Entrevista de Jurema Onofre de Souza
Entrevistada por Paula Ribeiro / Stefany Vital da Silva
27/07/2021
Realização: Museu da Pessoa
Projeto: Mulheres da Maré Dignidade Resiliência e Arte
Entrevista MDRA_HV003
Transcrição Revisada
01:32
P/1 - Bom dia Dona Jurema. Muito obrigada por ter aceitado o convite para participar do nosso projeto, para contar um pouquinho a história da sua família, a história da sua trajetória, suas experiências de vida aqui na região da maré. Muito obrigada, obrigada equipe pela parceria. Então vamos começar o nosso depoimento, eu vou pedir para senhora me dar o seu nome completo, e a sua data de nascimento, por favor.
R - Meu nome é Jurema Onofre de Souza, sou de 1952, 23 de novembro.
02:16
P/1 - A senhora conhece a história do seu nome? Por que a sua mãe deu o nome de Jurema? Homenageou alguém? Conhece a história?
R - A minha mãe é muito apegada pela cabocla Jurema.
02:30
P/1 - Foi uma homenagem?
R - É.
02:33
P/1 A senhora tem irmão?
R -Tenho.
02:34
P/1 - Poderia dizer o nome deles?
R - O nome deles? O mais velho era Jerônimo Onofre de Souza, Sérgio Onofre de Souza, e Arapuã Onofre de Souza, tudo homem meus irmãos.
02:55
P/1 - A senhora era a única menina?
R - É.
02:57
P/1 - E o nome da sua mãe e o nome do seu pai, por favor?
R - O nome da minha mãe é Jaci Sales, e o nome do meu pai é Maurício Onofre de Souza.
03:07
P/1 - A senhora tem apelido?
R – Tenho! Noca.
03:10
P/1 - Quem deu esse apelido para senhora?
R - Acho que foi minha avó.
03:14
P/1 - E qual era o nome da vovó?
R - Guliati descendência africana.
03:21
P/1 - Ah é? Essa é a vovó por parte de mãe?
R - Por parte de pai.
03:23
P/1 - A senhora conheceu ela?
R - Conheci.
03:29
P/1 - Então conta um pouquinho como é que era a sua avó.
R - A minha avó era horrível, eu tinha o meu primo, quando o meu primo fazia arte, minha avó tinha um cabo de vassoura, a minha avó...eu acho que é o jeito deles lá. Ela fazia assim com o cabo de vassoura na hora que ele corria, jogava o cabo de vassoura assim, ele ia e caia de cara no chão, ela ia lá pegava ele e batia nele.
03:54
P/1 - Linha dura na época. E o seu avô?
R - Não, meu avô não, meu avô já era mais calmo. Meu avô trabalhava na linha do trem, meu avô era muito bom, quando chegava trazia bala sabe? Para gente, para mim e para os meus irmãos, para minhas primas. 6
04:20
P/1 - Qual era o nome dele?
R - João Onofre Souza.
04:24
P/1 - E por parte, e os outros avós a senhora conheceu?
R - Avós por parte de mãe eu conheci, só não conheci meu avô.
04:33
P/1 - Como era o nome dela?
R - O nome da minha avó se chamava Alzira, e o nome do meu avô Anselmo.
04:41
P/1 - Você conhece um pouquinho a história dos seus avós? De onde eles vieram?
R - Só essa minha avó, que ela falava que era de descendência africana, essa Guliati.
04:55
P/1 - E o que ela contava, mais um pouquinho da descendência dela?
R - Ela diz que veio há muitos anos com outras pessoas, foi quando ela conheceu o meu avô e se casou com ele, ela morava em outro lugar, mas depois ela foi para a favela do Esqueleto.
05:21
P/1 - E qual era a religião da sua família antigamente?
R - A minha avó era umbanda.
05:27
P/1 - A senhora lembra de alguma coisa em casa, alguma manifestação da religião?
R - Via minha avó rezando muito os outros, eu era pequenininha, mas me lembro.
05:36
P/1 - A senhora aprendeu alguma reza?
R - Eu não. Só rodava lá no centro.
05:44
P/1 - Tinha um centro lá no Esqueleto?
R - Tinha.
05:49
P/1 - Tinham muitos centros lá?
R - Não, eu conheci só uns dois, minha avó rezava muito era em casa.
05:58
P/1 - Mas, é por algum motivo especial, tinham rezas especiais para saúde?
R - Ela rezava, às vezes os outros estavam passando mal, ela ia e rezava as pessoas com um galhinho de mato.
06:13
P/1 - A senhora tem memória um pouco da favela do Esqueleto, contar para gente quando é que a sua família foi, o que era a favela? Como era a favela do Esqueleto?
R - Ah, não me lembro muito bem quando eu era pequena. Me lembro no tempo que era da remoção, por causa do Lacerda, aí foi lá fizeram as fichas das pessoas, os moradores, quando foi uns 2 meses depois, a gente foi removido daqui para cá, para Nova Holanda.
06:49
P/1 - Aonde é que era? Conta para gente deixar gravado. Onde era a favela do Esqueleto, e por que será que tinha esse nome?
R - O Esqueleto onde que era UERJ hoje. Chamava Esqueleto, sabe por quê?
Porque era um prédio que não tinha coluna, não tinha paredes, onde o apelido era o de ‘esqueleto’.
07:10
P/1 - E como é que as pessoas moravam? As famílias moravam todas?
R - Botava pano do lado assim, para não entrar vento, não entrar coisa, botava pedaço de pau, e tem gente que morava lá dentro.
07:24
P/1 - E a sua família viveu muito ali?
R - Não, só que a minha família não, a gente não morou não. Nós não moramos lá dentro desse prédio não. Morava nos outros barracos embaixo.
07:35
P/1 - Isso antes da construção do estádio do Maracanã ou durante os anos 50?
R - Não, o estádio do Maracanã já existia, quando tinha Esqueleto já existia esse prédio lá, onde hoje em dia é UERJ. Aí botaram o apelido de Esqueleto porque não tinha parede, só tinha aquela coisa assim...como eu tenho que falar, só aquela construção assim, mas só que não tinha as paredes.
08:07
P/1 - Como se tivesse levantado uma obra e não acabado.
R - É isso mesmo é.
P/1 - É o esqueleto!
R - É o esqueleto.
P/1 - Levantou e a obra não acabou. E a senhora lembra um pouquinho pra contar pra gente? O pessoal que morava lá vinha de outros estados, era a turma carioca, tinha gente do Norte, Nordeste.
R - Era tudo misturado.
08:32
P/1 - A sua família era do Rio, ou tinha vindo de outro lugar?
R - Não, minha família era tudo aqui do Rio.
08:39
P/1 - E sobre o seu pai, qual era a profissão dele? Ele trabalhava com quem?
R - Meu pai trabalhava na Prefeitura. Minha mãe trabalhava na casa de um general, minha mãe Jaci Sales, meu pai era desempregado, a minha mãe foi pediu a ele, e ele foi e conseguiu esse emprego da Prefeitura pro meu pai.
09:04
P/1 - Sabe o que que ele fazia?
R - É com negócio de água.
09:08
P/1 - Mas você lembra dele, ele saia cedo de casa? Ele usava uniforme, você lembra sobre isso?
R - Não, ele só saía muito bem arrumado.
09:19
P/1 - Antigamente se arrumava um pouquinho mais. E a sua mãe? Ela trabalhava?
R - Minha mãe trabalhava de doméstica na casa desse moço que arrumou um serviço para meu pai na Prefeitura.
09:34
P/1 - Mas ela dormia na casa, ela voltava?
R - Não, minha mãe vinha todo dia. ia de manhã só vinha de noite, e quem passava olho na gente era minha avó
09:46
P/1 - Você sabe que bairro que a sua mãe morava?
R - Ali no Esqueleto?
P/1 - Não, nesse serviço, desculpa, no serviço que ela trabalhava.
R - Ah era lá para zona sul. Não lembro agora o nome.
09:59
P/1 - E era a dona Jaci que cuidava de vocês?
R - Não, Jaci é minha mãe. A minha avó que passava o olho na gente, que a casa era do lado. A minha mãe podia trabalhar.
10:08
P/1 - Como era essa convivência com a avó, com os primos, como é que era?
R - Antes, minha mãe tinha a casa dela aqui, a casa não, era um barraco, e o da minha avó era do lado, a minha mãe quando saía para trabalhar a minha avó passava o olho na gente, em mim e nos meus irmãos.
10:24
P/1 - Você lembra como era a questão da comida? Vocês almoçavam com a avó?
R - Não, a minha mãe saía, mas já deixava tudo pronto. Era só minha avó esquentar. E esquentar também onde? No fogão de carvão. E é nessa infância
10:43
P/1 - E nessa infância o que a sua avó cozinhava lá na casa? Você lembra?
R - É, comida comum mesmo, arroz, feijão.
10:53
P/1 - A vida era com muita dificuldade nessa época?
R - Ah, não, eu achava que eu era melhor.
11:02
P/1 - Por quê?
R - Porque a gente não está do jeito que está agora não. Aquele tempo quase não existia esse negócio de fome não.
11:16
P/1 - Quer dizer, a família trabalhava e as crianças tinham comida, alimentação.
11:25
P/1 - E sobre fazer compras, ali perto tinha algum comércio, a senhora lembra?
R - Tinha quitandas.
11:36
P/1 - Tudo mais fresco?
R - É.
11:40
P/1 - E sobre escolas, a senhora lembra? Pode contar um pouquinho para gente?
R - A primeira escola que eu falei foi lá dentro do Maracanã, depois eu fui para outra escola.
11:50
P/1 - Conta um pouquinho essa escolinha dentro do Maracanã. Era dentro mesmo ali?
R - Era, dentro do Maracanã, sim. Dentro do Maracanã. Ainda me lembro até o nome
da moça que fazia o leitinho pra gente dar, que ele só tinha leite lá na escola, o nome dela é chamava Neide, era do Esqueleto também, mas trabalhava lá dentro do Maracanã.
P/1 - Poxa, que memória!
R - Depois a segunda escola, foi a escola Madrid, a primeira escola mesmo que eu fui, foi a escola Madrid, lá perto da praça do Maracanã.
12:25
P/1 - Essa primeira escola que a senhora foi tinha nome?
R - Não tinha nome não.
P/1 - Era como se fosse um jardim de infância para cuidar enquanto os pais estavam trabalhando. E a Escola Madrid, como que era a escola? Como que vocês iam, tinha um uniformezinho?
R - Tinha uniforme, blusinha branca e sainha azul.
12:51
P/1 - O que você gostava lá na escola? Tinha alguma professora que a senhora lembra mais? Como que era lá os ensinamentos?
R - Não. Eu só estudei até a segunda série. Depois eu estudei aqui na escola Nova Holanda eu sei o nome das minhas professoras. Estudei aqui nesse colégio da Nova Holanda.
13:18
P/1 - Então depois você vai contar, vamos então contar um pouco essa lembrança que a senhora tem desse período da remoção. A senhora falou que se preencheu as fichas, e vinha, mas como era, quer dizer, a sua família toda veio. Como é a mudança?
R - Veio tudo no caminhão. Veio a minha mãe no carro da mudança, depois no mesmo dia veio a minha avó, que era aqui na rua 2, aqui perto da ‘Quadra do Gato’ tem a rua 2 ali, a casa da minha avó era 2 número, e o número da minha casa era 6.
14:03
P/1 - E essa remoção eles traziam em caminhão, mudança, como é que é?
R - Eles traziam no caminhão, e quando a gente foi passar, quando a gente veio lá do Esqueleto para cá, a Teixeira Ribeiro não era asfaltada não, era viela, era uma ponte de pau, e era estreitinho era de pau.
P/1 - Mas o caminhão passava?
R - Passou, passou, era de pau.
14:36
P/1 - Mas essa remoção, a família queria sair do Esqueleto ou foi uma remoção forçada, o que a família achava que ia ser a vida aqui na Nova Holanda naquela época?
R - A condição eu acho que era muito mais precária, sabe? Acho que aqui está melhor, os outros concordaram em vir.
14:57
P/1 - Veio muita gente?
R - Veio muita gente, muita gente mesmo.
P/1 - Da sua família veio a sua avó, veio os primos também?
R - É minha tia, a irmã da minha mãe.
15:12
P/1 - Como é o nome dela?
R - Juraci. Era gêmea, minha mãe era gêmea.
15:22
P/1 - Jaci e Juraci. E como são as suas lembranças da chegada, do caminhão, da mudança, as casas já eram determinadas, a sua família já tinha uma casa certa para chegar, tinha que se construir casas ainda?
R - Não, já estava tudo prontinho, me lembro, era tudo de pau tudo branquinho, a janelinha azul, tudo de pau. Era assim uma colada na outra.
15:55
P/1 - E era muito diferente de como vocês viviam no Esqueleto?
R - Era, lá nós não tínhamos o alimento básico e aqui já tinha.
16:05
P/1 - Como assim? Era dado como é que era o começo da alimentação? Era fornecido para vocês?
R - O que?
P/1 - A alimentação, ou vocês compravam tudo aqui quando a sua família chegou?
R - Não, nós comprávamos as coisas, eles só deram mesmo os barracos para gente morar, quando a gente veio de lá da favela do Esqueleto.
16:31
P/1 - E vocês eram crianças, como era a lembrança?
R - A gente era criança, eu brincava.
P/1 - Brincava na rua?
R - É. Muito tranquilo antigamente, era muito bom aqui. Não, era ótimo.
16:45
P/1 - Muita lama?
R - Muita lama, muita pulga porque barro vermelho dá em pulga. Na época eu estava mocinha, tinha uns bailes, eu ia para o baile e saía com a perna toda empolada de tanta pulga, era muita pulga mesmo.
17:03
P/1 - Conta desses bailes, como é que era?
R - O baile era na rua, tinha uns barzinhos assim, eles faziam e a gente ia.
17:12
P/1 - Você lembra o que vocês dançavam?
R - Dançava tudo, naquele tempo só não tinha funk.
P/1 - Dançava o que, forró, dançava junto, dançava separado?
R - Dançava juntinho, dançava rock, essas coisas.
P/1 - Rock também? Tinha algum cantor da moda naquela época, algum conjunto da moda, você lembra?
R - Não, antigamente não tinha, era só disco, era só aquele LP.
P/1 - Tinha uma vitrola e botava o LP.
R - É, botava o disco e ficava dançando.
17:49
P/1 - Como era assim a vida, o fornecimento de água? Vocês vieram para Nova Holanda. A Nova Holanda já era chamada Nova Holanda.
R - É.
18:04
Você sabe por que tem esse nome?
R - Não sei. O que eu sei é que faleceu o presidente Kennedy, e que o Carlos Lacerda foi, pediu a ele para construir a favela aqui
18:22
P/1 - E a sua casa como é que era? O banheiro era em casa, era fora quando vocês chegaram?
R - Era dentro de casa, tinha uma sala, dois quartos, cozinha e banheiro. Na cozinha tinha uma caixa d'água pequena, mas aí claro que não caía água, caiu água por uns tempos e depois acabou de vez, tinha que pegar a água de mão na rola-rola lá na Avenida Brasil.
18:55
P/1 - Conta para gente como é que era o rola-rola?
R - Era um barril de pau, do lado nós fazíamos um buraco para poder entrar água, botava o ferrolho, nós pegávamos aquela arca de ferro, botava nos lados para sair enrolando ele, nós pegávamos água na Avenida Brasil.
19:14
P/1 - Quem pegava?
R - Eu, meus irmãos, minha mãe quando estava de folga pegava, uma vez a minha prima foi pegar lá do outro lado da Brasil, tinha uma chaminé ali perto do Parque União, tinha umas chaminés ali na passarela 10. Minha prima veio com a lata d'água na cabeça, o ônibus vai quase que jogou a lata d'água da cabeça dela longe. Nós sofremos muito aqui com esse negócio de água.
19:50
P/1 - E como é que era a Avenida Brasil nessa época que a senhora está falando?
R - Era só duas pistas.
P/1 - Uma do centro para cá.
R - E uma para lá. Era só duas pistas só.
P/1 - E muito movimentada?
R - Era só duas pistas, era muito movimentada, depois de muitos anos que fizeram a passarela, nós tínhamos que atravessar lá para outro lado para poder pegar o sistema, atravessar a Avenida Brasil, esperar o carro ir bem lá para baixo, para a gente atravessar
20:32
P/1 - Tinham outras obras grandes que aconteciam na cidade naquela época, a senhora sabe?
R - Eu não me lembro não.
P/1 - O seu pai ainda trabalhava, continuou trabalhando na Prefeitura, você lembra quando vocês vieram para cá?
R - Não, depois meu pai separou da minha mãe, hoje em dia ele é falecido também, mas ele não participou desse negócio não.
21:06
P/1 - E a mãe cuidava então de vocês com a ajuda da avó? A mãe continuou trabalhando fora?
R - Continuou.
P/1 - E voltava para cá?
R - Voltava todo dia, à tarde ela já estava em casa.
21:27
P/1 - Como é que foi a sua escola então aqui na Nova Holanda? A senhora comentou que aqui que voltou para escola? Como era o nome, a senhora lembra?
R - Sabe que eu não me lembro?
21:48
P/1 - E como era a escola? Vocês iam, tinha uniforme?
R - Aqui tinha uniforme.
P/1 - Material escolar?
R - Tinha, material escolar.
21:58
P/1 - Vocês gostavam de ir para escola?
R - Gostava, eu meus irmãos estudamos todos aí, tinha muito passeio.
22:07
P/1 - Quais eram os passeios? Conta para a gente.
R - Nós íamos para o Corpo de Bombeiro com a diretora, que era dona dessa escola, nós íamos para aquele Aterro do Flamengo, para conhecer um negócio lá do Exército, nós íamos para vários lugares, a diretora levava.
P/1 - Aquele monumento. Vocês saiam como, ia de ônibus a turma toda?
R - Ia de ônibus, a turma toda.
22:41
P/1 - E as professoras, você tem lembrança delas?
R - A primeira minha professora que tinha aí era a dona Diva, Maria Lúcia.
22:50
P/1 - E a senhora frequentou a escola até que série?
R - Eu estudei até o segundo ano, aqui na Nova Holanda.
23:02
P/1 - A senhora como filha menina tinha uma educação diferente lá dos meninos como era? Como era a educação das meninas e dos meninos naquela época? Tinha uma educação diferente?
R - A minha mãe era assim, nunca deixou brincar com um garoto, minha mãe não deixava eu brincar com o menino não.
P/1 - Por quê?
R - Não sei, mas não deixava.
23:34
P/1 - Então a senhora tinha um grupinho?
R - Eu tinha com as minhas coleguinhas, eu tinha minhas colegas.
P/1 - E essas são colegas que a senhora fez aqui na Nova Holanda, ou foi uma turma que veio também do Esqueleto?
R - Veio de lá também, veio tudo de lá.
P/1 - E como é que era uma brincadeira?
R - Gostava muito de jogar pedrinha. Aquele jogo de pedrinha? Nós jogamos muito aquilo, brincava de pique, esconde esconde, fazia coisa assim, a mais era pedrinha, nós pegávamos a pedra mármore, tinha um moço que tinha uma serraria, ele fazia aquelas bolinhas tudo direitinho para gente ir brincando.
24:24
P/1 - E a casa como que era a estrutura da casa? Como era a questão da maré, da água?
R - A água ficou muito difícil, nós tínhamos que pegar como eu estava falando, nós tínhamos que pegar água lá na Avenida Brasil.
24:39
P/1 - Mas a água no terreno vinha água da Baía de Guanabara, como é que é? Quais são suas lembranças da Baia de Guanabara? O pessoal me falou que antigamente tinha um pessoal que pescava lá, você lembra?
R - Aqui pescava, tinha quem pegasse peixe até com pano antigamente.
P/1 - Era tão perto ali?
R - É, que era muita água. Ainda tinha depois os barraquinhos que fizeram aí para trás, que agora não tem mais, muita gente foi lá para Vila do João, pra Vila do Pinheiro e para os apartamentos. Era muito barraquinho dentro da água também. Fincado na água, pegava muito peixe aí.
P/1 - Era umas palafitas? O pessoal morava nas palafitas?
R - É isso mesmo
25:35
P/1 - E vendedores, tinha vendedor ambulante ou tinha gente que vendia peixe?
R - Tinha um moço que passava de barco aqui pertinho, aqui onde era a casa do [ bloco de carnaval] Gato, antigamente era um valão, o moço parava ali com a canoa e vendia peixe.
P/1 - Tão pertinho aqui a gente não pode imaginar.
26:01
P/1 - Ele pescava na baia, parava com o barco?
R - Ou pescava por aí mesmo, antigamente era um valão, onde era a casa do [ bloco de carnaval] Gato era um valão, isso aqui era terra até lá embaixo, ele vinha parava ali na principal, parava com a canoa e vendia peixe ali.
26:24
P/1 - Aqui na região da Nova Holanda nessa época vocês podiam..., . se comprava coisas para comer, por exemplo, roupa também se comprava, como era o comércio nessa época?
R - Não, aqui só tinha ali na [rua ] Teixeira, um armazém chamado Buraco, ali a gente comprava fiado para pagar no fim do mês.
P/1 - Comprava tudo lá?
R - Comprava por mês e a gente depois pagava.
P/1 - Açúcar, óleo, arroz?
R - Era tudo lá. Antigamente não era muito óleo. Antigamente era banha. Era aquela banha de porco, banha de coco, a minha mãe mesmo comprou muito ali. Hoje em dia não existe mais.
P/1 - Hoje não se cozinha.
R - É, não cozinha, mas eu adoro cozinhar com banha de porco, é uma delícia.
P/1 - Gostoso, saudável.
R - É saudável, pior que é saudável. Eu sei que é
27:18
P/1 - E roupa? Como é que era a roupa? As crianças se vestiam como naquela época?
R - Não vestia nada, eu sempre gostei de costurar, desde nova, desde pequena. Eu ia lá em Bonsucesso no Chepinha que só vendia tecido, eu comprava tecido ali e eu mesmo fazia minha roupa.
P/1 - Costurava?
R - Fazia roupa até pra minha mãe.
P/1 - Fazer a blusa, o que...uma saia, um short?
R - É, fazia vestidinho que minha mãe gostava muito de vestido, mas tinha que ter um babadinho aqui e tinha que ter bolso, tinha que ter bolso do lado. Eu fazia.
P/1 - Fazia a mão?
R - Eu fazia a mão mesmo, fazia uns vestidinhos depois para os meus filhos.
P/1 - Isso aprendeu sozinha?
R - É, fazendo roupinha de boneco eu aprendi.
P/1 -Tinha brincadeira com as bonecas?
R - É. Até hoje todo mundo vai lá em casa pedir para eu fazer bainha, me pede para fazer pence, pede para eu botar fecho ecler, tudo na mão e não solta não, é que nem máquina. Só que agora que a minha vista está meio...que estou fazendo até o tratamento da vista.
28:33
P/1 - E como que você vestia as suas bonecas? Você fazia roupinha para boneca?
R - Fazia, botava vestidinho.
30:28
P/1 - Dona Noca, a senhora estava contando das roupinhas que costurava para as bonecas, e eu tinha te perguntado sobre a educação das meninas e dos meninos diferente. Quais eram os outros hábitos que vocês tinham desde criança em casa? Por exemplo, a senhora cozinhava pequena ou não?
R - A partir de uns 12 anos, eu já fazia comida. Minha mãe ensinou.
31:01
P/1 - A gente estava falando de cigarro, as crianças fumavam desde cedo, como que era?
R - Era muito pouco, da minha turminha, só quem fumava era eu e mais umas duas colegas.
31:14
P/1 - Qual era o cigarro? Que marca de cigarro que é?
R - Continental.
P/1 - Vocês compravam?
R - Nós comprávamos, tinha um ferro velho, nós íamos lá pra linha do trem, isso era lá no Esqueleto.
P/1 - Ah tá tinha o Esqueleto?
R - Era só atravessar e tinha o Morro da Mangueira, ali tinha uns negocinhos de ferro, nós íamos, vendia e comprava cigarro.
P/1 - Já ia se virando né?
31:42
P/1 - E aqui, quando vocês chegaram, os seus irmãos já foram trabalhar, a senhora foi trabalhar cedo, as crianças começaram a trabalhar cedo? Como é que era?
R - Tenho uns irmãos que começaram a trabalhar como aprendiz de mecânica, e o outro trabalhava como ajudante de feira, tudo menor ainda, e eu com 13 anos quando eu saí da escola, eu fui trabalhar em casa de família também, trabalhei em casa de família.
32:24
P/1- Onde, que bairro?
R – Saens Peña.
P/1 - A senhora pode contar para a gente, a senhora era muito criança?
R - É, eu tomava conta de outras crianças pequenininhas só para olhar e brincar.
32:37
P/1 - A senhora pode contar um pouquinho como era essa família, que rua que era, era uma casa, era um apartamento?
R - Era um apartamento, eu tomava conta de um menino e de uma menina.
P/1 - A senhora era uma criança também?
R - Eu tinha 12 anos, foi quando o meu pai já estava separado da minha mãe, arrumaram esse negócio só pra eu tomar conta dessas duas crianças, aí eu fui, dormia lá, só vinha na sexta-feira, ia na segunda só voltava na sexta pra casa.
33:16
P/1 - A senhora só olhava as crianças ou a senhora tinha que fazer o serviço da casa também?
R - Não, o serviço da casa não, só olhar é só brincar mesmo, só brincar com as crianças.
33:27
P/1 - E era um menino, era uma menina. Do que vocês brincavam, como era?
R - Era ficar brincando com os brinquedos. Tinha outra babá que fazia a comida que dava a comida das duas crianças e dava pra mim, depois quando eu saí também já trabalhando pesado, mas aí eu já tinha uns 15 anos. Trabalhei em várias casas de família, trabalhei em Copacabana na casa da Raquel. O meu filho era pequenininho, o Vagner, teve um tempo que eu deixava alimentação do meu filho, olha só, deixava a alimentação dos meus filhos, os outros entravam na minha casa e pegavam a comida da criança, meu filho ficava sem comida, aí foi onde eu pedi...”Dona Raquel meu filho está assim....”, expliquei a ela – “Eu deixo a comida do meu filho, meu filho pequeno os outro vão lá e pegam a comida do meu filho.” Ela falou assim, “então você traz ele”, ele tinha 6 anos. Aí eu passei a levar ele para o serviço.
34:40
P/1 - Nessa casa que a senhora falou, seu primeiro trabalho na Tijuca, a senhora dormia no mesmo quarto que as crianças, como é que era isso naquela época?
R - Não, eu tinha o meu quarto separado.
P/1 - Mas era um trabalho pesado?
R - Eu só olhava só e era para brincar, enquanto os meus patrões iam trabalhar, tinha outra moça que ficava lá, que fazia comida, fazia arrumação, era só mesmo para brincar com as crianças.
35:14
P/1 - Vocês saiam pelo bairro, ia na praça?
R - Não, nós só ficávamos dentro de casa.
P/1 - E o salário que você recebia, você consegue lembrar mais ou menos?
R - Isso eu não me lembro.
P/1 - Era um salário que ajudava em casa, você entregava para sua mãe, como é que era?
R - Eu dava para minha mãe, era pouquinho. A minha mãe tirava a metade, dava para eu comprar minhas coisinhas, e o resto eu entregava na mão dela.
35:50
P/1 - A senhora já falou dos seus filhos? Conta um pouquinho para gente como é que foram os outros trabalhos, como é que conheceu o seu esposo? Como é que foi na juventude, quantos anos vocês tinham?
R - Foi na juventude.
36:33
P/1 - A gente tem tanta coisa para conversar, a senhora estava falando sobre luz, como é que era a iluminação aqui na Nova Holanda quando a senhora chegou?
R - Não tinha luz não, fazia coisa com lamparina, acordava de manhã com a narina tudo preto, tanta fumaça, porque o querosene dá aquele...era lamparina, depois sim que veio a luz, botaram os postes, mas logo quando viemos para cá não tinha luz não.
37:17
P/1 - Mas aí na rua como é que era? Alguém assim ligava? Como é que era na rua, você lembra?
R - Não tinha luz não, não tinha poste, com o tempo colocaram o poste.
37:37
P/1 - Tinha incêndios aqui, você lembra?
R - Teve, quando os duplex era casa de altos e baixos, foi onde que depois de anos deu um incêndio muito feio, queimou tudo, acho que foi lamparina ou foi vela, queimou tudo.
38:01
P/1 - Quando vocês estavam na rua brincando até tarde era com lamparina?
R - Era, primeiro botaram um gerador, depois que veio os postes, aí mudou bastante.
38:21
P/1 - A senhora estava falando dos seus outros trabalhos, de outras residências que a senhora morou. A senhora ainda era solteira, como é que conheceu o seu esposo? Conta um pouquinho, foi na juventude?
R - Foi na juventude.
P/1 - Como era o nome dele? Como é que vocês se conheceram?
R - Conheci ele aqui na Nova Holanda mesmo, um era o pai da minha filha mais velha, era o Miranda, e eu tinha 15 anos quando eu engravidei, depois me separei dele, aí depois eu morei com o João onde que eu tenho 2 filhos com ele. Esse morreu de acidente, acidente muito feio, ele trabalhava na Impermeabil, aquele negócio que pintava, ele morreu dentro da caixa d'água, morreu incendiado.
P/1 - Tristeza né?
R - Aí teve o pai desse meu filho caçula, esse conserta ar, morreu de câncer.
39:57
P/1 - A senhora pode dizer o nome dos seus filhos por favor?
R - Tem o Carlos Edelson, mora aqui ainda onde eu morava antigamente, Carlos Edelson Onofre de Souza, Elisa Onofre de Souza, Carmen Lúcia Onofre de Souza, Paulo César de Souza Freitas, Ana de Souza Freitas e Wagner de Souza de Oliveira.
40:20
P/1 - Como é que você escolhia o nome dos filhos? O nome dos filhos era a senhora que escolhi, a senhora gostava?
R - É, eu mesmo que escolhia, eu gostava.
P/1 - Tem alguma história? Era um nome que a senhora gostava? Como é que era isso?
R - Não, era o nome que eu gostava.
P/1 - Os pais, o pai opinava também ou era a senhora que escolhia?
R - Não, era eu que escolhia.
40:50
P/1 - E sobre o trabalho, como é que a senhora saia, continuava saindo para trabalhar, e as crianças ficavam com quem? Quem olhava por elas?
R - É no tempo que a minha mãe era viva, minha mãe não trabalhava mais, a minha mãe tomava conta, minha mãe tomava conta.
41:09
P/1 - E nessas casas de família que a senhora morava, a senhora ia, dormia, voltava para casa?
R - Algumas eu já dormia, outras não, algumas eu trabalhei na Ilha, eu vinha todo dia para casa.
P/1 - Era uma casa grande. Como é que era?
R - Eu trabalhei até na mansão ali na Praia das Rosas.
41:31
P/1 - Fazia o serviço da casa.
R - É. Teve um tempo que me deu estafa, princípio de estafa. Só nessa mansão na Praia das Rosas, eram 6 banheiros, muita coisa e eu sempre fui magrinha, mas eu tive que sair, fiquei lá só uns 3 meses, não estava aguentando.
42:00
P/1 - Mas nesses serviços em casas de família, a senhora fazia o serviço da casa, fazia limpeza, cozinhava, passava, como é que era?
R - Algumas eu fazia só limpeza, eu trabalhei de passadeira também.
42:20
P/1 - Aqui na Nova Holanda como é que as mulheres lavavam roupa, tinham lavadeiras aqui, mulheres que pegavam o serviço?
R - É, lavava roupa na bacia, algumas depois compraram tanque. A minha mãe sempre lavava a roupa para fora, lavava a roupa na bacia, e o sacrifício era muito grande que não tinha água, mas era o maior sacrifício, mas tinha que arrumar dinheiro.
42:49
P/1 - Essa roupa que a sua mãe lavava, ela ia buscar a roupa, lavava e devolvia?
R - Isso mesmo. Ia buscar e já levava passadinha, trazia suja e levava limpa, e roupa que vinha com muita gordura, que minha mãe lavava a roupa também às vezes para esses homens de bomba de gasolina, aí minha mãe fazia o quê? Um fogo de lenha, pegava uma lata de vinte de água, botava a roupa dentro, botava o sabão, deixava ferver para poder sair aquelas manchas do óleo, e nós passamos muito a carvão, fogareiro de carvão, que não tinha ferro, ferro tinha, mas a gente não tinha energia, e para passar a roupa dos outro, pegava um fogareiro de carvão, botava a brasa, acendia, fazia assim ó, um buraco que tinha, saía faísca para tudo quanto era canto. Passava roupa era assim
43:50
P/1 - E esse sabão era feito em casa?
R - Não, comprava pedaço de sabão, antigamente existia muito sabão português, minha mãe lavava muito com sabão português.
P/1 - É aquelas barras?
R - É aqueles pedaços. Pedaços porque não tinha sabão em pó nessa época.
44:15
P/1 - Quer dizer que tinha muitas outras senhoras lavadeiras que faziam um trabalho para fora. Tinham outras mulheres aqui na região da Nova Holanda que faziam por exemplo outros serviços, tem lavadeira, tinha costureira, tinha?
R - Tinha muita costureira, tinha a Marisa que trabalhava com [ o bloco] Gato, fazia as roupas das baianas, fazia qualquer tipo de roupa, ela fazia, tinha outra dona Maria também, tinha umas quatro costureiras.
44:49
P/1 - Tinham rezadeiras naquela época?
R - Ah, tinha, tinha um falecido Berlei, que era pai de santo, morava na minha rua lá, mataram ele. Tinha a dona Maria do Patrocínio, tinha muita rezadeira.
45:04
P/1 - Conta um pouquinho para gente como era, quando elas eram chamadas, como é que era? Eram chamadas em algumas situações?
R - Iam quando a pessoa estava doente, sentindo dor, tinha uma moça chamada Maricota que morava ali na rua 1, ela rezava dor de dente, ela mandando a pessoa comprar um paninho virgem, tinha que ser virgem, um carretel de linha branca e uma agulha - ela falava, “o que eu estou costurando, dor de dente?” A pessoa “dor de dente, cura minha dor de dente.” Ainda espetava assim um pano...
45:42
P/1 - O que é um paninho virgem?
R - Pano que não foi usado. Tem que ser um paninho virgem, um pedacinho de pano branco virgem, linha branca e agulha
45:57
P/1 - E a senhora lembra de outras rezas?
R - É, tem umas que rezava com galhinho de planta, qualquer galhinho verde, tem muita gente que tem criança que tinha diarreia, já rezava também.
46:13
P/1 - As crianças ficaram muito doentes aqui?
R - Antigamente tinha muita criança doente.
P/1 - De diarreia?
R - É diarreia.
48:03
P/1 - Qual é o significado desse seu colarzinho?
R - Essa é uma estrela, a estrela de Davi.
48:10
P/1 - A senhora ganhou de quem esse colar?
R - Ganhei de uma amiga minha que é da igreja.
48:17
P/1 - Qual é a religião que a senhora segue?
R - Agora eu quase não vou para lugar nenhum por causa da minha perna, mas eu sempre vou muito na Universal.
48:32
P/1 - Desde jovem ou mais recentemente?
R - Não, mais recentemente.
48:41
P/1 - Dona Noca, antes da gente começar falar um pouquinho da história do Gato, estávamos falando dessa rede de ajuda que tinha no começo da Nova Holanda. A senhora pode contar um pouco como via isso na sua família, na sua mãe, na sua avó, como é que era essa rede de ajuda?
R - Rede de ajuda é assim, quando um vizinho estava precisando eles ajudavam, repartia um pouco para cada um, minha mãe sempre foi assim, minha mãe sempre teve muita pena dos outros, minha avó também ajudava, se os outro passasse pedindo um pouquinho de arroz, um pouquinho de feijão, se tivesse, minha avó, minha mãe repartia e dava. Tinha um vizinho que tinha boas condições, mas não dava não, era o mais pobre que tinha, que ajudava as pessoas aqui.
49:43
P/1 - O vizinho que tinha boas condições seria o que, tinha um salário melhor?
R - Ele tinha um salário melhor, uma casa melhor.
49:57
P/1 - Quais eram as profissões que pagavam melhor naquela época, a senhora sabe ali do que o pessoal trabalhava, era o pessoal que trabalhava em obra, como é que era?
R - Tinha gente que trabalhava até para o Estado. Tinha condições melhores. Tinha o seu Zé que hoje em dia é falecido, ele ajudava muitas pessoas também. Seu Zé que tinha uma associação, sei que o nome dele é seu José, ele ajudou muitas pessoas aqui, ele é o dono da Associação que tinha ali na (50:48), só que ele morava ali na Teixeira.
50:49
P/1 - Associação de Moradores?
R - É Associação de Moradores.
P/1 - Teve uma grande luta pela constituição da Associação de Moradores. Muita gente envolvida. E foi uma boa aqui pra cá, a associação de moradores?
51:15
P/1 - Ajudavam, como é que funcionava, você lembra um pouquinho?
R - A pessoa quando estava precisando de qualquer ajuda, gente mais carente, ele ia e ajudava.
51:28
P/1 - E essa associação também ajudava nas coisas assim na rua, calçamento, em casa e moradia, você lembra um pouco disso?
R - Depois com o tempo que foi a Associação, aí começou mandar asfalto aqui para Nova Holanda, foi melhorando cada rua com o asfalto, que antigamente era chão batido de terra, de lama, melhorou bastante, depois veio os postes, foi então que veio a luz.
52:09
P/1 - Você lembra que época mais ou menos? Seus filhos eram pequenos?
R - Eram pequenos.
52:19
P/1 - Chegou a luz, mas faltava muita luz?
R - Faltava, mas faltava pouco. Só no começo da Nova Holanda que nós viemos para cá, no começo é que nós não tínhamos, era com gerador e depois que começou asfaltar as ruas, depois veio os postes que deram energia para a casa das pessoas.
52:49
P/1 - Então vamos agora falar das suas lembranças sobre o gato, bloco. Não sei, se você puder contar para gente, a senhora falou sobre uma moça que costurava. Como foi, como é que era na sua juventude? Como é que é o nome do bloco?
R - Antigamente não era ‘Gato’, era Unidos de Nova Holanda, começou assim Unidos de Nova Holanda, era do Devanir, o presidente era o Devanir de Oliveira que mora ali na Principal, perto da padaria, ele que era o dono do bloco, e o bloco da gente não era ali, era lá no campo de futebol, depois que passaram para cá, aí o Devanir ficou muito doente, que ele andava muito...e ele era casado com a Edite, a Edite falou “ou o bloco ou eu”. A mulher dele falou, ele teve que sair. Aí entrou outro presidente, era seu Manuel que botou o nome de Gato.
53:53
P/1 - Como é que era esse bloco ainda na Nova Holanda? Onde vocês dançavam? Como é que eram os enredos, quem escrevia?
R - Quem escreveu o tema do Gato? Eles faziam assim, conforme fosse o tema, a minha comadre Lídia ia muito à biblioteca para ver o nome do tema, para ver como é que vai fazer o figurino, ela também andou muito, hoje em dia também é falecida, mas o bloco era lá na Paty, era naquela quadra, depois de muitos anos que veio para quadra aqui do Gato, nós ensaiamos aqui no Gato.
54:39
P/1 - E por que esse nome gato? Por que o bloco passou a se chamar gato?
R - Porque na época não tinha mais couro, eles pegavam gato dos outros para poder tirar o couro.
54:54
P/1 - Tem a história da dona Maria dentão?
R - Ela que ajudava.
P/1 - Como é que era essa mulher?
R - Ah era muito, sei lá, era muito ignorante aquela mulher, ela ajudou muito também, ela fazia comida, fazia a feijoada, chamava outros blocos de fora para vir e ela que cozinhava.
55:26
P/1 - Como é que vocês se reuniam? Como é que era uma das músicas? Você lembra?
Como é que era no começo? O bloco saía só aqui na Nova Holanda?
R - Não, nós íamos muito para a praça de Bonsucesso. Nós disputávamos muito com o ‘Coração de Unidos da Baixa do Sapateiro.
55:49
P/1 - Era disputa, vocês se juntavam, era disputa?
R - Era disputa.
56:01
P/1 - Você lembra de algum enredo de antigamente para cantar pra gente?
R - Ah cantar não vou cantar não. (“Quem é o seu enredo pescador
pescador joga rede no mar…”) não me lembro mais não.
56:24
P/1 - E as músicas eram feitas com ideias de situações que vocês viviam aqui na Nova Holanda?
R - Eram as ideias daqui mesmo, dos compositores que tinha aqui que faziam.
56:48
P/1 - E as mulheres participavam como? As mulheres ajudavam na cozinha, na comida, tocavam, cantavam, como é que é?
R - Todo mundo ajudava, eles faziam o calendário, e cada um ajudava. Um comprava uma coisa, outro comprava outra, os comerciantes, os botequim...que naquele tempo já tinham os botequim, eles passavam o livro de ouro, arrecadavam o dinheiro e faziam a comida na quadra. A senhora cozinhava também? Eu cheguei a cozinhar
57:22
P/1 - A senhora cozinhava também?
R - Eu cheguei a cozinhar, era muita gente que ajudava, as próprias baianas ajudavam a fazer.
57:36
P/1 - E quem eram as baianas naquela época?
R - Era muita gente, eram muitas mulheres. Na cozinha eram umas 10. Filtro.
57:54
P/1 - E o que vocês cozinhavam? O que vocês faziam, em que quantidade?
R - Era panelão, essas panelas bem grandes, às vezes era feijoada, às vezes era mocotó, às vezes era sarapatel.
58:16
P/1 -Você cozinhava também?
R - Eu ajudava também.
58:24
P/1 - Você lembra de alguma roupa, de como eram as roupas das baianas, qual eram as cores do gato?
R - Azul e branca.
58:41
P/1 - Você sabe por que tinha essa cor?
R - Não sei.
P/1 - As cores da Portela?
R - A Portela já foi madrinha aqui do Gato.
59:04
P/1 - A Portela vinha para cá?
R - Vinha muito componente, onde saíam as comidas, as coisas...
59:16
P/1 - A senhora tem a lembrança de um desfile e depois como é que vocês saiam? Vocês brincavam?
R - Não, nós desfilamos, depois tinha um desfile lá no centro da cidade. Desfilamos na cidade várias vezes, não estou lembrando mais o nome do lugar, mas era na cidade. Nós já desfilamos em Cordovil, desfilava em Cordovil também, Brás de Pina, vários lugares.
59:49
P/1 - A senhora pode contar para gente um desses desfiles? Como é que é? Vocês saíam fantasiados daqui, como é que vocês iam?
R - Nós saímos para desfilar daqui, o caminhão levava as pessoas todas arrumadas, já tem outras pessoas que deixaram para se arrumar lá, botava roupa dentro do saco e ia se arrumar lá na cidade.
01:00:16
P/1 - A senhora se lembra de algum desfile que a senhora tenha participado? A roupa que vestia?
R - Eu vestia baiana lá em Vila Isabel, vestia, saia daqui, e desfilava em Vila Isabel.
01:00:32
P/1 - Mas a senhora desfilava como Gato, ou na escola de Vila Isabel?
R - Não, como Gato. O Gato já desfilou lá.
01:00:47
P/1 - Como é que era uma roupa de baiana? Quem costurava saia?
R - Era Marisa, tinha a dona Maria, eram 4 costureiras, era Marisa, dona Maria e tinha mais umas 2 pessoas ali, que também costuravam para a baiana.
1:01:08
P/1 - Você pode descrever para gente, como é que era uma roupa da baiana do Gato, eram saias?
R - As saias tudo era cetim. dois tipos de cetim duas cores, cetim branco, cetim azul, o chapéu era tipo um torso e os colares, as pulseiras.
1:01:40
P/1 - Eram de que cores, representavam, tinham alguma representação os colares?
R - Era comum, os colares de plástico mesmo, sabe? Redondinho de plástico.
01:02:00
P/1 - E a cabeça, como é que é?
R - Era torso das duas cores também, combinando com a roupa da baiana.
01:02:14
P/1 - Como é que era a arrumação das mulheres? Os cabelos, como é que era?
R - Era só o torso mesmo. Tinha uma moça chamada Neuza, ela que arrumava o torso na cabeça das baianas. O torso já vinha pronto era só encaixar.
P/1 - Eram pesados?
R - Não, não era pesado não.
01:02:43
P/1 - Como é que era, além da ala da baiana? Como eram as outras aulas? Você lembra de um desfile específico, como é que eram as aulas, qual era o tema?
R - Conforme o tema era uma roupa, que agora também não estou me lembrando, cada roupa era um tema, cada tema fazia os figurinos, eram muitas alas.
01:03:13
P/1 - Sua família participava?
R - Não, só quem participava eram minhas primas que saíam de baiana também.
01:03:26
P/1 - Qual a importância de sair como baiana numa escola?
R - Porque eu acho bonito, ainda mais rodar, eu achava muito bonito. Queria sair na ala da gafieira também, quando eu era mais novinha saía na ala da gafieira, tinha os passos da gente de gafieira, tinha a ala das gafieiras.
01:03:55
P/1 - Como era essa ala de gafieira?
R - Era umas sainhas assim bem rodadinha, tinha aquele bustiêzinho, uns homens de bermuda, cada um tinha o seu par,
01:04:14
P/1 - Mas a ala da baiana é uma ala muito respeitada?
R - É muito respeitada. Era muito respeitada.
01:04:24
P/1 - E como as baianas eram, elas eram escolhidas para escola?
R - Não, quem quisesse saía de baiana, era nova, gente velha, os outros falam que baiana é só gente velha não, mas saía muita menina nova de baiana, tinha as baianinhas mirim também.
01:04:47
P/1 - E vocês aprendiam a sambar em casa, vocês iam para quadra?
R - Não, íamos para a quadra ensaiar. Tinha a mais antiga que ensinava a gente a andar para ver o jeito da dança.
01:05:05
P/1 - Você lembra de seu primeiro desfile como baiana?
R - Com 17 anos, quando saí de baiana.
P/1 - Foi aonde esse desfile?
R - Foi na Presidente Vargas, e foi lá em Vila Isabel também, aquela rua que tem um desfile, eu esqueci, acho que é 28 de setembro.
01:05:47
P/1 - Os desfiles da Presidente Vargas, quais são as suas memórias da época do desfile da presidente Vargas? Como é que vocês iam, se arrumavam, desfilavam de onde até onde?
R - Nós íamos de caminhão, muita gente ia arrumada, outras botava dentro do saco e levava pra se arrumar lá.
01:06:14
P/1 - Mas aonde é que vocês chegavam? De onde saiu o desfile? Era perto da Central, era para o lado da Candelária, como é que era?
R - Era mais para o lado ali da Candelária. Eu me lembro.
01:06:33
P/1 - Você lembra de uma emoção de desfilar na Presidente Vargas? Como é que era essa emoção de desfilar junto com outras escolas?
R - Era só bloco?
P/1 - Só bloco?
R - Não era escola de samba não, era só bloco.
P/1 - Quais eram os outros blocos daquela época?
R - Tinha o Cacique de Ramos, Bafo da Onça, eu me lembro mais do Cacique de Ramos e Bafo da Onça.
01:07:10
P/1 - E como é que eram, os blocos eram desfiles ou também era um campeonato de blocos?
R - Era desfile.
01:07:25
P/1 - E acabava o desfile vinha todo mundo junto para cá.
R - Pegava o caminhão e vinha todo mundo para casa.
01:07:36
P/1 - E aí tinha festa aqui quando chegavam, como é que era a comemoração?
R - É, tinha comemoração na quadra.
01:07:47
P/1 - Essa quadra que a senhora fala é conhecida como quadro do Gato? Conta um pouquinho, você sabe quando ela foi construída?
R - Faz muitos anos, muito tempo mesmo, não me lembro mais da data não.
01:08:15
P/1 - Mas antes de ser construída a quadra vocês ensaiavam em outro lugar?
R - É como eu estava falando, a gente antigamente era Unidos da Nova Holanda, lá no campo da Pati, depois que esse meu amigo saiu, entrou outro presidente, vieram para cá, fizeram a quadra do Gato, inauguraram a quadra do Gato, mas era outro presidente.
P/1 - E até hoje o pessoal fala quadra do Gato?
R - É Gato até hoje.
P/1 - E o Gato ainda existe? O bloco ainda existe?
R - Acabou, diz que vai continuar agora, não sei. Já tem mais de 2 anos que não tem bloco, mas diz que vai voltar, diz que agora tem outro presidente, foi até apresentado a ele, vamos ver se esse ano vai sair.
01:09:33
P/1 - Mas a senhora frequentou o Gato até quando?
R - Até uns 5 anos atrás eu frequentei.
P/1 - E esse Gato mais recente como é que era? Também faziam essas comidas.
R - Fazia.
P/1 - Vinha gente de outras escolas ainda?
R - Vinha, vinha muita gente de outros lugares.
P/1 - Vocês recebiam visita de fora, de outras pessoas para conhecer o Gato?
R - Vinha muita gente de vários lugares.
01:10:21
P/1 - Eu li sobre a presença de um príncipe Charles da Inglaterra aqui, a senhora lembra dessa visita?
R - Eu não lembro disso não. Não me lembro mesmo.
P/1 - Na visita do príncipe Chaves o Gato foi se apresentar, alguns ritmistas do Gato foram se apresentar?
R - Não lembro disso não.
P/1 - Eu não me lembro se foi aqui, ou se os ritmistas foram encontrar ele, se apresentaram?
R - Eu não me lembro disso não.
01:10:58
P/1 - Durante o ano o Gato se apresentava em outras situações, ou mais na época do carnaval que vocês se reuniam, durante o ano onde vocês ensaiavam?
R - Nós ensaiávamos aqui mesmo na quadra.
01:11:15
P/1 - Mas era dia de semana, era sábado, domingo.
R - Era só sexta, sábado e domingo. Sexta, sábado e domingo
01:11:25
P/1 - Seus filhos também brincavam?
R - Não, meus filhos nunca, só uma das minhas filhas que saia e brincava, meu filho mais velho não gostava muito, nem minha filha mais velha, e nem os outros 2 que foram criado mais com avó, esses que o pai morreu acidentado, queimado, eles foram criados com a avó, também não participava não,
01:12:00
P/1 - E o que essa participação do Gato significou para senhora? O que significava fazer parte desse bloco constituído aqui na Nova Holanda, antiga foliã a senhora, né?
R - Isso aqui é uma alegria, porque a gente não tinha condições de ir lá para fora, ir para o cinema, de ir para um lugar, sabe? E o samba aqui já dava alegria, muita alegria para gente, e muita gente ainda fala: “O Gato está fazendo falta”, é a única diversão que a gente tem ir lá para quadra, se divertir um pouco e agora não tem mais.
01:12:46
P/1 - Então marcou a história aqui da Nova Holanda os blocos, o Bloco do Gato e os ensaios.
R - Marcou.
01:12:58
P/1 - Tinham outros blocos?
R - Aqui não, só tinha esse aqui, só tinha Coração Unidos.
P/1 - Como é o nome?
R - Corações Unidos de Bonsucesso, lá no morro [Timbau] , depois tinha o Gato aqui e só o coraçãozinho do lado.
01:13:18
P/1 - Vocês participavam?
R - Às vezes nós íamos para lá.
01:13:30
P/1 - Dona Noca, a senhora pode então contar um pouco para gente sobre os filhos, a profissão dos filhos, por favor?
R - Minha filha mais velha é fisioterapeuta.
P/1 - Dá o nome dela.
R - Elisa Onofre de Souza, é fisioterapeuta, e o meu filho mais velho Guzone ele trabalha com ar-condicionado, conserta ar-condicionado, e a Carmen é dona de um trailer, mas já trabalhou na Light, e os 2 filhos que foram criados com a avó trabalhava no Estaleiro.
01:14:13
P/1 - Todo mundo com profissão.
R - Graças a meu bom Deus. Ninguém deu para o que não presta, a luta que eu passei, mas graças a Deus, muita gente falou que meus filhos não ia prestar, eu dei um tapa na cara de muita gente, todo mundo tem a sua profissão, os meus filhos me ajudam muito, são muito bom pra mim.
01:14:46
P/1 - Eles frequentavam a escola aqui na Nova Holanda?
R - Estudou na Nova Holanda, estudou na Napion, estudou no Gama Souza, os 3 mais velhos estudaram no Gama Souza, o Carlos Edelson e a Carmen, e esse meu filho que é o caçula estudou na Napion.
01:15:56
P/1 - A senhora estava falando da profissão dos filhos? E a senhora trabalhou como cabeleireira também? Conta um pouquinho.
R - Era ferro quente, pente quente e marcel que é a tesoura, pente quente que alisava e o marcel, a pessoa pedia que era de lado ou tudo para trás, e a tesourinha de marcel que fazia os cachinhos, enrolava bob, passava henê, pintura.
01:16:31
P/1 - Mas como eram as suas clientes, pessoas mais jovens, mais velhas?
R - De tudo quanto é idade. A mulher às vezes trazia criança, tem as mocinhas, tem as senhora também.
01:16:47
P/1 - Mas senhoras negras com cabelos de senhoras negras?
R - Às vezes eu fazia nascer até cabelo de gente branca, já fiz cabelo curtinho, (“faz um marcelzinho aí no meu cabelo”), eu ia pegava a tesoura, esquentava e fazia os cachinhos.
01:17:10
P/1 - Conta mais um pouquinho, como é que é esse processo de fazer o marcel?
R - Marcel era a tesoura de ferro, sabe? Aí tira as mechinhas, puxa os cachinhos, fica inteirinho os cachinhos, depois se quiser ondular, vai com cabinho do pente, ondula ele assim para ficar cheinho.
01:17:38
P/1 - E a senhora aprendeu fazer com outras pessoas?
R - Minha prima que fazia, que esticava, aprendi com a minha prima.
P/1 - As mulheres esticavam muito o cabelo?
R - Ah, dia de sexta, sábado e domingo, os outros queriam tudo ir para a farra, minha casa enchia, era muita gente, às vezes saía até briga por causa da vez. Vinha gente da Baixa para fazer o cabelo, vinha gente do Parque União lá para minha casa.
P/1 - E essa prima te ensinou, você comprou a tesoura?
R - Eu comprei. Eu tive que comprar.
01:18:27
P/1 - Como é que era um processo de alisar cabelo antigamente? Hoje é mais moderno.
R - Escova, agora mais é escova, e o pente quente não, o pente quente vai no fogo...quando estiver quentinho, não muito quente para não queimar a cabeça da pessoa toda, não queimar o cabelo da pessoa. A gente tem que saber o grau para alisar.
01:18:57
P/1 - Esse grau é sabido por experiência, pela experiência,?
R - Por experiência, tem que saber, se não o cabelo vai tudo embora no pente.
P/1 - E a senhora fazia o seu cabelo também?
R - Fazia.
01:19:16
P/1 - Como é que a senhora gostava de se arrumar?
R - Eu alisava ele, meu cabelo é muito fininho, agora não que eu cortei, partia aqui assim, batia o marcel para cá, e depois é só com o cabinho do pente ondulava ele todinho, ficava todo cacheadinho.
01:19:36
P/1 - Hoje as meninas e mulheres negras estão usando mais o cacho natural.
R - Por isso quase não vai mais gente da minha casa, ainda vai gente para esticar e bater marcel ainda, mas é muito pouco. Antigamente enchia a minha casa, era muita gente, ainda mais dia de sexta, sábado e domingo, não tinha tempo nem para almoçar.
01:20:05
P/1 - O que você acha hoje das moças estarem assumindo mais os seus cabelos encaracolados naturais?
R - Eu acho muito bonito.
P/1 - Por que você acha mais bonito, o que você acha?
R - Eu acho mais bonito, assim é mais cheio. Antigamente também dava muito trabalho passar henê, deixar, atirar, tem os bobs também, agora tem muito creme que já deixa o cabelo todo ondulado, a pessoa passa e é só balançar que os cachinhos vem, antigamente tinha que ser marcel mesmo, agora não.
01:21:00
P/1 - Você lembra sobre a sua mãe e a sua avó? Como é que elas usavam o cabelo?
R - Ela usava o cabelo também bem feitinho. eu também esticava o cabelo da minha mãe, fazia o cabelo da minha avó.
01:21:17
P/1 - O que elas comentavam sobre o cabelo ser esticado? Elas gostavam, queriam.
R - Não, elas achavam o cabelo assim muito duro, tem cabelo que é muito duro mesmo, é muito feio, ainda mais para a pessoa ir em uma festa em lugar assim, um cabelo atorricado na cabeça não dá. A minha avó quando ia receber o pagamento “o Jureminha vem aqui fazer meu cabelo”, ela me pedia, ela saia toda enfeitadinha.
01:21:56
P/1 - E sua filha, como ela usa o cabelo, a senhora tem netas mulheres também?
R - Eu tenho duas netas, a da minha filha mais velha que é fisioterapeuta, o cabelo dela é todo ondulado, já minha outra neta, filha desse meu filho caçula é branca, é branquinha e tem cabelo liso.
01:22:20
P/1 - Fala um pouco das suas, dos seus netos os nomes, como é que a senhora se relaciona com os netos?
R - Olha a Bia que mora na Íris, que tem o cabelo encaracoladinho, ela quase não vem aqui, ela não gosta muito de vir aqui. Às vezes minha filha vem de carro, me pega e me leva lá. É muito difícil vir aqui. Agora a filha desse meu filho caçula está sempre na minha casa. Toda semana ela está em casa. Ana Claudia, ela tem um cabelo liso, é a branquinha, sabe? E tem os outros netos que eu nem conheço, dos meus outros filhos que foram criados com a avó, esse os filhos dele eu não conheço, só de retrato, a que convive mesmo comigo, essa filha minha Ana Cláudia, filha do meu filho, e a filha da minha filha que mora na ilha, enquanto a minha filha veio me pegar de carro e me leva.
P/1 - Para passar um dia com eles.
R - É, com eles. Ela fala para mãe dela “trás a minha avó aqui que eu quero vê-la”. Aí a minha filha vem, o marido dela vem de carro, vai lá na minha casa e me leva para ilha.
01:23:42
P/1 - A senhora falou que 2 filhos foram criados pela avó?
R - É. Esse que o pai morreu queimado é o Paulo César e o Anderson, foram criados com a avó deles.
01:24:00
P/1 - A avó seria a mãe do pai. Então vamos falar de como é que é o dia hoje da senhora? Como é um dia seu hoje aqui? Como é essa Nova Holanda de 2021 para quem chegou aqui nos anos 60?
R - É muita preocupação minha filha. Esses negócios sabe, que acontece aqui não está dando certo, olha tem hora que me dá vontade de mudar. Semana passada mesmo eu passei muito mal, ainda bem que o meu filho estava em casa, ele desceu e ficou lá embaixo comigo, que aí em baixo eu fico sozinha, não aguento mais ver esse negócio não, passei mal mesmo, até amanhã vou ter que pegar remédio de pressão, o coração fica assim ó, bate muito, esse confronto que tem, não dá certo não. A minha filha fala, “Noca, vem para cá morar aqui comigo, deixa essa casa pra lá e vem para cá morar comigo”. Eu estou pensando, eu estou com vontade de ir para lá, passar pelo menos uns tempo lá sabe?
01:25:33
P/1 - Quando vocês chegaram aqui, como é que é a questão da violência?
R - Não tinha nada disso, tranquilo, tranquilo, tranquilo, era muito bom, vir para cá era muito bom, uns 10 anos era uma alegria, uns 15 anos era só alegria. A gente ia para tudo quanto é canto, ia para o Parque União, ia para Baixa, não tinha nada de confusão. Eu saio para rua de vez em quando, quando eu posso andar eu saio, mas saio com medo, mando as pessoas fazer compra para mim, ou esperar minha nora chegar dia de sexta-feira para fazer compra para mim, ou então meu filho vai, hoje eu ando na rua com medo, muito medo.
01:26:41
P/1 - Com quem que a senhora mora?
R - Eu moro sozinha, meu filho mora em cima, que eu dei a casa de cima pra ele. Eu moro embaixo sozinha, mais em Deus.
01:26:56
P/1 - Ainda costura, ainda faz cabelo de vez em quando?
R - Faço. Às vezes os meninos vão lá em casa, “Noca dá para senhora fazer uma pinça para mim? Dá para fazer uma bainha para mim? Dá para botar o fecho ecler aqui para mim?” Eu faço, quando a minha vista não está muito ruim, que eu estou tomando remédio para vista, mas eu não faço minhas coisinhas, devagarzinho eu faço.
01:27:15
P/1 - Seus clientes são meninos e meninas?
R - Tem uns rapazes que vão lá, às vezes eles compram uma bermuda, compram uma calça, que está larga, caindo, vai lá e pede para gente fazer uma pinça, fazer uma bainha, e eu faço.
01:27:30
P/1 - Pessoal se veste bastante diferente, né? O que você acha da roupa e da moda de hoje das roupas? É mais prático? Comprar roupa pronta?
R - Eu acho mais prático.
01:27:53
P/1 - Está bom Noca, você gostaria de falar mais alguma coisa, gostou de dar um depoimento aqui para gente?.
R - Gostei, gostei muito.
01:28:08
P/1 - Por que você acha que é importante deixar um pouco dessa história da Nova Holanda?
R - É porque tem muita gente jovem agora que não conheceu Nova Holanda, é bom dar essa entrevista para a pessoa ficar sabendo, como é que era, como é que não era, né? Para depois, quando tiver 1 irmãozinho, já estão na idade de saber como é a Nova Holanda, como era, agora está tudo muito bonito minha filha, mas a geração que agora tem uns 15 anos, 20 anos, 25 anos, não conheceu o passado lá atrás, não conheceu o que a pessoa passou.
01:29:00
P/1 - E é importante deixar registrado essa memória?
R - É importante sim. É Importantíssimo.
01:29:11
P/1 - Então vou te agradecer por ter compartilhado com a gente um pouco da sua história, um pouco da história aqui da Nova Holanda. Te agradeço pela atenção, muito obrigada, obrigada meninas.
R - Obrigada!
01:30:02
P/1 - Dona Noca, a gente falou um pouco de algumas situações, eu gostaria que a senhora comentasse um pouco sobre esse momento que a gente está passando, nesse ano e ano passado, em especial a questão da pandemia, da covid, como é que isso impactou a sua vida? A gente tem que usar máscara, uma situação...
R - A gente tem que usar, eu tive no comecinho, mas eu comecei fazer um montão de chá, eu tomei muito suco de inhame com laranja, tomei muito chá de gengibre, mas eu tive o vírus, só que o meu não deu forte não, mas no postinho constou, eu fiz o exame, mas aonde que eu vou, eu vou de máscara, meu filho também teve no comecinho, mas nós tomamos esses negócio em casa, muito suco de inhame, muito chá de gengibre com inhame, com um suco de laranja, muita limonada e muito chá, tomava muito chá, e uma beterraba, minha filha faz um suco de beterraba com limão, ela mandava as garrafinhas para gente, mas eu fiquei sem sentir o gosto, esse sintoma que dá no comecinho eu tive, eu e meu filho que mora comigo.
01:31:49
P/1 - A senhora se vacinou?
R - Já tomei as duas vacinas, já tomei até a da gripe, as meninas foram na minha casa aplicar, as meninas do postinho, eu falei que eu não estou podendo andar direito, elas foram lá na minha casa, a da gripe também foi lá em casa, eu já estou vacinada, meu filho também, minha família toda, do meu time já estão tudo vacinando.
01:32:14
P/1 - O que você acha dessa atitude aqui da rede, ou do grupo daqui da Nova Holanda de ir na casa das pessoas para vacinar?
R - Tem muita gente com mais idade do que eu lá na minha rua. É bom, as meninas são muito atenciosas, sabe? Elas vão lá e aplicam a vacina na gente.
01:32:34
P/1 - Essa máscara da senhora é uma máscara de pano, a senhora que costurou, ganhou, como é que foi?
R - Eu comprei, eu tenho muitas máscaras lá em casa, e quando eu vim até esqueci, aí a menina foi, eu saio na rua às vezes quando dá para eu ir, que a minha perna está um pouquinho melhorzinha, eu vou com máscara, tem álcool gel na minha casa, eu me cuido, tem que cuidar, não é porque eu tomei a vacina, mas para eu sair na rua eu tenho que ir de máscara, sempre levo duas, já tem uns pacotinho tudinho lá em casa, meu netinho que é pequenininho, eu comprei umas de criança para ele.
01:33:30
P/1 - A senhora comentou sobre o momento difícil da Nova Holanda, de situações que passaram na semana passada, como é um pouco essas situações extremas de violência, de confronto, né? Muito difícil, vocês ficam em casa?
R - Fico em casa, não pode sair nem no quintal, não dá não, tem que ficar dentro de casa, tudo fechado, ligar o ventilador, ficar vendo televisão dentro de casa, pior quando a luz acaba, porque é tiro no transformador e a gente fica sem luz, a gente tem que ficar dentro de casa, eu não saio mesmo, vejo qualquer uma corridinha, eu estou sentada na minha cadeirinha que eu boto do lado de fora para tomar o sol, eu vejo qualquer movimentinho eu já corro para dentro da minha casa, fico lá vendo televisão, eu sou assim não dá.
01:34:35
P/1 - Durante o dia, de noite.
R - É onde que eu fico assim, mas é dentro de casa, meu filho que recebe o dinheiro para mim, passei a procuração para ele, ele que recebe o dinheiro pra mim, eu não tenho mais condição, apesar que eu vou em Bonsucesso, mas eu vou de carro, ele vem pega o Uber e leva lá na minha casa, quando têm que assinar alguma coisa, pois semana retrasada eu tive que fazer um negócio lá, estou pensando, eu vou chegar em novembro agora vou ter que fazer a declaração de vida, que eu sou de novembro, mas sair para ir lá em Bonsucesso, eu vou de Uber.
01:35:32
P/1 - Como é que é um dia seu?
R - Tranquilo, quando não tem essa bagunça toda, fico mais vendo rádio, vejo televisão, adoro fazer minha comidinha.
01:35:47
P/1 - Que rádio que você ouve?
R - A Globo, só tem pagode, tem funk apesar que eu não vou em funk não, mas eu escuto, e a Roquette Pinto que eu gosto.
01:36:12
P/1 - Tem algum cantor, alguma canção que você goste mais?
R - Gosto do Bebeto, e do como é o nome dele mesmo? Ele que mora lá na...
esqueci o nome dele, ele gosta muito de cerveja, como é o nome dele?
P/1 - Zeca Pagodinho.
R - É.
P/1 - A senhora ouve ele no rádio também?
R - Vejo, escuto...
P/1 - Enquanto ouve rádio está dançando.
R - Eu danço na minha casa sozinha. É bom dançar em casa sozinha, eu só não gosto de ficar com a minha mente parada, tenho muito medo, porque a minha prima morreu de Alzheimer, novinha muita preocupação que ela tinha com o marido dela, aí ela foi e ele ficou, terminou novinha teve mal de Alzheimer.
01:37:19
P/1 - E dançar é bom, né?
R - Dançar faz bem para saúde.
P/1 - Quando você está dançando, o que você sente?
R - Alegria, alegria, alegria.
P/1 - Lembra um pouco das experiências da época do Gato, do samba?
R - É, a gente fica se lembrando das coisas boas que eu já passei.
01:37:49
P/1 - Senhora contou que seu filho comprou uma bicicleta, foi isso?
R - Comprou para ver se a minha perna volta ao normal.
P/1 - Para senhora se exercitar?
R - É, ele comprou sábado para mim.
P/1 - Para fazer, para continuar dançando.
R - Ah é.
01:38:12
P/1 - Vou te agradecer, obrigada. Muito obrigada!
R - Obrigada
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