O Festribal? Foi assim: eu era professora e tive que fazer festa junina para angariar fundos. Eu fiz o Festival Estudantil da escola, que tinha uma dança indígena. Todo mundo gostou dessa dança e pediu para a gente apresentar nas festas daqui. Nisso, outras pessoas gostaram da dança e fundaram u...Continuar leitura
resumo
Neste depoimento, Aurecilia nos conta sobre a história de sua família e sua entrada na escola, em Juruti-PA. Vemos também como começou sua carreira no magistério e se mudou para Manaus, em 1976, onde ficaria por 10 anos e teria seu primeiro filho. Aurecilia nos fala sobre sua volta a Juruti nos anos oitenta, as agruras da maternidade solitária e sua representação da cidade na questão dos direitos humanos. Além disso, sabemos como se deu a sua readaptação à vida de Juruti através de seu protagonismo na organização e concepção do evento conhecido atualmente por Festribal, na região de Juruti.
história
história na íntegra
- Vídeo na íntegra
-
Áudio na íntegra
(não disponível) - Texto na íntegra
- Ficha técnica
P/1 – Para começar, queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Aurecilia da Silva Andrade. Eu nasci aqui mesmo, em Juruti, no dia 21 de maio de 1950.
P/1 – Fala um pouco dos seus pais. O nome deles?
R – O meu pai era José de Souza Andrade. Ele foi ...Continuar leitura
P/1 – Para começar, queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Aurecilia da Silva Andrade. Eu nasci aqui mesmo, em Juruti, no dia 21 de maio de 1950.
P/1 – Fala um pouco dos seus pais. O nome deles?
R – O meu pai era José de Souza Andrade. Ele foi vereador nesta cidade por dois mandatos. E trabalhou também como comissário, na delegacia de Juruti, por bastante tempo. Respondia como delegado, aqui na cidade. A minha mãe era Donatília da Silva Andrade, e ela apenas era dona de casa. Só ajudava na nossa educação. Eu tenho cinco irmãos, que trabalham... A maioria trabalha na educação também, junto comigo. Eu tenho uma irmã. Só tenho uma irmã, que ela é professora aposentada. O nome dela é Maria Fátima Andrade Pereira. Tenho também a minha sobrinha, que é a Sandra Regina Andrade Pereira, que ela é hoje a vice-presidente da nossa tribo, da tribo Muirapinima, e secretária de finanças da Prefeitura de Juruti. E tenho também meus outros irmãos. Minha sobrinha, que trabalha aqui em Juruti, como diretora da Escola Maria Pereira. E tenho meus sobrinhos também, que uns são moto-táxi, outros trabalham em marcenaria, carpinteiro, tudo tem. Tem meu filho, que é o Idnei Andrade de Souza, que ele é artista plástico da tribo Muirapinima. E também ele trabalha em Belém, nas escolas de samba. Esse ano de 2010, ele trabalhou na Escola Império Pedreirense. Ele que fez as alegorias de lá da Império. E tenho também um sobrinho, que o nome dele é José Glauber, que ele é vereador da atual gestão de Juruti.
P/2 – E os seus outros irmãos?
R – Tenho um irmão que mora em Itaquatiara, José da Silva Andrade. Mora em Itaquatiara. Ele é aposentado, ex-sargento da Aeronáutica. O outro é aposentado também, pela Prefeitura de Juruti. E ainda trabalha. Atualmente, o Ducílio da Silva Andrade, trabalha na Escola Américo Pereira Lima. E o outro meu irmão, Otacílio da Silva Andrade, ele também é aposentado. Trabalha na educação.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho, para a história dos seus avôs. Você os conheceu?
R – Conheci.
P/1 – Conta um pouquinho.
R – Os meus avôs, da parte do meu pai, eles eram filhos de portugueses. Tanto meu pai. O meu avô. Como a minha avó. A minha avó se chamava Tolentina Tavares de Andrade. E o meu avô se chamava Joaquim Freire de Andrade. Agora da parte da minha mãe. A minha mãe que era descendente indígena. Aí a minha mãe. O meu avô da parte de mãe se chamava José Catidiano da Silva. E a minha avó se chamava... Ela eu não conheci, porque ela era falecida. O meu avô eu também não conheci, da parte de pai. O nome da minha avó, de parte de mãe... Eu não estou nem lembrada. Não estou lembrada agora. Só olhar na minha certidão. Parte de mãe que eram descendentes indígenas.
P/2 – Mas eles eram indígenas, ou eram descendentes?
R – Não, só descendentes.
P/2 – Como a senhora sabe que eram descendentes?
R – Por que... Olha. Aqui em Juruti... A nossa cidade foi fundada pela tribo Mundurucu. Então ficavam aqui já os Mundurucus, aí foram casando. Na época da Revolução dos Cabanos, que vieram os portugueses. Então esses portugueses que vieram meu avô, a minha avó. Já vieram ficando por aqui. Tanto que Juruti fez 127 anos, esse ano. E foram casando, e foi se expandindo. A gente sabe que a gente é descendente indígena porque tinha muita característica nossa indígena Mundurucu aqui em Juruti.
P/1 – Esses avôs...?
R – Eles eram muito indígenas mesmo.
P/1 – Eles falavam língua indígena?
R – Não, não. Já falavam português. Português arrastado, mas falava.
P/1 – E costumes? Tinha algum costume propriamente indígena?
R – Eles têm até hoje. Que o nosso costume aqui em Juruti é indígena. Eles ainda usam muito a queimada, para plantação. Usam o peixe assado. A maioria do povo aqui usa o peixe assado e come só com a farinha. Não tem costume de comer arroz. Então esses costumes a gente sabe que é indígena. O tacacá. Mingau. Mingau com jerimum. Pega a cruera, aí faz aquele mingau de bola, que a gente chama. Ainda hoje existe muito esse costume aqui em Juruti.
P/1 – Seus avôs contavam histórias?
R – Contavam. Meu pai, ele era artesão também. Além dele fazer todo esse trabalho, ele trabalhava na madeira. Ele fazia passarinhos de madeira. Ele foi um dos incentivadores da cultura aqui em Juruti.. Cordões de pássaro. Ele que fazia o passarinho de pau, para o pessoal sair na festa levando os cordões de passarinho. Tambaqui. Um bocado de coisas ele fazia.
P/1 – Como é que era essa festa dos cordões?
R – Que hoje a gente sente falta. Porque era assim. Naquela época, os cordões saíam nas ruas. Aí fazia aquele cercado na frente da casa. E lá dançavam. Aí na outra semana, por exemplo, eles eram convidados para ir a outra casa. Ir lá e fazer a mesma coisa. Cercava e lá dançava. Aí de lá ele saía, levando aquele monte de gente atrás. Era assim o cordão.
P/1 – Tinha música?
R – Tinha, mas era inventado por eles mesmos. Pelos antigos. Até hoje. Se vocês vissem esse cordão do tambaqui, é uma graça. Eles se apresentaram aqui no dia da... Teve aqui uma conferência de cultura e eles se apresentaram. Foi em dezembro que teve essa conferência. Foi em dezembro ou novembro.
P/2 – Dona Aurecilia, será que a gente pode voltar lá. Quando a senhora era criança, para saber um pouco como era sua vida? Assim, aonde que a senhora vivia...
R – Olha. Eu vivia, quando eu era criança. Eu morei na beira do rio, aí na beira do rio. E nós temos um sitio, lá na beira do rio, que se chama São Pedro. Lá eu morei até os quinze anos, mais ou menos. A minha infância foi lá, na beira do rio. De lá nós viemos para cá, para Juruti.
P/2 – E esse... Era uma casa sozinha? Tinha casas perto? Como é que era o seu dia a dia?
R – Era um sitio que tem trezentas braças, de frente. Depois que tinha um vizinho de um lado, e outro vizinho do outro lado. A gente não tinha quase contato com eles, só de “oi, como é que vai?”. Porque o meu pai, como eu já falei, ele era envolvido na polícia. Como comissário de polícia. E tudo ele cismava. Que podiam fazer alguma coisa com a gente. Então a gente vivia restritamente ali. Quando saía era com o papai e com a mamãe. E a gente brincava só nós mesmo, em casa. Quando eu comecei a ter mais contato com as pessoas foi quando eu comecei a estudar.
P/2 – Com quantos anos a senhora começou a estudar?
R – Com sete anos, mais ou menos, eu comecei a estudar. Já era bem grandinha.
P/2 – A escola era perto?
R – Era aqui em Juruti. A gente vinha de lá para cá. Ele vinha nos deixar, o papai, aqui em Juruti
. P/1 – Era barco?
R – Não, canoa. Vinha remando.
P/1 – Quanto tempo levava?
R – De lá para cá uma hora e meia, mais ou menos.
P/2 – Todo dia?
R – Todos os dias. Aí ele vinha nos buscar, para levar de volta. Agora a gente tira cinco minutos daqui lá, de voadeira. (riso)
P/2 – E a escola. O que a senhora lembra, a primeira vez que a senhora foi à escola? Era muito diferente do que a senhora estava acostumada?
R – Olha, era muito diferente. Porque naquela época, o que a gente observava. Naquela época a gente ia para a sala de aula realmente com vontade de aprender. Eu, na época, tinha um objetivo. Desde criança eu brincava como professora. A minha brincadeira com a minha irmã era de professora. Eu ensinando para ela, que eu era mais velha do que ela três anos. Então eu tinha muita vontade de ser professora. Tanto que eu sou professora. Fui. Agora estou afastada da profissão. Mas eu estou readaptada, estou ajudando na administração da escola. Por opção, porque eu me formei em Manaus. Lá eu podia optar. Eu morava lá. Depois que eu vim morar para cá. Então, foi uma opção minha ser professora. Então a gente vinha realmente estudar. Chegava à sala de aula, prestava atenção. Os professores também, a gente respeitava. Consideravam eles como nossos segundos pais. Hoje em dia, eu acho que não respeitam. Não consideram mais os professores. Eu já trabalhei numa escola, em Belém, que é o linguajar era barra pesada. Eles não respeitavam a gente. Se olhasse para eles, eles encaravam e perguntavam por que a gente estava olhando para eles. E hoje não é diferente. Nas escolas aqui em Juruti que eu percebo. A gente tem muito trabalho com eles, porque não têm vontade. Parece que estão lá... Hoje, o que a gente verifica é que nós temos péssimos profissionais, porque não tem aquele interesse de serem bons profissionais. A gente vê. Às vezes a pessoa se forma, e ele tem a formatura só lá no nome: “Eu sou formado”. Mas para a vida profissional, quando ele vai atuar, não tem aquela atuação correta. E naquela época não. A gente via que realmente eles se interessavam. Às vezes nem tinham tanta... Como hoje tem muita facilidade, tem diversos pólos universitários aqui. Santarém é logo aqui, é perto. E a gente não... Eu observo assim, que eles não têm interesse mesmo de passar o que sabem. De realmente passar. Hoje mesmo nós fizemos um comentário lá no colégio. Nós estamos precisando de um professor de Física. E aí o diretor disse assim: “O que adianta esse professor vir...?”. Que é de Matemática o professor... “Se ele não sabe lecionar Física?” E eu acredito... Naquela época não. Se nós fôssemos estudar, tudo interessava. De aprender realmente. Era Matemática. Era Português. A gente se interessava. Aí o professor de Matemática não sabe lecionar Física. Que está na mesma área...
P/2 – Mas voltando para aquela época, como era a cidade? Tinha mais de uma escola?
R – Naquela época tinha duas escolas. Tinha o Grupo Escolar, que era do Governo. E tinha, que até hoje ainda tem, a escola paroquial, que é Nossa Senhora da Saúde. Ela é conveniada, a escola da Paróquia de Juruti, da Igreja católica em convênio com o Estado. Aí tinha essas duas escolas naquela época. Inclusive eu estudei primeiro no Grupo Escolar e depois eu passei para lá, para a Paróquia.
P/1 – Você lembra o primeiro dia de aula seu?
R – Ah, eu me lembro. Eu era tímida naquela época. E tinha uns vizinhos meus inclusive o dono desse terreno aqui. Até hoje eu sei o nome dele, ele já é até falecido, Natanael e o irmão dele Eliel. O apelido deles era Satanael. Que eles eram tão danados, tão danados. Aí o Grupo Escolar, ele era de madeira, e tinha o assoalho assim, alto. Então eles entravam embaixo, como a gente usava saia, para olhar o nosso fundo lá embaixo. (riso) E eu, como eu tinha entrado assim já grandinha. Perto deles eu era meio alta, e eles ficavam mexendo comigo. Mexendo, mexendo. Me fazia até dar raiva, quase que eu desistia. Só não desisti porque o papai: “Não, minha filha, você tem que estudar. Quando eles lhe encararem, ou falarem alguma coisa para você, você não responde nada. Chame a professora e conte para ela”. Aí eu guardei até hoje isso. Que eles faziam isso comigo.
P/1 – E os professores? Teve alguns que marcaram você, que eram especiais?
R – Tinha sim. Não daquela época, depois. Eu tinha uma professora, ela ainda está viva até hoje, a professora Antonia Galvão. Ela era professora já da quarta série minha. E ela era uma professora muito interessada, e ela exigia muito da gente. Depois que eu fui estudar fora, eu agradeci muito a ela. Que ela era bastante exigente, em tudo. E ela fazia com que a gente realmente fosse buscar o conhecimento. E ela me marcou muito.
P/1 – Ela dava aula do que?
R – De tudo. Português, Matemática. Era a quarta série naquela época. Não era como agora. Que agora já é dividido. Tem professor de Português, professor de Matemática, na quarta. Naquele tempo não. O professor era polivalente, ele lecionava tudo.
P/1 – Você podia contar um pouco dos amigos do colégio, como é que eram as brincadeiras?
R – A gente gostava muito de correr, brincar de bandeirinha. Aí eu corria muito, corria muito. Eu só tinha uma colega que corria igual a mim. Essa minha colega, ela mora em Belém. Parece que ela trabalha na SEDUC lá em Belém. E ela corria bastante. Então, como a gente corria as duas muito, a gente nunca brincou uma do lado da outra. Sempre era contra uma a outra. E a gente brincava muito de bandeirinha na escola.
P/1 – O que é bandeirinha?
R – Bandeirinha a gente coloca uma bandeira lá. Marca aqui, aí coloca outra bandeira. Aí, esse time daqui tem que pegar a bandeira e passar por todos eles e voltar para o campo. E como a gente era muito veloz, as duas, ela brincava de um lado e eu brincava do outro. Porque não dava. Se a gente brincasse as duas só de um lado, aí não tinha graça, que a gente ganhava todas. Aí por isso que a gente era adversária.
P/2 – Juruti naquela época era muito diferente do que é hoje?
R – Ih, muito diferente. Muito ocupada, eu ia e voltava. Não era preciso estar fechando nada. Que ninguém mexia. Quando vinham em casa, diziam: “Você deixa a casa toda aberta?”. Eu dizia: “Eu deixo. Ninguém mexe lá.” E ninguém mexia em nada. Hoje em dia, está muito diferente. Hoje nós não podemos deixar nada se não estiver trancado. Em tudo, em todos os lugares. Na escola que eu trabalhei. Que eu trabalho agora levou foi seis computadores, equipados de tudo. E levaram notebook, levaram uma televisão de quarenta e duas polegadas. Até agora ninguém vai conseguir descobrir. Arrombaram lá, entraram e levaram. Aqui em casa, um dia desses passou dois homens desconhecidos, que a gente não sabe quem é. Como nós não temos segurança, eu disse: “Olha, agora tem que uns saem e outros ficam para vigiar a casa.” E assim a gente está fazendo. E a energia, naquela época, há oito anos atrás... Não, há quinze anos atrás, quando eu coloquei a tribo, a luz ia até onze horas da noite. Aí acabava. Até mais ou menos meia noite, no final de semana. E não tinha luz elétrica para cá, não tinha. Era só até lá, onde tem aquele campo, era só até lá que chegava. Não tinha encanação de água. Nós não tínhamos água também encanada, era até lá. O porto, lá na frente que vocês já viram aquele cais. Tudo ali, ali não tinha, era terra caída lá. O asfalto, não tinha nada, só aquela pelequinha só. Só feito no manual mesmo, que vão colocando cimento. Não vinha máquina nenhuma para cá. Era muita pobreza. Era muito sofrimento. Quando eu comecei o festival aqui de Juruti, eu já tinha essa minha casa aqui. A energia vinha de lá do meu irmão, que mora bem lá naquela esquina. É um irmão meu. Aí eu trazia a luz pelo meio do mato para cá. Para poder a gente não ficar sem luz aqui. Aí eu conversei com o prefeito, foi que ele colocou para cá o... Na época ainda do Isaías. Foi quando veio já através do Festival. Porque a gente sabe que o que faz crescer uma cidade é o turismo. Como já tinha o Festival, eles começaram, através da AMUCAM. Eles conseguiram bastantes projetos: da expansão da água, da luz, do telefone. Tudo veio através do Festival.
P/1 – Eu queria só voltar um pouquinho ainda antes do Festival. Aurecilia, ainda para a sua infância, um pouquinho, você falou bastante de Juruti. Eu queria saber um pouquinho a sua casa. Como era a sua casa?
R – A minha casa?
P/1 – Quando você era pequena.
R – Quando eu era pequena? Lá na beira do rio era toda de palha. Toda feita de palha, toda. Tanto em cima, como ao lado, tudo era de palha. Não tinha assoalho, não tinha nada. Era colocado tipo areia, assim mesmo, e batia. Que era um método que eles faziam. Então era assim a nossa casa lá. E quando nós viemos para cá, para Juruti, a nossa casa era toda de taipa. Ela era toda rebocada, mas era de taipa. Que só tem uma casa... Lá, aquela de frente onde vocês estão ela é de taipa.
P/2 – E isso é muito diferente?
R – É, porque ela é diferente da alvenaria. Que ela é no barro. Faz todo um trabalho, mete umas... Aquele (najazeiro?). Eles usam muito aquele (najazeiro?). Fazem para cá e para cá. Os (esteios?) ficam aqui, aí eles colocam daqui e daqui. E no meio eles metem o barro mesmo, vão colocando o barro. Aí depois a gente pode rebocar de alvenaria. Lá no Maranhão eles têm muito essas casas ainda, de taipa.
P/1 – E como é que dava a liga no barro? Era só o barro mesmo, ou tinha algum...?
R – Só o barro mesmo. Aí por cima do barro que faz aquele reboco. Aí só que na época, como não tinha cimento, eles faziam no próprio barro. Eles faziam aquilo bem... Depois pintavam. Era assim que eles faziam na época.
P/1 – Aonde que vocês vieram morar aqui em Juruti? Era no centro, ou era...?
R – Era no centro, lá na Paes de Andrade.
P/1 – Por que vocês mudaram para cá?
R – Porque eu... Lá está muito barulhento. Eu não gosto de barulho, muito barulho. Não sou chegada.
P/1 – Não, por que saíram da casa do sitio e foram para o centro? Por que a sua família saiu de...?
R – Ah, de lá? Porque nós tivemos que estudar. Aí se tornava muito difícil, porque o papai já estava velhinho. A minha mãe me teve com quarenta anos. E a outra minha irmã ela teve com trinta e sete. Eu sou mais velha do que ela três anos.
P/2 – Então ela a teve com quarenta e três?
R – Não. Eu é que ela teve com trinta e sete. Minha irmã com quarenta.
P/2 – São quantos irmãos ao todo?
R – Cinco. Só que eu também tive uma filha. Eu tive com quarenta anos. A minha filha eu tive com quarenta anos.
P/2 – Mas deixa entender. Antes de a senhora ter filhos. Lá, como é que foi? Vocês moravam lá, e com que idade seus pais decidiram mudar para cá?
R – Eu já tinha doze anos, mais ou menos, quando a gente veio para cá, para Juruti.
P/2 – Para vocês estudarem?
R – É. Que já era eu, a minha irmã... Aí meu irmão morava em Belém. Dois moravam em Belém. E o outro morava aqui. Nós éramos três que morávamos com o papai e a mamãe.
P/1 – Como foi essa mudança para você?
R – Para cá para Juruti? Ah, foi meio esquisita. Porque lá a gente era acostumada diferente. Tinha um campo bonito. A gente tinha gado. Nós tínhamos cavalo, eu gostava de andar de cavalo. Mas, aqui não. Não tivemos nada disso. Então foi meio complicado. Mas depois a gente foi se adaptando, devagar. Depois eu fui para Manaus com quinze anos, eu fui para Manaus.
P/2 – Foi lá fazer o que?
R – Para estudar.
P/2 – Sozinha?
R – Não. Eu tenho uns parentes lá em Manaus. Eu fui morar na casa de uma prima minha lá.
P/1 – Vocês tinham que ir de barco?
R – É. A gente vai de barco para Manaus.
P/1 – Como era essa viagem?
R – Ah, demorava muito. Geralmente a gente saía daqui. Vamos dizer que a gente saísse hoje à noite, a gente ia chegar para lá depois de uns três dias. Em Manaus. Agora parece que já é menos. Ainda é demorado ainda.
P/2 – Mas a senhora foi para a casa de quem?
R – Da minha prima.
P/2 – E você ficou sozinha lá?
R – Foi. Com ela. Mas ela é casada, tem os filhos dela.
P/2 – E lá a senhora estudou até que idade?
R – Lá eu estudei até terminar o magistério. No Colégio Adventista de Manaus. Foi lá que eu terminei meu magistério.
P/2 – E aí? O que aconteceu na sua vida? A senhora se formou e aí?
R – Depois eu vim para cá. Para Juruti. Para passear aqui em Juruti.. Aí foi quando eu fiquei já para cá, trabalhando na Escola Américo Pereira Lima.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época?
R _ Que eu comecei a trabalhar?
P/1 _ Que você voltou para Juriti.
R – Eu tinha trinta e cinco anos. Eu morei vinte anos em Manaus.
P/1 – Mas lá em Manaus a senhora trabalhou?
R – Trabalhei. Trabalhei nas Lojas Brasileiras. Trabalhei na Mota Importadora...
P/2 – Não em escola, dando aula?
R – Trabalhei na Escola Adventista, antes de eu vir para cá para Juruti.
P/2 – Casou-se lá ou aqui?
R – Foi lá. Só que logo em seguida eu perdi o... A gente se separou, e logo depois ele morreu.
P/2 – Como foi que a senhora conheceu ele, e o que aconteceu?
R – Eu o conheci aqui em Juruti. Eu vim numas férias, e conheci aqui. Aí daqui a gente foi para lá. Que sempre eu vinha visitar minha família e voltava. Aí a gente foi para lá. Como ele bebia muito... É o pai do meu filho que tem trinta e dois anos. Este que é artista plástico. Aí, como ele bebia muito, fazia muito... Namorava muito. Arranjava. Aí eu disse que... Um dia eu cheguei com ele e conversei. Disse que era para ele procurar sair, ir embora. Porque eu não tinha escolhido... Aquela vida não era para mim. Porque eu também sou profissional, eu trabalhava como costureira também. E eu disse que eu não queria aquela vida para mim. Aí, foi o tempo que ele se afastou de mim. Ele foi embora e em seguida ele faleceu.
P/2 – Ele faleceu do que?
R – Cirrose hepática.
P/2 – Então ele bebia muito mesmo?
R – Bebia. E por sinal ainda deixou essa herança para o filho.
P/2 – É? O seu filho também bebe? Muito?
R – Ah, até que agora não muito, porque eu dou muito em cima dele. Diminuiu né, mas... E olha que ele viu tudo que aconteceu com o pai dele, que ele se lembra. Mas ele continua. Quando eu falo para ele. Ele fica calado, não fala nada. Aí bebe e fuma.
P/2 – E ele começou a beber muito novinho?
R – Com uns 17 anos. Muito novinho. E isso eu comento muito com ele. Eu digo: “Olha meu filho...” Ele é professor. Ele é formado também pelo SEBRAE. Ele tem curso de Arte Indígena. E eu digo para ele: “Olha meu filho, eu não vou dizer mais nada para ti. Não vou te chamar a atenção. Não vou dizer mais nada, porque tu sabes. Tu não és leigo. Tu sabes tudo que acontece. Que a pessoa que bebe e fuma, tu sabe o que vai acontecer contigo cedo.” E aí ele fica calado. Mas ele já diminuiu bastante. Do que ele era, do que ele fazia. E quando ele está fazendo. Quando ele está trabalhando, aí que ele fuma mesmo. Ele está para lá agora, que eles estão desmanchando as alegorias.
P/2 – Então a senhora casou, teve esse marido, separou e depois teve outro?
R – Tive a minha filha.
P/2 – Mas a senhora casou de novo, ou só teve...?
R – Não, não. Só a tive. A gente viveu junto, mas não cheguei a me casar com ele. Nem quis mais. Porque eu não dei sorte. (riso)
P/2 – Por quê? Esse bebia também?
R – Bebia também. (riso) Aí, eu digo: “Eu não dei sorte”. A única coisa que eu não dei sorte na vida foi para ter marido. Eu digo: “Eu vou acabar sozinha mesmo, deixa ficar só eu.” Aí, os meninos me chateiam lá no colégio e eu digo: “Ah, eu não quero ninguém, estou aposentada disso.” (riso) Eu não dei sorte. Aí, quando a minha filha estava com dois anos ele foi embora. Ela está agora com dezenove. Vai fazer, em julho, vinte anos. Só que ela já é casada, já tem um bebezinho...
P/1 – Posso voltar um pouquinho? Eu queria saber se quando você se formou no magistério seus pais estavam vivos ainda.
R – Estavam, todos os dois. A minha mãe e o meu pai. Só que meu pai, quando ele completou oitenta anos, ele ficou... Oitenta não, menos... Acho que uns setenta e cinco. Ele ficou quinze anos cego, meu pai. Ele morreu com oitenta e dois anos. Setenta e sete mais ou menos ele ficou cego. Ele teve glaucoma. Só que, devido a ele estar para cá para Juruti, quando ligaram para mim... Como na época. Eu estava estudando no Colégio Adventista mesmo. E tinha um médico lá que trabalhava no Exército, como médico. E eu conversei com ele. Ele disse: “Olha Aurecilia, se o seu pai vier para cá, eu dou toda assistência para ele. Levo-o para ver se ele consegue enxergar. Se ele ainda tiver ao menos a luz, enxergando a luz. Se ele já estiver na escuridão, não adianta que não vai ter jeito mais para ele.” E até a idade dele. E assim ele morreu.. Aí ele foi, mas não teve mais jeito. Ele cegou definitivo. Só o que melhorou nele foram as dores. Que quando ele veio de lá. Devido ao colírio que ele passou, ele não sentia dor. Porque ele sentia muita dor. E eu acho que isso é hereditário. A gente já sabe que é hereditário. Porque eu tenho um primo que está na mesma situação. Ele já está com problema em uma das vistas.
P/1 – Mas seu pai e sua mãe... Seu pai não viu você se formando, então?
R – Não, ele viu... O meu pai, ele soube só, ver não. Só minha mãe. Porque eu fiquei dez anos sem estudar. Ainda fiquei parada dez anos. Depois que eu resolvi voltar de novo a estudar.
P/2 _ Por que a senhora parou? Lá em Manaus?
R – Foi.
P/2 _ Por quê? O que aconteceu?
R _ Porque foi na época que eu tive o meu filho. Aí eu não liguei mais para o estudo. Aí eu fiquei criando o meu filho. Depois que eu resolvi voltar a estudar de novo.
P/1 – Nesse tempo que você trabalhou em vários lugares?
R – É. Foi nessa época que eu trabalhava. Logo que eu fui para lá, eu comecei a trabalhar também. Nas Lojas Brasileiras.
P/1 – O que você fazia lá?
R – Eu era caixa. Lá na Mota eu era escriturária.
P/1 – Você ficou dez anos lá na loja?
R – Não, nas Lojas Brasileiras eu fiquei uns cinco anos eu acho, mais ou menos. Porque até fiquei meio perdida. Que quando eu fui daqui para Belém, eu deixei as minhas coisas todinhas. Inclusive eu deixei a minha carteira, deixei meu certificado. Até a portaria do Estado como professor, tudo ficou aí. Entraram, levaram tudo, tudo. Não deixaram uma colher para mim. Tudo que eu tinha, levaram tudo. Só não levaram uma cama, não levaram... Lá na outra casa não levaram, a pia não levaram. O que deu para eles carregarem, eles carregaram. Cômoda. Eu tinha duas cômodas imensas e levaram as duas. E tudo o resto, tudo que eles foram... E estava fechado. Eles entraram e levaram, arrombaram. E nesse meio foram meus documentos todos.
P/2 – Mas deixa entender bem. A senhora estava em Manaus, ficou vinte anos em Manaus...
R – Aí eu vim para Juruti.
P/2 – Por quê?
R – Porque a minha família era daqui. Meus pais estavam vivos, velhinhos, e eu sentia necessidade de estar do lado deles. Aí eu resolvi vir embora. Quando... Eu vim passear, na realidade aqui. Quando eu cheguei aqui, me convidaram para eu trabalhar nessa escola, Américo Pereira Lima. E como papai e mamãe ainda estavam vivos, velhinhos, eu resolvi ficar. Para ficar do lado deles. E eles precisavam de mim também. Foi quando eu fiquei aqui em Juruti.
P/2 – Já tinha um filho? Dois?
R – Não, só com um. Só com o garoto. Depois que eu tive a minha filha. Ela nasceu em 1990. Eu já estava aqui. Eu vim em 1986 para cá para Juruti. Em 1986 eu cheguei em Juruti. Aí, desde lá eu luto pelo bem estar do povo de Juruti. Desde 1986 que eu entrei na Comissão de Direitos Humanos. Já fui inclusive para Salvador, representar Juruti. Belém. São Luís do Maranhão. Alguns congressos de Direitos Humanos eu frequentei, participei como delegada de Juruti. Desde 1986...
P/2 – O que faz a Comissão de Direitos Humanos?
R – Aqui, em Juruti, a gente luta pelo bem social das pessoas. Por exemplo, a moradia. Agora nós estamos lutando, porque nós temos bastante gente, tanto daqui como uns que estão chegando, que estão imigrando. Aí nós estamos lutando pela moradia, para esse pessoal. Nós já temos inscritas umas setenta e cinco pessoas que não tem terreno. Aí o que a gente faz? Vamos, perante o prefeito, reúne com ele, e nós vamos colocar essa situação: “Olha, são tantas pessoas que nós temos inscritas e que não têm moradia.” Aí a gente vai ver se consegue a moradia para essas pessoas, ou ao menos terreno. Tendo terreno eles já vão fazendo a casa deles. Na época que foi colocada a tribo. Desde 1986 eu faço parte da Comissão de Direitos Humanos, e também do SINTEP que é o Sindicato dos Professores de Belém. Desde essa época eu luto pelo bem social da cidade. Tanto que quando... Antes do Plano Real. Antes da URV. Quando era no tempo do Cruzeiro ainda, aqui era muito caro. Aqui nunca foi barato, sempre foram caras as coisas. Não é agora porque tem a Alcoa que é caro Juruti. Sempre foi caro. E eu fui em Parintins...
(TROCA DE FITA)
P/1 – Desculpe, a gente te interrompeu. Você estava contando que foi para Parintins...
R – No Plano Cruzeiro, que era Cruzeiro aqui no Brasil. Então quando eu vi que havia necessidade da gente fazer compra fora daqui de Juruti, porque aqui era muito caro. Nós fomos a Parintins e eu abri duas contas lá, uma para mim e para a minha colega, no Supermercado Varanda. Porque eu tinha na época lá meu primo e a minha prima que trabalhava no Banco da Amazônia. E eles foram meus avalistas para abrir as duas contas lá. E a gente comprava. Eu levava cinqüenta funcionários aqui de Juruti, tanto da Prefeitura como do Estado. E ela levava, a minha colega, mais cinqüenta. E a gente fazia a compra de tudo, no supermercado e na loja de ferragens. Material de construção. Então teve muitas pessoas aqui de Juruti que construíram casas.
P/2 – Tudo comprando lá?
R – Comprando em Parintins.
P/2 _ Trazia como?
R _ Trazia no barco. A gente fretava barco. Eu fretava um barco e ela fretava outro. E a gente trazia as coisas tudo de lá.
P/2 – Era tão mais barato assim?
R – Era. Compensava para nós. Aí depois que entrou a URV, o Cruzado, aí não deu mais para a gente fazer essa compra lá, porque já estava à inflação, como é que se diz, estava igualada. Tanto lá como aqui, não fazia diferença nenhuma.
P/1 – Isso foi em 1986, mais ou menos?
R – É. Mais ou menos 1987, por aí. 1988.
P/1 – Você estava morando com seus pais aqui ou tinha uma casa sua?
R – Não, eu tinha a minha casa. Os meus pais já moravam do lado e eu morava do lado deles, lá na Paes de Andrade. Lá no centro da cidade.
P/1 – Aí foi quando você teve a segunda filha sua? Foi nessa época já?
R – Já morava lá. Em 1990 eu tive a minha filha. O pai dela é de lá de Parintins.
P/2 – Hum
P/1 – Você conheceu nesses...?
R – É.
P/2 – E nessa época já tinha chegado aqui essa Alcoa, a Camargo Corrêa?
R – Não. Nenhuma. Em 1995 já se falava que vinha esse projeto para Juruti. Em 1995. Mas ainda não tinha chegado para cá esse projeto, parece que ele chegou em 2003. Eu já estava em Belém.
P/2 – Aí a senhora saiu daqui e foi para Belém?
R – Fui para Belém. Por que eu fui daqui para Belém? Porque eu tenho, na minha garganta, uma fenda paralela. Aí, como eu dava aula de manhã, de tarde e de noite. E aos feriados, sábados e domingos eu fazia palestra no interior, de conscientização do meio ambiente, pela Comissão de Direitos Humanos. A gente ia nesses interiores fazer esse trabalho. Que, por sinal, dia dois agora nós vamos para uma comunidade aqui, Diamantina. E como eu sempre gostei dessas coisas, eu ia e fazia palestra. Devido eu falar muito. Mal falado, né, porque a gente tem que ir sempre ao fonoaudiólogo para ele orientar como falar. Só que eu não sabia falar. Apareceram as duas fendas paralelas, tanto de um lado como do outro. E aí eu fui para Belém, que eu não conseguia mais falar. Por exemplo, eu dava aula de manhã, à tarde e à noite. De manhã tudo bem. A tarde já estava meio rouca e a noite não saía mais a voz. Aí eu viajei para Belém para fazer todo o tratamento. Só que eles me readaptaram provisória. Aí eu não podia mais voltar para Juruti, porque eu tinha que estar no acompanhamento do fonoaudiólogo. Eu tinha que fazer esse acompanhamento. E como eu sou funcionária do Estado, eu tinha que também estar passando na perícia, praticamente de seis em seis meses.
P/2 - Aí a senhora ficou lá?
R _ Aí, eu estava de licença médica de seis meses. Que até hoje eu tenho um sobrinho que me chateia. Ele diz que a única funcionária pública que foi pedir para voltar a trabalhar. Aí, como eu estava de licença, seis meses já, eu fui à SEDUC e disse que não queria aquela vida para mim. Que não fazia meu gênero eu estar só recebendo, sem trabalhar. Que eu tinha as minhas mãos e pés tudo bons, então eu queria voltar a trabalhar. Embora não fosse à sala de aula, que eu não podia mais. Mas eu tinha que retornar ao trabalho de outra forma, mas eu tinha que retornar. Aí a assistente social disse para mim: “Olhe, professora, eu vou lhe readaptar. É a única possibilidade que tem. A senhora não vai mais para a sala de aula, porque a senhora não pode. Mas a senhora vai trabalhar na secretaria.” Aí eu disse: “Está bom, tudo bem.” Aí ela me mandou ir ao fono e ao otorrino, para dar encaminhamento para a perícia. Chegou lá na perícia, eles me readaptaram. Só que não era definitiva. Eu tinha que estar sempre nesse acompanhamento. Aí foi que eu pedi a minha transferência, porque eu tinha que estar lá ao lado do médico. Quando foi ano retrasado, em 2008, eu fui readaptada definitiva, que eu não pude mais retornar em sala de aula. Nem com o tratamento. Tudo que eu fiz acompanhamento do fono e do otorrino, não tinha mais condições. Porque além da fenda paralela, eu tenho problema também na tireóide. Ainda tenho a alergia na faringe. Aí não teve mesmo condições de voltar para a sala de aula. Porque tem o giz, tem a poeira do chão. Aí eu disse: “Já que eu fui readaptada definitiva, eu não tenho mais por que ficar aqui em Belém.” Até porque lá em Belém alaga muito. (riso) Tudo isso me fazia mal. A escola que eu trabalhava. Para eu sair de lá, tinha que sair do meio da lama, às vezes até aqui no meu joelho. Tudo isso me fazia mal. Aí doía a minha cabeça. Eu digo: “Não.” Aí foi quando eu vim para Juruti, conversando com eles. Depois de oito anos eu voltei a ver o Festival de Juruti. Eu ainda não consegui ver a apresentação. Nunca consegui. Porque eu vim para ver em 2008. Colocaram-me dentro da quadra. E eu não vejo nada dentro da quadra. Tinha que estar lá em cima, no camarote, para eu poder apreciar de lá, assistir. Então eu ainda não consegui, gente. Há quinze anos. Nós vamos, esse ano de 2010 é dezesseis anos que a gente vai apresentar e eu ainda não consegui ver o Festival.
P/1 – Eu queria entender um pouco dessa história então. Como é que você fundou, então... Você estava entre Belém e Manaus, Juruti? Como é que você tem essa idéia de fundar o...?
R – O Festival? Por que... Foi assim. Devido eu já ter esse conhecimento... Eu fazia dança. Sempre fiz quadrilha, dança negra. Essas coisas sempre eu fazia na escola, no Américo Pereira Lima, no qual eu trabalhava. Eu era professora de Redação, professora de Religião, professora de Arte. Eu lecionava essas três matérias. E aí eu tive que fazer as festa junina, para angariar fundos, para a gente ter dinheiro na escola. E sempre eu era coordenadora dessa festa junina. Eu fiz o Festival Estudantil. O Festival Estudantil da escola, ele tinha uma narração. Em cima da narração a gente formava uma música, fazia coreografia, e fazia uma apresentação. Em cima do tema que a gente escolhia para o Festival Estudantil que era só na escola. Aí dentro desse Festival Estudantil, eles fizeram uma dança indígena, que era dança do fogo. Dentro desse Festival Estudantil. Aí todo mundo gostou dessa dança do fogo e pediu para a gente apresentar nas festas que tinha aqui. Por exemplo, na festa religiosa, que é dia 2 de julho. Aí nós trouxemos a dança do fogo para apresentar para todo mundo ver, na frente aí da igreja. Aí eles gostaram da dança do fogo. Tanto que surgiu o Mundurucus primeiro do que nós. Eu falei que a gente podia formar uma tribo indígena. Fazer uma tribo indígena. Só que o Mundurucu se adiantou. E se formaram os Mundurucus. E a gente não fez mais nada. Eu digo: “Tá, não vou fazer mais nada.” Aí quando nós fizemos uma festa junina, depois de dois anos deles se apresentando... Eles apresentavam uma dança que tinha o nome de “Ou vai ou racha”, que disputava com eles. Só que esse “Ou vai ou racha” era ali de perto de onde a gente morava. A fundadora do “Ou vai ou racha” é a secretária de saúde, a doutora Márcia. Márcia Cunha. Ela que era fundadora do “Ou vai ou racha”. Então foi ela que colocou. Aí eu, conversando com os alunos na sala, eu disse: “Olha, nós temos um desafio aqui. Nós temos que fazer uma festa junina para angariar fundos”. Qual é o meu objetivo? Eu coloquei para os alunos, era de sétima e oitava série, os alunos maiores: “Como eu não sei se sou só eu que estou sofrendo alergia do piso da sala de aula, mas eu acho que não sou só eu. Eu já vi muitos na sala de aula que começam a se sentir mal. Nós vamos ter que fazer essa festa junina para angariar fundos para a gente conseguir colocar lajotas na sala de aula”. Aí eu conversei com a diretora, ela me autorizou: “Ah, tu faz aí o que tu quiseres.” Eu falei: “Ah, está bom.” Aí eu voltei lá com eles e eles disseram: “Ah, quadrilha a gente não quer mais.” Aí eu disse: “Que tal a gente fazer uma tribo indígena? Nós tivemos muitos habitantes daqui de Juruti, que passaram por aqui. Tribos indígenas, troncos. E a gente vai pesquisar”. Porque a tribo que eu queria já tem. Que é a Mundurucus. Que é a nossa, formada pelo nosso povo. Mas a gente vai pesquisar. A gente foi lá para o lado do Juruti Velho, pesquisar para lá. Eles me contaram os antepassados, que houve esse tronco que passou lá, que foi a tribo Muirapinima. Tanto que ela não é registrada na FUNAI. Porque eles brigaram com os Mundurucus daqui, e se distanciaram para lá. Para lá, devido a ter muita árvore Muirapinima, eles se autodenominaram Muirapinima.
P/2 – Então os alunos elegeram fazer uma tribo, vocês foram fazer a pesquisa. E aí?
R – Aí nós fomos fazer a pesquisa lá no Juruti Velho. Hoje Vila Muirapinima. Que lá é Vila Muirapinima. O Lago que é Juruti Velho. E lá a gente fez a pesquisa com os antigos e eles nos contaram toda essa história. Inclusive eles me levaram com os descendentes Muirapinima lá para dentro. A gente foi entrando na comunidade, depois da Vila, a gente foi embora fazer a pesquisa. Quando nós voltamos de lá, já com toda a história montada...
P/2 – Que história que vocês levantaram?
R – Se existiu essa tribo, como era, contamos toda essa história. Como eram os costumes deles, o que eles faziam. E viemos embora, e formamos a tribo Muirapinima, colocamos nome. Aí, como eu gosto muito de azul e vermelho, eu digo: “Ah, vamos colocar azul e vermelho. Vocês concordam?” “Concordamos.” Aí a gente concordou que fosse azul e vermelho. Aí, como tinha um problema na época, tinha uma briga. Que aqui eles chamavam galera. Mas a gente que tem conhecimento, a gente sabe que era gangue mesmo. Eles se encontravam para brigar lá na praça.
P/2 – Quem?
R – Rapazes mesmo. Adolescentes contra adolescentes. E aí eles falavam que aqueles grupos iam brigar lá na praça. Aí, naquela época, não tinha quase muro, era só mesmo estaca no quintal. E eles tiravam todas as estacas daqueles quintais lá para brigar. E o tesada aquele tesado grandão, eles pegavam e passavam na praça que chegava a fazer aquele barulho. E eu tinha que passar lá na praça, porque eu morava do outro lado da praça. Eu tinha que passar lá de um jeito ou de outro. E aí eu disse: “Sabe de uma coisa? Vamos convidar todos esses galerosos”, que era assim que eles falavam. “Vamos convidar os galerosos para entrar na tribo Muirapinima”. E aí a gente mandou, eu e outra que me ajudava. Ela era minha aluna, mas ela já era bem adulta. E ela dizia: “É mesmo professora, eu conheço os meninos dessas galeras. Vamos embora convidar.” E ela se incumbiu de convidar o pessoal. Aí eu sei que uma era denominada Rato. A outra era Buraco Fundo. A outra era Caerão. E a outra era... Não estou lembrada agora qual era a outra. Eu sei que eram diversas. A gente reuniu lá na tribo Muirapinima. E eles foram me ajudar a fazer os adereços, essa coisa toda. Mas isso quando nós resolvemos já disputar mesmo com a tribo Mundurucu. Que aí nós resolvemos. O secretário de Cultura da época quando viu a nossa apresentação na escola... Que nós fizemos a nossa apresentação na escola. Nós conseguimos na época três mil reais na entrada. E com a venda das iguarias nós conseguimos mais uns quinhentos reais. Porque pagava todo mundo. Pagava os pais. Pagava os alunos e pagava as crianças.
P/2 – Pagava pela apresentação?
R – Para entrar lá e assistir. Que a gente queria o dinheiro para comprar a lajota. E eu fui de sala em sala, conscientizando. Fiz reunião com os pais. Fiz mesmo uma propaganda bonita para a gente angariar o fundo, senão a gente não ia angariar. E a gente conseguiu colocar a lajota na sala de aula.
P/2 – Com três mil e quinhentos reais?
R – Três mil e quinhentos reais na época. Só que o prefeito deu a mão de obra. Deu o cimento e a areia, nós só compramos a lajota. Eram oito salas. A gente comprou a lajota para oito salas de aula. E aí, quando ele viu a nossa apresentação, o secretário, ele foi me convidar para entrar no Festival para disputar com a tribo Mundurucu.
P/2 – Já tinha o Festival na época?
R – Era, mas era interior, era um bocado de... Era misturado tudo. Aí peguei, disse para ele que não. Que era muito trabalho. Eram as minhas férias, e eu tinha que gozar minhas férias. E aí eu não ia ter férias, e tal. Falei que era a maior dificuldade. Só que os alunos se reuniram e foram lá comigo. E “Não, professora, a gente quer. Vamos disputar com os Mundurucus.” E meteram corda, sabe? Aí eu disse: “Ai, será que eu vou mesmo entrar nessa?” “Não, a gente vai, a gente ajuda”, e tudo. Aí foi quando a gente convidou esse pessoal para ajudar.
P/2 – Os galerosos?
R – É. Aí eles foram lá para o quintal de casa. Que o quintal da minha casa era grande também. Era dez de frente por cinqüenta de fundo. Tinha umas mangueiras, fruteiras, dava sombra bacana lá. E eles foram lá para o quintal de casa fazer. Aí eu peguei o meu dinheiro tudo das férias. Tirei uma parte da minha poupança e coloquei na tribo Muirapinima para fazer... Fui a Manaus comprar o material, para poder a gente ir para o Festival com a outra tribo disputar.
P/2 – E como é que foi todo o trabalho? O que a senhora teve que fazer?
R – Aí eles foram para o quintal de casa, os alunos. Aí eu fui fazer a narração, o tema que ia colocar. Na época era só eu mesmo que tinha a cabeça, que era a cabeça. Os alunos, se eu dissesse “Faz isso”, eles faziam. Aí a gente foi fazendo. Tanto que até hoje não foi mudado nada desde a época que eu coloquei.
P/2 – Mas espera aí, aí a senhora decidiu a narração? Como foi que a senhora decidiu o tema?
R – Era Tradição e Cultura.
P/2 – Esse era o tema?
R – Esse era o tema. Aí, em cima do tema. A gente contava assim, por exemplo, nós entrávamos... Entrava o nosso tuxaua. Até hoje a apresentação da tribo é assim. Aí ele convida diversas tribos para fazer parte daquela festa. Assim como uma boa vizinhança. Ele convida as tribos para fazer parte daquela festa. Aí conforme as tribos vão entrando, a gente coloca o nome de uma tribo, por exemplo: “Assurini”. Aí a gente vai ver como os índios Assurinis se vestiam. Como é a festa deles. Faz um historicozinho dos índios Assurinis, como eles eram. E assim a gente colocou diversas tribos. E tentava adaptar o vestuário deles igual como eles se vestem lá na tribo original. E vai fazendo. Eu pesquisava muito. Eu tenho coleções e mais coleções de livros, então eu tinha tudo. Aí nós fizemos tudo assim, baseado mesmo na história original. E o que a gente usava, assim, como fogo... Por exemplo, na hora que o pajé, Tuxaua estava fazendo, junto com o pajé. Quando eles estavam fazendo ritual, eu colocava pólvora. E ele pegava a tocha. Tocha mesmo que eles faziam e colocava e a pólvora subia. Fazia aquela fumaça. E a gente fazia aquele redondo assim. Jogava a pólvora e fazia o ritual dentro da roda de fogo. Acendia o fogo e saía àquela fumaça. Então nós fizemos tudo bem original. E a gente se apresentou. Fomos para fazer com coco, música e o tambor. Nós utilizamos o tambor lá da escola. E a gente formou o cântico tribal. Nós fizemos baseados, por exemplo, naquelas músicas de umbanda. Em cima daquelas músicas de umbanda a gente fez a música nossa. Metendo carimbó, que ele é original do Pará. E nós fizemos baseados com a música do carimbó. E colocamos letra. Então ficou uma coisa bonita.
P/2 – No ritmo do carimbó?
R – Ficou no ritmo do carimbó. Ficou uma coisa bonita. Tanto que as nossas primeiras músicas tudo era no ritmo de carimbó. Depois que eles começaram a modificar.
P/2 – E a letra? A senhora lembra a primeira letra?
R – As letras, elas são criadas aqui.
P/2 – Como é que era a letra?
R – Olha. Eu só não tenho agora porque veio um pessoal da Cultura de Belém. Eu tinha todinho no CD, que o menino passou para mim. Só que eles levaram meu CD. Porque ele ia trabalhar... Que estava riscado, então ele ia trabalhar. Fazer um trabalho para tirar o riscado.
P/2 – Mas a senhora não se lembra de cabeça a primeira letra?
R – Mais ou menos.
P/2 – Como era?
R – Não estou bem lembrada. É o Sandro que sabe. Que o Sandro era o meu coreógrafo, Sandro Silva. Ele tem um estúdio aqui em Juruti. A gravação do nosso CD é feita aqui mesmo em Juruti, no estúdio de um dos criadores da tribo. Que era meu coreógrafo.
P/1 – Onde que foi a primeira festa?
R – Foi na quadra, lá na frente da igreja. Não existe mais essa quadra. É lá onde é aquele parquinho, que tem.
P/2 – Mas aí o Festival vocês ganharam ou perderam?
R – Não. Que geralmente. Eles tiraram de nós o título sabe? Só que nós entramos no primeiro mesmo sem condições da gente ganhar, porque eles estavam dois anos na nossa frente. Até porque eles tinham dinheiro, nós éramos pobres. Eles diziam que eu era pobre, então eu não tinha condição... Eles gozavam muito de mim, eles me chamavam de doida. Eu passei até como doida. A minha sobrinha, essa que é a secretária de... Que é a nossa vice-diretora, ela fazia faculdade em Santarém na época. E quando ela chegou de lá, a mãe dela disse: “Minha filha...” E o meu filho estudava em Santarém também. “Minha filha, tua tia endoidou agora. Agora ela está doida mesmo.” A minha irmã. Aí ela: “Mas o que foi mamãe?” “Olha, tu acredita que ela não fez uma tribo indígena para disputar com os Mundurucus?” E o “Ou vai ou racha” era só gente que tinha dinheiro que disputava com eles. E aí, a minha sobrinha disse: “Não me diga, mamãe?” “É verdade. E isso não é o maior. Ela convidou um monte de galeroso, que não sai lá do quintal da casa dela”. E eu não parava em casa, eu só fazia trancar o meu quarto. A cozinha, eu deixava tudo à disposição deles. Dizia: “Vocês podem comer o que tiver por aí, vão fazendo a comida. Eu só quero que vocês deixem limpa a minha cozinha”. Era assim que eu dizia para eles. E eles tomavam conta direitinho. Todo dia eles colocavam um para fazer comida. Eles ficaram lá trabalhando.
P/2 – E eles ajudaram muito?
R – Ajudaram. Ah, se não fosse eles, a gente nem tinha ido para lá.
P/2 – E eles estão até hoje na...?
R – Olha, tem... As cabeças mesmo estão. Que sou eu, o Sandro Silva, o Canané. São todos professores. Que fundaram junto comigo. O outro menino também que entrou, também está. Eu acho que são só esses quatro. O resto é tudo novato. Que entraram já depois.
P/2 – O que aconteceu com eles?
R – Eles saíram. Uns casaram, foram embora. Outra foi embora para Santarém. Outros viajaram. Aí foram saindo. Ficamos só nós quatro que está até agora. Eu já tinha saído, voltei de novo.
P/1 – Aí depois por que você resolveu continuar? Você não queria no começo, depois aceitou?
R – Porque eles insistiram. Aí eu resolvi. Aí nós saímos no primeiro ano. Aí no segundo ano já estavam convidando a gente. A gente já tinha obrigação de se apresentar. Aí no terceiro ano que nós conseguimos no Tribódromo, esse que é Universo Mundurucu. E esse que nós temos muita história. Nós invadimos uma escola que foi abandonada, que era a nossa cara. Que agora está lá desprezada, que a gente está tentando...
P/2 – Para ensaiar?
R – É. Não deu para a gente ensaiar lá. Que já está muito grande a tribo, não deu mais. Agora a gente está sem local para ensaiar. Nós estamos ensaiando lá no Tribódromo. Lá que nós estamos ensaiando a tribo Muirapinima.
P/2 – E o ensaio como é que é? É todo dia?
R – No mês de julho, todos os dias. No mês de julho.
P/2 – Isso é grande parte da sua vida, né? Fazer a fantasia, por exemplo?
R – Não, porque hoje não. Nós temos uma equipe, hoje. Porque naquela época era só eu que era “faz tudo”. Mas agora não. Eu levei seis anos no “faz tudo”, quase só eu que fazia tudo. Hoje não. Como já está grande, quem está trabalhando são as diretorias. Aí, no meu caso, a minha diretoria é a Diretoria de Arte. Que eu sou a diretora de arte. Aí como eu tenho a obrigação de apresentar o Festival, que é a única coisa que está mais... Que nós somos uma associação, mas o que mais batalha, trabalha, é só mesmo para o Festival. Que o meu objetivo hoje, a gente não está dando conta do... Qual era o meu objetivo? Era formar uma escola de arte. Inclusive eu já fui para dois... Para conferência. E para a estadual também. Para ver se a gente consegue essa escola de arte, profissionalizante. Até para os nossos sócios, filhos dos nossos sócios. Dos brincantes participarem dessa escola de arte. Porque a tribo, ela tem a Estrela Juba. A Estrela Juba são quarenta bailarinos que nós temos, que fazem a apresentação de palco. E é belíssima a apresentação. Gente, vocês não podem imaginar o que eles aprontam. Se vocês virem à apresentação, vocês acham que vocês não estão em Juruti. É verdade. Eu em 2008, quando eu cheguei, porque quando eu fui estava menor. A coreógrafa, ela era minha aluna. Hoje ela já é vereadora daqui da nossa cidade. Hoje ela já ensinou para diversos. Então hoje ela tem alunos que já trabalham como coreógrafos. Nós já temos os bailarinos como artistas plásticos, que fazem já a roupa dos bailarinos. Então está uma loucura. Então, quando foi em 2008, que eu vi. Eu me emocionei muito de ver o tamanho que está o Festival. E o que eles apresentam. Eles foram a Belém. Eles já foram a São Paulo.
P/2 – Se apresentar?
R – Se apresentaram. Agora eu não sei lhe dizer onde foi que eles se apresentaram, porque eu não fui. Eu já não estava aqui em Juruti. Mas eles se apresentaram. As duas tribos se apresentaram em São Paulo.
P/1 – Eu queria entender um pouco, Aurecilia, esse histórico do Festival. Como é que surge o Tribódromo, como é que vai crescendo. Um pouco, ano a ano, o que vai incentivando ele...?
R – Olha. Houve a necessidade de fazer o Tribódromo, porque já estava pequeno na quadra. Aí foi feito o primeiro, que é lá onde está o Universo Mundurucu. Lá já estava o nome mesmo Tribódromo. Aí não comportou mais a quantidade de gente que vem. Então é pequeno. Não tinha estacionamento, não tinha nada, porque ali é pequeno. Aí a gente conseguiu, ainda foi no meu tempo, nós conseguimos através da Associação dos Municípios da Calha Norte. E dos deputados, que era o Priante. Deputado Priante e deputado Paulo Rocha, do PT. Um do PT, outro do PMDB. Aí eles entraram com uma emenda parlamentar, no governo federal. Eles entraram... Parece que tem uma cota de deputado, para a cidade. Então, como eles tiveram bastantes votos aqui em Juruti. E como tinha essa solicitação nossa, eles resolveram fazer o Tribódromo aqui em Juruti. Só que o projeto que nós tínhamos visto na época, eu e o outro presidente... Porque na realidade quem carregavam eles para lá e para cá era eu. Se organizar como uma associação. Fui eu que levei para organizar como uma associação. Para a gente fazer nosso estatuto, tirar nosso CNPJ tudo fui eu. Tanto que, até hoje, entrou presidente na tribo Muirapinima, saiu presidente, eu continuo a ser a presidente oficial da tribo Muirapinima. Porque eles nunca tiraram o meu nome do CNPJ, da Receita Federal. Lá na Receita Federal, a presidente da tribo Muirapinima continua ser eu.
P/1 – Eu queria entender o que mudou no Festival com a chegada da Camargo Corrêa, das empresas?
R – Olha. No caso da Alcoa. Ela fazia uma doação, porque ela fazia uma mídia no exterior muito forte em cima das tribos. Inclusive ela colocava que quem fazia o Festival das tribos de Juruti era a Alcoa. E quando foi em 2008, eles conseguiram um patrocínio de cinqüenta mil reais. Em 2008. As duas tribos, cinqüenta para cada uma. Quando foi o ano passado, em 2009, eles já diminuíram o patrocínio. Eles queriam nos doar como patrocínio quarenta mil. E aí eu disse: “Gente, nós não estamos pedindo esmola de ninguém. Principalmente da Alcoa.” Porque nós temos gente lá fora, que nos informam o que está acontecendo lá fora. Inclusive tinha uma revista. Eles mandaram para nós essa revista, que lá eles diziam que eles tinham feito o Festival de Juruti. E não era. A Prefeitura que fazia. Aí eu disse: “Vamos devolver esses quarenta mil para eles. A gente não aceita o patrocínio deles.” Aí nós nos reunimos com a outra tribo, e eu falei para eles: “Olha, gente, por mim a gente devolve. Eu não sou a presidente, apenas sou a diretora de arte. Mas por mim a gente devolve para a Alcoa esse dinheiro.” Aí eles entraram na minha. “É, realmente, a gente vai devolver.” Aí nós fomos fazer a documentação, dizendo para eles que a gente não aceitava esse patrocínio que eles querem nos dar. Aí a gente fez a documentação. E lá na documentação estava eu e mais dois professores, que é o professor Válber, que é o nosso historiador e o nosso folclorista, e outro professor. Historiador também. Aí, lá na hora que a gente estava fazendo o documento... Nós já tínhamos o rascunho dos dois presidentes da tribo... E eles me perguntaram: “Quanto à gente estipula aqui que a gente aceita?” Eu disse: “Cem mil para cada tribo. Aí eles podem divulgar o nosso nome.” E lá a gente os proibia da divulgação, de qualquer coisa que envolvesse o Festribal. E colocamos lá que a gente só aceitava se fossem cem mil para cada tribo. E eles nos deram cem mil para cada tribo. Depois eles mandaram o documento, confirmando o patrocínio de cem mil para cada.
P/1 – E aí o que mudou...?
R – Aí também nós tivemos o patrocínio do governo do Estado. Que a gente conseguiu também uma emenda parlamentar. E desde o inicio da tribo, a gente sempre teve o Governo do Estado nos patrocinando. Só que era pouco. Eram cinco mil, cinco para cada. Dez mil ao todo. Era com o que a gente fazia o Festival naquela época. E aqui em Juruti era bem pouquinho que a gente conseguia da Prefeitura. Não era como hoje. O prefeito atual, ele banca todo o Festival. Muito grande.
P/2 – O Festival cresceu muito.
R – Cresceu muito. Muito, muito, muito. Uma loucura.
P/1 – Quantas pessoas em cada tribo, a senhora sabe?
R – Quantas pessoas? Olha, a tribo Muirapinima ela tem dez, doze tribos de arena. Não, são dez tribos de arena. Ela tem doze tribos, mais ou menos, no total geral. Cada tribo tem vinte componentes. Então dá duzentas e quarenta pessoas, só para compor as tribos. Fora quem trabalha. Fora os artistas. A gente tem mais ou menos envolvida, quase umas quinhentas pessoas, eu acho. Só para empurrar a alegoria nós temos cinqüenta pessoas. Só para empurrar a alegoria são cinqüenta.
(TROCA DE FITA)
P/2 – Então, agora que está tão grande qual é o seu maior sonho? Onde a senhora acha que tem que chegar a tribo?
R – O meu maior sonho é o que eu falei para vocês. Que a gente possa conseguir essa escola de arte, para os próprios jurutienses. Para a gente não buscar mão de obra fora de Juruti.
P/2 – Porque agora vocês estão buscando mão de obra fora de Juruti?
R – A gente continua ainda buscando mão de obra.
P/2 – Aonde vocês buscam?
R – Lá em Parintins. Porque quem vem confeccionar as nossas alegorias. Eles não vêm fazer desenho. Eles não vêm fazer nada. Tudo a gente já dá desenhado para eles. As nossas idéias, tudo, a gente já dá como a gente quer. Só que para confeccionar ainda são eles. Só que o povo de Parintins. Eles não têm ainda o principal, que é um engenheiro arquiteto. Eles não têm ainda esse profissional, que é aquele que faz tudo na escala. Esse profissional nós temos, no Estado do Pará. Nós temos três profissionais só em todo o Estado do Pará. Inclusive um eu conheço, que é o Claudio Rego. Que também parece que ele faz todo... Para onde ele é chamado ele vai. Parece que ele foi fazer o carnaval ano passado, em Tucuruí. Sempre ele vai fazer. Esse ano ele estava fazendo em Belém. Eu o conheço, o Claudio Rego. Ele é arquiteto, e ele faz tudo. As alegorias, tudo. Porque esse profissional para nós, eu acho muito importante. Pelo desperdício do material. Principalmente do ferro, que a gente usa muito ferro. Ter esse profissional, para nós, poupa o desperdício de material. E outra coisa. Nós não temos galpões. As tribos não têm galpão. Isso para mim é essencial, a gente ter um local também para os nossos ensaios. Que a gente não tem. Tem que ser um local bem grande. Porque tem que ter estacionamento, tem que ter um bocado de coisa. Até lá não está comportando. A área de alimentação não é mais área de alimentação, porque as alegorias tomam o local. E está dificultando nosso trabalho lá, porque nós estamos carregando alegoria no meio do povo que está vendendo. É uma loucura. Só se vocês vissem como é. Então está complicado. E por que escola profissionalizante? Porque é para profissionalizar tanto os nossos jurutienses, para trabalharem no Festival, e também para aproveitar o material. Para aproveitar. Que tem muita coisa que a gente poderia fazer que a gente joga praticamente no lixo. Placas de alvenaria, por exemplo, para fazer quintal. Aquelas placas para fazer cerca, aquelas pré-moldadas. A gente poderia aproveitar para fazer. Porque nós temos muito ferro que no final vai tudo para o lixo. São tiradas três quatro caçambas, cheias de lixo, para jogar no lixão. Só de ferro, que poderia ser aproveitado. Então, a minha maior vontade. Eu já até falei lá no congresso, na conferência. Em todas as conferências que eu fui aqui eu falo sobre isso. Que era um objetivo do... Inclusive, a nossa associação é Associação Folclórica Cultural e Recreativa. E nós estamos agora bitolados só no Festribal. As outras áreas basicamente a gente não está fazendo nada, quando deveria fazer. Porque foi o objetivo da tribo foi esse. Trabalhar pelo social. Das duas, foi esse o objetivo das duas.
P/1 – Eu vou fazer a última pergunta para você, que é o que você achou de contar para a gente a sua história?
R – O que eu achei? Porque, na realidade, foi boa. Porque foi em 1997 ou 1996... Não, 1997 ou 1998 que nós tivemos um tema, que foi “Uma viagem na Amazônia”. Esse tema foi feito em minha homenagem. Foi à viagem minha, essa viagem que eu fiz agora. Então naquela época eu fui homenageada. Eu saí, foi a única vez. Que eu até falei para vocês que eu nunca tinha saído. Mas eu saí. Eu saí sem dançar. Que eu ia à frente da igreja, e puxei a porta estandarte. A rainha do folclore, na hora de dentro da igreja. Ela saía de dentro da igreja, e eu puxei. Foi a única vez. Depois me perguntaram o que eu estava fazendo lá, e eu disse que eu estava fazendo... Que eu era beata, por isso que eu estava lá dentro da igreja. (riso) Quando eles me perguntavam o que eu estava fazendo lá. “Eu era beata, por isso que eu saí.” Mas foi essa viagem. Porque na hora lá eles fizeram o barco, que eu ia lá realmente fazendo a viagem de barco. Só que eles fizeram sem fundo o barco. E na hora eu não quis subir de jeito nenhum. Aí eles improvisaram e me colocaram na frente da igreja. Que na realidade era para eu ir no barco. Aí eu vim na porta da igreja. E eu não tinha contado para ninguém essa história assim, sabe? Desde lá, como é que foi a minha vida. Porque eu estava reservando o meu livro que eu quero escrever. (riso) Eu quero escrever um livro. Que além de eu fazer todo esse trabalho, eu gosto de fazer poema, com rima. Eu gosto da natureza. Eu gosto das árvores, dos animais. Aqui em casa eu tenho... O que me dão de presente. Até um jabuti me deram de presente, está ali, o jabutizinho. Está lá naquele cercado. Esse cachorrinho que eu tenho aqui em casa também me deram, lá em Belém. Eu trago ele desde Belém. Então eu gosto dessas coisas. Da natureza mesmo, de cheirar o mato. Vocês não me encontram por aí em festa nem comemoração de nada, porque eu não gosto disso. Eu não vou. Eu só vou para o trabalho, do trabalho para cá. Aí aqui em casa eu faço as minhas pesquisas, aí ligo... Que eu tenho um notebook, computador, aí ligo. Faço minhas pesquisas na internet. De lá eu imprimo. Eu tenho de todas as tribos do Brasil. (riso) Estão em apostila. Agora não gosto. Aí o pessoal diz assim para mim: “Mas poxa, faz tempo que eu não e vejo” Eu digo: “Ah, eu estou lá em casa. Se tu fores lá, tu me vês.” É só daqui assim, quando tem reunião para o interior, que eu vou com o pessoal de direitos humanos. Mas eu não sou chegada a comemorações não. Nem negócio de festa, aniversário, meus filhos dizem assim: “Mas mamãe não vem em aniversário” (riso) “Ela não acostumou a gente a fazer aniversário” Eles dizem. Porque eu não sou chegada mesmo a isso. Aí, eu gostei muito porque eu ainda não tinha contado. Eu geralmente, quando vêm fazer entrevista comigo. Que eu dou muita entrevista. Desde 1999, mais ou menos, para cá eu já comecei a dar entrevista. Mas não contando assim a minha vida. É mais da tribo. Como foi que começou o trabalho aqui. Eu tenho um amigo, que também é nosso compositor. Ele me convidou. E ele disse: “Aurecilia, qualquer dia eu vou te levar para participar do meu filme.” Que ele faz na Amazônia. Ele faz filme. Tem um hotel que fica em frente de Parintins. O hotel dele é cinco estrelas, hoje ele tem 40 suítes. E ele está alugado para holandeses, que estão fazendo um filme lá. E ele começou na nossa tribo também, em 1986, fazendo nossas músicas. E ele diz que ele agradece tudo que ele tem e o que ele é hoje à tribo Muirapinima. Esse também que tem o estúdio, ele diz para mim: “Olha, eu lhe agradeço muito, professora, que a senhora me ralhava.” Que eles gostavam de beber cerveja e eu dizia: “Olha, parem de beber, pensem no futuro de vocês.” E aí falava para eles. E eles dizem todos os dois, que são professores, que trabalharam comigo, eles dizem para mim: “A gente agradece muito a senhora, professora, tudo que a senhora falava para nós.” Eu digo: “Pois é.” Então foi muito importante contar a minha vida. O que eu fiz pelo povo de Juruti. Desses rapazes que praticamente estavam jogados, viciados em drogas, tem hoje bastantes rapazes que estão trabalhando. Tem um que ele ficou, de tanto usar drogas, ele ficou com seqüelas. Teve que fazer tratamento. Hoje ele está bem, trabalhando numa empresa. Casado. Tem o outro, nossa, que é cantor também trabalha numa empresa. E muitos rapazes, que praticamente estavam perdidos na época, eles estão bem. Graças a Deus. E eu não enlouqueci. Ah, e nem contei para vocês. Depois disso, minha irmã ficou dez mandatos como presidente. E hoje a minha sobrinha faz parte, como vice da tribo. E ela não é a presidente, porque ela é secretária de finanças da Prefeitura, então não quiseram ela como presidente. E elas, que tinham me chamado de doida. Que eu tinha enlouquecido, hoje estão tudo doidas também. (riso)
P/1 – Obrigado, Aurecilia, pela história.
P/2 – Obrigada.
R – Eu agradeço muito vocês tambémRecolher
Título: O Festribal de Aurecilia
Data: 01/01/1900
Personagem: Aurecilia da Silva Andrade Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
histórias que você pode se interessar
Vocação para o gol
Personagem: Gino OrlandoAutor: Museu da Pessoa
Tricolor hermano
Personagem: José PoyAutor: Museu da Pessoa
O zagueiro que marcava Pelé
Personagem: Roberto Dias BrancoAutor: Museu da Pessoa
A esperança de uma sociedade mais bonita
Personagem: Paulo Reglus Neves FreireAutor: Museu da Pessoa