Dia cinco de junho de 1983, na pequena e histórica São Borja, na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, nascia mais um jovem “comum”. Negro, periférico, filho de mãe solteira e trabalhadora. Diego Robalo, cresceu em uma família composta pela mãe, cinco irmãos biológicos e dois irmãos adotivos. Nunca teve contato com o pai. A mãe, por trabalhar bastante tinha pouco tempo para frequentar reuniões escolares, ou fazer algum acompanhamento mais presente da rotina escolar das crianças. Ainda assim construiu em torno de si, uma família empoderada. O fato de serem todos negros, pobres e filhos de mãe solteira, seria apenas mais um motivo para que a luta deles por seus sonhos fosse ainda mais levada a sério. A rigidez e exigência de dona Ilza, sempre vieram acompanhadas de muito respeito e principalmente amor que sentia por cada um de seus oito filhos. Diego nasceu e cresceu no Bairro do Passo, e sua casa sempre recebeu muitas visitas, principalmente de pessoas que procuravam ajuda, fosse porque precisavam de conselhos, ou porque haviam sido expulsos de casa. A pequena casa dos Robalo sempre foi um lugar de acolhimento, e eles cresceram com essa ideia de comunidade, de apoiar ao outro.
ADOLESCENTE “NORMAL”
Durante a adolescência, Diego, como o próprio classifica foi um jovem negro “normal”. “Cresci com medo. Com problemas como todos os outros jovens negros, pobres e um pouco acima do peso. Sofrendo das mesmas violências que são diariamente pautadas a estes jovens. Não sentia igualdade frente a sociedade branca.” explica. A diferença entre ele e os demais estava relacionada a alguns outros motivos. “Não me sentia como meus colegas e amigos. Tínhamos conversas, instintos, e gostos diferentes. Ainda não entendia, mas sabia que era diferente.” conta. Durante este período, teve suas primeiras experimentações sexuais e afetivas. Estava na puberdade e como todos os demais era o estágio das descobertas. Começara aí a...
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Dia cinco de junho de 1983, na pequena e histórica São Borja, na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, nascia mais um jovem “comum”. Negro, periférico, filho de mãe solteira e trabalhadora. Diego Robalo, cresceu em uma família composta pela mãe, cinco irmãos biológicos e dois irmãos adotivos. Nunca teve contato com o pai. A mãe, por trabalhar bastante tinha pouco tempo para frequentar reuniões escolares, ou fazer algum acompanhamento mais presente da rotina escolar das crianças. Ainda assim construiu em torno de si, uma família empoderada. O fato de serem todos negros, pobres e filhos de mãe solteira, seria apenas mais um motivo para que a luta deles por seus sonhos fosse ainda mais levada a sério. A rigidez e exigência de dona Ilza, sempre vieram acompanhadas de muito respeito e principalmente amor que sentia por cada um de seus oito filhos. Diego nasceu e cresceu no Bairro do Passo, e sua casa sempre recebeu muitas visitas, principalmente de pessoas que procuravam ajuda, fosse porque precisavam de conselhos, ou porque haviam sido expulsos de casa. A pequena casa dos Robalo sempre foi um lugar de acolhimento, e eles cresceram com essa ideia de comunidade, de apoiar ao outro.
ADOLESCENTE “NORMAL”
Durante a adolescência, Diego, como o próprio classifica foi um jovem negro “normal”. “Cresci com medo. Com problemas como todos os outros jovens negros, pobres e um pouco acima do peso. Sofrendo das mesmas violências que são diariamente pautadas a estes jovens. Não sentia igualdade frente a sociedade branca.” explica. A diferença entre ele e os demais estava relacionada a alguns outros motivos. “Não me sentia como meus colegas e amigos. Tínhamos conversas, instintos, e gostos diferentes. Ainda não entendia, mas sabia que era diferente.” conta. Durante este período, teve suas primeiras experimentações sexuais e afetivas. Estava na puberdade e como todos os demais era o estágio das descobertas. Começara aí a entender o que havia de diferente nele, era homossexual. “Tive meu primeiro relacionamento gay aos 15 anos de idade. Que durou pelo menos um ano e meio. O primeiro relacionamento afetivo, propriamente dito, pois tenho uma lembrança remota, da minha primeira relação sexual aos 11 anos. Mas por não entender, acabei bloqueando, e ficando muito tempo sem refletir sobre isso. Esse meu primeiro relacionamento afetivo, foi com um amigo meu, e foi mais para descoberta e auto-afirmação mesmo. Por volta dos dezesseis anos, esse relacionamento teve fim. “Ninguém sabia, achavam que nossa relação era apenas de amizade. Depois dele não tive outro, até os dezenove, vinte anos. Eu não tinha uma referência, nem clareza das coisas. Era difícil ter referências em 1998/99 no interior. Não haviam grupos LGBT como hoje em dia.” conta ele.
O ENCONTRO COM SI MESMO
Aos dezenove anos Diego decidiu cursar o magistério, já que era uma área dominada pelo público feminino e onde ele acreditava que se sentiria melhor. Neste mesmo período voltou a ter contato com um de seus grandes amigos de infância, Rodrigo Mendonça. Rodrigo, também gay, era líder de movimentos LGBT da época, e os apresentou a Diego. Com a convivência com os movimentos sociais gays, ele começou a se entender, e se conhecer melhor. Dos dezenove aos vinte dois anos, viveu a realidade do homossexual no interior, fez grandes auto-descobertas, e conheceu seu segundo namorado, com o qual manteve a relação afetiva por quase três anos. Já aos vinte quatro anos Diego teve seus primeiros contatos com o mundo transgenero. Começou a ir a festas vestido de mulher. Usava a identidade escolhida por ele: Lins. “Lins é uma homenagem a Lucinha Lins, que em Saltimbancos dos Trapalhões era uma gata, e eu como fã de gatos, e inspirada naquela mulher felina que ela representava, me auto-denominei como Lins”. No início Lins era uma personagem, usada apenas para ir a festas e eventos. Diego se tornara uma Drag Queen. A partir daí começou a fazer cada vez mais amigos gays, a ir mais a festas, e sempre vestido de menina. Era tratado ainda como menino, o que deixava as pessoas um pouco confusas, segundo ele. Com o tempo, com calma, respeito a si e aos outros, adquiriu credibilidade e entendimento por parte da família, dos amigos e da sociedade. Até que em 2007 decidiu que não mais se vestiria de homem. . “Escolhi a transformação. Me entendi transgenero. Com isso dei fim ao meu relacionamento, pois vi que ele me mantinha numa zona que até então era de conforto, a da homossexualidade. Mas hoje ele é um dos meus melhores amigos, entende perfeitamente a lógica dos fatos que se deram. A partir dos 25 anos, comecei a cuidar mais da Lins, pintava as unhas e o cabelo. Embora ainda vivesse de uma forma um pouco “andrógena” (meio homem, meio mulher), pois ainda estava em experimentação.”, conta Lins.
UMA SOMA DE FATORES
Nesta mesma época começou a cursar Serviço Social na Universidade Federal do Pampa, em São Borja. E tiveram início também os encontros de membros dos movimentos LGBT, na casa dos Robalo. Nada institucionalizado, eram apenas encontros para que pudessem abertamente falar sobre sexualidade, seus gostos artísticos e músicais e ter suas primeiras experimentações afetivas e sexuais homoafetivas longe dos olhos preconceituosos da sociedade. Esse grupo que se encontrava foi batizado por eles de “Gueto”, e começou a crescer cada vez mais. Foi neste momento de sua vida que Diego, agora definitivamente Lins, conheceu seu terceiro namorado e atual esposo, Ítalo. “Eu entendo que foram vários momentos, vários processos para que eu me tornasse a mulher trans e militante que sou hoje.” diz ela. Sua transformação física, associada ao término de seu relacionamento anterior, conhecendo seu novo namorado, a formação do “Gueto”, que foi um início do movimento LGBT em São Borja, tudo isso junto com a formação em Serviço Social, fez com que se transformasse em quem é hoje. Durante os quatro anos da graduação viveu os primeiros dois anos, no processo de entedimento do que se passava consigo, já nos últimos dois estava de fato no processo de transição de gênero. Isto dentro da universidade, o que se tornou um fato cientifico a ser analisado pelos colegas. A partir dos conhecimentos teoricos, comecou a exigir que usassem seu nome social - Lins - foi criando sua identidade, conhecendo seus direitos e se tornando uma mulher empoderada. “Hoje me vejo assim, antes de mais nada, mulher, trans, negra, militante e assistente social, são essas categorias sociais que dizem quem eu sou dentro da sociedade, e quais são minhas lutas dentro dela.” afirma Lins.
O DESABROCHAR DE UM GIRASSOL
Junto ao surgimento e amadurecimento de Lins, acontecia o mesmo com o movimento LGBT de São Borja. O “Gueto” grupo de gays e lésbicas que se encontravam na casa de dona Ilza, começava a entender o que queriam como seres homossexuais em formação, e isso ia além das festas e encontros, o simples convívio já não mais bastava. “Necessitávamos existir além daquele espaço noturno e secreto” diz Lins. A partir daí transformaram o “Gueto” em uma ONG. Não sabiam bem do que se tratava, mas queriam dar visibilidade e voz ao grupo e ao movimento, e achavam ser esta a melhor maneira. Por fim, em vinte e oito de junho de 2008, fundaram a ONG “Girassol, amigos na diversidade”, como um espaço de acolhimento, e empoderamento para atender a minorias: mulheres, negros, marginalizados, para dar um apoio social que até então não era dado. “Primeiramente começamos a mostrar a sociedade sãoborjense quem fazia parte da Girassol e o que fazíamos. Éramos gays, então as pessoas começaram a notar que os gays também eram capazes de produzir algo positivo. Que ajudávamos, faziamos caridade... “Foram quatro anos sob a coordenação da minha mãe, que fundou a ONG. Todos na minha casa. Eram trinta, quarenta gays, com seus pares. Chegava a ter 60, 80 pessoas. Quando ela adoeceu, me tornei a coordenadora. No início foi muito complicado, até mesmo de trazer os LGBT pra dentro do movimento. Trabalhávamos mais pra sociedade como um todo e não apenas com o publico LGBT.” conta ela. Quando Lins se tornou coordenadora, acabara de graduar-se em Serviço Social, e especializando-se em violência. A partir daí a “Girassol, amigos na diversidade” começava a trabalhar de uma forma mais institucional e organizada, pautada nas questões do movimento LGBT. Surgiam também neste momento as grandes parcerias que a ONG fizera. UERGS (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul), Unipampa (Universidade Federal do Pampa), IFF São Borja (Instituto Federal Farroupilha), Câmara Municipal de Vereadores e Prefeitura Municipal de São Borja são alguns dos maiores financiadores e colaboradores dos projetos e obras da ONG.
É CHEGADO O TRIUNFO
Com a efetivação das pautas LGBT no trabalho diário da ONG, foi efetivada também a presença dos gays dentro da comunidade de São Borja. A visibilidade do grupo aumenta a cada dia. Começou com o reconhecimento municipal, depois regional e estadual e hoje inclusive em âmbito nacional. A ONG “Girassóis, amigos na diversidade” é hoje uma das organizações mais conhecidas e respeitadas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul sendo recentemente selecionada entre outras 73 organizações, ficando em quarto lugar em nível nacional, para receber um incentivo financeiro para realização de um projeto durante seis meses, em parceria com a ONG ALGBT-RG de Rio Grande, que prevê ações em conjunto com mulheres trans e um trabalho junto a Unipampa e ao IFF, incluindo ainda uma virada cultural sobre o movimento e questões LGBT. “O que mais me alegra, é fazer tanto, estando tão distante da Capital, pois para muitos tudo só acontece lá. Mas estamos fazendo história, mesmo em uma cidade pequena, com pensamentos antiquados e costumes machistas.” Comemora Lins. Depois de tantas transformações e de uma trajetória de luta e de amor ao próximo, Lins é atualmente uma mulher de sucesso pessoal e profissional. Atualmente é graduada em Serviço Social, especializada em Violência Intrafamiliar, e mestre em Ciências Sociais. Trabalha como Assistente Social concursada da Prefeitura Municipal de Itaqui, além de ser uma das coordenadores da Girassol, Lins trabalha com palestras pra rede municipal, e região sobre temas que envolvam a saúde mental, tudo isso de forma gratuita. “Me formei em uma universidade federal, fiz especialização e mestrado em universidade federal, e entendo que isso é uma forma de retribuir a sociedade.” afirma ela.
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