava com 15, aí minha filha foi com ela. Passou um dia, eu fiquei dois dias fora de casa, eu estava em Campinas substituindo um amigo meu que foi júri de um festival de poesia, um encontro de poetas e eu fui da comissão julgadora, me deu cachê, tal. Aí quando eu chego em casa, quando eu boto, eu morava na Taquara, quando eu boto a chave na fechadura, quando abro a porta. Ué. Só vi a minha televisão, eu tinha três televisões. Eu vi a minha televisão, na época era, tinha uma televisão assim no canto, tinha duas assim do lado e um colchonete no chão. A casa vazia. Aí eu falei: “Cara, cadê os móveis?”. Aí daqui a pouco entra ela e minha filha. Eu falei: “O que houve? A gente vai mudar?” “Não. Eu não falei pra você que ia te deixar?”. Eu falei: “Claudia, deixa de brincadeira”. Ela ficou me rodeando pensando que eu ia me alterar, agredir, como todos os homens fazem. Mas eu me mantive passivo. Inclusive, na época, eu usei sim alguma coisa no passado, mas hoje, não, hoje nem cigarro eu fumo. Eu tranquilamente, nem uso, uso calmante pra dormir. E ela notou: “Você está brincando comigo”. “Eu não falei com você que ia deixar?” O Igor, que é esse meu filho mais velho, “já veio e já me levou tudo o que eu tenho”. Porque ela estava comprando tudo novo e estava deixando lá e na outra casa. Ela comprou televisão, geladeira, tudo encaixotado. Eu estava pensando que ela ia pegar tudo nosso e ia renovar tudo, que ela ia ficar, eu só estava vendo. Mas depois eu comecei a ver saindo, mas não estava dando atenção. Pra encurtar a conversa, pra você ter uma ideia. Aí eu falei com ela: “Você vai embora?” “Vou embora”. Ela ficou rodeando, esperando uma atitude minha. Eu falei: “Claudia, então faça o seguinte, você fez a mudança, você está com quem?” “Estou com Igor”. Esse Igor é meu filho mais velho, eu não falo com ele, entendeu? Eu fui muito ignorante com ele, tá, com ele e com a minha filha. Não com a minha filha mais velha, não, mas com ele. Eu fui muito severo com ele. Não violento, de cortar certos baratos dele, porque eu bati de frente muito com ele em certas coisas que ele fez e que eu não admitia. Ele foi se envolver na época com uma mulher que não era aquilo que pensava, tal. Então ele fez tudo aquilo e eu cortei a relação com ele. E aí ela falou: “O Igor fez a mudança. Botei tudo no caminhão e botei ele”. Porque ele tem um circo, esse meu filho mais velho. Eu falei: “Poxa, então eu vou ficar sozinho? E o Miguel?” “Miguel vai ficar comigo”. Eu falei: “Claro, o filho fica com a mãe”. Aí a única cadeira que tinha eu sentei. Eu sentei. “Você já tem casa montada, já está montada?”. Falei: “Estou”. Ela coçou o braço (risos). “E aí?” “’E aí’ é o que eu falo. Eu vou ficar aqui, você vai embora e vamos ver, toma suas providências, eu não vou tomar nenhuma.” “E você não vai entrar com pedido de divórcio?” “Não. Não foi você que fez questão de nós sairmos daqui e ir pra Minas Gerais, em Mar de Espanha”, porque eu estava estressado, nós fomos para o interior para eu descansar e lá nós casamos, uma cidade linda, parece um cartão postal. Cidadezinha pequena. Nós casamos, tivemos nossa lua de mel. Ela é uma mulher nova. Todas as minhas mulheres, eu tenho 68 anos, todas as minhas ex-mulheres são bem mais novas do que eu. Eu nunca tive mulheres com a minha idade. Essa minha mulher hoje deve estar com 39 anos ou 40. Eu tenho uma amiga, essa que segura minha barra quando eu estou meio estressado tem 39 anos também. Mas essa é mais amiga. Está comigo há muito tempo. Foi minha ex-aluna, minha diretora de palco, tudo isso. Aí eu sentado, eu falei assim: “Então você me dá a chave. Se você vai embora me dá a chave”. Aí ela me deu a chave. Eu falei: “Tá tudo terminado, né? Não, terminado não está porque nós estamos vivos, né, a vida continua. Vamos ver daqui pra frente o que nós podemos fazer pelo futuro das crianças. A minha filha tinha 15 anos e o meu filho tinha... ele está hoje com 12, cinco anos atrás estava com sete”. Aí eu fiquei na casa, ela foi embora. Nisso eu vim aqui, como eu já tinha dado aula aqui, vim aqui e falei com a dona Cida.
P/1 – Você não quis continuar no apartamento?
R – Não. Eu vim aqui, falei com a Cida. Meu currículo já estava aqui porque quando o Átila Iório foi diretor aqui e eu dei o curso, eu acho que deve ter no arquivo aí o meu diploma, o currículo. O meu currículo é um bolo assim de recorte de jornal, artigo e tal. Aí eu falei com a Cida e ela: “Ah, fala com o Stepan”. Aí tal, tal, tal, eu tinha o telefone dele porque eu trabalhei na campanha pra ele. Aí vim aqui, falei pra ele: “Stepan, não estou aguentando ficar sozinho, tal, estou numa depressão”. Realmente, estava numa depressão filha da mãe. “Não estou bem de cabeça, por favor, me arruma um barraco aqui, me arruma uma casa aqui”. “Não, pô”. Porque várias vezes eu vim aqui pra fazer coisa pro Rogério, que é aquele que eu te falei, que é irmão da minha primeira ex-mulher, e falava com o Stepan. Aí ele: “Não, pode deixar, fala com a Cida”. Fiquei ainda um mês com a chave na mão. Venho ou não venho? Venho ou não venho? Até que o Henio falou: “Helio, vem ou não vem?”. Aí eu vim, fomos lá em cima, ele me deu a casa, estou na casa até hoje. Muito bem tratado, gosto muito da Cida, dona Cida Cabral, pessoal da Enfermaria, não tenho nada que reclamar.
P/1 – Você tem amigos, amigas aqui?
R – Aqui tenho poucos. Respeito todos, é só bom dia, boa tarde. Nem todos você tem muita afinidade, mas tenho, todos respeitam, não tenho o que falar de ninguém aqui, são tudo gente boa. A administração muito boa. O Stephan é um presidente excelente. Ontem tive o prazer de rever a minha grande amiga Zezé, que eu me lembro que ela fazia vários shows quando eu tinha um programa, eu tinha um projeto no Teatro Grande Otelo, ela ia sempre cantar lá, matamos a saudade lá em cima conversando. Então, isso aqui pra mim está sendo, é uma casa que eu não tenho o que falar nada.
P/1 – Você sai, você trabalha?
R – Saio, trabalho, ninguém me perturba, tenho toda a liberdade, tudo o que eu preciso dona Cida está sempre atenta.
P/1 – Você está trabalhando atualmente?
R – No momento, eu estou com projeto pra ser desenvolvido, porque eu estou com problema de saúde, eu estou com problema de artrose, artrite, com problema de coração e estou com diabetes. Com a diabete nervosa. Então eu tenho passado muito mal. E a pedido médico eu estou maneirando, estou mais devagar.
P/1 – E seus filhos vêm aqui, você visita eles?
R – Não.
TROCA DE FITA
P/1 – Você tem relação com seus filhos, visita eles, eles te visitam?
R – Não. Não pelo seguinte, eu penso o seguinte. Eu pago a pensão dele normalmente, o que foi decretado pelo juiz, tudo o que ele quer eu envio. Mas eu não trago ele aqui porque eu tenho a esperança ainda de tê-lo comigo. Eu espero ainda voltar esse ano ou o ano que vem a trabalhar e tê-lo comigo mais vezes ou, quem sabe, quando ele chegar aos 18 anos fazer a opção dele, né? A morar comigo. Porque eu não parei, a minha vida continua.
P/1 – E a menina?
R – A menina já está de maior, está com 21 anos.
P/1 – Mas ela te visita aqui?
R – Não. Eles têm o endereço mas não visitam porque eu prefiro ir a eles.
P/1 – Mas você vai a eles?
R – Vou a eles. Tudo bem, entendeu.
P/1 – E os do primeiro casamento?
R – Do primeiro casamento, eu não tenho contato. Se eles me veem existe o cumprimento, entendeu, é pai, pai, tal. Mas não temos afinidade. A última vez que eu soube da minha filha é que ela foi mãe. Ela é professora, é psicopedagoga, tem uma escola lá na Gávea e agora acho que ela parou, passou a parte dela e tem um filho. E o marido dela não sei se ele é juiz, sei que ele é da área jurídica. Ou advogado. Não, acho que ele é juiz, ele passou num concurso, o marido dela é juiz. Então, é está bem casada. O meu filho também está bem casado com essa mulher, eu tenho neto.
P/1 – Mas você não encontra ele também? Por que perdeu esses laços?
R – É porque acontece o seguinte... houve da nossa parte muita frieza na separação, da forma de eu ver a coisa e a mãe deles ver de outra, entendeu? E toda vez que eu falava uma coisa de uma forma a mãe contradizia aquilo. Existia uma liberalidade que não batia com a realidade para uma época, entendeu? Então como você vai aceitar, vou te dar um exemplo, você oito anos atrás ter uma filha de 16 anos namorando, você sem saber e daqui a pouco você chegar em casa e vê um rapaz dormindo com ela na cama dela com ele e sem você saber que ela está namorando, que você está pensando que ela está na escola. Quer dizer, são coisas que a mãe fazia por trás dos panos e eu não participava. Então, eu acho que faltou um pouco de respeito para comigo, como pai, entendeu? Então, você coloque-se no meu lugar, por mais que você tenta entender, você não vai entender. Porque tudo tem que existir participação. E eu fui criado nesse sentido, participação. Participa. Tá transando? Transe. Eu sempre falei com eles. Quando meu filho começou a fumar maconha, eu fumava maconha, eu fumei maconha na época que maconha era aquilo, a onda da época era maconha. A minha mulher, eu estava na rádio, eu sou radialista. Eu estava na Rádio Serra Negra, o telefone tocou, minha mulher Bete ligou: “Helio, vem aqui em Campinas, porque tenho que te falar, o Igor está fazendo besteira”. Eu falei: “Pomba, estou no ar, agora não posso, estou com o programa”. “Mas venha aqui”. “Tá bom”. Terminei o programa, peguei o carro e fui em Campinas. Isso é em Serra Negra, é igual aqui é Serra Negra, Taquara é Campinas, entendeu, onde ela morava. Cheguei lá ela falou: “Quero falar contigo”. Essa era madame, essa que tinha as lojas. Aliás, ela chegou a ter lojas de decoração. “Helio, eu estou apavorada”. “O que houve?” “O Igor está uma peste”. “Por que?” “Ele está fumando maconha”. Eu falei: “Porra, Bete, você me chama aqui, me tira do ar pra falar que o Igor está na verdinha? Se ele estiver no pó, pomba, aí a coisa pega”. Falei assim mesmo. Ela: “Para, você abona isso?”, ela era contra. “Você abona isso?”, eu falei: “Abono. Porque eu vou levar pra um lugar que ele vai deixar de fumar”. E na cidade de Amparo onde eu morava, que eu já estava separado, como eu estou te falando, não sei se você está seguindo o meu raciocínio ou eu estou embolando. E lá tem uma clínica de reabilitação de dependentes químicos. Eu falei: “Deixa, não fala nada. Vá pra casa, dá um tempo pra ele não desconfiar, daqui a pouco eu chego como se não houvesse nada. Eu pego o carro, pego ele e vou levar ele em Amparo”. Ela foi pra casa, eu dei um tempo, tal, quando foi por volta de umas quatro horas, peguei, cheguei em casa: “Oi, gente, tudo bem?” “Ô, tal!” “Ô Igor, tudo bem?” “Oi, pai, tudo bem”. Os olhos vermelhos. E ele andava com a correntinha e com a medalhinha com a folha da maconha (risos). Eu falei assim: “Vem cá, vamos comigo em Amparo, quero te dar um negócio, quero te mostrar uma coisa”. Mas eu já tinha ligado pra clínica, né? “Levar onde, pai? O senhor nunca me convidou pra lugar nenhum”. “Não, quero que você vá comigo até Amparo. Vamos?” “Vamos”. Botei ele dentro do carro, peguei. Cheguei lá, aí ele. Mas a clínica, você via a clínica, Amparo era uma clínica de elite, só ia pessoas de condição. E era cidade do interior que mais maconheiro tinha, a rapaziada tudo, os meus alunos todos fumavam maconha. Não, no curso. Aí quando eu falei com o diretor, eu falei: “Esse aqui é o meu filho, ele vai ver o pátio”. Aí o cara abriu tudo, igual cadeia mesmo. Quando ele olhou. Você vê esses filmes dos zumbis, como eles andam? Igual uma pessoa robotizada, impregnada? Quando ele olhou, ele falou: “Pai, o que é isso?”. Eu falei: “Você está vendo como é que está essas pessoas? Um no chão pegando guima”. Porque já estava sendo introduzido outras drogas naquela época, já tinha outras drogas. Não tinha o crack, que o crack começou agora. Aí ele: “Pai, o que é isso?”. Eu falei: “É assim que você vai ficar se você continuar fumando maconha. Porque começa com a maconha, daqui a pouco não vai faz efeito, pula”. “Mas pai, poxa, quem falou isso pra você?” “Não me interessa, pela sua cara a gente conhece. Agora, você está com a faca e o queijo na mão. Se quiser é aqui que você vai ficar. Aqui eu não te dou mais de dois meses porque na maconha só você não vai ficar”. “O senhor entrou e saiu”. Eu falei: “Eu sou eu, eu tenho uma coisa chamada determinação, quando eu quero uma coisa, eu quero”. Porque eu sou escorpião. Porque eu sou assim, quando eu quero, eu quero, não adianta falar não pra mim porque eu vou até as últimas consequências, porque cada um tem uma personalidade. E eu sempre tive isso comigo, determinação. O não pra mim eu tenho que transformar em sim, entendeu? Só quando eu vejo que claro que não vou ver, impossível. Aí ele foi, graças a Deus, graças ao arquiteto superior, hoje ele está casado, bem casado, tem uma família, tem filho. Raramente, nós nos vemos, mas sei que está vivo. Pra mim é assim, se está vivo, está com saúde, não está preso, tudo bem. O importante é que está. Então, vamos viver.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Meus sonhos hoje, vou te dizer com toda sinceridade. É ainda ter pessoas do meu lado em nível de arte que realmente você sente nelas firmeza de vocação, talentosas, montar uma pequena equipe de arte e viajar por esse mundo afora.
P/1 – O que você achou de dar a entrevista?
R – A entrevista foi muito boa, as suas perguntas foram excelentes. Só tenho a agradecer a presença de vocês aqui conosco. O Retiro dos Artistas, eu só tenho que agradecer ao Retiro, não tenho que comentar nada, muito pelo contrário. Essa casa é uma casa abençoada que me resgatou porque se não fosse ela poderia ter sido muito negativa essa minha separação.
P/1 – Queria te agradecer, obrigada.
R – Muito obrigado vocês, tá?
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