Depoimento de Vicente Guastelli Netto
Entrevistado por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 01 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Então, eu gostaria que o senhor começasse, é, dizendo para a gente o nome completo do senhor, onde o senhor nasceu e que dia.
R - Meu nome é Vicente Guastelli Neto. Eu nasci em São Paulo, no dia 30 de setembro de 1914. E a rua em que eu nasci: na Rua Itambé, esquina com a rua lá que dá para o Cemitério da Consolação. A Rua Itambé é a rua da escola Mackenzie, que naturalmente já existe há muitos anos e é famosa. Inclusive os meus netos, principalmente três deles, estudaram lá nesse colégio. E minha neta formou-se inclusive advogada pela, por essa escola, Mackenzie.
P - Seu Guastelli, e o nome dos pais do senhor, onde eles nasceram?
R - O nome do meu pai é Afonso Guastelli. Ele, nascido na cidade de Bizona, na Itália. Vieram para cá meus avós e ele, naturalmente, meu pai, que é natural da Itália, veio também com... menino, com poucos anos de idade, não posso precisar bem a idade, mas com poucos anos de idade. Aí, ele conheceu aqui minha mãe, que é, ela é de nacionalidade espanhola, nasceu na cidade de Málaga, aqui se conheceram e casaram. E desse casamento resultou nascimento de cinco filhos. Sendo que eu, o mais velho. O meu pai foi assassinado num campo de futebol. Ele era o presidente do Clube União Minas, e um dos irmãos jogava no time que meu pai era presidente. E às tantas, no decorrer do jogo, houve uma briga entre meu tio e um componente do outro quadro e dessa briga, meu pai foi separar, e levou uma punhalada do pai do que estava brigando com o meu tio, irmão do meu pai. E eu fiquei órfão com sete anos de idade. E o menor, dos cinco, tinha dois meses e quatro dias. E daí começou a minha infância difícil. Minha mãe, que nunca tinha trabalhado, aí passou a trabalhar em fábrica de calçados, que é a profissão...
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Entrevistado por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 01 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Então, eu gostaria que o senhor começasse, é, dizendo para a gente o nome completo do senhor, onde o senhor nasceu e que dia.
R - Meu nome é Vicente Guastelli Neto. Eu nasci em São Paulo, no dia 30 de setembro de 1914. E a rua em que eu nasci: na Rua Itambé, esquina com a rua lá que dá para o Cemitério da Consolação. A Rua Itambé é a rua da escola Mackenzie, que naturalmente já existe há muitos anos e é famosa. Inclusive os meus netos, principalmente três deles, estudaram lá nesse colégio. E minha neta formou-se inclusive advogada pela, por essa escola, Mackenzie.
P - Seu Guastelli, e o nome dos pais do senhor, onde eles nasceram?
R - O nome do meu pai é Afonso Guastelli. Ele, nascido na cidade de Bizona, na Itália. Vieram para cá meus avós e ele, naturalmente, meu pai, que é natural da Itália, veio também com... menino, com poucos anos de idade, não posso precisar bem a idade, mas com poucos anos de idade. Aí, ele conheceu aqui minha mãe, que é, ela é de nacionalidade espanhola, nasceu na cidade de Málaga, aqui se conheceram e casaram. E desse casamento resultou nascimento de cinco filhos. Sendo que eu, o mais velho. O meu pai foi assassinado num campo de futebol. Ele era o presidente do Clube União Minas, e um dos irmãos jogava no time que meu pai era presidente. E às tantas, no decorrer do jogo, houve uma briga entre meu tio e um componente do outro quadro e dessa briga, meu pai foi separar, e levou uma punhalada do pai do que estava brigando com o meu tio, irmão do meu pai. E eu fiquei órfão com sete anos de idade. E o menor, dos cinco, tinha dois meses e quatro dias. E daí começou a minha infância difícil. Minha mãe, que nunca tinha trabalhado, aí passou a trabalhar em fábrica de calçados, que é a profissão que ela tinha de solteira, pespontadeira. Depois de casada, não precisou trabalhar mais, mas com o falecimento do meu pai ela passou a trabalhar de pespontadeira na fábrica de calçados Melino e Companhia, que naquela época era na Rua Augusta com... na esquina da Caio Prado. Eu estudava nessa altura Grupo Escolar da Consolação, hoje é a sede da Nestlé. E com 11 anos de idade minha mãe me tirou da escola para começar a trabalhar e também para ajudar no orçamento da casa Naquela altura, veja, comecei ganhando 500 réis por dia, que isso representava, é três mil réis por semana. Naquela altura, por exemplo, alimentação era bem em conta. Comprava-se feijão, que não era por quilo, era por litro, 200 réis o litro do feijão Arroz a mesma coisa, muito barato, pão, tudo era barato Aí, então, fui indo, trabalhando, depois de lá ___________, da Melino, que mais tarde o controle acionário foi vendido para Bordallo e Companhia. Da Bordallo e Companhia, depois, minha mãe foi trabalhar no Navajas e Companhia, que também fábrica de calçados, na Rua do Gasômetro. E eu, sempre acompanhando minha mãe, onde ela ia eu carregava também.
P - Seu Guastelli, mas vamos voltar um pouco pra, para o período escolar: como que era a escola que o senhor freqüentava, como que era a relação com os amigos?
R - A escola era, naturalmente, o ensino, eu entendo que era bem superior ao de hoje, havia mais exigência, os professores eram mais dedicados. Eu comecei estudando no Grupo Escolar da Consolação, como eu já falei, saí aos 11 anos de idade, depois fiquei muito tempo parado, sabe, criança não estava lá muito interessado em estudo, mas em brincar. Mas quando eu comecei a compreender o que ia ser no futuro, se não estudasse, aí então eu fui estudar no Externato Imaculada Conceição, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, esquina com a Rua Cincinato Braga, era escola de frades. Depois de lá, com o curso primário, como o meu professor, lá do Externato Imaculada Conceição, tinha um irmão que lecionava na Escola de Assistência Vicentina, que era na Rua Cesário Mota, a rua da Santa Casa, ele lecionava francês, e o meu padrinho falou com ele e eu passei a estudar então nessa escola, que era Frederico Zanna, o nome da escola. Era, naturalmente, assistida pela assistência vicentina. Aí depois, essa escola mais tarde mudou aqui para a Praça Roosevelt, que eu fiquei sabendo, mas nessa altura eu não estava mais estudando na escola, não é?
P - No externato dos frades, o senhor recebeu algum tipo de educação religiosa, específica, como é que era?
R - Ah, sim Uma da, era um dia da semana, não posso precisar agora se era uma quarta ou quinta-feira, tinha uma aula religiosa. Que o frade ia na classe para dar essa aula de religião.
P - O que é que eles ensinavam?
R - Ensinavam, naturalmente, o que não estão praticamente é... praticando hoje, que se tivessem praticando hoje aquilo que se praticou naquela época, eu acho que a onda de bandidos que nós temos aí não seria tão elevada. Porque naquele tempo, nem se falava em bandido A gente andava tranqüilo pelas ruas, as senhoras podiam já usar as suas jóias tranqüilas, não tinha problema nenhum Hoje, a senhora que tem jóias, não pode usar, tem que ter as jóias guardadas num cofre, não é verdade? Mas que isso ajudou naturalmente na minha formação, que hoje eu me considero um homem digno, responsável e, porque não dizer, eu fui um bom chefe de família, dei uma boa educação para meus filhos, e, graças a Deus, meus filhos estão transmitindo também aos meus netos, e, se Deus quiser, os meus netos também vão passar isso para os filhos, que eu já tenho dois bisnetos, atualmente
P - Certo, e nessa época do senhor criança, como que era a casa do senhor, que bairro que o senhor morava?
R - Nessa, eu morei na Avenida Angélica muitos anos, era uma rua que sempre foi famosa E eu diria que era uma rua de elite, atrás dessa Avenida Angélica era o Pacaembu, naquele tempo, 1924, que eu lembro, foi a época da revolução, que os revoltosos se alojaram ali no alto do Pacaembu, me parece que hoje funciona a Febem, lá, se não me engano. Era um asilo, naquela... eles se alojaram lá porque eles atacavam o bairro do Cambuci com os canhões que estavam lá na torre, lá na, na base, era lá. Mas é o que eu digo, a Avenida Angélica era uma avenida como a Avenida Paulista, por exemplo. Era só mansões, e aí, pessoas, naquela altura da elite paulistana, moravam na Avenida Paulista e Avenida Angélica, porque Avenida Angélica cruza até com a, termina na Avenida Paulista, que hoje lá tem uma praça, não sei o nome da praça. E, assim, a gente brincava na rua, tranqüilo, não tinha problema nenhum como tem hoje, não existia, não se falava em viciado, não se falava, como hoje, nas próprias escolas eles estão hoje passando tráfico de narcóticos, né?
P - Me diz uma coisa, seu Vicente, a Praça Buenos Aires, naquela época já existia?
R - A Praça Buenos Aires existia, mas não como hoje, era bem mais simples A Praça Buenos Aires também é antiga, que fica ali na Avenida Angélica, mas bem lá embaixo. Eu morava aqui, na Avenida Angélica entre a Coronel José Eusébio e Rua Maceió, e a Praça Buenos Aires fica mais ou menos na altura da Rua Piauí, Rua Maranhão.
P - E o senhor, que brincadeiras que o senhor fazia naquela época de infância?
R - Bom, jogava bola, que isso era tradicional; desde que a gente se considera já capaz de chutar uma bola, já começou com bola. Depois jogava bolinha de gude, que era de pôr na terra e jogar, até amarelinha, brincava de amarelinha com as meninas. Hoje não se vê isso, hoje os meninos já começa vestir calça comprida, já pensa logo em namorar. Hoje a gente vê aí menino de nove, dez anos, é, que tá namorando. Aquela época era brincadeira até, vamos dizer, a idade de 15, 16 anos, ainda se brincava na rua. Hoje não tem mais disso, não.
P - A bolinha de gude era de vidro?
R - Era de vidro e tinha de aço também. Esses rolimãs que nas oficinas mecânicas, quando eles trocava os rolimã, a gente conseguia, quebrava e tirava as bolinhas para jogar. Valia mais do que a bolinha de vidro já naquela altura. (riso)
P - E carrinho de rolimã, o senhor brincava também?
R - Carrinho, também, naquela altura, e muitas vezes caí, me machuquei, mas naquela altura eram brinquedos sadios, sempre machucava, mas logo depois fazia lá um curativo, lavava com água e sabão, que se usava muito naquela altura, não é como hoje, que tem todos esses cuidados, água oxigenada, e também outros medicamentos mais. Naquela altura era água e sabão mesmo E resolvia o problema.
P - Como que o senhor conciliava assim o trabalho na fábrica de calçados e as brincadeiras, como que era o cotidiano do senhor?
R - Bom o cotidiano era o seguinte: levantava cedo, tomava meu café, ia pro serviço, entrava no serviço, naquela altura era às sete e meia da manhã, hoje já o horário normal é de oito e meia, era de oito e meia, agora o comércio é nove e meia, que abrem as lojas. Depois trabalhava, naturalmente, almoçava mesmo na fábrica, tinha lá um salão e a gente levava lanche, almoçava lá. Depois, saía às cinco horas da fábrica, horário era às cinco horas, aí ia para casa e ainda dava tempo de brincar um pouquinho. Jogava bolinha de gude, ou jogava se usava muito naquele tempo jogar cacheta, mas aí era a dinheiro, né? Mas aí não era para qualquer um jogar a dinheiro porque já o dinheiro naquela altura era difícil, né?
P - O senhor tinha quantos anos mais ou menos quando o senhor trabalhou na fábrica? Quantos anos o senhor tinha, mais ou menos, quando o senhor trabalhou na fábrica, quando o senhor começou trabalhar na fábrica?
R - Onze anos de idade, eu comecei com 11 anos.
P - E naquela época a legislação permitia que criança trabalhasse?
R - Permitia, não existia legislação A legislação veio depois, acho que 1943, foi criada pelo ex-presidente Getúlio Vargas, que para mim, no meu entender, foi um grande presidente. Pelo menos se preocupou com o trabalhador, criou a legislação, Consolidação das Leis do Trabalho, que existe até hoje, que já era hora de sofrer alguma alteração.
P - Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor: Quais eram as atividades que o senhor fazia na fábrica? Explica para a gente, o senhor era amarrador de cortes, né, de calçado, como é que era isso?
R - É, a minha, eu preciso explicar que a minha mãe era pespontadeira. Por isso ela me levou lá e o primeiro trabalho após a montagem do corte, o corte, que nós dizemos é a parte já de cima de couro, depois de montada ela vai para uma fôrma, nessa fôrma ela é aplicada com umas tachinhas, uma na ponta, outra atrás, e dos lados, uma cada uma, e aí é colocado, era colocada num carrinho e vinha então para a seção de amarração, amarrava com um barbante. Hoje com um laço de sapato. Naquele tempo não existiam esses calçados que existem hoje, mocassim, era tudo amarrado. E o meu trabalho era esse, era amarrar o barbante no corte para depois ia para a montagem.
P - Certo. Por que é que o senhor falou para a gente que o senhor acompanhava a sua mãe? Ela saía da fábrica e o senhor tinha que ir junto?
R - Ela me levava, porque era, afinal de contas, eu era menor e ela queria naturalmente que eu estivesse sempre junto dela. Trabalhava para ajudar. Embora ganhando pouco, naquela altura o pouco representava muito Na situação em que ela... viúva com cinco filhos, eu o mais velho, com sete anos.
P - Certo. E aí o senhor trabalhou mais na, em outra fábrica, também, né?
R - Trabalhei no... depois saímos do Melino, não sei também qual foi a razão da saída da minha mãe, aí ela arranjou para trabalhar numa fábrica de calçados no Brás, na Rua do Gasômetro, Navajas e Companhia, que lá, depois de uns tempos, ela saiu também e foi trabalhar no Arbulo e Companhia, acredito, para ganhar um pouco mais, também me levou para lá.
P - Certo, naquela época na Rua do Gasômetro tinha uma certa concentração de fábricas de calçados ou foi coincidência?
R - Tinha a Navajas e Companhia, tinha o Arbulo e Companhia, que eu lembro, tinha uma fábrica de balas, também, que fazia coleção, inclusive de balas relógio, eu fui um deles, que colecionou e ganhou um relógio, até. Um menino, já naquela altura, ganhar um relógio. E tinha uma cantina, também, que era a Balilla, tinha uma, uma padaria italiana, tanto que para me alimentar na hora do almoço, na Rua do Gasômetro, comprava lá 200 réis de pão, vinha quatro pães italianos, para ter uma idéia de como era barato, mussarela, e mortadela, tudo barato E tinha na esquina, o Gasômetro, que existe até hoje Que fornece gás para São Paulo. Não sei se ainda hoje fornece, porque tem uma outra também que é ali na Avenida do Estado, né, que fornece gás, também.
P - Tinha cinema na Rua do Gasômetro já naquela época, ou não?
R - Aonde, na Rua do Gasômetro? Não, na Rua do Gasômetro não tinha, tinha um cinema na Rua Piratininga, que era uma travessa da Avenida Rangel Pestana. E era mais ou menos próximo da Rua do Gasômetro. Tinha outro na Avenida Rangel Pestana, mais adiante, Brás Politeama, era o nome do cinema. Mas era bem diferente dos cinemas de hoje, eram uns cinemas mais simples Hoje em dia, outras técnicas, tudo, né?
P - Bom, aí depois o senhor foi trabalhar numa jardineira?
R - É, depois que eu saí de lá, antes de ir para a Jardineira Paulista, eu trabalhei numa cerâmica De Camille. Era porque houve uma época em que fomos morar em Poá, também, porque as casas eram mais baratas. Mas não foi muito tempo, foi pouco tempo ficamos lá. E eu fui trabalhar nessa fábrica que era em Carmão Viana, uma estação adiante de Poá. E de lá, depois saí, isso já por volta de 1930, eu fui trabalhar numa loja de flores, que era a Jardineira Paulista, na Rua Líbero Badaró, que depois mudou, mudaram o nome e hoje é Rinaldi Flores, que está localizada naquele Shopping Iguatemi, na Faria Lima. Hoje Faria Lima, que antigamente foi Iguatemi.
P - E lá na Jardineira Paulista, o que é que o senhor fazia?
R - Eu era, fazia o serviço de boy, era entregador. Que assim foi bom, porque hoje eu conheço muito as ruas em São Paulo e devo, naturalmente, à época que eu trabalhei lá, como entregador, e ajudava, também, nas horas vagas, os floristas a fazerem rolamento das coroas, porque antes de colocar as flores, tem uma planta chamada taboa, isso dá no brejo, até, e era enrolado aquilo para poder espetar o arame, porque a flor, ela é enrolada no cabo com arame e ela é espetada para enfeitar a coroa, assim como também as cestas de flores, né.
P - Naquela época, as flores que tinha nessa floricultura eram usadas... como é que eram feitos os pacotes para dar de presente, eram feitos como é feito hoje, ou não, como é que era feito naquela época?
R - Hoje em dia, eu a técnica é outra, mas naquele tempo, já quando era por exemplo um ramo de flores, eles confeccionava o ramo e embrulhava em papel branco com as bordas prateadas. Eles davam aquele, vamos dizer, um certo charme no pacote. E as cestas era mais ou menos como hoje, só que hoje tem uma grande quantidade diferente daquela época, era mais simples, as coisa. Hoje aperfeiçoaram muito essas cestas, e mesmo os ramos de flores, hoje a gente vê ramo de flores, hoje se tem também os vasinhos com plantas naturais, que naquele tempo não existia.
P - E era muito caro, essas...
R - Se era caro? Não, bom, para a época eu não tenho bem certeza porque era meninote, mas eu acho que tudo era mais fácil Bom, naquele tempo não se falava em inflação, não se falava em juro. Para ter uma idéia, o juro naquela época era de 1%, quem cobrasse acima de 1% já era taxado como agiota. Então é difícil a gente fazer uma comparação daquela época com a de hoje, né. Mas tudo era mais fácil, e acredito que também em matéria de preço tudo era mais acessível.
P - E que ruas que o senhor percorria entregando flores, assim, que o senhor conheceu?
R - Ah, bom. Tinha clientes fixos, inclusive, na Rua Lopes de Oliveira, tinha uma cliente que o noivo, naturalmente, todo o sábado mandava uma cesta e eu já esperava aquilo com uma ansiedade, porque eu recebia sempre uma gorjeta e boa, naquela altura, deles, não é. Tinha outra cliente na Rua Pamplona. Eu não sei se era de nacionalidade síria ou se era turca, não sei. O fato que também eu entregava flores lá para ela, lá também, eu recebia gorjeta. E tinha muitas outras ruas que eu conheci que fazia entrega, né? Porque a balconista ela verificava lá pelo guia, e me dava, naturalmente, as coordenadas todas: "Você pega - naquela tempo era bonde, inclusive - pega o bonde, tal, o bonde sai da rua tal, número do bonde." Não tinha erro: chegava lá
P - Certo. E o senhor trabalhou na jardineira até quando, mais ou menos?
R - Eu trabalhei de 30 até 32, foi quando eu entrei pro Mappin, 28 de novembro de 32 eu fui admitido no Mappin, logo a seguir à revolução, porque a revolução tinha terminado há pouco, tanto que todos os dias havia tiroteio, lá na Praça do Patriarca - parece que era a praça escolhida para ser reunirem, para depois, em seguida, tiroteio. A gente precisava... o Mappin abaixava as portas, a gente se escondia atrás de coluna para não receber uma bala perdida.
P - E o senhor entrou no Mappin para... o senhor começou fazendo o que, no Mappin?
R - Eu comecei como auxiliar do secretário do diretor comercial. Porque naquele tempo não se falava em boy; boy veio depois, não se usava essa palavra, era auxiliar, no Mappin. Eu comecei como auxiliar, e além disso, mais tarde, com o falecimento do secretário do diretor, ele fez uma experiência comigo para ver se eu podia tomar conta do lugar, felizmente deu certo, eu fiquei no lugar como secretário dele, e tomava conta de uma seção, que hoje não existe mais esse serviço, que chamava-se Seção de Condições, mandava-se as mercadorias em condições para o cliente, o que agradava, ficava, o que não agradava, devolvia, e eu que fazia o controle.
P - Era tipo de um reembolso postal, então?
R - O reembolso postal tem o pagamento, mas ali não tinha o pagamento Mandava tudo sem cobrar um tostão Tinha casos em que o cliente recebia, por exemplo, meia dúzia de maiôs, para escolher um ou dois, não agradava, voltava tudo, não tinha nenhuma despesa pros clientes E o Mappin trabalhava com o sistema de conta corrente. Era só a elite paulistana que o Mappin servia, e de forma que, sabe, a elite paulistana naquela altura era considerada de forma tal que as firmas, naturalmente, tratava com muito carinho e era, até, vamos dizer, uma honra para a empresa ter a nata paulistana como cliente.
P - Esses... não era enviado antes um folheto desses produtos?
R - Bom, tinha os anúncios de jornais, revistas, já se fazia naquela altura. Então, o cliente via. Hoje tem esses encartes de jornais, naquele tempo não tinha, não. Agora, algumas empresas, o Mappin mesmo chegou a ter catálogos, e fazia venda por correspondência também pros outros estados, cidades do interior, através de correspondência.
P - Certo, enviava o catálogo, o cliente escolhia alguma coisa e o pedia via correspondência.
R - Exatamente.
P - E como é que era creditado essa, como é que era feito o pagamento? Como é que o cliente fazia o pagamento para o Mappin?
R - Bom, como eles recebiam, naturalmente, as mercadorias, eles pediam, recebiam, viam, vamos dizer os anúncios, ou em revista, ou em jornais, escreviam. Mandavam a carta e o Mappin selecionava as mercadorias e enviava cobrando só o, o porte. O cliente só pagava o porte.
P - E enviava essa, esse sistema de distribuição do Mappin era feito como? Por transportadora, por trem, por que meio ele utilizava?
R - Via correio
P - Via correio mesmo?
R - Via correio, nessa época. Mas era essas peças pequenas. Agora, peças grandes, naturalmente ia por estrada de ferro e mesmo estrada de rodagem, né, tinha essas companhias transportadoras. Aí pagava o frete.(Fim da fita 032/01-A)
P - Tinha algum tipo de mercadoria que o pessoal, essa Seção de Condições, tinha algum tipo de mercadoria que saía mais?
R - Mercadoria que saía mais?
P - É, o pessoal escolhia mais.
R - Não, isso era de acordo com os anúncios que saíam no jornal, então era isso variava muito, né, _______ eu tenho a impressão que o que saía mais, que eu lembro quando trabalhei na, como encarregado da Seção de Condições, saía muito era roupas de banho, por exemplo, maiôs, saídas de banho, lingerie, também muito, saía muito. É questão de miudezas era perfumaria, também, o Mappin tinha uma perfumaria completa, né. Isso é o que eu lembro da Seção de Condições.
P - O senhor lembra que jornais que o Mappin anunciava, que revista que fazia os anúncios?
R - Naquele tempo eu lembro o Estado de S. Paulo era um dos veículos muito usados. Tinha também, naquela altura, que hoje não existe, o Correio Paulistano. Existia também a Gazeta, hoje tem a Gazeta Esportiva, mas a Gazeta era um jornal muito lido, naquela altura, não é?
P - E o jornal era impresso como é hoje, com cadernos, ou o Mappin escolhia ...
R - Não, era mais simples, tinha, por sinal eu tenho no meu escritório um jornal do Estado de S. Paulo, de 1908, 1910. Era uma folha só, dobrada, uma folha grande dobrada, então representava aquilo, que vamos dizer, diria hoje, dobrada numas quatro páginas de hoje.
P - E os anúncios...
R - Tudo foi aperfeiçoando, hoje o jornal é uma beleza
P - E esses anúncios do Mappin, dos produtos, ele fazia assim na primeira página, nos cadernos internos, como é que era?
R - Não, alguns, alguns na primeira página quando era para chamar, vamos dizer, atenção de clientes que o Mappin... novidades. Porque o Mappin trabalhava, naquela altura, trabalhava com muito artigos estrangeiros, principalmente. O setor de compras era em Londres, na Inglaterra. Então as compras no estrangeiro era via Londres. Aí, tinha comprador daqui também, que fazia as compras, mandava entregar, ia tudo pra Londres e depois de Londres vinha para cá. Já naquele tempo, nem sei mais, naquele tempo acho que nem existia avião. Não estou bem lembrado mas __________ era mais tudo por navios, que vinha de lá da Inglaterra, estrada de ferro, era muito usado.
P - Seu Guastelli, descreve para a gente como é que era a loja do Mappin. Funcionava na Praça do Patriarca, tinha vários andares, como é que era?
R - É, eu comecei trabalhando, realmente, na loja da Praça do Patriarca. Então, tinha o andar térreo, onde tinha a seção de, de tecidos, trabalhávamos muito com tecidos, naquela altura se confeccionava muito, tinha muita costureira, hoje é tudo industrializado; tinha a seção de armarinhos, armarinhos, onde se vendia toda a miudeza, novelos de lã, agulhas, botões, todas essas coisas, miudezas; tinha a seção de meias para senhoras, tinha a seção de cavalheiros, roupas feitas. Tinha alfaiataria, o Mappin tinha alfaiataria, confeccionava roupa sob medida Hoje o Mappin não tem mais roupa, trabalha só tudo industrializado em roupa, que tomou conta, né? Os alfaiates hoje em dia, eu tenho a impressão que só aqueles de muito nome e pra servir uma boa parte dos abastados. Eu, por exemplo, não mando fazer roupa, eu compro, toda a minha roupa é roupa feita, compro no Mappin. As roupas do Mappin, eles trabalham com bons fabricantes, né, de forma que... tinha a seção de fotos, artigos de fotografia, também era no andar térreo. Eu estou dando agora uma volta pela loja daquela época para lembrar onde estavam localizadas as seções e contar um pouco. Então essas é as que eu lembro. Depois tinha a primeira sobreloja, aonde eu trabalhei, meu escritório era debaixo de uma escada que subia para o primeiro andar, porque todos os espaços naquela altura eram ocupados. E na sobreloja tinha a seção de modas em geral, seção de chapéus, confeccionava chapéus, também, que hoje, o Mappin nem, que eu saiba, nem tenho visto mais chapéu lá, e vestidos, também, eram feitos sob medida. Lá tinha os desfiles do Mappin mesmo, no salão de chá, que era famoso, os desfiles lá. Tinha a seção de bebês, roupa de bebês era uma das seções também que era muito bem freqüentada, vendia bem, seção de lingerie, que era também nas proximidades. Depois, da sobreloja tinha o primeiro andar, que é onde funcionava a seção de móveis, seção de tapetes, e era esse primeiro andar, dominava era móveis, tapetes, cortinas, e aí no outro andar, que era o segundo andar, tinha seção de artigos domésticos, tinha seção de calçados e também seção de meninos, de rapazes, também funcionava no segundo andar E o terceiro andar tinha ... Ah, e nesse segundo andar tinha a seção de correspondência, também tinha uma, um canto lá que funcionava a seção de correspondência, e no andar de cima, que era o terceiro andar, era o salão de chá, que era famoso, o chá do Mappin, até hoje se fala: "Uma tradição que desapareceu" Eu já tenho tido oportunidade de conversar com senhoras já idosas que dizem: "Ah Eu fui uma assídua freqüentadora do salão de chá" O chá não era chá só no nome, porque era um jantar Eu ia tomar chá, saía de lá ia para o cinema, para depois quando saía do cinema ia dormir, porque já tinha jantado Porque o chá que serviam lá. Vocês... não vocês são muito jovens, não chegaram a freqüentar o salão de chá (risos) O salão de chá, tinha uma confeitaria, lá dentro do Mappin, também, tinha uma cozinha também que era de causar inveja a muitos restaurantes de hoje, o chefe era um suíço, me lembro o nome dele, era Gustavo Burle Mas ele era uma coisa A comida do Mappin não havia quem não conhecia Todos os grandes personagens, quando chegavam em São Paulo já vinham com a recomendação de comer no Mappin E as reuniões dos políticos, era tudo lá Prestes Maia, que eu conheci, Adhemar de Barros, esses grandes políticos, tudo, freqüentavam o Mappin Depois, mais tarde foi criado o bar, que não existia, bar Banamérica, Bar América. Também a freqüência A freqüência no bar lá do Mappin, começava mais ou menos às 10 horas da manhã. Sabe quem se reunia ali? Eram os fiscais de impostos, se reuniam lá porque eles só começavam a trabalhar depois do meio-dia. Então, até então, iam lá, tomavam seus aperitivos, almoçavam, depois saíam para o trabalho. Enfim, a situação que eu lembro com muita saudades, porque eu era um assíduo freqüentador, também. Não no início, quando era auxiliar, depois fui galgando outras posições no Mappin, segui a gerente de pessoal, gerente de relações trabalhistas, aí eu já freqüentava, já me era permitido freqüentar pela posição que eu exercia. Então, almoçava lá todos os dias. E uma vez ou outra ia tomar chá, porque não tinha disposição depois de almoçar lá, ir tomar chá. É, as madamas, também, aniversário dos filhos, tinha lá um salão que chamava salão verde, aquilo era separado quando era grupo pequeno; quando era grupo grande, então eles preparavam uma mesa para um determinado número de crianças e festejavam lá o aniversário da criança. Isso evitava trabalho em casa, porque fazer uma festa em casa, o trabalho que dá depois, pra fazer a faxina e arrumar tudo, então as madames, naquela altura, era lá que realizava Inclusive eu, meus filhos, meus filhos lembram com saudades até hoje do salão de chá É como eu disse, uma tradição que desapareceu Mas tá certo, porque hoje, o espaço em metro quadrado é tão caro que não comporta hoje ter um restaurante que o lucro é limitado, então seções de venda sempre dá um resultado maior, né?
P - E o Mappin ficou na Praça do Patriarca até quando, mais ou menos?
R - Até ... o Mappin foi fundado em 1913, começou na XV de Novembro. Isso eu sei através do livro, que eu faço parte até do livro, eu também colaborei com as minhas informações para a confecção do livro, que eu trouxe aí, mas vocês já tinham visto o livro aí. Eu pensei que ia ser novidade e não foi. E além desse livro, naturalmente, que eu disse que faço parte dele eu me perdi um pouco, eu estava falando...
P - O Mappin foi fundado e...
P - ... e começou na XV de Novembro.
R - Ah Começou em 1913, pegado ao Mappin Webb. O Mappin Webb era uma firma que trabalhava só com prataria e cristais, e depois, não sei, fizeram lá um acordo, uma parte era Mappin Webb, do outro lado Mappin Stores. Aí foi indo, foi indo, o Mappin foi crescendo, tornou-se pequena a loja lá, aí mudou para a Praça do Patriarca. Eu tenho a impressão que isso foi por volta de 1918, 19. E foi até 1939, quando passamos para a Praça Ramos de Azevedo. Praça Ramos de Azevedo e a Barão de Itapetininga, Largo do Arouche, aquilo não tinha o movimento que tem, o Mappin levou o comércio para lá E do lado de cá, está o Mappin na Praça do Patriarca, ficou mais uma zona bancária. Tem muitas lojas lá, mas as lojas principais passaram todas para o lado de lá, Praça Ramos e Barão de Itapetininga, 24 de Maio, Praça da República, quando digo Praça da República, pega o Largo do Arouche, mais adiante, Rua do Arouche também. Hoje é um centro mais moderno, que quem quer comprar calçado vai lá na Rua do Arouche, porque é uma casa pegada à outra com calçados finos, não é. Apesar que ali na Barão de Itapetininga tem várias lojas de calçado, mas Largo do Arouche eu acho que, no meu entender, está em primeiro lugar. Então foi isso, foi lá por volta de 1939, permanece até hoje e hoje o movimento que tem lá, pedestres lá de passagem, vamos dizer, clientela de passagem, esse Mappin, apesar das outras lojas que nós temos aí no Itaim, que é uma belíssima loja, loja de departamentos, lá no passado funcionou o depósito, né, que eu também trabalhei lá, um ano, fui gerenciar o depósito, com a saída do chefe lá, e eu como tinha naturalmente uma vivência muito grande do Mappin, eu fui, fiquei um ano lá, traçando lá, e a loja, como gerente de loja, também, eu fiz essa função também no Mappin. Aí veio o depósito que se transformou nessa grande loja do Itaim, que a turma diz que leva uma vantagem porque tem estacionamento próprio. Depois veio a loja, também, do ABC, sem contar a loja de São Bento, a loja da São João. Tivemos também ali, na Xavier de Toledo, a mercearia, que agora foi entregue lá. O prédio da mercearia passou a funcionar na loja central, aí na Praça Ramos. Mas o termômetro mesmo das lojas ainda é o Mappin Praça Ramos de Azevedo.
P - Certo, o senhor diz que é o termômetro por que, as pessoas?
R - Porque é a que mais vende Não tem estacionamento e no entretanto tem aquele movimento maior do que as outras lojas, porque além do tráfego que tem ali em frente o Mappin, ali, não sei quantas mil pessoas passam por lá, não é? Quem atravessa o viaduto, ida e volta do viaduto, passa tudo lá em frente
P - Me diz uma coisa seu Vicente, o Mappin, ele já tinha uma atitude, vamos dizer, uma postura comercial muito avançada para a época, essa questão dos catálogos e tal. Como é que era a nível de propaganda. Ele fazia publicidade, como é que era?
R - Fazia, porque nós sempre tivemos, tem até hoje, um setor de propaganda. Toda a propaganda era feita no Mappin. Depois começaram aparecer essas empresas todas de propaganda, aí o Mappin começou a distribuir uma parte da propaganda. Mas tinha o setor de desenhos, tinha a seção, a parte de jornalismo, a parte de televisão, também é feito lá depois vai pros estúdios para gravar. Mas o Mappin sempre cuidou bem dessa parte de propaganda que era feita lá. Tanto que tem um diretor de propaganda, tem gerente de propaganda, gerente de redação, que trabalha com essa parte de jornais, tudo, né. Mas o Mappin sempre cuidou bem de propaganda e a propaganda, no geral, é feita lá.
P - Quer dizer, era feita lá, agora, hoje, tem uma agência que tem uma conta do Mappin?
R - Hoje eles distribuem. Tem várias agências que trabalham. Mas o Mappin cria um negócio e passa para eles. E tem, naturalmente, contato com jornais, inclusive esses encartes que sai no jornal, isso tudo é preparado no Mappin. Tem lá um desenhista que prepara tudo, o nome que eles dão, lá, o lay-out, e passa depois para o setor de propaganda.
P - Seu Guastelli, eu queria que o senhor falasse um pouco mais dessa época que o senhor trabalhou no almoxarifado, no depósito lá do Itaim, como é que era o Itaim nessa época, como é que era a Rua João Cachoeira?
R - A João Cachoeira hoje é um centro comercial, vê que tem várias lojas, tem aquela C&A, tem muitas lojas lá de moda, de calçados, mas na época em que eu prestei atenção nisso foi por volta de 1958, 59, trabalhava meio-dia lá e meio-dia aqui na loja. Então tinha lá mais casas residenciais, aos poucos foram transformando aquelas casas, foram vendendo, derrubando e foram construindo lojas, outras foram adaptando a fachada em loja e tinha lá uma casa de, uma confeitaria muito boa, que eu me servi muito daquela confeitaria, doces que a gente vê por aí muitas confeitarias, mas dá saudade, aqueles doces, viu? Era também, por sinal, um suíço, especialista em doces. Pelo menos, eu conheci uma na rua aqui do Largo Paissandu, hoje é Avenida Rio Branco, mas antes era Rua Rio Branco, era uma rua estreitinha, depois eles alargaram ficou uma avenida. Ali tinha também um bequinho que tinha uma doceira suíça. Mas era eu, todo o dinheiro que pegava, naquela altura, eu era molequinho, né, era para ir lá comer doce.(riso) Tinha essa aí que eu falei, da Rua João Cachoeira, também, também era uma boa doceira, haja visto que os doces naquela altura dava bom resultado, porque hoje o Pão de Açúcar, por exemplo, sabe como é que começou, de início? Ele tinha uma confeitaria na Brigadeiro Luís Antônio, e em cima, no andar de cima, tinha lá um salão de chá, onde também se reuniam, comemorar o aniversário e tudo. E vê hoje É uma potência Foi, naturalmente, preparando os filhos, os filhos passaram a dirigir a empresa junto com o pai e veja o resultado que deu
P - Certo. E, por exemplo, quando o Mappin começou a ser construído lá no Itaim, a João Cachoeira não era tão conhecida assim como...
R - A Rua João Cachoeira?
P - ...uma rua comercial, estava começando, né? O que é que levou o Mappin a se instalar lá como loja?
R - Bom, porque é o seguinte, o Mappin tinha um terreno lá, que era terreno próprio. Em frente tinha uma escola, que o Mappin não quis comprar também porque diz que o negócio do Mappin não era comprar terreno, o Mappin era ter loja comercial. Mas esse terreno foi comprado porque precisavam de um depósito e o pai, doutor Alberto pai, que era um homem de grande visão, disse: "Taí, é aí que nós vamos construir o depósito". Comprou o terreno e construíram o depósito. Depois é que foi resolvido transformar numa loja, porque a Avenida Juscelino Kubitschek se tornou uma grande avenida, foi naturalmente se tornou um centro, vamos dizer, de comércio, hoje, com restaurantes, pizzarias. Hoje é um movimento a Avenida Juscelino Kubitschek é um movimento fantástico E aí ela foi crescendo, a João Cachoeira viu ainda, com o Mappin, sabe, aonde vai o Mappin, ele carrega os outros atrás, ele carrega os outros atrás dele. O Mappin, em qualquer canto que se estabeleça, eu garanto que dá resultado. Haja visto todas essas lojas, até no ABC, as lojas do Mappin está sendo um sucesso lá também E Campinas, eu conheço, por exemplo, o Iguatemi, Shopping Iguatemi também, é um colosso Conhece ali? O Mappin tá muito bem montado lá também Existe projetos para outras lojas, agora o Mappin chegou na hora da expansão, pelo menos essa diretoria atual, são jovens, gente jovem e que enxergam bem lá para a frente E daqui a pouco, eu tenho certeza que nós vamos ter em outras cidades importantes, como nós temos aí, por exemplo, Sorocaba, um grande centro, já se falou em outras cidades, como Rio Preto, Ribeirão Preto quem sabe Devagarinho nós vamos ter loja em tudo isso aí Eu, quando falo nós vamos ter, porque ainda me sinto integrado no Mappin, apesar de ter me beneficiado da previdência privada, eu continuo prestando serviços ao Mappin, assessoria que eu dou à frota de caminhões, frota dos carros do gerente, cada gerente tem lá o seu carro que é o Mappin que fornece. Antes era pelo leasing, agora o Mappin compra e cede aos gerentes. Depois, quando se desligarem da empresa, no geral, eles ficam e pagam lá o resíduo ou então eles entregam o carro. Mas a maioria prefere pagar o resíduo porque sai bem mais em conta que comprar um carro, não é? Comprar pelo Mappin sai mais barato. (risos)
P - Me diz uma coisa, seu Vicente, quando é que mudou, assim, pelo que o senhor contou um pouquinho dessa história, dentro da história do Mappin, tal, o Mappin confeccionava muito, ele fazia os chapéus, ele fazia os ternos...
R - Fazia ternos...
P - .. ele fazia os vestidos, fazia os próprios móveis, parece que existia...
R - Fazia, tanto que o Banco do Estado de São Paulo, se vocês chegaram a observar os móveis, tudo móvel de estilo, móveis todos fabricados pelo Mappin A fábrica do Mappin era na Rua da Várzea, número 48, lembro até hoje.
P - Então, pelo que o senhor contou, quando é que houve essa transformação dentro do Mappin, vamos dizer, e parou de ser um fornecedor e fabricante, passou a ser só um fornecedor? Na verdade ele começou a pegar os produtos industrializados, quando é que foi isso? Quando é que mudou essa mentalidade dentro do Mappin?
R - Com precisão _____________ , mas como o Mappin fechou em 1938, se não me falha a memória, que fechou a fábrica, lá da Rua da Várzea, porque daí já começaram a aparecer essas grandes indústrias confeccionando móveis em grande escala, e saía muito mais em conta, e a clientela, naturalmente, preferia comprar já os móveis industrializados, que saía mais em conta. Eu tenho a impressão, achar um motivo, não é muito fácil. Mas como isso, as roupas feitas, a mesma coisa Hoje, roupa industrializada saía muito mais em conta do que comprar o tecido, que já não era barato, e depois mandar confeccionar, ficava bem mais caro. Eu acho que foi questão de economia que houve essa transformação.
P - Mas isso foi mudando, os móveis foi em 38 mais ou menos, os tecidos, por exemplo, a roupa foi um pouco mais para a frente? Ou o senhor acha que foi mais ou menos na mesma época?
R - Não, a roupa, roupa foi mais para a frente, eu diria que o forte da roupa deve ter começado depois que o Mappin foi vendido, porque antes o controle acionário era inglês, depois passou para brasileiro, mineiro, e isso foi em 58. Daí para cá é que a coisa passou gradativamente, crescendo. E muita coisa que ainda vai, deve surgir aí para a frente, porque nós estamos, nós estamos caminhando cada vez mais para o progresso, não é?
P - O senhor casou mais ou menos em que época, seu Vicente?
R - Que eu casei?
P - É.
R - Em 1938. Eu já completei inclusive bodas de ouro.
P - Certo, então foi mais ou menos na época que o senhor estava no Mappin, o senhor já estava trabalhando...
R - Já era o gerente de pessoal e gerente de relações trabalhistas só foi mais adiante. Até então eu cuidava das questões, mas não existia um departamento especializado. Aí criaram o cargo de gerente de relações trabalhistas e eu passei a acumular, gerente de pessoal, que é de recursos humanos, e gerente de relações trabalhistas. Eu representava a empresa na Justiça do Trabalho, por exemplo.
P - Como é que o Mappin selecionava os funcionários dele?
R - Como?
P - O Mappin selecionava os funcionários dele?
R - Bom, houve uma época que eu fiz isso, eu entrevistava os funcionários e dava uns testes, de acordo com a função que o funcionário ia ocupar, eu dava os testes. Como a vendedora, por exemplo, que estava dentro do balcão, desde que ela soubesse bem as quatro operações e soubesse naturalmente como proceder um desconto, essa coisa toda, não precisava ter, vamos dizer, curso de matemática, essa coisa toda. Então, na prova que tinha, ver o desembaraço e a dicção, que é muito importante, e a apresentação do candidato, isso era muito importante. Por exemplo, vai pedir um emprego para balconista e não se apresenta, vamos dizer, de acordo, no traje, na sua maquiagem eu estou me referindo agora a uma moça, porque quando é homem, bem barbeado, vem com gravata porque vem de esporte, para mim já eram pontos perdidos, e sempre fui feliz nas contratações. Depois, com o decorrer do tempo, o número de contratações foi crescendo, porque o Mappin foi crescendo, aí foi criado um departamento de relações trabalhistas. Aí contratamos psicólogos, entrevistadoras com gabarito e também, e assim foi indo. Hoje temos um departamento muito bem montado de relações trabalhistas.
P - O senhor lembra de alguma contratação de alguma pessoa que hoje virou uma pessoa famosa, ou importante ou hoje tem um negócio próprio, que foi funcionário do Mappin?
R - Bom, tem vários que foram contratados como funcionários, vamos dizer da classe média, hoje já chegaram até a diretores, tivemos um que já tá falecido, um, dois que eu saiba.(fim da fita 032/02-A) Dois, que eu lembro, falecidos, chegaram a diretores do Mappin, e foram contratados como funcionários, fizeram carreira dentro do Mappin, chegaram... eu mesmo, fui um que fiz carreira E fiz uma carreira muito bonita, modéstia à parte, mas eu fiz uma carreira. Eu comecei como auxiliar no Mappin, e cheguei a gerente de pessoal e relações trabalhistas numa empresa famosa como é o Mappin. Por quê? Por meus esforços. E eu não tenho curso universitário Hoje, no Mappin, os cargos de maior importância, a maioria são ocupados por quem tem curso superior.
P - Nós entrevistamos o Alex Periscinotto. Foi o senhor que contratou o Alex Periscinotto para o Mappin?
R - Alex Periscinotto entrou quando eu era gerente de pessoal. Ele foi contratado na minha época. E porque não dizer: está ali uma inteligência, um grande homem da propaganda Fez uma carreira muito bonita no Mappin, e depois ele se tornou, você fez a pergunta, de quem trabalhou no Mappin e se tornou personagem, vamos dizer, de renome, como é o Periscinotto, hoje ele tem, ele é sócio da Alcântara Machado, me parece que agora ele é o principal dono. No Mappin ele foi da propaganda, o Mappin sempre cuidou da propaganda, e ele era, no meu entender, em matéria de propaganda, é o número um Ele idealizava as coisas e fazia, trabalhou com a Volkswagen, também que eu sei. Volkswagen uma empresa também importante, ele trabalhou. Os anúncios da Volkswagen, criação dele Ele é amigo nosso até hoje, amigo do meu filho. O meu filho foi, além de ser um, foi grande executivo também na Volkswagen, depois ele foi para a Camargo Correia, hoje ele não trabalha na Camargo Correia mas dá assistência à Camargo Correia e Telectra, que também fornece, ela vende serviços, ela prepara também candidatos para as empresas, meu filho também dá assistência, meu filho ele é juiz classista, também, trabalhista, mas tudo o que ele pode pegar, ele pega. Não tem medo de trabalho Trabalha Há quem diga que ele puxou do pai, porque diz que matéria de trabalho, nunca me assustou. Eu, porque tive uma infância difícil, e tudo, atrás disso começou. Depois, sabe, casei moço, eu sempre levei uma vida de chefe de família, então, chegou uma hora que eu resolvi casar, eu casei com 23 anos, isso não é idade para um homem casar E daí começou, sabe porque depois que casa, apesar que meu filho formou-se em direito por Bragança depois de casado e com filhos. Trabalhava na Volkswagen. Mas como ele sempre teve, vamos dizer, foi sempre ambicioso e queria fazer carreira, mas ele teve sempre um pai que por trás dava sempre um empurrãozinho, não é Mas eu não tive, perdi meu pai com sete anos de idade. Roubaram a vida do meu pai, foi assassinado.
P - Seu Guastelli, fala um pouco do cotidiano do senhor. O senhor me contou que todo o dia de manhã antes de abrir o senhor passava nas seções, dava uma verificada, o senhor era muito rigoroso? Como é que era isso?
R - Tudo bem. Não, rigoroso eu não diria que era, mas só que tem uma coisa: ordem, disciplina, eu, como gerente de pessoal, eu era exigente Então, para isso, a gente tem que fiscalizar. Horário do Mappin, teve uma época que era oito horas, depois passou oito e meia, agora é nove e meia. Eu não alcancei a época de nove e meia. Mas até oito e meia, sim. Então eu chegava às sete e meia da manhã, eu ficava na portaria apreciando a entrada dos funcionários. Então, passava, passava, e eu dava uma olhadela. (risos) Tinha uma moça lá que a blusa dela não estava muito legal. Não precisava nem escrever porque gravava tudo Passava lá, estava com o rosto sujo, barba por fazer. Aí abria a loja, dava o sinal, abria para a clientela, eu saía da loja, ia até o meu escritório, e avisava minha secretária: "Muito bem. Vou começar as minhas andanças agora." Descia, ia até a loja e aí eu começava andando toda a loja, toda Aqueles que eu já havia notado na portaria qualquer irregularidade, chegava com o chefe deles: "Seu fulano hoje não fez a barba. Ele vai dar uma desculpa, levantou tarde ou não dormiu bem, não sei o que. Você faz uma permissão, manda para casa para fazer a barba." Balconista tem que se apresentar bem em ordem pra atender um cliente É o cartão de visita da loja O cliente quando chega não vai se dirigir ao diretor da loja, vai se dirigir ao vendedor onde ele quer comprar. E o cliente é exigente Eu sou assim também. Eu vou numa loja, tem duas, três moças lá, eu procuro a que mais me agrada, a mais bonitinha, a que está melhor maquiada, que tá mais em ordem. Vou e falo. E eu acredito que a maioria dos clientes faz isso. Então, esse era um caso. Mandava para casa, dava uma permissão, não tinha prejuízo nenhum para o empregado, mas ele voltava barbeado. Tinha outro que dizia: "Ah, mas eu saio às dez e meia para almoçar, já são nove horas, até eu chegar em casa e voltar." "Então, hoje, adianta o almoço dele. Ele sai agora, vai almoçar, depois volta, justifica o tempo dele." Mulher a mesma coisa: tinha mocinhas que não cuidavam nem da sua blusa. Eu via a blusa mais ou menos, mandava: "Ah, é que choveu, ontem, choveu e eu não tive tempo de enxugar a blusa, não sei o que." Muito bem, qualquer criatura sabe muito bem enxugar uma blusa no ferro. Isso, conheço bem as coisas porque afinal de contas eu sou um chefe de família, tive uma vivência, naturalmente, que me dá o direito de pensar assim: "Tá bom, não vai enxugar no ferro? Mas não vai me dizer que tem uma blusa só, meu Deus Tem duas, tem três O que é que foi isso? Tirou uma blusa, porque já estava usada, foi usar a outra, porque não lavou a outra? Se encostou num canto para depois chegar no fim-de-semana." Esses eram os argumentos que apareciam, mas que eu não aceitava. Então, eu corria duas horas e meia por dia, porque eu chegava no meu escritório, a loja abria às oito e meia, e eu chegava no meu escritório às dez, às vezes dez e meia. Às vezes parava num chefe que me fazia, me questionava sobre qualquer coisa, e eu tinha que responder, então nessas paradas eu sempre perdia algum tempo. Aí, chegava no meu escritório depois de andar duas horas e meia, tanto que naquele tempo eu não tinha barriga, e hoje eu tenho. (risos) Porque diz que o melhor exercício é andar. Apesar que eu já disse que eu faço exercício todo o santo dia, isso eu faço há mais de 40 anos, ciclobel. O ciclobel é movimentos coordenados de bicicleta, de natação e até um pouco de remo, que eu faço, naturalmente, pedalando o tempo todo, fazendo exercício pro tórax, os braços esticados para trás, deitado, e esses movimentos também eu faço, que é o movimento de remo, que dizem que também tem alguma coisa a ver com alongamento, que fazem hoje. São todos os dias, 20 minutos, eu faço de manhã. Levanto às cinco horas da manhã, mas não só agora, pode dizer: "Bom, agora com a idade que você tem, você não precisa dormir muito" Mas quando moço eu já fazia isso Se eu digo 40 anos atrás, é até mais, se eu fizer bem as contas, eu já fazia exercício, nunca parei um dia Graças a Deus, ___________ nunca fiquei doente Deixa eu me benzer, porque eu agradeço a Deus com a minha idade, 80 anos, eu poder falar isso é porque sou protegido por Deus. Sabe por quê? Se eu puder praticar uma boa ação eu pratico, mas não lembro nunca que eu tenha praticado, que eu tenha praticado alguma coisa em prejuízo de alguém. Se eu não puder fazer um bem, o mal também não existe para mim. Não tenho inimigos. E se alguém se tornou meu inimigo, para mim eu não conheço E além disso funcionário no horário, também eu exigia que cumprisse horário. Porque boa ordem e disciplina começa desde o horário de entrada. Precisa respeitar o horário, tem um contrato Seu horário é de tanto a tanto, tem seu horário de almoço, tudo bem, a firma respeita aquilo, porque é da lei Você também tem de respeitar o que é da lei E o que é da empresa. É do seu contrato, tem que cumprir. Agora, funcionário relapso eu tinha que punir mesmo. Primeira advertência era verbal, a segunda era por escrito - não tinha preguiça de escrever não Em uma minuta, eu tenho um texto de minutas, que todas as minutas eu guardava comigo, porque quando ia aplicar uma outra, para um outro funcionário, uma medida que era a mesma que aquela, já tinha a minuta. Dava pra minha secretária, era só mudar o nome. Então era advertência verbal a primeira, a segunda era por escrito, terceira suspensão por um dia, às vezes dois dias, e outras vezes, se o empregado era jovem na empresa, mandava embora E se era empregado já com algum tempo, que isso era difícil acontecer, aí, então, eu aplicava dois dias ou três dias de suspensão, mas aí eu conversava, dizia: "Olha, você foi advertido verbalmente, por isso que levou já uma suspensão de um dia. Tá levando dois dias, que não costumo dar. Dei para você porque você já tem algum tempo de casa, você tem uma família que eu sei para cuidar, pelo amor de Deus Não me obrigue a ter que tomar uma medida mais drástica" E assim, não sei se é ser rigoroso, se não é, estava sendo até um conselheiro. O verdadeiro gerente de pessoal, que hoje é gerente de recursos humanos, é assim que tem que agir, tem que ser humano com os funcionários Mas não pode relaxar na boa ordem e disciplina Entendeu? Era assim, meu trabalho. Eu tenho certeza de que cumpri, honestamente e com muito carinho que sempre trabalhei, porque eu sempre gostei daquilo que estava fazendo, não fazia por obrigação e outra coisa: nunca tive uma falta Graças a Deus. Nem por doença, nem por motivo nenhum. Tinha prazer em trabalhar Sábado e domingo, para mim, ficava em casa, não via a hora de segunda-feira para... diz que eu era um fanático A minha mulher chegou a dizer: "Você é um fanático, não conheço ninguém igual. Caxias" Tudo o que você quiser eu sou, só que o meu dever eu vou cumprir, e se Deus quiser, até o fim da minha vida
P - Seu Guastelli, quanto tempo o senhor trabalhou no Mappin, no total, né, e como que foi que o senhor parou de trabalhar, esse processo de aposentadoria?
R - Bem, o caso é o seguinte: eu fui trabalhando no Mappin até antes de ser criada a previdência privada. Criou a previdência privada, já quando começou a se falar da previdência privada, eu já comecei a sofrer. Porque eu dizia: "Vai chegar, vou ter que me aposentar e eu não quero." Porque eu li muita coisa a respeito de executivos que se aposentaram. Eu tenho até guardado, se tiver curiosidade de ler, eu até trago para ler, para a senhora ler. Mas fica, ele fica deslocado Não sabe enfim, não sabe mais como viver, alguns casos. Ele estava acostumado com uma série de mordomias, que de repente parou. Então, tudo isso fiquei pensando Eu digo: E esse convívio que eu tenho com todos os funcionários, até hoje sou muito bem recebido por todos. Eu faço uso do refeitório do Mappin, refeitório onde é freqüentado por diretores e gerentes Tenho esse convívio com eles. Então, eu não, eu não me considero nem, vamos dizer, aposentado. Estou sempre lá, junto com meus companheiros, isso é, vamos dizer: a maior coisa que a gente tem nesse mundo chama-se amigos, chama-se os colegas, que a gente tem esse convívio diário com todos, não é? Isso ajuda muito E eu acho que essa é a razão de eu me conservar assim, com essa vitalidade, com essa disposição e com essa boa vontade que eu tenho até hoje de trabalhar, enquanto outros mais jovens não vê a hora de pedir: "Meu Deus, como tá demorando o tempo para me aposentar." Tem alguns que eu, falam isso, eu digo: "Me diga, falta muito para... quantos anos falta?" "Uh Ainda falta uns cinco anos" "Ih você já está pensando, então você não gosta do que faz Você não trabalha porque gosta, você trabalha por obrigação Isso é muito ruim" E é mesmo De forma que eu acho que essa é a razão de eu estar até hoje trabalhando e com entusiasmo e com muita satisfação, e estar servindo de exemplo, inclusive pros meus filhos, pros meus netos. E vai servir também pros meus bisnetos, se Deus quiser. Já tenho dois bisnetos
P - Mas, no total, o senhor trabalhou quantos anos, até o dia que o senhor se aposentou?
R - Ah, eu comecei em 32, 28 de novembro de 32, e fui até 30 de setembro de 1989, mesmo porque fui obrigado. Eu já tinha ultrapassado a idade limite para a previdência privada, que a idade limite é de 65. E eu já tinha ultrapassado. Então, eu trabalhei 56 anos ininterruptos, com vínculo empregatício, e mais seis anos sem o vínculo empregatício, prestando serviço ao Mappin Total, 61 anos (risos)
P - Então, seu Guastelli, então fala pra gente, depois que o senhor se aposentou, o que é que o senhor foi fazer? O senhor não queria parar de trabalhar, o que é que o senhor foi fazer?
R - Tenho um escritório de despachante, porque em 1945 eu prestei exame na escola de polícia para despachante. Porque fazia alguns serviços lá que a diretoria pedia para mim. Até que um dia eu disse: "Olha, eu estou fazendo, mas a minha função hoje nas repartições públicas é de zangão." E não pode, só funciona despachante policial ou advogado, eu não sou advogado Apesar que no Mappin eu fazia advocacia preventiva Eu evitava o processo para o Mappin, chamando o funcionário, aconselhando. Agora, quando eu mandava embora, eu tinha um motivo para mandar Ele podia reclamar que não tinha chance de ganhar o processo. Então, fazia advocacia preventiva, que é a melhor advocacia que tem Evita o processo. Defender o processo, tem muitos advogados, tem muitos advogados, mas fazer advocacia preventiva, são poucos que fazem, que é o que eu fazia. Muito bem, então, desde que trabalhei, 61 anos, porque fui obrigado, como eu disse, por causa da idade, me beneficiaram com a previdência privada, porque se não, eu não teria, mas foi. Mas eu digo: eu não senti muito por causa da diretoria me concedeu regalias como um gerente na ativa tem, hoje Eu faço uso do refeitório junto com os diretores e gerentes, do dia-a-dia. Eu presto serviço ao Mappin, presto serviço inclusive para os gerentes. Os gerentes, quando têm... compra um carro, precisa licenciar, vem comigo. Precisa renovar um porte de arma, comprou uma arma, precisa registrar, precisa ____________ eu faço. Eu trabalho, praticamente eu não me desliguei do Mappin Eu só me beneficiei da previdência privada, mesmo a contragosto. Porque eu falando com o presidente, que é um grande conselheiro, todos nós conhecemos bem, professor Roca, todos nós conhecemos bem, que ele já ocupou posições de destaque, foi secretário da fazenda e poderia perfeitamente ser um dos nossos ministros, que é de homem dessa têmpera é que o Brasil precisa Depois de conversar com ele, uma meia hora mais ou menos, ele me convenceu que se eu não me aposentasse, se eu não me beneficiasse da previdência, que naquele dia que eu estava falando com ele: "Vai ser amanhã, se não for amanhã, vai ser depois de amanhã, se não for depois de amanhã vai ser daqui um mês, daqui à dois meses, não sei, um dia vai acontecer Então, aproveita já" E, conclusão, eu aposentado, como estou, praticamente eu estou recebendo um salário como se fosse um salário de um gerente na ativa. Com o que eu tenho, contrato com o Mappin, prestando assistência como presto, frota de caminhão, de carro de gerente, e a previdência que eu recebo do Mappin, que eu recebo do governo, então. E outra coisa: eu tenho um patrimônio de fazer inveja a muita gente. Tudo consegui com quê? Pelo Mappin. Tudo o que eu ganhei no Mappin eu soube aproveitar. Eu não fui um esbanjador e sempre procurei economizar, porque pensando sempre numa família que eu constituí, e que tudo o que eu puder fazer por essa minha família eu vou fazer. Porque: "O que adianta você ter tudo isso Você precisa usufruir disso Vai viajar, vai fazer, gasta tudo Vai deixar aí pros seus filhos Isso ainda vai gerar encrenca entre eles." Digo: "Olha, isso é preocupação de vivo. O cara depois que está morto, vai se preocupar com o que deixou aqui? Eles que se arrumem Lá sei." Só que eu digo: "Eu constituí uma família, que eu tenho certeza que não vão chegar a esse ponto, de brigarem por causa de um tostão ou dois." É assim ou não é que vamos agir? (risos)
P - Bom, a gente está caminhando já para o fim da entrevista, eu gostaria que o senhor me dissesse o seguinte, senhor Guastelli, se o senhor fosse mudar alguma coisa na sua vida, o que é que o senhor mudaria? Ou não mudaria?
R - Eu voltaria para o Mappin fazer o que fazia, como funcionário que era, com vínculo empregatício. (risos) Isso é o que eu faria.
P - Certo, e o senhor tem algum sonho, além desse, que o senhor gostaria de realizar?
R - Sonho?
P - É.
R - Eu acho que com a idade que estou, eu tenho a impressão que eu já realizei tudo o que poderia. A idade, hoje, acho que não permite. Eu gostaria por exemplo, de sempre gostei mas nunca pude, por uma razão ou outra, sempre houve alguma coisa, eu sempre gostei do Direito. Eu não consegui título de advogado, mas estou feliz porque tenho um filho que conseguiu, tenho uma neta que conseguiu e tenho outros dois, não são advogados, são administradores de empresa, enfim, todos eles estão encaminhados. Quando o meu filho colou grau na faculdade de Bragança, eu nunca havia ido em Bragança, eu fui na colação de grau, porque se eu tivesse tomado conhecimento o perigo que ele corria todos os dias para freqüentar essa faculdade eu não deixaria A senhora conhece a estrada Fernão Dias? Aquilo é como é essa outra, que vai para Curitiba; a Fernão Dias é esta aqui da faculdade Bragança Paulista. Bom, mas vamos falar nessa... porque o assunto é dessa... o perigo, dia de chuva e tudo, uma estrada de tanto... tanto que milhares de desastres ocorreram. Tanto que na colação de grau foi prestada uma homenagem póstuma àqueles que faleceram naquela estrada Que arrepiou meio mundo Eu sou muito emotivo. Qualquer coisa me emociona. E outra foi quando o meu filho recebeu o batismo, de advogado e quando eu abracei e tirei do bolso um anel que eu mandei fazer sob encomenda para ele, um anel que ele nem usa, ele guarda até, acha muito pesado, pedra natural de rubi, que é a pedra que eu coloquei no dedo dele, correram lágrimas Quando eu falo, me emociona. É uma coisa, é demais, sou emotivo demais
P - Bom, então para terminar, seu Guastelli, que é que o senhor achou de a gente ter conversado essa hora aqui, ter deixado registrado a sua experiência de vida, a sua experiência de trabalho?
R - Maravilhosa E oxalá isso possa servir de exemplo pra essa geração e pras gerações futuras Já me ofereceram para escrever um livro a respeito da minha história E um, que foi, inclusive, superintendente de recursos humanos do Mappin. Ele disse: "Eu ajudo você a escrever esse livro." Eu disse: "Não, obrigado. Eu acho que agora não dá mais para fazer. Se fosse mais moço até que eu iria fazer." Ele disse: "Porque você viveu uma vida que tem de servir de exemplo para a humanidade" Ele nem falou __________, "para a humanidade".
P - Que bárbaro.
P - A gente vai encerrando, agradecendo a sua presença, senhor Guastelli, para a gente foi muito bom ter o seu depoimento
R - Eu que agradeço, que vocês me deram essa oportunidade, que poucas vezes eu tive. Teve uma vez que fui entrevistado pela repórter do Estado de S. Paulo e outra vez pela Folha de S. Paulo. E esta é a terceira, e pelo que eu sei que isto, para o que vai servir, eu me sinto honrado e agradecido de ter sido convidado pelo Mappin para vir aqui dar esta entrevista. Estou sempre à disposição de vocês para o que for preciso.
P - Obrigado
R - Tá?
P - Tá A gente vai dar um close no senhor.
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