PCSH_HV_754_Juliana_Terra
ENTREVISTA DE JULIANA TERRA
ENTREVISTADA POR JONAS SAMAÚMA
8 DE MAIO 2019
PROJETO AFINADORES DE OUVIDO DENTRO DO PROGRAMA CONTE SUA HISTÓRIA
ENTREVISTA NÚMERO HV 754
GRAVADO POR JADE RAINHO
TRATAMENTO E TEXTO: JONAS SAMAÚMA
REALIZAÇÃO MUSEU DA PESSOA
TRANSCRITO POR SELMA PAIVA
“Peço força e dou força
Da floresta até o mar
Todos os seres me acompanham
Me dão força pra trabalhar
Peço força e dou força
Da floresta até o mar
Todos os seres me acompanham
Me dão força pra trabalhar
A rainha da floresta
Que mandou eu declarar
Que essa força está em todos
É preciso se firmar
A rainha da floresta
Que mandou eu declarar
Que essa força está em todos
É preciso se firmar
Sopra o vento, passa o tempo
Treme a terra, balança ao mar
Chega a força e balanceia
E vós não sai do seu lugar
Sopra o vento, passa o tempo
Treme a terra, balança ao mar
Chega a força e balanceia
E vós não sai do seu lugar”
P1 – Gratidão. Então, Juliana, bem-vinda ao Museu! Eu queria, primeiro, então, que você falasse o seu nome, o lugar e onde que você nasceu.
R – Então, o meu nome é Juliana Terra, mas de batismo é Juliana RocCa. Eu nasci em São Paulo. Nasci na Lapa, aqui na zona oeste de São Paulo, capital.
P/1 – E o que você sabe, assim, da história da sua família?
R – Cara, eu sei bem pouco, assim. Eu sei, assim, dos meus avós paternos, conheço um pouco da história deles. Meu avô veio da Itália, né, mas eu não conheço profundamente, foram pessoas que eu tive pouco contato, assim, de intimidade, assim. Ia visitar, mas era algo muito raso e, enfim, não sei muito a história deles. E dos meus avós maternos, o meu avô eu conheci, eu tive um pouco de contato também, mas muito superficial e a minha avó, que tinha, assim, até onde eu sei, mais de uma linhagem indígena, mas que eu também não tenho conhecimento, não sei de onde é. Eu sei que é de Goiás, ali daquela região, enfim. Aí a minha avó fez a passagem, minha mãe tinha 13 anos e os meus tios que cuidaram da minha mãe. Então, eu os considero mais meus avós, como se fossem. Eles são mais anciões, assim, querendo ou não, eles também fazem esse papel de ser a base da família e de ancorar, assim, um pouco, a ancestralidade e é uma história bem simples, assim, que eles têm, que é meu tio, que eu sinto que eles é que, pra mim, representam, mesmo, assim, esse papel, essa presença de avós e cuidaram de mim quando eu era criança. Minha tia e meu tio eram bem pobres, assim. Ele foi adotado quando era criança, né, lá no interior da Bahia e aí, com 19 anos, ele não tinha muita perspectiva, assim, lá e aí ele veio pra cá, pra São Paulo, um amigo dele o chamou, ele embarcou e a história de vida dele é bem bonita, assim, de superação, de fé, assim, de confiança na vida e aí ele foi, conheceu minha tia na rádio Cultura e se conectaram e aí a minha tia que começou a cuidar da minha mãe, né, que minha mãe tinha 13 anos, minha avó fez a passagem, né, e minha tia tinha 19 e ela já foi casada, logo eles se casaram, ela e meu tio, e eles meio que assumiram esse papel, de serem os pais dela, né? Enfim, basicamente é isso.
P/1 – Qual que era um tio – já conheço um pouco você – que você disse que tinha sido escravo?
R – Então, é ele. É porque, quando ele foi adotado, ele conta, assim, algumas histórias de que ele apanhava muito, assim. Que a família que o adotou, o adotou pra ele ser um servente, um serviçal. Então ele não ganhava nada, ele dormia lá, era uma troca, assim, pra ele ficar ali na casa deles, né e ele apanhava, passava uns apuros, não era uma coisa tão tranquila, né? E ele tinha que obedecer e fazer os trabalhos, lá, que eram oferecidos a ele. E ele fala que ele era tratado, assim, muito mal, sabe? Ele ficou meio traumatizado, por isso que ele também saiu de lá e veio pra São Paulo, né? E é isso.
P/1 – E eu queria que você falasse um pouco porque, você olha, assim, pele branca, loira, assim, mas sua família é toda negra.
R – Morena e negra. Da linhagem do meu pai, esse meu avô que traz essa coisa mais da Itália, mesmo, esse arquétipo, esse biótipo. E minha avó acho que era do interior de São Paulo. De São José do Rio Preto. E aí, da família do meu pai tem algumas pessoas que são, assim, de pele clara, mas é um biótipo muito diferente do meu. Que é um cabelo muito escuro, um olho muito escuro, é aquela pele, assim, que se toma um sol, fica muito vermelha. Você vê que é um outro tipo, assim. E já a família da minha mãe é todo mundo negro e moreno, assim. Então, da linhagem, assim, eu acho que eu sou a única mulher que tem esse biótipo de ser com a pele clara, com o olho claro. E é até engraçado, porque meu pai é bem essa figura, assim, bem claro, alemãozão, olho claro e tal, mas as pessoas que eu mais convivo, que são da família da minha mãe, são todos negros, né? Então, é bem diferente. (risos)
P/1 – Agora eu quero que você respire fundo, assim, feche os olhos e vai voltando lá pra sua infância e tenta lembrar qual sua primeira memória, nessa vida.
R – Alguma situação específica?
P/1 – A memória mais antiga que vier.
R – (pausa) (risos) Me vem aqui algo relacionado a igreja. Olha que louco! Que eu, desde criança, frequentei a igreja. Foi um valor, assim que a minha tia passou pra gente, desde muito cedo. Essa coisa de frequentar a igreja e tal. E me veio uma cena de mim lá, assim, no meio da comunidade, que era um lugar que eu ficava bem participativa e foi onde eu aprendi a cantar, quando eu comecei a cantar, comecei a tocar. Querendo ou não, foi uma iniciação, né, sem eu saber, mas foi uma iniciação e aí me veio essa menina, assim, no meio dali, assim, brincando e interagindo. (risos)
P/1 – Igreja católica?
R – Igreja católica.
P/1 – E você aprendeu a tocar e a cantar, lá?
R – Sim. Tinha seis anos. A gente era parte integrante do coral da igreja e então era uma missa, que era a missa das crianças, onde havia um coral de crianças e a gente tocava e cantava no coral. Eu e minha irmã, né? Enfim, foi a minha iniciação com o violão, né? Com cantar, assim, pra outras pessoas. Que até então cantava ali em casa. E ali, querendo ou não, foi começar a estudar e entender um pouco o violão, como funcionava, os acordes e pegar as músicas, estudar as músicas, estudar as letras, aprender a cantar, ensaio, né? E, querendo ou não, nossa, eu fiz isso, muito na minha vida. Em diversas... do coral da USP, que eu participei, da banda de reggae que eu cantei, das outras bandas que eu participei. Então, foi um início, ali, que eu nem sabia, né, mas que depois desenrolou um monte de coisa, assim. O violão, que virou meu amigo (risos) de jornada, assim, né?
P/1 – Eu queria te fazer uma pergunta que você fala na igreja positivamente na sua vida. Qual que é a lembrança que você lembra da primeira vez que você sentiu a presença de Deus?
R – (pausa) Nossa! (risos) (pausa) É complexo, né, porque acho que em diversas situações, né? Quando você está conectado com a natureza, com os animais. Não sei, assim, especificamente. Por exemplo: eu ia na igreja essa época e, cara, eu chorava quando eu ouvia os cantos, porque eu achava tão lindo aquilo! Eu era uma criança, super nova e ninguém entendia. E ficava olhando pra mim: “Meu, o que está acontecendo que você está chorando?” e eu me emocionava. Não era nada demais, mas era, porque eu ouvia aquelas pessoas cantando, cara, me tocava num lugar, assim, tão profundo, de exaltação, de um louvor, mesmo. De algo grandioso, assim, sabe? E foi, querendo ou não, a forma que eu aprendi a ver Deus, que foi o conceito que a minha família me passou, né? Que é esse Deus ainda na igreja e tal. Embora eu ache que, desde criança, a gente percebe que Deus está em tudo. Que a gente se conecta com tudo, com os animais, a natureza, com tudo que a gente tem acesso. Mas pelo menos o valor que eu recebi da minha família, que eles me passaram dentro desse conceito da igreja católica, tem muito a ver com esse Deus um pouco enlatado, assim, né? Então foi a maneira que eu vi e que, de alguma forma, eu compreendi dentro desse contexto, né?
P/1 – Mas depois, na sua vida, mesmo, teve algum momento que você lembra? Pode até ser mais velha, quando você sentiu realmente isso no coração.
R – Com certeza eu lembro como se fosse ontem! (risos) Porque foi um marco, assim, na minha vida, que foi quando eu comecei a consagrar a cannabis, assim, de verdade. E eu estava em uma época que eu era muito doida, assim. E eu achava que diversão tinha a ver com autodestruição. Então, eu não estava nem aí, eu fazia o que eu queria, eu viajava, eu dava perdido, eu sumia, me enfiava, acampava a perder de vista, sem querer saber de nada e muito inconsequente, assim, não estava muito preocupada com nada, só queria curtir. Só que, dentro desse processo de curtir, né, tinha muita bebida envolvida, muito álcool, tal, então não era muito legal, assim, no sentido físico, mesmo, do que eu estava proporcionando pra mim, né? Fisicamente, emocionalmente. Por ser, de alguma forma, quase dependente, né? Que, naquela época, eu bebia todo dia e bebia muito. Não era pouco, assim. E aí uma amiga minha já fumava, tal e meus amigos da faculdade - que eu fiz um ano de Biologia – todos fumavam e tal e eu não conectava muito, eu era mais de ficar no bar bebendo, assim e fumando muito cigarro também. E aí, cara, um dia a gente foi acampar lá na Prainha Branca. Ela falou: “Meu, vamos acampar, Ju” e tal. Eu falei: “Tá bom”. E é o mesmo processo: faculdade, doideira, rolé, vida acontecendo, pessoas, né, expandindo, assim. Cara, a gente foi lá pra essa praia, a gente acampou e quando eu cheguei lá... a gente ficava bem perto de um costão, assim, de pedras, muito bonito, de Mata Atlântica, assim e tem sempre uma pedrinha que a gente subia, assim, da beira mar e aí a gente, lá naquela pedra, eu consagrei a cannabis a primeira vez na minha vida, porque eu já tinha fumado algumas vezes, mas nesse dia eu entendi o que era e aí, nesse dia, eu entendi o que era Deus, assim. Eu pude vislumbrar o que era Deus, porque o estado que aquela planta me deixou, o lugar que eu estava, aquela conexão com a natureza e essa presença de estar integrado com tudo e eu olhar aquilo, eu falei: “Meu Deus, é isso!” Aí eu acho que foi quando craaaaaaaaa, quebrou. Que eu comecei a entender que Deus era tudo, mesmo, assim. Que a força da vida pulsava em tudo. E passava por mim. Aí foi onde eu comecei até a fazer escolhas diferentes pra mim, porque eu queria preservar isso. Não queria perder. Então, foi um primeiro despertar, assim, pra mim, dentro até desse caminho que eu sigo hoje, das plantas de poder, né, da alteração de consciência e você conseguir conectar algo positivo, algo maior, um propósito dentro disso, né? E que até então, antes, eu era mais de brincadeira, assim. Era mais uma curiosidade. E, nesse dia, foi uma chave, assim e aí mudou. A partir daí mudou. Alguma coisa mudou. Que aí eu comecei a perceber que tinha mais, que tinha algo além, assim, que não era só aquilo que eu via ali no bar, na facul, no trabalho e tal. Tinha alguma coisa maior, que fazia mais sentido pra mim. E aí começou a minha busca. (risos) Que logo depois chegou o rastafári na minha vida. (risos)
P/1 – A gente já volta para o rastafári. Eu queria que você falasse, ainda mantendo na infância, qual a lembrança mais bonita que você olha? Uma lembrança boa que você tem. Alguma história que você vivenciou criança.
R – Nossa, é difícil pra eu lembrar, sabe? Porque eu era muito sonhadora, eu realizei muitas coisas, muito sonhos, assim, pequenos, sabe, da infância, mas não sei se eu tive uma situação grandiosa, assim, que foi algo que marcou a minha infância.
P/1 – Não precisa ser grandioso. Pode ser...
R – Grandioso no sentido, assim, que foi um marco muito grande, né? Eu, até, boa parte do meu estudo, eu fui buscar essa informação, porque as memórias que me vinham eram muito mais negativas, né, porque acho que os traumas é que ficam mais latentes, assim. Mas não, cara, mas não foi só isso minha infância, eu fui uma criança feliz, eu lembro e realmente, nossa, eu tive uma infância muito boa, mas era muito simples também, não era nada muito extraordinário. Muito...
P/1 – Como era sua vida, sua escola, sua casa?
R – Eu estudava numa escola que era do lado da minha casa. Morava eu, minha mãe, minha irmã e meu pai, então, a pessoa que eu mais interagia era minha irmã, né, na minha infância, que eu mais brincava, a gente sempre brincava. Brincava de casinha, brincava de escolinha, brincava de coisinhas, enfim. Então ela era a pessoa que eu tinha mais contato e eu estudava do lado, assim, da minha casa, numa escola particular, então era super tranquilo de ir andando até lá, voltar. Minha família muito de shopping, tipo aquele rolé tradicional família paulistana, entendeu? Vai sair, vamos passear, vamos pro shopping, vamos pro circo, vamos pra, sei lá, pra algum evento, alguma feira, alguma coisa assim. Não era nada muito extraordinário, assim.
P/1 – Mas era de Pirituba, né, a sua família?
R – É. Vivi minha vida inteira ali, basicamente. Teve uma época que eu morei na periferia, lá na Cachoeirinha, na zona norte, que foi quando eu tinha uns oito anos. Que foi quando meu pai e minha mãe se separaram, tal e aí a gente deu uma girada, assim. Mas basicamente a vida inteira eu morei ali no Parque São Domingos, ali naquela região. E eu sempre fui uma menina muito bangunceira, assim, que eu chegava da escola, eu lembrei que eu ia brincar na rua, cara. Eu era muito moleca! Então, colocava um shortinhos, a parte de cima do biquíni e ia jogar futebol, ia jogar taco, ia jogar queimada, pega-pega e jogava com os meninos. A gente ficava a tarde inteira na rua, jogando bola, jogando vôlei, jogando isso. Ou na casa de uma amiga, jogando alguma coisa, brincando de alguma coisa. Sempre estava assim. A gente inventava de fazer lojinha no quintal, na garagem, aí comprava umas coisinhas e ia vender. Tipo cada hora a gente estava inventando uma coisa, entendeu? Costurava, fazia artesanato, adorava pegar tecido, recortar e costurar e criar. Então, era assim.
P/1 – Mas pelo que você está falando, então, sua infância era muito imaginativa, mesmo.
R – Total.
P/1 – Então, o que foi que você sentiu que, naquele momento que você estava na beira do mar, fez a quebra? O que você quebrou, ali, naquele momento que você disse que teve a compreensão?
R – Cara, é como se tivesse sempre aqui na minha frente e eu nunca tivesse visto e aí, naquele dia, eu vi e foi tipo um véu que caiu. Não foi que se manifestou naquele momento, mas sempre manifestou, só que naquele momento eu pude ver o que já era, entendeu? Então, foi essa compreensão, um pouco além, assim, que realmente eu sempre fui uma criança de muita... de viver no meu mundo, assim, entendeu? A gente brincava e tal, mas não era uma coisa totalmente livre e totalmente ahhhh, que imagina uma criança que mora em um sítio ou que nasceu numa floresta, na natureza. É outra história. Muito mais expansivo o campo. A gente era ali, na rua, a casa da minha tia, a casa da minha mãe e escola. E aí, às vezes, a casa da minha avó, que era parte de pai. E aí, por parte de pai, era bem pouco envolvimento, mas tinha meus primos, que a gente era tudo da mesma idade, então a gente bagunçava, era muito gostoso se encontrar e tudo. E era isso, basicamente, assim.
P/1 – Aí sua busca começou e você disse que começou pelo rastafári?
R – É. Foi, na verdade, a umbanda e, da umbanda, veio o rastafári. Porque aí, o que aconteceu? Conforme eu fui crescendo e tal e fui sentindo, tive a adolescência, que eu passei por várias crises existenciais e muita dúvida, muito questionamento e foi bem conturbado, um período que eu não queria viver, assim. Que eu não queria viver. Então, eu sempre tive muitos conflitos, assim, depois da minha infância, que foi uma infância tranquila. Quando eu entrei na adolescência, meu, aí foi nebuloso, assim, porque era tudo preto e eu queria me esconder e eu não queria que ninguém me visse, eu não queria ver ninguém, era uma coisa, sabe, assim, como se eu vivesse a vida atrás de um véu preto, porque eu não queria ser vista. Eu não queria estar ali. Eu não queria viver aquilo. Mas eu tinha que viver todo o script, entendeu? De estar ali, de ir pra escola, do que era, mas eu odiava essa rotina, eu não gostava. E aí eu tinha vários conflitos internos, assim. Muita vontade de pegar a mochila e sair andando. (risos) Mas ao mesmo tempo eu não fiz isso, assim. E fiquei lá e aí, beleza, mas tinha uma coisa que eu não gostava de São Paulo, não gostava de nada, nem ninguém. E não via muito sentido na vida. Não gostava e não via muito sentido. Aí, quando eu entrei na faculdade, que rolou tudo isso, onde que eu estava, pessoalmente, né? Eu já tinha compreendido, de alguma forma, que Deus era tudo e que a religião não era um caminho. Mas que ir pra dentro era um caminho. Porque a conexão com a divindade não era uma missa, em um ponto. Ela era em todo momento, né? Então, era como se eu tivesse entendido pra mim. Hoje pode dizer que é o Espírito Santo, como se fosse, que é a divindade interna, né? Que é você saber que Deus está dentro, não está na igreja, por exemplo. E aí isso foi mudando a minha vida, aos poucos. Foi nessa mesma época, assim, da faculdade, que aí eu comecei a perceber que eu tinha que manter um estado de espírito elevado e, que eu mantendo a minha frequência boa, isso atraía coisas boas e isso era viver o divino de verdade, além da reza. Era viver. Manifesto. E aí eu comecei a praticar isso, tipo manter bons pensamentos, usar bem as palavras, manter minha frequência mais elevada possível e aí, cara, isso foi se intensificando, intensificando, eu fui vendo que igreja católica não fazia sentido e eu falei: “Tá”. Então, chegou um momento: “Eu quero um grupo pra eu comungar esse pensamento”. E onde eu fui encontrar? “Quero mais pessoas que falem, assim, o que eu estou buscando, o que eu estou querendo”.
P/1 – E aí, o que te apareceu?
R – Cara, aí eu fui atrás. Fui em templo Hare Krishna... enfim, eu fui em vários segmentos, assim. Fui na umbanda, fui no Kardec, fui fazer trabalho de mesa branca, fui procurar qual era a linha de estudo espiritual que eu ia me afinar. Aí, na umbanda eu conectei. Gostei muito, assim. Fui em um terreiro, mas foi uma história que rolou, que me levou pra umbanda, porque não foi uma escolha. (risos) Se liga! Eu dormindo, tive um sonho e aí, esse sonho, era o quê? Era tipo um morrão de terra vermelha, assim, e na frente desse morro tinha um ser cheio de palha, coberto inteiro de palha e ficava assim: tchá, tchá, tchá, dançando, assim, na frente desse morro. E foi isso o sonho e aí eu falei: “Nossa, meu. Isso deve ser um orixá, porque tem muito essa pegada afro: terra, palha”. Fui pesquisar na internet orixá, palha e logo achei: Omolu Obaluaê, que é essa entidade. E aí eu fiquei de cara, falei: “Nossa, meu, sonhei com orixá, que louco!” Eu lembro que foi de domingo pra segunda. Aí, chegou na segunda, eu fazia coral da USP nessa época e aí minha amiga me ligou do coral, a gente conversando e eu falei: “Ro, sonhei com orixá, cara, essa noite, achei muito louco e tal”. Aí ela falou: “Meu, é Obaluaê que você sonhou. Ele é isso e isso”, me explicou um pouco dele e falou: “Eu sou da umbanda e vou pra um terreiro que eu frequento e a gira é hoje. Você quer ir?” Eu falei: “Nossa, quero”. Ela falou: “Então, simbora”. E aí eu fui. No dia que eu sonhei com ele, eu caí no terreiro. Eu já tinha ido acho que uma ou duas vezes antes, assim, mas só pra conhecer e aí, meu, nossa! Aí eu gostei muito. Porque aí eu fui tomando passe, eu fui indo algumas vezes, assim.
P/1 - Como era o terreiro?
R – Era um lugar muito humilde, assim, de duas vovozinhas, que cuidavam, que era as mães de santo, lá no Butantã e era tipo duas salas, assim, ficava uma salinha de atendimento e a outra sala que rolava a gira, né? E aí, enfim, eu frequentei lá um tempo. Tanto é que eu levei a minha irmã pra lá, né, que ela não estava muito bem no casamento, teve uma época que a vida dela estava uma zona e, cara, ela ficou e aí eu saí e ela continuou, que ela é mãe de santo, então foi a abertura do caminho dela ali também, mas olha que louco, porque tem a ver com a minha linhagem, a umbanda. É uma herança que meu pai também trabalha, incorpora, é médium dentro dessa linha, né? E a minha irmã, que é mãe de santo, que está servindo essa linha. Então, de alguma forma, eu fui lá, visitei, dei uma resgatada dentro dessa linhagem afro, só que aí o rastafári me pegou, no meio desse caminho, porque eu já era cantora, nessa época, né? Além da facul, eu cantava, tinha a banda, passei por várias bandas diferentes, cantei em barzinho, cantei em show, mesmo, assim. De forró, inclusive, de samba rock, de uns amigos e fui backing vocal dessa banda de reggae, que foi uma abertura pra mim dentro desse mundo mais artístico. E mais profissional. Não tão amador. Que a gente viajou muito e o cenário do reggae estava muito forte aqui em São Paulo, nessa época, nos arredores. Foi em 2006, mais ou menos, isso. 2005, 2006. E aí eu já estava envolvida com o reggae, já estava envolvida com a dança, com o movimento rastafári, só que era uma coisa bem superficial, porque eu já era do movimento do reggae há muitos anos em São Paulo. De acompanhar, de ir nas festas e saber da galera, estar junto e tal e aí, cara, veio esse convite de um certo aprofundamento, por quê? Porque essa banda que eu cantava eram 11 caras. Desses 11, uns sete ou oito eram rastafáris ortodoxos, mesmo, de ler a parada e viver a parada, mesmo, assim. Que era, até, bem tenso, inclusive. Intenso, né? Porque tem alguns conceitos bem quadrados, né, bem limitados, no meu ponto de vista, bem machistas.
P/1 – Como é que é, vamos dizer? Se você puder explicar o que era o rastafári, porque...
R – Então, o ortodoxo é bem de seguir a Bíblia. E o rastafári tem muita conexão com o Antigo Testamento. Então, o tempo dos profetas, desses homens de poder, que conseguiam se conectar com o divino e receber mensagens, né? Então, tem muitas coisas que eles seguem à risca o que está escrito na Bíblia, né? E muita coisa que eu sinto que eles estavam, de alguma forma, também buscando entender, porque também era muito novo. Por quê? Porque nessa época tinha um grupo do Chile, que a gente conectava, também rasta, que também era bem ortodoxo. Então, você vai vendo quais são as tribos que tem dentro do rastafári, cada linhagem, que traz um conceito diferente e então é cheio de dogmas e regras, entendeu? Por exemplo: a mulher, principalmente, que esse foi o ponto que foi a virada da minha vida. Porque o rastafári é machista. Ele é patriarcal ao extremo, o ortodoxo. Se for seguir. Então, me chegava umas leituras, umas coisas, que eu falava assim: “Meu Deus, cara”. Imagina, eu estava em uma banda que era de vários homens que eram desse segmento, eu era a única mulher. Então, eram umas coisas assim: a mulher não pode usar adorno, pulseira, colares, nada, porque tudo é coisa de ostentação, da beleza, da sedução. A mulher não pode mostrar o cabelo em público, os dreads têm que estar sempre cobertos com pano. A mulher não pode usar uma roupa que marque o corpo, tem que estar sempre assim de saiona, camiseta. Aí você ia ver as mulheres, meu, elas pareciam lavadeiras, não menosprezando as lavadeiras, né, mas elas não tinham a permissão de. Você olhava, era uma coisa assim tipo opaca, como se não tivesse brilho, né? Por quê? A ideia era justamente essa. Bem aquele conceito: que a mulher não pode, tem que obedecer ao homem, não pode se mostrar no mundo. Quando ela está menstruada, ela está em cura, ela tem que se retirar. Ela não pode estudar, ela não pode cantar, ela não pode isso, ela não pode aquilo. Só assim, entendeu? (risos) Restrição atrás de restrição. E, quando eu cheguei no rastafári, pra mim fez sentido, porque eu estava precisando disso, porque eu estava em um outro extremo, que era essa loucura, que era essa bagunça, que era tipo vida louca, no sentido de tudo vale, eu quero tudo, tudo topo. Então, foi pra um outro extremo, que era assim: “Cara, vamos parar tudo”. E foi bom pra mim, né? Naquele momento eu sinto que era o que eu precisava, então até conectei, pra resgatar isso também. Esse lugar do patriarcado, dessas memórias, né? De entrar nesse lugar, nessa ferida também, pra entender o que era. E ter consciência de onde eu estava. Não só como pessoa, mas como mulher, mesmo, no meu caminho, na minha jornada espiritual, né? Bom, enfim, aí eu entrei para o segmento, mesmo, entrei pra essa banda, fiz os meus dreads, né, que o dread é um voto que você faz e então, dentro do segmento, quando você entra, é como se fosse uma coroação, de você entregar a sua coroa pra essa linhagem. E os dreads são tipo a renúncia, o voto, o elo, a aliança que você faz. E aí, assim eu fiz. Então, fiz meus dreads, entrei para o segmento e vivi as coisas mais loucas da minha vida, cara. Uma das. Uma fase, assim, que foi muito intensa, assim, pra mim. Que foi justamente esse lado de ser mulher num lugar em que não te reconhecem.
P/1 – Tem algum episódio que exemplifica isso, assim?
R – Nossa, vários. Primeiro que era assim: você chegava no ambiente, eram vários homens, todo mundo se cumprimentava. A mulher, não. (risos) Era tipo alguém que não existia, não estava lá, entendeu? Parecia que tinha uma nebulosa, assim, uma coisa que as pessoas não conseguiam lidar com a presença feminina. Então, era muita rejeição. Era muito esse lugar de ser excluída, de você falar e nunca ter ressonância aquilo que você fala. Está todo mundo conversando, a mulher falou, acabou a conversa, ninguém responde. Ficava aquele silêncio, assim, tipo: “Sua voz não é bem-vinda”, sabe? Então, eram uns lugares que, nossa, eu fui lidar com esse lugar de ser pequena. Mas não ser pequena na humildade. De ser desvalorizada, mesmo. Das pessoas olharem e você ser totalmente indiferente. E eu lidar com esse desamor, com essa desvalorização de mim mesma, porque eu também me colocava nesse lugar, né? E, pra mim, foi uma época de muito medo, eu lembro. Porque eu tinha um medo de não ser aceita. Então, ao mesmo tempo, eu tinha um medo de ser quem eu era e um medo de falar o que eu pensava e um medo de me opor a tudo aquilo, só que ao mesmo tempo eu sentia que eu tinha que preservar aquilo, porque era onde eu estava e era meu caminho e então era muito dual, um monte de coisa eu não aceitava internamente, mas eu também não me colocava, porque eu tinha medo de me colocar, né? Então eu vivia muito nessa espreita, mesmo, assim, dessa mulher desvalorizada, rejeitada, invisível, sabe? Era esse lugar. Era uma relação muito estranha.
P/1 – E aí? E como foi a borboleta?
R – (risos) E aí, o que aconteceu? Nossa, a borboleta me rende bons assuntos, assim, porque é muito tempo ela na minha vida. E foi ela que abriu esse portal, mesmo, de sair desse lugar, poder abrir minhas asas e saber que eu não era uma lagarta, que eu tinha mais, que eu podia voar, alcançar outros lugares, né? E foi bem no ápice dessa história. Porque aí eu já estava me envolvendo com um deles, era meu parceiro, meu companheiro, a gente morava junto e, nossa, aí chegou no máximo, no ápice de um abuso de relacionamento, em um nível que não dava e aquilo não estava fazendo sentido nenhum pra mim, que eu falava: “Meu, como é que eu vou ficar com um homem que não me aceita, não consegue ver quem eu sou?” Embora já não era mais a mesma coisa, já tinha mudado, porque como eu virei a mulher dele, então os homens começaram a me respeitar, né, que tem isso também: quando você é mulher de um cara importante, aí muda, né, o conceito e, como, pra eles, o cara era importante, então, quando eu pareei com ele, todo mudo falou: “Opa, então a Ju é importante. Ela já não é mais aquela mulher”, né? E aí, o que aconteceu? Só que a gente ficou junto um tempo, foi uma relação muito forte, mesmo, muito significativa, só que no desequilíbrio da relação, a gente chegou no extremo do machismo, num lugar que, pra mim, já era insuportável, mas que mesmo assim eu ainda me sentia presa. Eu ainda não tinha força pra sair daquela relação. E aí veio a iniciação primordial da minha vida, que foi quando o Sagrado Feminino chegou. E olha que auspicioso, né, porque foi no dia oito de março isso, no Dia da Mulher. E aí eu já morava no Daime, né, que aí chegou o Daime na minha vida, através do rastafári, chegou a ayahuasca, a medicina e aí meio que virou tudo uma coisa só, porque era um segmento do rastafári, dentro da linha do Santo Daime. Então, embora fosse Santo Daime, era uma coisa também um pouco diferente. Que tinha a história de cantar naiabing, tocar os tambores, de honrar a Celaceá e a Rainha de Sabá. Então, era um pouco diferente.
P/1 – Você pode explicar um pouquinho só o que é o Santo Daime?
R – Tá. Bom, então, o Santo Daime é a doutrina cristã que faz uso da ayahuasca, né, que foi inspirada pelo mestre Irineu, lá na floresta e veio dentro dessa canalização, de unir essas forças, de unir essa linguagem do povo da floresta, junto com essa linguagem cristã, mesmo, né? Esse ensinamento de Jesus. Então, mestre Irineu, que inspirou e canalizou a doutrina, reconheceu, na bebida, a luz crística. O despertar da consciência. Aí ele começou a ver como se fosse beber Cristo, né? Então, foi um segmento que, pra mim, fez todo sentido, eu já estudava, né, dentro dessa linha, assim, católica, cristã e já tinha uma afinidade pelo xamanismo, porque o rastafári é xamânico, não deixa de ser xamanismo. A umbanda é xamanismo. E, no meio desse caminho, assim, do rastafári, eu conheci o Santo Daime, a doutrina, né? E fui lá consagrar a medicina. Então, consagrei algumas vezes e aí, depois, eu acabei entrando, mesmo, me fardei e fui morar na igreja. E foi na época que eu estava com esse cara, inclusive, e que foi, também, bem forte, porque lá é um terreiro, morar na igreja, ser zelador e eu tinha acabado de chegar nesse segmento também e então estava tudo bem...
P/1 – Aí você foi morar numa igreja?
R – Fui morar com ele, tipo casar, né? Casar e morar com ele na igreja. Cuidar de lá, de tudo. Aí foi quando chegou nesse ponto culminante, que foi o quê? Eu estava lá servindo a comunidade, estava lá tendo essa parceria com ele, como uma mulher casada, como zeladora e imagina: tinha acabado de chegar, acho que eu nem sabia dar conta de tudo que estava sendo apresentado e a gente começou a ficar num pé de guerra, eu e ele, um monte de coisa que estava desandada, que não estava rolando, de julgamento, de coisas e tal, e aquilo foi me deixando meio fufffffffffff, né? Já meio... eu não me manifestava, mas internamente falava: “Esse cara, não sei o que, tem alguma coisa que não está batendo, que eu não posso aceitar esse tipo de coisa, não dá pra ficar com alguém assim”, sei lá, eu ficava refletindo o quanto ele era tipo meu mestre, no sentido de ser alguém que estava me ensinando a doutrina, ensinando sobre o rastafári, que ele já tinha caminhado antes, só que isso o colocava no lugar de autoritário, né, de autoridade, de querer mandar em mim, de querer me controlar. Então, era um ponto que eu não estava confortável. Aí, cara, eis que chegou esse dia, que foi no dia oito de março, não lembro de que ano exatamente, talvez 2006, mesmo ou 2007 e aí tinha uma mulher lá, que era muito aminha amiga, lá na igreja e que ela tinha esse conhecimento do Sagrado Feminino. Que até então não era assim, como é hoje, divulgado e todo mundo fala do Sagrado Feminino, Círculo de Mulheres. Cara, ninguém falava sobre isso. Não havia esse assunto, assim. Era uma coisa que você tinha que, sei lá, receber de alguém, saber de alguém, que a gente nem sabia desse termo, Sagrado Feminino. Aí, a gente estava plantando rainha, era um mutirão, a gente estava lá plantando rainha e ela virou pra mim e falou assim: “Ju, eu tenho algo pra partilhar com você. Vamos deixar as coisas aqui e vamos lá pra tenda da lua?” Eu falei: “Vamos”. E a gente tinha consagrado medicina, a gente desceu, estava na força, assim. Cara, aí a gente sentou ali na frente da tenda da lua, que é o lugar que as mulheres tradicionalmente sangram, né e oferecem seu sangue menstrual pra terra e vão lá se recolher e vão lá se cuidar e vão lá se ouvir, né e trocar, partilhar saberes, assim, femininos, uterinos e lá na frente a gente na força, assim, ela começou a me falar do útero, do que era o útero. Do que era ser portadora de um útero. Da consciência da sabedoria de um útero, que era o segundo cérebro da mulher e do portal que era quando a gente começava se conectar com essa força e do poder do sangue menstrual. E ela me falou tudo isso, por quê? Porque dentro do trabalho do Santo Daime, ela teve uma miração comigo e aí ela estava lá na igreja, no salão e ela olhou pra mim e me viu cheia de sangue. E aí ela se assustou e falou: “Nossa, o que aconteceu com a Ju? Será que ela se machucou?” E aí ela falou que alguma coisa falou assim pra ela: “Só observa”. E quando ela parou e olhou, tinha uma velha sentada em cima de mim e esse sangue que escorria era o sangue menstrual dela. Então, ela estava me banhando com esse sangue. E aí ela ficou com essa informação e foi perguntar para os guias dela, lá na tenda mesmo, foi se conectar pra entender o que isso significava e aí isso foi uma instrução, que era pra ela me passar esse conhecimento do Sagrado Feminino, do útero e do sangue. E aí eu lembro assim como se fosse ontem, a gente lá na mata, meu, na força e ela falou assim: “Ju, o sangue é sagrado. A gente não pode jogar o sangue fora. As nossas ancestrais ofereciam o sangue pra terra. E isso é um portal que a gente sela com a mãe. Tanto de devolver o sangue da vida pra ela e proporcionar essa cura, essa nutrição, como a gente enraizar, poder criar esse elo do nosso chacra básico, ali, com a terra, né? E a gente receber também essa medicina da mãe. E aí, quando ela começou a me falar que o sangue era rico de nutriente e que a gente podia reciclar e molhar as plantas e falou de usar o paninho, de não usar absorvente, que absorvente era muito prejudicial pra mulher, cara, ela foi falando isso e meu útero foi fazendo assim cra cra cra cra cra cra cra, florescendo. Eu sentia, assim, ia abrindo. E aí eu olhava pra ela e falava: “Cara, faz todo sentido. Como é que eu não sabia disso? Claro que o meu sangue é sagrado. Como é que eu não sabia disso?” E ela ficava olhando, como se eu sempre soubesse, mas eu tivesse esquecido e ela estava me lembrando. Porque em nenhum momento eu questionei ou duvidei do que ela me falou. Na hora era tipo consciência caindo, assim, fez todo o sentido. E aí, o que aconteceu? Meu útero, ali, despertou. Ele ganhou autonomia. Ele ganhou o lugar dele. Ele foi reconhecido. Cara, daí eu nunca mais fui a mesma. (risos) Aquela mulher que desceu aquela trilha não foi a mesma mulher que subiu, porque quando eu subi, nossa, eu era mulher, eu sabia o que era isso. E aí ninguém ia tirar isso de mim. Antes de qualquer coisa, eu tinha um útero. Eu tinha esse caldeirão de magia que portava, ali, a chave da vida pra chegar aqui na Terra. Olha o valor disso! E como um homem ia querer me dizer o que eu tinha que ser, como eu era, como não era? Tá louco? Aí eu voltei com uma raiva que eu falei assim: “Meu, ele é um filho da mãe, ele está louco? Eu sou mulher. Como ele vai me tratar assim? Ele tem que honrar a mulher que eu sou, do jeito que eu sou”. E aí foi uma reviravolta na comunidade. Porque aí juntou tipo um motim de mulheres e os homens que também conectaram: “Meu, como assim? A gente tem que valorizar as mulheres, que não dá pra ser machista, controlador” e rolou um movimento muito forte, assim, de muitos sinais. E ele, como era o Dia da Mulher, olha que louco: quando eu subi a trilha, o que ele me deu de presente? “É Dia da Mulher, querida, eu quero te dar um presente”. Ele tinha preparado um jardim pra mim, ele plantou várias coisas, assim, umas flores e tal e ele tinha arrumado todo o jardim e aí ele tinha me dado aquele jardim. Aí ele me deu uma poesia escrita, uma ametista e uma borboleta. (risos) E mal sabia ele que eu estava só começando mesmo, aquele voo, porque era isso. A primeira transformação, assim, que abria esse entendimento do que era ser uma mulher. Abriu meu entendimento pra minha vida espiritual, pra minha encarnação, pra tudo, do que eu vim fazer, do meu propósito de vida, porque tem a ver com isso, assim, intrinsecamente. Que é o que eu sou, o que eu trabalho, que é a consciência que eu cultivo como sacerdotisa. E, a partir dali, foi isso, uma reviravolta muito grande, que aí eu comecei a viver o Sagrado Feminino.
P/1 – Como é que é viver o Sagrado Feminino?
R – É isso: uma consciência desperta. É a consciência uterina. É você saber do seu útero, saber do poder do seu útero e estar na conexão pra extrair o melhor dele, que é a nossa intuição. Então, você vai afinando essa percepção. Da sua intuição, que a gente fala, que a intuição é que é a Baba Yaga, que é essa mulher sábia, que é essa mulher selvagem que está dentro de nós, que vai contra as convenções, vai contra as aparências. Ela é o que é, visceral. Então ela te coloca num lugar de muita fidelidade consigo mesma. Porque você vai reconhecendo essa força e vai se tornando fiel a ela. Porque ela vai te guiando, ela vai te mostrando quem é você em essência, quem é você como mulher. Suas capacidades, né? Suas limitações, sei lá. Então, é como se fosse isso. Ao invés de perguntar pra cá, eu pergunto pra cá. Em vez de conectar aqui, eu conecto aqui. Embora eu considere aqui também, mas aqui é o centro de poder. É aqui. Coração, útero e mente, né? Então, eu sinto que é isso: além das práticas que a gente faz depois que a gente desperta o feminino, que é: “Ah, não uso mais absorvente, ah, você planta a sua lua, você honra pachamama”, você aprende a honrar de novo a mãe Terra, devolver a ela tudo que ela te dá, de nutrição, de acordo com o sangue. Você aprende a observar os seus ciclos. Você aprende a morrer, quando você está menstruando. Porque é isso, é morrer. Então, você não nega a morte. Você encara. Porque, né, tem muita mulher que menstruação é tabu. Porque está muito vinculada a desconforto. Ah, morrer não é fácil (risos) às vezes. Às vezes é gostoso, porque às vezes você está precisando, né, mas às vezes não.
P/1 – Eu ia perguntar, porque você falou da Baba Yaga, né, e eu queria saber isso, das histórias, né, que essa é uma história tradicional. Como isso te ajudou? Qual foi a história ou histórias que mais te ajudaram a ter essa compreensão que você está falando, do Sagrado Feminino e como você utilizou essa ferramenta pra trabalhar com outras mulheres?
R – Nossa! São muitas, né? São muitas histórias, mas eu sinto que a da mulher selvagem foi um arquétipo que pra mim veio muito, da Clarissa Pinkola, tem muitas histórias no livro dela, Mulheres que Correm com os Lobos, que é um repertório vasto ali, mas o cerne é o arquétipo da mulher selvagem. Só que pra você chegar nesse lugar, você tem que passar pela menina, não tem como; você tem que passar pela sua sombra; você tem que passar pelo abusador interno; você tem que passar por vários lugares, né? Mas pra uma mulher que sempre foi muito medrosa e muito arredia com a vida, assim, eu acho que a da... como chama?... A Catadora de Ossos, né?
P/1 – Podia contar essa história?
R – Nossa! Será que eu vou lembrar?
P/1 – Vai.
R – Puts. É mais ou menos assim: eu não sei contar a história perfeitamente, mas eu sei o contexto da história e eu vou contar o que eu entendo dela, que é quando você está perdida numa floresta, perambulando, sem saber pra onde ir e quando você está passando por esse lugar de morte interna. E aí você está em um momento, às vezes, de fraqueza, você está em um momento de abandono, em um momento de autojulgamento e aí conta isso, né, que está lá, são esses ossos, esse lugar que você, às vezes, não vê potência de regeneração. E aí chega essa mulher, essa catadora de ossos e começa a cantar, cantar nesse esqueleto e ela vai cantando e ela vai cantando e ela vai cantando e vai cantando, vai cantando. Quanto mais ela canta, esse esqueleto vai se unindo, vai se unindo, vai se unindo, vai criando músculo, vai criando carne e vai criando corpo. E vai ganhando viço. E aí, quando ele ganha viço, vira uma mulher. E aí, dessa mulher, ela sai correndo e vira um lobo. E vai-se embora. Aí, no contexto, o que fala, dessa história? Que é esse lugar que você... eu reconheço como as nossas misérias, mesmo. Esse lugar de regeneração, que a gente... e esse lugar de sobrevivência. É sair desse lugar de sobrevivência e vicejar. Então, esse cantar, né, essa medicina, é como se fosse saber nutrir o seu espírito, saber nutrir quem você é, saber nutrir a sua essência e, a partir daí, você só pode ser livre, né? Então, é transcender as nossas limitações. É transcender as nossas misérias, nossa escassez. E poder vibrar na plenitude, né? Então, enfim, são muitas histórias. O próprio mito das avós, mesmo, que é muito forte. E tem a ver com histórias de mulheres partilhadas pelo mundo. E que não se explica de onde vem. Tanto é que o mito das avós não tem uma tradição. “Ah, é da tradição Lakota”. Não, ele tinha em vários povos, esse mito. E contado igual, das 13 abuelas. Também é algo que eu utilizo, porque elas falam do sonho original da Terra, da criação da Terra, né? Então, da mesma forma que isso me inspira e me lembra e me toca, também inspira, lembra e toca as mulheres. Então, utilizo nesse sentido as histórias, de poder, pra mim, que são esses resgates, mesmo, que a gente faz, que a gente pareia, vai lá, se enxerga, se reconhece, analisa e aí, depois, multiplica, né?
P/1 – Nossa, essa história é bem forte, do Dia da Mulher e você mergulhou, assim, nesse universo do Sagrado Feminino. O que você vivenciou dentro desse caminho? Se você pudesse pensar, o que você gostaria de deixar pro mundo, que você vivenciou, que pode inspirar outras pessoas?
R – Nossa, eu acho que o que fica... o que eu vivenciei você diz assim situações de histórias que eu vivi ao longo do caminho?
P/1 – É.
R – Cara, são infinitas histórias! Mas deixa eu ver... tem a história da borboleta, por exemplo. Essa é bem especial, que eu acho que uma das coisas que eu aprendi e pra mim tem muito valor e que é uma coisa que, com certeza, eu quero deixar pras mulheres, é a liberdade. A liberdade de ser. Porque a gente aprende a ser muito podada, a ser muito encaixada dentro daquele molde da família, do pai, da mãe. Todos nós, homens e mulheres, mas a mulher é um pouquinho a mais, né? Dependendo ainda do núcleo familiar que ela nasce, nossa, absurdamente mais, né? Então a gente é muito podado, é muito cheio de tabu, é muito cheio de: “Ai, não pode tocar, não pode pegar, não pode fazer, não pode dançar, não pode ser livre, não pode expressar. Tira a mão daí, não pode não sei o que”, né? Não é livre, assim. E acho que uma das histórias mais bonitas, assim, caminho que até a borboleta marcou também, quando ela chegou, é essa história com a borboleta, que foi quando eu fui descobrindo que ela era mesmo meu animal de poder, né? E eu estava pra participar de uma cerimônia de ayahuasca, de equinócio de outono e eu estava trabalhando na produção do evento e aí eu saí e fui descansar um pouco, eu tinha servido almoço pra galera, o pessoal estava comendo, se alimentando, eu saí e fui dar uma relaxada. E aí, meu, eu passei pelo banheiro e quando eu olhei no vestiário, tinha um ser ali, um bichinho assim e eu não dei muita importância, reparei a presença dele e fui lá, fiz xixi e tal, só que eu voltei e fiquei intrigada e passei lá de novo e quando eu vi, era uma borboleta. E ela era meio preta, camuflada, assim, com uns pontinhos brancos, assim. E na hora, meu, foi muito louco, porque já veio minha criança, mesmo, porque eu olhei pra ela e já falei assim: “Nossa, borboleta, é você? Que legal! Você não quer vir comigo? Eu vou ali na trilha, vem comigo, vai. Nossa, queria tanto que você viesse comigo, eu vou num lugar tão especial!” E aí eu fui falando com ela e já fui indo pegá-la e ela veio, cara e aí ela pousou no meu dedo e eu fiquei falando: “Nossa, borboletas gratidão, vamos juntos” e fui andando na trilha com ela. Quando eu cheguei em um lugar, eu comecei a meditar, contemplar, estava ali e continuei falando com ela, meio que rezando, falei: “Olha, borboleta, eu quero muito aprender sua medicina. Gostaria que você pudesse me ensinar. Eu vou acender um incenso aqui pra gente”. Estava falando com ela como se fosse minha amiga, mesmo. (risos) Eu tenho essa coisa com os animais, assim, de querer entrar nesse reino e aprender, mesmo, a medicina deles, os que eu tenho conexão. E eu falei pra ela assim: “Me ensina a sua medicina, queria muito aprender. Se você puder, abre pra mim. Abre esse campo pra eu entrar”. E eu já tinha lido a respeito dos florais, que quando as pessoas vão fazer floral e aprender com a planta pra que aquela planta serve. A Maria Alice que falou isso: que você se conecta do centro do seu coração, para o centro do coração daquele ser e faz essa ponte de conexão de essência pra essência, aí você consegue se comunicar. E o próprio ser vai te dizer pra que ele serve. E como o floral deve ser feito e tudo. E o estudo dela é baseado nisso, é isso. E aí, na hora que eu estava ali com a borboleta, me veio isso, porque eu comecei a rezar, eu estava de olho fechado e ela meio que voou assim pra minha frente e eu estava ali conversando com ela meio que no pensamento, pedindo pra ela se conectar comigo, que eu não ia fazer mal pra ela, que eu queria aprender com ela e tal e aí ela pousou no meu pé e eu já estava tão na viagem, que eu esqueci e aí fez umas cócegas, eu me assustei, mexi e aí ela pegou e voou assim do meu dedo. Que eu falei que eu queria aprender a ser uma borboleta. E ela pousou aqui. Quando ela pousou, cara, eu senti que ela abriu o campo. E aí, na hora que ela pousou, eu já comecei a sentir como se fosse um formigamento, assim, no meu dedo. E aí me veio uma voz e falou assim: “Agora é o momento de você conectar com ela através da essência. Então, firma no seu coração, na sua essência e no coração dela, na essência dela, no centro de poder dela e através da respiração você faz a ponte com esses dois polos”. Então eu expirava, eu sentia que saía e entrava nela, aí eu inspirava e puxava dela e conectava comigo. E aí, conforme eu fui fazendo isso, eu fui sentindo a força, foi entrando pelo meu dedo. Eu senti que ela abriu, mesmo e aí, na hora, o coração já tuc tuc tuc, começou a acelerar, que foi a primeira vez que isso aconteceu, de eu entrar em um transe, sem estar na medicina, de estar ali na medicina do animal e o animal me abrir esse transe, sabe? E aí, na hora, eu comecei a firmar os pajés que eu conhecia: pajé Sapaim, vô Cidão, que eu fiquei meio assustada, falei: “Ai, meu Deus, ela abriu, estou sentindo essa força. Ai, meu Deus!” E fui entrando no transe dela. E aí só me vinha isso: respira, calma e deixa fluir. Cara e aí essa força foi entrando em mim, eu fui sentindo a força dela e conforme isso foi entrando, eu entrei em um transe, comecei a ouvir e ela começou a me passar o que era a medicina dela, como que eu podia trabalhar e várias coisas que ela me passou, do que ela representava. E pra que ela podia ser chamada, invocada. Pra quê. Em que momentos eu podia chamar a medicina dela pra trabalhar comigo. Aí eu fui sentindo, fui sentindo, esse negócio foi vindo, foi vindo, foi vindo, foi vindo, foi vindo, até que pá, entrou. Aí, quando acoplou, assim, eu senti aquilo como se fossem asas e aqui vibrava muito assim: tsc, tsc, tsc, tsc, tsc, tsc. E aí eu comecei a ouvir uma música, que era um reggae, inclusive, de uma banda lá de Minas, que começa assim:
“Pra renascer, se transformar
Refletir e meditar”.
E ficava repetindo isso. E a medicina dela é da transformação. E ela foi me falando da sagrada união, que ela faz essa união das polaridades da mãe, do pai, do filho, que ela é estrela, que ela é um campo neutro, ela une e aí ela foi me passando essa medicina, cara. E eu sentindo essa força e tudo ali acontecendo, de repente eu lembrei que eu estava trabalhando e aí eu falei: “Cara, eu tenho horário, eu estou trabalhando, há quanto tempo será que eu estou aqui?” Aí, na hora, eu comecei meio que agradecer a ela, já, por tudo que a gente tinha trocado, assim, toda medicina que ela tinha me passado, o entendimento dela, mesmo, assim. Aí, meu, ela saiu do meu dedo, que até então ela estava esse tempo todo no meu dedo e aí ela começou a voar em mim. Ela fazia assim: tsc, tsc, tsc, dava uns rasantes, passava aqui, passava no meu rosto, aí eu fiquei só tipo rindo e ela shu, shu, shu, voou, voou, voou em mim e deu umas três voltas, assim e foi embora pra mata. Eu saí em um estado de encantamento, que parecia que era mentira, falava: “Meu, isso é um sonho. É mentira. Como assim, isso acontece, de você falar com um inseto e ele responder?” (risos) E aí, o que aconteceu? O mais incrível, que aí tudo bem, rolou isso e tudo certo, à noite ia ter a cerimônia. Então, à noite foi o momento do ritual. E aí, o que acontece? Lá na cerimônia tinha um momento que rolava um som orgânico e todo mundo tocava e a galera ia dançar e tudo acontecia.
P/1 – Cerimônia de quê?
R – Era de equinócio de outono, lá do Voo da Águia, lá, do Léo. E aí, cara, eu sempre quis dançar na cerimônia e nunca tinha dançado, porque eu morria de vergonha. E naquele dia me veio uma coisa e falou assim: “Cara, você é uma borboleta, voa. Já imaginou você ter asas e negar suas asas, que desperdício? Que desonra perante a sua natureza”. Aí, na hora, me veio uma coisa assim: “Eu vou voar. Vou me permitir”. E aí eu fui lá na frente do fogo, pedi licença e falei: “Olha, fogo, já que eu estou aqui, então eu vou oferecer essa dança aqui pra você”. Meu, aí na hora eu comecei a dançar e aí eu fui entrando na espiral e eu já fechei o olho, eu só respirava e eu sentia que meus pés levantavam, assim, do chão e, quando eu vi, era a borboleta e aquela força que ela me passou naquele momento, à tarde, eu estava sentindo em mim. E aí era o momento de voar. Só que aí, o que eu fazia? Eu estava com a força dela, como se ela tivesse, realmente, aparelhada, assim, em mim e, com a força dela, eu estava conseguindo manipular toda a energia do salão. Então, eu pegava aquele fogo, que era aquela chama de transmutação, que é a medicina dela e aí eu ia pegando aquela chama e ia espalhando, assim, através das minhas mãos e aí eu pegava coisas do salão e jogava naquele fogo e aí eu sentia que era isso, que essas eram as minhas asas. E esse voo era pra todos nós. Porque ele estava trabalhando o quê? A chama violeta, né? E que era o que ela tinha me passado, ali, essa capacidade de trabalhar com essa energia. E não só bastasse isso, essa dança medicinal que, pra mim, foi uma libertação muito grande, assim, né, me permitir viver. Aí, depois, no final mesmo da cerimônia, rolaram depoimentos, então cada um dava seu depoimento da cerimônia e aí minha irmã pegou lá o bastão que fala e começou a falar dela, que ela estava se sentindo muito presa e que ela não estava conseguindo fluir na vida e que, enfim, ela não estava se sentindo bem, que ela estava se sentindo limitada e, na hora, eu me compadeci ali, falei: “Cara, é exatamente isso que eu acabei de viver, que eu estava sentindo, né, essa prisão se dissolver, aí eu falei: “Olha como tudo é dentro, né? Como é a gente que coloca essas barreiras. A gente pode tudo, só que a gente não se permite tudo”. E aí, na hora, eu ter absorvido aquela energia da borboleta, foi assim: “Eu me permito. Eu posso, então eu me permito. E aí eu vou viver isso”. E ali, pra ela, era isso: ela não estava se permitindo, no meu ponto de vista. E aí eu fui lá, cheguei nela, dei um beijinho nela, ela estava deitada assim no chão e eu lembro que ela estava bem no leste, assim, bem com aquele raio de sol, assim, tinha acabado de amanhecer o dia, no pós ritual, a galera já estava conversando, confraternizando, aí eu dei um beijinho nela e ela me olhou assim de cima, que ela estava deitada e pôs as mãos, assim, pra trás. Eu vim, assim, por cima. Aí, cara, eu peguei nas mãos dela e essa mulher começou a se tremer e a se arrepiar inteira. E ela estava sfffffffff, fazendo assim, sffffffffffff e fazia assim e aí eu fiquei assustada, só parada, olhando assim pra baixo e falei: “Nossa”, só que ao mesmo tempo me vinha uma coisa: “Fica, mantém onde você está”. E aí eu: “Tá bom”. E aí, na hora, eu só me mantive ali e ela ficou tendo essas manifestações e tudo e aí eu fiquei lá até o momento que eu senti, aí eu tirei as mãos dela e cheguei no ouvido dela e falei: “Meu, você tem asas, voa”. Que era o que eu tinha acabado de aprender (risos) na prática. E aí ela falou assim: “Você viu o que está acontecendo?” Aí eu falei: “Não, mas eu senti”. Porque eu realmente senti, tinha um calor, uma energia ali e ela falou: “Estava saindo fogo das suas mãos”. Eu peguei e falei: “Ah, ok”. E aí eu senti que foi a manifestação da borboleta, que conectou a dança, conectou o fogo e conectou a chama violeta e essa mulher que recebeu essa medicina e eu fui um canal, ali, só.
“Navego no encanto
A floresta é minha mestra
O japinim com o seu canto
Parece uma orquestra
A floresta tem espírito
Tem pajé e elemental
Ela diz sobre a raiz
Dessa força ancestral
Ouça bem, ouça bem,
Ouça bem, ouça bem
O que a força ensina
Floresta vem e vai além
Trazendo a medicina
Medicina que me cura
Com seu poder encantado
Eu bebo na fonte pura
Do amor que é sagrado
Vem surgindo do infinito
Cachoeiras de abundância
Enche o bolso, alegra a dança
E a alma de infância
Vem surgindo das estrelas
Toda a prosperidade
É uma floresta de riqueza
Quebrando o asfalto da cidade
Vem surgindo no destino
Do seu sonho o recurso
A vida é um rio
Deixa seguir seu curso
Chamo o urso, chamo o urso
A jibóia, o japinim, a borboleta, o gavião
O golfinho, a baleia
A onça, o macaco e o pavão
Sou protegido, sou protegido
E vou curando e vou curando todo mal
A energia que me guia
É do reino animal
Vem surgindo das estrelas
Toda a prosperidade
É uma floresta de riqueza
Quebrando o asfalto da cidade
Ouça bem, ouça bem, ouça bem, ouça bem
O que a força ensina
Floresta vem e vai além
Trazendo a medicina”
Bom, então, aí, depois de toda essa medicina, dessa libertação, assim, da borboleta, que ela me trouxe, mal sabia eu que era só o começo, né, porque depois muitas outras coisas vieram. Uma delas foi quando eu cortei os meus dreads, né, que foi um momento bem forte da minha vida, que acho que eu só fui entender, mesmo, toda essa aliança quando eu cortei o dread. Quando eu rompi. Porque eu fui aí desenvolvendo esse trabalho com as mulheres, primeiro comigo e depois com elas, porque a gente convivia ali na comunidade e então, naturalmente, a gente ia partilhando sobre esses estudos, sobre essa novidade, que era conectar o Sagrado Feminino e viver isso e eis que, nesse desenrolar, eu já estava com os dreads há muitos anos, eles já estavam bem longos e pesados e me veio uma sintonia, uma conexão. Foi quando Afrodite começou a chegar na minha vida e algo me disse assim: “Chega, encerrou esse ciclo, isso está te puxando pras raízes e agora é o momento de subir, de leveza e, pra renovar esse ciclo, tirar, cortar e trabalhar mais delicadeza, mais sutileza, mais suavidade no meu ser e que isso vinha muito desse arquétipo da mulher, mesmo, do Feminino Sagrado. Pois bem. Então, me veio essa instrução, cortar os dreads, eu já sabia que era um rito de passagem, fiquei negociando: “Vou ter que cortar, vamos ver, tal”. Passaram-se acho que um mês e meio, dois meses, eu cortava uns embaixo e chorava: “Não, não, não, não, não sei o que”. Depois passava um tempo: “Vou cortar na próxima lua”. Ia cortar outros, não tinha coragem de cortar inteiro. Aí eis que chegou uma lua nova, que era dois de fevereiro, dia de Iemanjá e lá na igreja que eu frequentava ainda - que eu continuei no Daime – ia rolar um feitio de Daime, que é quando a galera vai preparar a bebida e é um rito bem forte, de vários dias, assim e aí eu estava decidida, falei: “Hoje é o dia, eu vou lá, eu vou cortar” e foi quando eu me fardei também, que eu entrei no Daime, foi no dia de Iemanjá também e falei: “Hoje é o dia”. Fui, preparei minha bolsa de medicina, levei um monte de coisa e tal, tabaco pra rezar, cachimbo e não sei o que e falei: “Hoje eu vou cortar aos dreads”. Meu, pra chegar ao lugar já foi um parto, assim. Foi muito engraçado. Porque deu uma puta chuva, alagou a Régis Bittencourt e eu vim do Opera já chorando no caminho, já sentindo aquela morte, assim, se aproximar. Aí eu lembro que eu cheguei assim na beira de um trânsito, quando eu fui ver tinha um caminhão atravessado na Régis, aí teve que esperar tirar o caminhão e aí fui. Aí cheguei na estrada de terra, cara, peguei mais um alagamento na estrada de terra, um negócio lá, um pau que se enfiou no meu carro e eu tive que descer e tirar e ainda não bastasse, mais à frente, um tronco caído no meio do caminho. Eu tive que descer na chuva e tirar, pra chegar no sítio. Beleza, cheguei no sítio, fui lá, consagrei a medicina, tomei, o pessoal no movimento lá do feitio, eu peguei e desci, fui lá pra tenda da lua, que foi esse mesmo lugar que a minha amiga tinha me passado o conhecimento e tal e aí, cara, lá eu fiz meu rezo, eu chorei, eu fiz dan dan, agradeci e aí falei: “Bom, agora é hora de cortar”. E aí eu já fui cortando os da frente, pra não ter nem dúvida. Aí já fui ta ta ta, cortei, cortei, cortei e eu já estava meio cansada, assim, que eu tinha esperado essa lua nova chegar, eu já estava sentindo de tirar, já, no meio do caminho, assim. Cara e aí não saía. Não saía aqueles dreads. Eu cortei, mas a energia ficou igual, que nem um membro que você amputa e fica a memória e aí aquilo me deu uma agonia, que eu senti aquela coisa pesada, aquela coisa densa, eu falava: “Meu, não sai”. E aí, lá nesse sítio, tinha uma corredeira, eu fui pra corredeira, enfiei minha cabeça e falava: “Ai, minha mãe, leva, leva, leva, chega, já troquei, estou tirando essa casca, essa pele, estou trocando, leva embora essa energia”. E aí, meu, o que aconteceu, cara? Eu voltei desse lugar, guardei minhas coisas, subi, foi ter o trabalho lá do feitio, tal e eu beleza, tomei a medicina, fui lá fazer o trabalho, só que aí, o que aconteceu na minha vida, depois disso, gente do céu! Começou, assim, dor de cabeça, né, eu aí eu fiquei, assim, sem cabelo, parecia a história de Sansão. Imagina você ter o cabelo até a bunda, assim, o quadril, bem longo e pesado, né, eram uns dradões pesados, grandes e de repente pá, não ter nada, tudo curtinho, aqui a nuca exposta, totalmente exposta, tudo aqui. Eu estava em um ponto que, primeiro, eu perdi o eixo da cabeça, porque como era outro peso, era outra densidade, minha cabeça ficava boba, assim, não entendia muito bem o lugar dela. Segundo: era muita dor de cabeça. Eu sentia muita dor na cabeça, muita dor no pescoço, muita dor, muita dor. Isso no dia que eu cortei, só que aí, o que aconteceu? Isso se agravou no decorrer dos dias. E aquela dor que era na cabeça me deixava zonza e começou a doer as minhas juntas e aí eu sentia dor nos ossos. Era uma dor nos ossos, uma dor nos ossos e uma coisa, assim, que parecia que eu ia morrer. E eu achava que eu estava muito doente. Porque eu não conseguia sair da cama. E aí doía muito, eu sentia muito frio, muito, muito frio e era um frio que vinha de dentro pra fora, aí eu tentava levantar da cama, começava a ficar zonza, eu voltava a deitar e eu chorava e falava: “Meu Deus, o que está acontecendo?” É aí que a gente fala que é a noite escura da alma, que é a morte do xamã, que é esse lugar que você precisa ir lá nos seus infernos enfrentar e eu, como já tinha um histórico de muito medo de ser quem eu era, então eu tive uma síndrome do pânico e aí eu naveguei no meu medo, mesmo. Aí foram os lugares mais sombrios e assustadores de mim mesma que eu tive que navegar e ter muita coragem e ter muita confiança em mim mesma. Porque era um momento que eu não sentia amparo espiritual. Eu rezava, rezava, rezava e não sentia nada, nada. Nada, nada, nada. Não sentia. Aí eu chorava muito e tinha uns ataques, assim, de ansiedade, de medo, de pânico e aí eu ia pro hospital, chegava lá, passava, porque eu chegava, sentava na sala de espera e me sentia mais segura, né, de acontecer alguma coisa, mas o que aconteceu? Dentro dessa síndrome do pânico, eu tinha muita visão de sangue e aí, a sensação que eu tinha era que eu estava com alguma doença muito grave e que eu ia ter hemorragia. E que tudo ia estourar dentro de mim, ia começar a sair sangue pelos poros, pelo nariz, pelos olhos, pela boca, pelo ouvido, por tudo e eu via essa cena várias vezes, que era eu toda ensanguentada e o sangue vazando e aí eu fiquei meses nesse processo, passando sozinha e onde que eu me apoiei foi na medicina. Eu continuei consagrando, né, só que muito pouco. Porque a energia que eu estava era fetal. Era como se eu fosse um feto. E como, pra mim, na minha leitura, o rastafári marca também esse lugar de uma certa escravidão, pra mim, que era um lugar que eu tinha que provar minha força, então eu tinha que ser forte, tinha que aguentar, sabe? Então ali foi um lugar de conhecer a minha fragilidade, porque tudo me abalava. Eu, que era uma mulher superforte, assim, tudo ali me abalava. Um sopro mais forte já entrava em uma tontura, já não me sentia centrada, já ficava vulnerável e entrei em uma energia de gestação, mesmo, assim. Tipo foi um restart, assim. Só que eu tive que passar por essa morte, que era lidar com esses lugares de me testar a minha fé em mim e do que eu era capaz, assim, de aguentar, no sentido de aguentar de mim mesma, poder navegar no meu mar e descobrir tudo que estava lá dentro. Por que esse medo todo? De onde que vinha, né? E aí eu entendi, quando eu rompi com essa linhagem, tudo que eu estava estudando ali, por que eu entrei ali, o que eu tinha que resgatar, por que esse sistema patriarcal, por que o Sagrado Feminino? Aí foi a compreensão, como se fosse o desfecho: agora a gente fechou esse ciclo, encerrou. E aí eu entreguei o resto, porque o sangue tem a ver com a ancestralidade, tem a ver com o chacra básico, tem a ver com confiança, tem a ver com DNA, com memória e era onde estava a minha síndrome do pânico: era no sangue, né? Então, foi bem forte, assim, pra mim. Foi uma morte bem significativa, porque ali um outro ser nasceu e já era um ser mais sutil, que já não tinha, muita coisa ficou ali, não veio mais comigo, entendeu? Foi uma das mortes, das primeiras que eu tive, do caminho espiritual, minhas. A gente, às vezes, morre...
P/1 – Como é que é o momento da morte? Como é que você olhou e falou: “Morri”? É que agora você está me contando que você morreu, mas como é que é morrer, mesmo, em vida?
R – Cara, é se entregar pra esse grande mistério. É esse lugar de você não ter controle, de ser um ambiente completamente desconhecido, que você não sabe pra onde vai, pra onde vai te levar, só que ao mesmo tempo você não tem escolha, você tem que ir. Porque é uma força maior que está te levando lá. E aí, quando você percebe, é como se você perdesse algo que estava ali, que era seu. De repente você vê que aquilo não era você, que você é mais, que você está além daquilo, só que aquela parte que você se identificava, que era você, que era sua, está indo, porque uma outra parte está surgindo.
P/1 – E as avós tiveram a ver com esse processo?
R – Elas vieram depois. Porque aí, na verdade, o que aconteceu? O Sagrado Feminino causou na minha vida, entendeu? Porque quando foram chegando todas essas histórias da mulher selvagem, que eu fui descobrindo esse poder, que eu fui pareando esse lugar de aceitação, de quem eu sou, de que mulher eu sou, de ocupar o meu lugar, de não ter medo de ocupar o meu lugar, que isso, cada vez mais, vai se ampliando, né, se fortalecendo, mas começou ali, de eu poder colocar quem eu era no mundo, sem ter medo. E aí, o que aconteceu? Isso foi descontruindo um monte de paradigma e um monte de conceitos. Então, por exemplo, eu saí do rastafári, que era lotado de dogmas, me conectei ao xamanismo, que pra mim era uma linguagem universal, que é a linguagem da natureza, que é pelo que é, a natureza dizendo por ela mesma, então não tem religião, não tem um arquétipo de um ser, de um rei. Não. É a natureza pela natureza. É o ciclo natural, é entender o jogo aqui das energias da terra e os reinos e como a teia funciona. Então, aí, pra mim, fez todo o sentido, que era olhar pra um rastafári sem dogma, sem a parte religiosa, só a essência. E aí o xamanismo me chamou aí, mais do que o Daime e aí, logo na sequência, o Daime também caiu, por quê? Porque eu, como uma mulher desperta, não podia estar dentro de uma instituição patriarcal. Porque o Daime é patriarcal também. Ainda é religião, instituição, do mesmo jeito. Então, ali, pra mim, também chegou no ponto que não fez mais sentido, que eu fiquei na igreja uns oito anos, seguindo bem fiel, bem na prioridade máxima da vida. Então, ali, pra mim, olhei e falei: “Meu, não está aqui também, não é por aqui, porque enquanto instituição, enquanto ainda sistema, é patriarcal, eu não posso ser conivente. Não é isso que eu estou buscando. Estou buscando essência. E aí, cara, vieram as avós. Por quê? Porque aí, quando eu rompi com a igreja, depois de tanto tempo que eu estava ali, eu senti que meu espírito falava: “Você precisa de mais”. Eu falava: “Eu quero mais. Mas o quê? Pra onde? O que eu vou fazer?” Não sabia. Porque já estava em um ponto em que eu já estava estagnada ali, meio que no mecânico da igreja, aquela coisa: tem que estar ali, então eu tenho que estar. Agora, isso é o que eu quero? Isso está fazendo bem pra mim? Eu estou crescendo? Não tinha esses questionamentos, eu só ia, é ali, estou lá, bora, é o calendário bora o calendário. Quando eu olhei, falei: “Meu, estou aqui em uma ilusão”. Quando caiu o véu, assustei, falei: “Meu, eu estou achando que eu estou crescendo, que eu estou aqui na igreja, tomando Daime, cumprindo meu compromisso de espiritualidade, mas e na minha vida? Não tenho nada. Não estou construindo nada de concreto, mesmo, que faça sentido. E o meu legado? Aí eu falei: “Nossa, tem alguma coisa errada”. Aí só foi desconstruindo, quebrando. Que eu falava: “O que está em cima não é como está embaixo? Isso é uma lei universal. O que está embaixo é como está em cima. E cadê o equilíbrio? Que vida eu estou vivendo aqui na Terra?” Nossa, aí eu fui quebrando, cara. Fui quebrando, fui quebrando e aí culminou que eu saí da igreja, larguei tudo, porque não era só sair da igreja, era sair da vida social que eu tinha, dos meus amigos, daquela comunidade. Minha vida inteira era ali. Meus amigos, namorado, vida social, evento, tudo e aí foi sair tudo. Aí, quando eu voltei lá, já não era mais igual a eles e eles não me tratavam, também, igual. De fato, houve uma separação, né, como se fosse um casamento, mesmo e eu os deixei lá e segui o meu caminho. Aí eu sabia que eu estava por minha conta, que eu estava sozinha e toda minha jornada espiritual tinha sido numa comunidade, querendo ou não. Depois que eu cheguei no rastafári, no Daime, foi tudo ali o me despertar, o meu florescer e ali era o momento do meu teste individual. Tipo: “Agora é você. E agora?” E aí, por um lado, me dava um frio na barriga e um medo e eu falava: “Meu Deus, e agora, só eu?” E por outro lado eu falava assim: “Agora é só eu. Nossa, que delícia! Agora é só eu, eu estou livre, eu faço o que eu quiser, que bom!” E alguma coisa me falava: “Não olha pra trás. O que ficou é ruim, na jarra. Olha pra frente e confia”. E aí as avós chegaram, cara e já chegaram na magia na minha vida, porque na hora que eu vi a chamada do evento na internet, eu olhei, eu comecei a ler e falava muito de alinhar a sua missão de vida e eu estava buscando porque eu falei: “Depois de tudo isso, o que eu vim fazer, mesmo? Qual que é a minha?” E aí elas falaram exatamente isso, só que buscar esse propósito de vida dentro da visão do Sagrado Feminino. Porque as avós é um saber, né, que era partilhado nas tendas vermelhas, nas tendas lunares, enquanto as mulheres estavam sangrando. Então, era muito restrito esse estudo. Bem do feminino, mesmo. Os homens não tinham acesso a isso. E aí, cara, o estudo da profundidade: o mito, a sabedoria das avós. E aí, cara, o que aconteceu? Eu não tinha dinheiro, eu não tinha trabalho, eu não tinha como, se eu fosse pensar com a mente lógica como fazer essa jornada, era de um ano e meio, mais ou menos e aí eu falei: “Cara, mas é disso que eu preciso”. Eu liguei pra mulher, pra Soraia e falei: “Eu sou Juliana, venho desse estudo do Léo” - já tinha feito grupo de estudo do xamanismo, já estava no estudo das medicinas, já estava produzindo, trabalhando, já envolvida com o caminho e ela também conhece o Léo, lua, tudo - “eu preciso disso. É uma coisa que eu não sei, eu não tenho dinheiro, eu não estou trabalhando, não sei como eu posso fazer, mas uma troca, permuta, bolsa, o que você quiser, mas eu preciso disso”. E ela virou e falou: “Vem e a gente conversa”. Eu nem a conhecia. Aí ela abriu. E isso, pra mim, já era uma quebra: eu pedir. Porque antigamente jamais, já ia ser um empecilho: não tenho dinheiro, não dá. E as avós me chamaram tanto, que eu falei: “Eu tenho que fazer acontecer isso. Não vai ser o dinheiro que vai me impedir”. E, graças, eu segui a minha intuição. E aí eu cheguei lá e aí essa jornada de um ano e meio mudou, aí foi completamente, a minha vida. Que o que me trouxe aqui, começou ali. Então, com as avós, cara, primeiro assim: já começa dessa medicina sagrada que elas trazem do não julgamento. Então, é um lugar de compaixão consigo mesmo, que pra você chegar nesse lugar, é muito auto amor. Muito auto amor. E elas ensinam você saber se nutrir com esse amor por você mesma. Então, pra mim foi uma redenção, chegar ali, porque todas aquelas chibatadas que eu me dava e os auto flagelos, de eu ser a minha própria carrasca e me condenar e me culpar: “Você não fez certo, nã nã nã”, ali caiu tudo isso por terra, porque eu comecei a olhar quem era eu. E aceitar: “Tá, tem coisa que eu sou boa, tem coisa que eu não sou boa. Tem coisa que eu erro ainda, que eu cago, vou fazer o quê? Desculpa aí, estou fazendo o meu melhor”, mas não vou ficar lá me martirizando. Vou aprender com isso e procurar fazer melhor ainda. Então, eu saí desse lugar de autojulgamento e comecei a entrar nesse lugar de honrar quem eu era, de honrar a minha verdade, de honrar o meu ser e cada vez isso só foi crescendo mais e conforme eu comecei a honrar quem eu era, aí os caminhos começaram a se abrir. Porque aí eu comecei a confiar em mim e confiar na vida. E a parti daí eu fui tendo clareza do meu propósito de vida. Por quê? Porque aí eu enxerguei quem eu era, minha capacidade, meu valor. E, ao mesmo tempo, a magia da vida, porque quando as avós chegaram, eu comecei a ver o que era viver na magia e isso, graças a Deus, eu nunca mais perdi. Eu vivo até hoje. (risos)
P/1 – Você tem algum exemplo do que é, como você sentiu que você estava vivendo a magia na sua vida?
R – Sim. Por exemplo: é você pensar numa coisa e a coisa acontecer. Ou, por exemplo, é você conectar pessoas que te trazem, assim, coisas, que era exatamente aquilo que você precisava e você reconhecer aquilo, como uma abundância, como uma plenitude. Ou então você estar ali, simplesmente, numa praça e de repente você conecta uma pessoa que você, sei lá, começa a falar assuntos, por exemplo: uma astrônoma que eu conheci falou das plêiades e começou a falar das estrelas e a gente tomou vinho e, dali, eu já acabei indo para um show e, quando você vê, você já está fazendo coisas maravilhosas, que você acredita, conectando com pessoas que você acredita, que te trazem informações interessantes. Ou seja: é uma riqueza. Você começa a ver só a riqueza da vida, a beleza da vida, sabe? E o meu trabalho veio nessa mesma magia. Por quê? Porque, embora eu vivesse o xamanismo há muitos anos e estivesse ali conectada com a galera e tal, trabalhando, apoiando, era diferente o servir. Estar nesse lugar de servir, né? De ser esse canal que está ancorando um trabalho, que está puxando alguma coisa. Eu era estudante. Praticante. E o que aconteceu? Na magia das avós, que essa, pra mim, foi a magia maior, elas me colocaram na minha missão sem eu nem perceber. Porque, na época que eu cheguei, eu não tinha dinheiro, eu não tinha trabalho, eu estava cantando o meu projeto autoral, que eu tenho um projeto que está meio engavetado, de música regional. E eu estava batalhando por esse projeto, com uma banda, e a gente meio que pagava pra trabalhar porque, pra você girar a banda, é um puta investimento. Então, tudo que a gente trabalhava, fazia free lancer e tal, investia no projeto e aí, quando eu cheguei lá, nessa jornada, eu falei: “Meu” - a banda estava tudo muito difícil, difícil, difícil – “vamos dar um time porque está muito difícil, alguma coisa está querendo dizer que não é por aqui, porque senão ia fluir, ia abrir o caminho e não está abrindo. Vamos esperar e ver o que vai dar. Vamos fechar aqui e sentir”. E bem nessa época, o que aconteceu? Eu, no meio desse fuzuê das avós, buscando me conectar com novas pessoas, novas redes, porque eu já tinha saído daquela rede da igreja e tudo o mais, estava um pouco sem ter um grupo, cara, primeiro começou no festival, que eu fui e aí, sem querer, conectei umas pessoas especiais: o Cláudio, que é um homem de medicina lá do Peru, dei carona pra ele; conectei o Mateus, que também foi um homem significativo na minha vida; várias pessoas que eu conectei, que foi há muitos anos e que hoje eu tenho contato e tenho conexão e trabalho junto, tenho parceria. Então, começou daí. E aí, segundo, foi que começaram a surgir convites pra mim. E era assim: “Ju, vou fazer um ritual, você não quer vir me ajudar?”, “Ju, eu vou fazer uma cerimônia da Mãe Terra, você não quer vir cantar, bater um tambor aqui?”, “Ju, meu, a gente está querendo tanto fazer um círculo de mulheres, puxa aí pra gente, traz aí, vamos fazer”, “Ju, vou conduzir um temazcal, você não quer vir me ajudar?” Cara, quando eu vi, eu estava trabalhando e eu tinha dinheiro (risos), tá ligado? Que até então eu não tinha dinheiro. Eu não tinha um trabalho. E quando eu vi o negócio, estava trabalhando e era, assim, um convite de uma cerimônia, já puxava pra uma outra: “Então, vai ter outra dia tal, você vem?” “Venho” “Vai ter outra dia tal, você vem?” “Venho” e assim não parou mais. Quando eu fui ver, eu tinha entrado na rede. E aí, quando eu vi, as pessoas já sabiam um pouco de mim, quem eu era, o que eu estava oferecendo, que aí eu já comecei a estudar sobre o Sagrado Feminino, fazer um grupinho aqui, um grupinho ali, uma coisa assim mais pequena, mais restrita, com pessoas que eu conhecia mais, abri ali pra eu estudar o que era isso, o que era estar nesse lugar de ancorar um círculo, de conduzir pessoas. E aí foi quando começou a abrir essa história, que era algo que eu não almejei conscientemente, eu só tive o despertar, a revelação, falou: “É aqui, olha”. E elas que me trouxeram. E aí foi um caminho que abriu e que não teve mais volta. E aí só foi desenrolando, porque aí, quando eu comecei a trilhar o caminho da minha missão, foi quando eu entendi: “Eu sou essa mulher de medicina e agora eu preciso o quê? Trabalhar essa mulher, porque ela tem um monte de ferramenta pra oferecer e então eu preciso lapidar, desenvolver. E fazer as alianças certas, né? Com as pessoas que vão me auxiliar, me ensinar, abrir o caminho”. Cara, aí já era. Aí foi um voo livre.
P/1 – Desse período das avós, assim, que tem conexão com várias coisas, elementos que você falou, qual foi um momento bem forte, mesmo? Um dia, lembra mesmo o episódio, assim, que você sentiu estar atuando na sua alma.
R – (pausa) Nossa, sabe qual foi? Tiveram vários, foi uma jornada de um ano e meio, mas teve um momento bem marcante, assim, no começo da jornada, que era quando eu estava chegando no caminho, porque as primeiras avós, quando você estuda nelas, é uma abertura de um portal, assim, muito forte. E eu fui pra Recife, para o carnaval de Recife. E eu vivi uma viagem mágica, de estudo espiritual. E quando eu voltei, primeiro já tinha sido um portal essa viagem, eu estava no meio da jornada, estava na segunda vó, eu fui pra uma cerimônia pleiadiana com o Ronaldo, meu amigo de Bauru e ele foi um portal também pra mim, porque ele abriu muito as portas de trabalho, de conexão espiritual e esse trabalho foi um portal.
P/1 – Mas o que são os pleidianos?
R – Eles são das constelações, um povo das estrelas, né, das plêiades, das constelações das plêiades e são seres que atuam muito fortemente aqui na Terra, auxiliando a despertar a consciência e elevar a frequência do planeta. Então, eu encontrei com eles num momento da minha caminhada através de um livro, né, que é Mensageiros do Amanhecer e eles trouxeram chaves, assim, pra mim, porque eles trabalham com a decodificação do DNA e o resgate da memória celular. E, ao mesmo tempo, essa consciência do micro e do macro, muito claramente. De como, também, essas forças atuam, tanto dentro do planeta, quanto fora e o que a gente está suscetível a brincar, a jogar de forças, assim, aqui na Terra. Trazendo uma consciência muito quântica, mesmo, de como viver aqui. E aí, esse meu amigo, trabalha com uma terapia pleiadiana que chama frequência de brilho. Nessa época ele também estava começando a ancorar esses trabalhos, que eram retiros, assim. Meu Deus, ali foi quando eu comecei a entender sobre o canal de cantar, sobre a medicina do canto, sobre o poder de ser uma mulher de medicina. Foi ali que começou a despertar. Quando ele me chamou pra essa cerimônia, pra ajudar, porque a maioria que estava eram homens e eu era a única mulher e, quando eu vi o que a minha presença e o que eu estava levando estava movendo ali naquelas pessoas, eu comecei a entender o meu papel no mundo, ali. Porque eu comecei a ver onde estava alcançando e, quando eu realmente ocupava meu lugar com poder, com maestria e deixava ser esse canal, pra essa força atuar, que era uma potência, que era muito além de mim. E aí eu comecei a acreditar nessa potência, dar espaço pra ela. Que até então eu tinha medo, né? Então, aí, foi muito significativo pra mim. Porque foi quando caiu essa ficha, porque embora eu estivesse ajudando em trabalhos e tal, beleza, era uma coisa que eu estava ali, né, fortalecendo também o trabalho dos meus amigos, mas nesse dia foi o diferente, que era pra mim. Inclusive o Ronaldo, com o temazcal, foi a mesma coisa. Foi também. Aí eu já estava na sexta vó, um pouco mais à frente no estudo. E ele que abriu também o temazcal, me convidando a ajuda-lo, no festival. Aí eu falei: “Ué, ajudar a conduzir um temazcal? O que seria? (risos) Acho que eu vou cantar, né? Que ele já sabe que eu canto, que eu ancoro, tal”. Cara, eu chego lá e, quando eu vejo, eu estou dando instruções pra ele, entendeu? E aí eu estou vendo, eu estou sabendo do que está acontecendo ali. Aí eu fiquei me observando, falei: “Cara, que viagem! Eu estou sabendo disso aqui”. E beleza, me observando e ajudando e trabalhando e tinha uma galera que já conhecia a cerimônia, que montou fogueira, que pegou pedra, que já estava mais adiantado no estudo e então preparou a estrutura, a gente chegou mais pra conduzir. E aí, quando eu entrei naquela tenda, que eu me vi ali com aquele balde, ministrando o calor da tenda e cantando, foi uma gota, assim, olha, ploc, que caiu em cima de mim. Tipo a mesma revelação: isso é seu, é a sua medicina, você não está aqui à toa, pega pra você, vai estudar. Aí já foi outra reviravolta no meu caminho. Que aí era mais aprofundamento, cada vez mais o caminho pedindo. E aí, a partir daí, culminou na busca da visão. Então, o temazcal é uma cerimônia muito antiga e dentro da linhagem Lakota, pra conduzir o temazcal, você tem que fazer uma iniciação, que chama Busca da Visão. Então, a busca da visão é um dos primeiros ritos iniciáticos. Por quê? Porque é uma busca de visão, mesmo. Então, é um momento que você sobe na montanha, se retira, entra em contato com a natureza e então você sai da sua zona de conforto, você não leva muitas coisas pra montanha e você fica num espaço bem pequeno, de uns dois metros, um círculo que você coloca várias rezas, assim, em torno dele, com tabaco e aí você fica lá dentro desse espaço sagrado quatro dias e quatro noites, né? Em jejum completo de água e comida. E aí, lá, você vai viver essa integração com tudo, com a natureza, essa contemplação, essa entrega pra espiritualidade e, ao mesmo tempo que você vai buscar um propósito na sua vida, você vai buscar essa compreensão do que é a missão, que eles faziam nesse intento, de encontrar seu papel na tribo. Tá, eu estou aqui nessa tribo, mas qual que é meu papel, qual que é o meu clã, o que eu vim fazer, como eu vim servir meu povo? E, ao mesmo tempo, você se apresenta pra essa egrégora, para os espíritos. Então, você sobe lá, mais perto do céu, chega lá e fala: “Estou aqui, estou à serviço, né? Estamos juntos, estou aceitando essa aliança”. Então, pra mim, depois que veio o temazcal, a busca veio na ressonância da primeira tenda que eu construí. Porque uma coisa foi aprender a conduzir, depois, porque de um convite, já surgiram outros e aí eu fui tendo que buscar esse conhecimento, pra ter essa capacidade de conduzir essa cerimônia, mas na primeira vez que eu fui construir a tenda, aí foi o meu desafio, porque aí eu tinha que provar que eu era forte. E aí eu virei selvagem, mesmo. Eu parecia um bicho e foi a primeira vez que eu tive que... o temazcal me ensinou muito isso: a trabalhar o meu masculino. Depois de muitos anos trabalhando o feminino, aí começou a vir: agora vamos ganhar potência no seu masculino. Então, o temazcal me exige uma força bem yang. E muito física, muscular. Saber usar o facão, saber entrar na mata, saber subir nas coisas, andar direito, pisar direito, usar o corpo, né? Eu já estava seguindo, já conduzindo um pouco de temazcal, já tinha conduzido alguns, aí dessa vez, que foi pra construir, encarnei esse espírito, mesmo, pintei meu rosto de urucum, tomei medicina e fui pra mata. Dá um medo de cobra, tinha horas! (risos) Mas enfim, fui lá, demorei uns três dias e meio pra construir a tenda e foi assim um apuro do apuro, porque já estava o evento rolando, estava no meio do evento e o bambu quebrava e as coisas se enrolaram, eu falava: “Meu Deus, tem que dar certo, me ajuda”. E eu já brava, parecendo um bicho, mesmo, com a galera que estava me ajudando, mas sentindo também essa responsabilidade, né, essa pressão do que é ancorar um rito ancestral e, ao mesmo tempo, garantir o bem-estar das pessoas, porque a minha primeira tenda, quem garantia que ela não ia cair no meio da cerimônia, né? Que o pau não ia quebrar, que ia dar tudo certo? Então, é muito na confiança do espírito. E no fim, cara, eu acabei de construir a tenda, já era o momento de entrar na tenda, a gente fez a cerimônia, eu estava, ali, assim, visceral em cada pau, em cada amarração, em cada pedra, em tudo. Eu estava presente em tudo. Plena em toda aquela cerimônia, assim. Eu estava presente, eu sabia da história de cada coisa. Desde o chão que a gente começou a preparar, o buraco que a gente abriu, até a última amarração, o último cobertor que eu cobri. E aí, quando eu saí dessa tenda, eu estava em êxtase. Eu falei assim, cara, eu pari: “Se eu consegui fazer isso aqui, eu faço tudo nessa vida. Se eu consegui conduzir essa cerimônia, construir esse temazcal, deu tudo certo, eu posso tudo, cara. Eu consigo tudo”. E, na hora que eu saí, eu me agachei perante ao fogo e, na hora, eu comecei a agradecer, agradecer, agradecer e aí meu corpo já começou a tremer, tremer, tremer, tremer, tremer. E aí eu já fui entrando numa força, num transe, eu já fui respirando, eu já baixei na terra e fiquei encolhidinha, assim, com o joelho, assim, como se fosse um feto, mesmo, assim, com a cabeça na terra. E aí, na hora, eu vi uma velha. E ela olhava pra mim e dava risada, com uma cara de sapeca, assim. Tipo: “Ahhh, conseguiu, né? O desafio foi lançado e você conseguiu”. E aí eu senti aquele prazer, aquele amor, aquela satisfação de ter conseguido realizar, mesmo, o meu coração e eu a via me saudando e rindo e, quando eu olhei, abriu uma escada, como se fosse um túnel, lá pra baixo. E eu fui entrando na terra e fui descendo, fui descendo, fui descendo e eu cheguei na quiva das avós. Porque o conselho das avós é subterrâneo, né? É uma quiva. Aí eu cheguei lá, eu vi a fogueira, eu vi as avós, eu vi os escudos, que é um lugar comum, que eu já fui várias vezes. E aí, quando eu cheguei lá, eu fui iniciada no temazcal, recebi a bênção espiritual. E aí elas me falaram: “Agora você está pronta, vai começar essa jornada de aprender o que é essa medicina”. Então, foi um teste construir minha primeira tenda. E, a partir daí, dessa bênção que elas me deram, eu vi como eu tinha que honrar essa medicina e aí, a montanha veio na sequência disso, porque eu falei assim: se eu recebi a bênção espiritual, agora eu tenho que receber a bênção aqui na Terra, porque dentro de uma tradição, pra você honrar uma linhagem, é sempre um ancião que te abençoa e te dá a permissão. É alguém que já percorreu esse caminho. E que te instrui a percorrê-lo também. Então, na hora, eu senti o que era. Que eu precisava entrar numa tradição, que esse rito é muito antigo e muitos povos já fazem essa cerimônia. Então, eu não podia fazer do meu jeito, aleatoriamente. Eu tinha que honrar. E aí eis que surgiu, então, esse primeiro chamado da busca. E lá fui eu subir minha primeira montanha e eu não levei quase nada. Eu levei um xale e uma coberta. E eu falei - que pode levar um saco de dormir, um isolante térmico: “Eu não quero. Eu vou levar o mínimo, porque eu quero sentir a montanha, eu quero saber o que é estar lá, sem nada, mesmo”. E lá assim eu fui. E, graças a Deus e a todos os seres, foi muito tranquilo, mas antes da montanha eu já tinha feito o processo dos 21 dias, foi também na sequência, assim. Você tinha falado pra eu falar do processo. E foi um na sequência do outro, assim. Que foi um momento de busca, né, muito forte. Estava abrindo, mesmo. Um novo ser chegando, assim.
P/1 – Você tinha mais ou menos quantos anos?
R- Tinha 29. Foi bem no retorno de Saturno. Foi bem um momento forte, assim, mesmo. De várias quebras, assim. 29, 30 no final. E aí eu fiz primeiro Viver de Luz e depois a busca. Foi um começo de ano que eu já tinha marcado os dois. Era o Viver de Luz em janeiro, no começo de janeiro e a busca eram em abril. Então, já era um começo, assim, reservado, pra aprofundamento dos meus estudos. Aí, o Viver de Luz também foi um preparo pra eu subir a montanha, porque eu sinto que é um retiro, né, que é o processo dos 21 dias, que você faz, de 21 dias em jejum e, nossa, é muita liberação, assim. Foi bem significativo, na minha vida. É algo que é pra você, realmente, nossa, limpar muitas vidas, assim, porque o nível de sutileza que você alcança e de profundidade que você acessa de você mesmo, você faz, assim, umas limpezas muito profundas. E eu sentia muito isso. Eu sinto muito isso, que eu vim com um papel, assim, pra minha linhagem, muito forte. De ressignificar muitos valores da minha linhagem e mudar a história. O curso da história. E trazer mais leveza, mesmo, pra minha linhagem. E o processo eu vi como uma chave, mesmo, pra isso. Pra eu poder liberar algumas memórias e alguns padrões que estavam vindo da minha linhagem e interromper o fluxo. Criar um outro padrão, a partir dali, né? Então, muitas coisas ali já me prepararam pra primeira subida da montanha, mesmo, porque eu já fui mais leve, uma sintonia mais com a minha essência, também. Embora é um campo bem, bem, bem sutil, do Viver de Luz. Bem suave. Ixi, muita história dentro do processo, porque aí foi quando chegou a tartaruga na minha vida, que eu ganhei uma tartaruga no 13º dia do processo, no sítio que eu estava. Ela apareceu e aí eu fui dissecar a tartaruga e receber essa medicina, que é das avós, que é o próprio escudo das avós, é o casco da tartaruga, que é o calendário da terra das 13 luas, que são 28 segmentos e 13. São 28 dias e 13 luas, o calendário natural da terra. E aí, pra mim, foi também firmar esse ponto, esse elo com elas. Cada vez que elas chegam parece que tem momentos que elas chegam e paaaaa, ancoram mais, assim, né, a medicina delas em mim. Como se tivesse enraizando mais. Porque aí, depois, culminou no que o Viver de Luz e a busca de visão? Eu comecei a ministrar o curso das avós, abrir pra conduzir mulheres dentro dessa jornada. Isso também foi um marco pra mim, porque aí já era passar o que eu tinha vivido. E, desde lá, só fui aprofundando cada vez mais, que eu fui conhecendo outras facetas. E aí elas trabalhando comigo com o canal aberto, trazendo muita inspiração, assim. Muitas cerimônias, muitos rituais e a gente não tinha limites, cara. Eu explorava tudo com elas e elas comigo. Era uma coisa bem fechada, mulheres que se tornaram bem próximas e então a gente tinha uma intimidade que fazia com que a gente pudesse navegar em muitos campos, sem se julgar, sabe?
P/1 – Eu queria te perguntar, assim, também, do fogo. Quando foi que o fogo chegou na sua vida e o que você mais aprendeu com o elemento, mesmo?
R – Dentro dessa conexão, também, com o temazcal e a busca, já conecta o fogo, né? Porque o fogo é um elemento muito presente no temazcal. Ele é o arquétipo, o aspecto masculino do temazcal, que está ali fecundando o útero, que é a própria tenda. Então, já é bem significativo. Então, eu já tinha uma conexão com o fogo, das cerimônias, mesmo, que eu participava, já gostava e tal, mas com o temazcal já era uma outra ciência. Embora eu não era guardiã de fogo, eu tinha sempre alguém que fazia essa função, mas eu tinha que saber passar o conhecimento que eu tinha, porque também a busca veio muito nisso, veio que aprimorando os conhecimentos e veio trazendo mais conhecimento alinhado à tradição. Então, coisas que eles já consideravam visões que eles já tinham, que foi sendo transmitido pra mim e que eu fui alinhando meu estudo com isso. E aí, dentro de todas essas medicinas que foram chegando, das cerimônias, dos pleiadianos, do temazcal, chegou também os povos originários. E aí eu conectei com o huni kuins, primeiro, que foi o Mateus, né, que foi meu primeiro parceiro de trabalho e meu parceiro de vida também, que a gente se envolveu, mas ele foi a primeira pessoa que me trouxe um estudo dos povos originários. Eu já conhecia lá no Léo, a gente tomava rapé, o Elvis também sempre presente ali, que é uma outra linha também, mais dos caboclos, mas a gente já cantava cantos yawanawa, já estava ali no campo, mas eu não tinha, não conhecia, assim. E aí o Mateus, quando eu o conectei, ele me trouxe essa linguagem, esse estudo do canto do rapé, não sei o que, dos huni kuins. Falei: “Nossa, que legal”, gostei muito e comecei a ver também esse chamado da medicina, pra ir pra tradição. Pra ir também pra raiz, da mesma forma. Que o Daime já não é uma raiz, uma tradição. Ele vem de uma tradição dos índios, né? Querendo ou não, de um sincretismo. Então, aí, quando começou a minha história com o fogo, mesmo, como guardiã, foi com o Ibã Sales. Então, aí, a gente já estava desenrolando esse estudo de cerimônia, de fazer rodas de rapé, os pequenos grupos, com a ayahuasca, de conduzir alguns trabalhos fechados e aí veio essa de trazer o Ibã Sales pra cá. Vamos fazer uma temporada com o Ibã Sales. Eu morava com o Mateus essa época e a gente falou: “Vamos fazer um mês e meio com ele”.
P/1 – Quem é Ibã Sales?
R – É um antropólogo huni kuin que eu te falei. Ele é artista também, ele pinta, fala sobre a história dos huni kuins e o trabalho que ele faz, mesmo, forte, é de preservação os cantos. Então ele tem um arquivo vasto dos cantos huni kuins. E é o que ele mais zela, assim, é a história do povo, junto com as artes e os cantos, principalmente. É a medicina, assim, dele. E ele é txaná, ele é cantador absurdo, assim. Ele cantava uns cantos de duas horas. Uma força. De abrir, assim, a boca e não parar nunca mais. E ele foi o primeiro portal que abriu pra mim como guardiã de fogo, porque quando ele veio e a gente fez várias cerimônias com ele um mês e meio, eu era a guardiã oficial dos trabalhos de fogo dele. Então, o Mateus ficava nessa linha de produção, de ajudar a galera e eu era guardiã. E aí foi quando, pra mim, foi esse refinamento do masculino, que é isso que o fogo me ensina, mesmo: essa retidão, essa firmeza, que é uma qualidade masculina. Que é uma precisão, que é uma atenção plena, que é uma presença com uma ação, que é diferente do feminino, que é algo que é expansivo, que é forte, que pra mim é muito a onça, mesmo. Ele traz esse arquétipo pra mim, que é o poder pessoal. Que é você chegar ali perante aquele elemento, sabendo que ele te queima, né, e você conseguir interagir com ele numa maestria, que vira tudo uma coisa só, você entende a linguagem dele e aí você só vai nutrindo ali, porque ele mesmo está te ensinando, assim.
P/1 – Você lembra de alguma vez que ele te ensinou bastante, assim?
R – Lembro. Foi em uma cerimônia que foi logo no começo, que foi numa Tipi, meu, muito especial, do Diego Leite. Sabe quem é o Diego Leite? Ele é um irmão de medicina também, mas o estudo dele é mais do Wachuma e da ayahuasca na linha do Shipibos dos Andes. Foi lá nessa oca, nessa Tipi, quando eu comecei a entender, cara, o que era o trabalho de guardar o fogo, que eu via, assim, eu sendo um canal, mesmo e o fogo me usava como instrumento dele, e conforme ele ia me usando, ele ia me explicando sobre alguns mistérios da vida, mesmo: o que é esse potencial criador, o que é essa manifestação dentro de nós. E essa nossa capacidade de entender os reinos, de estar íntegro com tudo, né? Então, pra mim, o que ele me ensina é navegar nesses mistérios da natureza e você pedir licença, pedir permissão, você entra e aí você vai descobrir o que são esses mistérios da criação. O temazcal é isso. Porque é essa alquimia. Então, o fogo também é uma alquimia, porque é madeira, né, então é terra, tem a água, que solta ali, tem a fumaça, tem os quatro elementos ali, no próprio fogo, né? Então, uma fogueira é um mistério e ali, pra mim, foi um desenrolar, cada vez mais aprofundando, até chegar aos yawanawas, né, que aí já é um fogo mais feminino, também. Porque os trabalhos são guiados por mulheres e então eu me sinto muito como uma sacerdotisa, mesmo, do fogo, né? Porque ali, com o Ibã, ele estava me ensinando sobre o masculino. Que a presença dele era uma presença de um masculino, ele trazia uma firmeza! Ele tinha uma suavidade, mas ao mesmo tempo ele trazia uma presença que, em mim, ele provocava um comportamento de impecabilidade, de estar muito, assim, na presença e aí, isso, o fogo me ensinava junto, que era esse masculino elevado, esse lugar do masculino refinado, de uma energia muito criadora, sem ser consumidora, sem ser agressiva, mas um aspecto muito positivo do fogo, do masculino. E com as Yawas, não. Com elas eu já sinto um outro lado, que é essa sacerdotisa do fogo. Que é um fogo que não traz, embora traga essa firmeza do masculino, é uma coisa que traz uma beleza, traz uma magia, traz um encanto. É diferente onde vibra. É mais feminino, também. Enfim, é um servir que eu tenho feito e que me ensina muito, mesmo, a estar presente a esse fogo espiritual, mesmo, assim. De manter esse elo com a ancestralidade, que é isso que o fogo me ensina. Essa magia, né, de quantos rezos que foram, ali, feitos, em torno da fogueira. E esse mesmo fogo que guarda essa memória de todos esses rezos dos nossos ancestrais. E de quem vem depois. Então, é muito sagrado, assim. Um lugar de muita honra, mesmo e muita humildade, porque a gente é muito pequeno perto dessas forças, assim. Muito pequeno. Então, é um servir ali, com o máximo respeito, mesmo.
P/1 – E em toda essa caminhada, com essa planta de poder que você falou, se você pudesse escolher uma visão pra trazer agora, de algum trabalho na sua jornada que foi, realmente...
R – Uma visão? Você diz tipo uma miração, assim, que eu tive?
P/1 – Uma miração.
R – Nossa! Teve uma vez que eu fui levada para o reino das águas, assim. Eu estava aprendendo sobre afluir, entregar e delicadeza. E começou essa miração, eu estava bailando. E a força começou a vir tanto, vir tanto, vir tanto, que começou a brilhar muito. Eu já comecei a me embaralhar, já não estava conseguindo mais me coordenar, porque estava muito brilho, muita luz. E estava ofuscando. E aí eu já não estava conseguindo enxergar. E aí eu tive que sair e sentar. E aí, na hora que eu sentei, eu senti algum... chegou, assim... um ser, uma energia e esse ser pareou comigo e aí ele me levou para o reino das águas, que era um lugar muito encantado e ele me conectou com os elementais, com as ondinas e eles estavam me ensinando sobre gestação, sobre fluidez, sobre recriar esse ser e, ao mesmo tempo, esse lugar da célula, mesmo, de entrar nessas águas e se fundir. Só que o mais bonito foram os seres que interagiram comigo nesse reino, que eles eram como se fossem dragões, só que aquáticos. E era um encanto, assim. Era como, não sei, se conectasse o reino das princesas no mar, assim, sabe? De uma sutileza, de uma beleza, não dá pra expressar em palavras, mas são presentes, né? Já tive conexão com os pleiadianos, no fim, de ver a teia das constelações, o universo fora, que era o universo dentro. Então, eles me mostravam toda a conexão da rede do universo dentro de mim, esses pontos de luz, como se fossem os chacras conectados também. Representando a mesma coisa. O que estava fora, estava dentro, né? Desse lugar de pertencimento, mesmo. De reconhecimento, enfim. Infinitas histórias, né? (risos)
P/1 – Ia te perguntar da história que eu tenho a oportunidade de conhecer, já, algumas histórias, assim, dos povos indígenas, quando você ouviu aquela canção maori.
R – Ahhh. Essa foi a minha primeira subida da montanha? Foi a primeira ou foi a segunda. E eu estava pra subir a montanha, né, me preparando pra subir a montanha, aí o que aconteceu? Olha, cada história! Tinha um cachorro do meu vizinho e que ele, às vezes, entrava na minha casa e ficava lá, assim, frequentando a área da frente da casa. Ele passava pelo portão, se espremia, conseguia passar. E, cara, eu tinha uma conexão com esse cachorro e um dia eu até cheguei, assim, de madrugada, e eu lembro que eu o vi, assim, na frente do portão e aí eu falei assim: “Nossa, mas o cachorro sentado aí às três da manhã? Está parecendo um guardião”. Achei, assim, interessante. E tudo bem. Aí, beleza, já era um cachorro conhecido, vivia no vizinho, vivia na rua, vivia em casa, tudo nosso, comunidade. Cara, aí eu estou pra subir a montanha, tipo umas duas semanas antes, assim, por aí, de subir a montanha, acordei, estava ali tomando um café, passando uns vídeos ali no Facebook e vi um vídeo do haka maori, que é uma dança de guerra maori. E eu já tinha visto esse vídeo antes, mas enfim, dessa vez eu vi, meu, aquilo tocou em um lugar em mim, em um lugar que eu falei assim: “Nossa, que força é essa?” Eu não consegui parar de assistir, porque é muita virilidade, eles são, sei lá, uns oito homens fazendo aquelas caras e batendo no corpo, sabe? Cantando forte. E aí eu ficava olhando e sentido aquela coisa ufffffffffffff ativando. Eu assisti umas dez vezes aquele vídeo, sem parar. Aí, beleza, aquilo foi mexendo comigo, eu fui gostando, né? Aí acabei meu café, acabei de assistir o vídeo, fiquei na ressonância daquilo e desci e fui cuidar das plantas e mexer no quintal e aí tem um corredorzinho, assim, lateral, que eu estava mexendo nas ervas, né? E eu estava ali mexendo, começo a escutar a cachorrada auauauauauauau, latindo loucamente. Aí eu falei: “Nossa, a cachorrada, que doida!” E tudo bem, lá mexendo e auauau. Aí, nesse auauau eu percebi que tinha um latido que estava meio estranho. Porque ele estava assim: uéuéué, tipo meio rouco. Eu falei: “Meu, será que o cachorro engasgou? Está latindo esquisito, vou lá ver”. E aí eu fiquei buscando identificar se era esse cachorro, porque eu já conhecia o latido dele. E achei que era. Cara, subi o corredor, fui lá pra frente, fiquei olhando lá na rua o que estava acontecendo. Esse portão do vizinho do lado é tipo um corredorzinho e o portão vem depois, então fica um buraquinho aqui antes, com o portão aqui fechado. Meu, quando eu olho ali dentro daquele buraco, estava esse cachorro sendo atacado por dois pit bulls. Na hora eu olhei, já comecei a tremer, entrei em um pânico, falei: “Ai, meu Deus, o que eu faço?” Aí fui chamar a Valéria, que é a vizinha que também cuida da cachorrada toda lá da rua. E eu: “Valéria, Valéria” e ela não apareceu. Eu fui lá, toquei a campainha, falei: “Meu, ela sempre está na rua, sempre” e naquele dia não tinha ninguém na rua. Uma alma. Eu falei: “Cara, vai ser eu mesma, tem que ser eu mesma”. Aí eu desci correndo pro quintal, fiquei procurando alguma coisa, tinha uns bambus lá, eu peguei o mais grosso que eu achei e subi, meu e aí, na hora, eu peguei e fui pra cima daqueles pit bulls, meu e comecei a dar paulada na cabeça deles e gritar. Que aí já me veio sobrevivência na selva. (risos) Já me veio isso também: tem bicho, você tem que gritar. Que você paga de louco, o bicho se assusta, ele foge, entendeu? Então, na hora, me vinha uma coisa que eu falava: “Cara, eles vão ter que perceber que eu sou mais louca do que eles. Que, se eles vierem pra cima, eles estão em desvantagem, entendeu? Eu vou ter que mostrar que eu estou aqui pra o que der e vier. E aí, na hora, eu peguei o pau: “Sai daqui, sai, solta ele”. E batia assim com tudo. Aí eu quebrei o bambu na cabeça de um e ficou só um pedaço. Só que um deles já tinha soltado o Meninão e saído do buraco e o outro ainda estava preso nele. E aí, o que eu fazia? Eu dava umas pauladas nele e vinha pra trás. E dava umas pauladas nele e vinha pra trás. Porque eu falei: “Meu, se ele virar pra mim, eu tenho que sair correndo, eu não posso entrar nesse buraco com eles”. E aí, conforme eu fui vindo pra trás, eles também vieram pra fora do buraco, mais pro meio da rua, só que ele ainda estava preso no pescoço do Meninão. Cara, aí eu peguei esse pau e, como eu já estava com o bambu curto, eu parei de bater nele e comecei a bater no chão. Aí eu ficava batendo no chão, nossa, gente, eu juro, eu saí de mim. Nesse momento eu saí de mim e, na hora, eu vi, eu estava incorporada no haka maori, mesmo. (risos) Porque, o que eu estava fazendo ali, realmente, era uma dança de guerra, era esse momento de falar: “Cara, eu vou pra cima, é matar ou morrer”. Eu estava me sentindo assim, mesmo, em uma sobrevivência na selva. E alguém do meu clã sendo atacado, entendeu? E eu precisava preservar a vida dele. Aí, na hora, meu, eu peguei esse bambu e fui indo pra cima dele, batendo no chão, gritando e falando: “Sai. Sai daqui. Sai daqui”. E louca. Só que, assim, eu estava tão fora de mim, tão fora, que alguém apareceu, assim, na sacada, acho que eu devia estar gritando tão loucamente, que uma mulher apareceu, aí eu olhei e, na hora que eu olhei pra ela, que eu senti a energia dela olhando, foi na hora que eu caí em mim e falei: “Nossa, eu estou aqui na rua, meu, gritando, devo estar parecendo uma louca”. Aí eu voltei, assim, pra consciência e aí os cachorros já tinham soltado, o Meninão já estava meio que, assim, perdido e eu fui indo pra cima deles, até eles saírem do portão da minha casa. Aí quando eu pude abrir, o Meninão entrou, eu entrei, fechei o portão, aí pasma, né, por que o que aconteceu? Foi na minha segunda busca, agora que eu lembrei, conectei as histórias, porque aí o Meninão entrou... eu, primeiro, estava em estado de êxtase. Foi tanta adrenalina que eu estava assim: ahhhhhhh. Rindo, meio fora do ar, sentindo tudo aquilo borbulhando dentro de mim e ele estava perturbadíssimo. Ele entrou e ficou se raspando, assim, na parede da casa inteira. E passando o sangue dele ali, assim. Meio que se limpando, meio atordoado. E aí eu vi que ele estava meio agitado e, quando eu vi, ele estava fazendo assim, assim, aí ele arrancou o dente, porque ele sofreu um corte na gengiva e o dente ficou pendurado, aí ele foi e arrancou o dente, só que ele arrancou o dente no ponto do guardião da minha casa. Bem na frente do ponto do guardião. E aí, na hora que eu olhei aquele dente, eu falei: “Nossa, meu, ele é o guardião, mesmo”. Aí eu peguei, guardei e falei: “Eu vou fazer um colar”. E aí eu fui acudir, né, ele que até então não era meu cachorro, era um cachorro dali, da rua. E o vizinho que cuidava. E ali selou, né, o nosso elo, porque aí eu o peguei, levei para o veterinário e aí eu cuidei dele esses dias. E aí eu subi a montanha, minha segunda busca, com o colar dele no pescoço e aí ele virou Meninão, aí ele virou meu, ficou comigo alguns anos. E é isso. (risos)
P/1 – E aí, nesse momento da sua vida, né, você está organizando aí a publicação do seu livro de poesias?
R – Sim.
P/1 – E aí eu ia te perguntar que a vida com poesia é muito intensa, né, então alguma coisa que você lembra que te trouxe da caminhada, com essa forma de arte também, que você falou da música, de tantas outras que você faz.
R – Sim. A poesia começou pra mim como uma válvula de escape, né, porque eu era muito no meu mundo, então era uma forma de pôr um pouco pra fora aquilo que eu sentia, que era muito intenso dentro, então era desaguar. Escrever era desaguar. Aí, depois de um tempo, escrever era contemplar. Então, assim, eu contemplava tanta coisa, eu enxergava tanta beleza, que eu falava assim: “Nossa, meu, eu preciso escrever sobre isso e guardar”. E hoje a poesia, pra mim, é uma síntese da vida, de momentos ou de sacadas ou de insights ou de uma visão que você viu nas entrelinhas aquela situação e você captou algo que estava por trás daquilo, dentro daquilo e você quer expressar aquilo que foi visto com seu olhar de artista, de poeta, enfim. Então, pra mim, hoje tem muito a ver a poesia com criar essa realidade... criar, não, mas externar essa realidade paralela, né? Que já está o tempo inteiro esse mundo meio que de magia e aí a gente pega e, através dessa magia, você vê a vida. E vive a vida. E poesia é viver, a vida é poesia. Está em tudo, né? E aí é essa beleza, é falar dessa beleza. Ao mesmo tempo é um despertar, ao mesmo tempo é contar uma história.
P/1 – Qual foi o caso, assim, mais marcante... não mais, mas que te levou a escrever um poema? Você lembra alguma coisa?
R – Eu lembro o primeiro, que chamava Saudade de uma Paixão, era dor de amor. (risos) E era tipo um sentimento nostálgico que eu sentia. De uma falta de algo que eu não sabia o que era. Porque não foi escrita pra alguém. Não era um amor que eu estava vivendo. Não era nada. Mas era tipo essa paixão, esse fogo, esse calor. Falava disso: dessa saudade desse lugar nostálgico e poético que, enfim, me convidou a adentrar. E aí, a partir daí, eu ficava madrugadas, assim, escrevendo, muitas madrugadas, porque eu achei um prazer nisso e achei um significado, assim. De poder, de alguma forma, expressar aquilo que eu estava sentindo, mesmo.
P/1 – E é muito diferente... qual é a diferença entre escrever uma poesia e receber um hino?
R – Nossa, é totalmente diferente. Porque, geralmente, pra mim, a poesia vem do quê? Por exemplo: alguma coisa que me inspira. Pode ser uma imagem, pode ser uma situação, pode ser uma fala sua que você falou e de repente aquilo me inspirou, você começou uma fala e eu já linkei com uma outra frase e dentro de mim já começou o processo de criar poesia. Tem um estopim, alguma coisa que alavancou pra ela chegar, seja uma observação que eu tive, seja um insight, seja um pensamento, enfim, mas eu sinto que ela vem disso, de um fogo que acende, assim. O hino, não. Quando é um processo de canalizar o hino, eu sinto que é algo tipo um bolo, uma massa que já está sendo criada e, quando ela fica pronta, ela chega e desce. Ela já vem pronta. Não é algo que eu tenha que criar e passar por um processo de sentir, de lapidar, de ver pra onde vai. A única coisa que você tem que fazer é manter a mente neutra e o canal, assim, tranquilo, pra sintonizar bem a frequência que está sendo enviada, que é a antena. Como se fosse isso.
P/1 – Você podia contar de algum recebimento de algum hino que foi forte pra tu?
R – Sim. Geralmente é muito forte receber um hino. Cada um tem a sua particularidade, assim, porque todos marcam um ponto forte, assim, da sua jornada. Então, por exemplo, teve um hino muito forte que eu recebi nesse trabalho com o Ronaldo, pleiadiano, que eu contei, que foi quando abriu essa questão do canal, de cantar. Eu percebi que realmente estava ali minha missão, eu realmente eu era uma mulher de medicina. Depois veio um hino muito forte, que foi quando eu senti de sair da igreja, que foi o hino que marcou esse lugar que eu ia pro mundo, que eu ia expandir e acho que um dos mais significativos é o Semente de Estrelas também, que é o nome do hinário e ele veio quando já tinha pedido pra eu fazer os trabalhos, né, porque até então os hinos eram recebidos e guardados. Não eram muito cantados. E o Semente de Estrelas eu recebi ano passado, eu já tinha feito um trabalho, já tinha aberto o hinário pra força oficialmente, né, aberto mesmo e aí eu ia pra montanha, foi bem na busca de visão do ano passado, que eu não ia subir, eu ia ficar no apoio e no fim eu não fui e eu fiz lá o fogo nos trabalhos da Rusharu e eram dois trabalho, um na sexta e um no sábado. E quando eu cheguei lá na sexta-feira, eu estava tremendo, assim, o corpo tremendo e eu sentindo, assim, uma coisa que eu ia morrer, que eu ia morrer e eu falei: “Caramba, não tem nada, nem ninguém aqui no espaço, não tem nada acontecendo e eu já cheguei e estou assim”. E eu fiquei assim antes do trabalho começar, o tempo inteiro, tremendo, tremendo. Eu buscava respirar, concentrar: “Calma, Juliana, calma”. Beleza. Aí eles chegaram, acendi o fogo, o trabalho abriu, ela foi servir a medicina, eu fui uma das últimas a tomar, eu ainda tremendo e sentindo uma sensação de morte e, nesse dia, eu tive uma revelação da minha missão, mesmo, porque eu sinto que a missão é que nem o caminho: conforme você vai caminhando, ele vai abrindo. E a missão vai se revelando também. Conforme você vai caminhando a missão, é como se você chegasse em um ponto e falasse: “Pô, ela chegou aqui, agora ela pode ver mais”. E é como se fosse peças, mesmo, que a gente vai completando o quebra-cabeça. E tendo a visão do que é o todo. E aí, nesse dia, eu tive uma revelação da missão, como se tivesse aberto, assim, um portal e eu fui lá na frente ver tudo isso aqui que eu estou fazendo agora da minha vida, onde isso vai me levar. Porque a gente caminha na confiança, a gente não tem uma clareza de onde vai, é um grande mistério, né? Que é isso: conforme a gente caminha, vai se abrindo, né? Não imaginei que eu ia subir a montanha nessa vida, que eu ia conduzir temazcal nessa vida, que eu ia ter um hinário, que eu ia trabalhar dentro dessa força do Daime. Então, as coisas vão vindo, vão chegando, vão acontecendo, vão se revelando, né? E onde é que eu estava, mesmo, que eu perdi o fio da história? Do hinário, do Semente de Estrelas. E aí, o que aconteceu? Nesse trabalho eu pude ver um pouco mais à frente e aí eu tremi na base, (risos) que é como se fosse isso: você está ali cultivando o jardim, mas você não sabe até onde essa plantação pode chegar, as pessoas que vão se beneficiar desses alimentos, que vão pegar mudas e que vão criar outros jardins a partir dessa planta. É uma floresta de riquezas, não tem limites, mesmo, né? E aí, cara, eu saí desse trabalho, eu fiquei umas duas semanas processando essa informação, assim, com medo, até eu entender que eu não sou um ser humano, eu sou um espírito e o meu espírito é infinito, não tem limites. É uma potência que não tem... e o meu ser humano é pequeno e aí, na hora, me veio assim: “Lembra? Você é espírito, você é potência. Você pode chegar onde você nem imagina, mesmo, porque é um fragmento” e aí, na hora, eu fui compreendendo, falei: “É verdade, eu sou um espírito, está tudo bem”. Tipo: não vai vir nada que eu não possa dar conta. Assim, o que eu tiver que fazer, eu vou fazer. E aí, dentro dessa síntese, dessa compreensão, dessa aceitação, chegou Semente de Estrelas, que é o hino que coroa o hinário. E ele, pra mim, veio como uma confirmação, tipo assim: balança mesmo essa força, é um mar de possibilidades, é um infinito, você vai voar, você vai navegar, você vai mergulhar. É isso. Mas quando você confia em quem está te guiando, quando você confia na força da vida, não tem limites, você vai embora. E aí você realiza, nessa fé, mesmo. E aí eu estou trilhando esse caminho, de confiar cada vez mais, me entregar cada vez mais e ser guiada.
P/1 – Qual é seu sonho de vida hoje?
R – Nossa! Meu sonho de vida, cara, é ser a potência que eu sou no mundo. É isso. Isso, assim, engloba ter coragem, desenvolver meus talentos e o meu sonho, hoje, está linkado com a minha missão, que é realizar minha missão na Terra, né? E a minha missão não é pra mim. Ela é pra Terra. Pra humanidade, pra quem quiser beber. Pras futuras gerações, né? É algo que vem vindo de lá de trás e que eu quero preservar daqui pra frente também. Então, meu sonho é cumprir a minha missão com impecabilidade, é vir aqui servir o que eu vim fazer. Eu já caminho pra isso. Então, eu vivo meu sonho, já. Agora, sonhos, assim, como ser humano, tem vários: viajar o mundo... enfim, né? Mas como essência, o meu sonho é esse.
P/1 – E como foi contar a sua história hoje?
R – (risos) Especial, interessante, é navegar nesses túneis assim do passado e também reconhecer, assim, os pontos chaves do meu caminho, porque são muitas coisas que acontecem no caminho, mas tem alguns momentos que realmente vira, assim, que a gente deixa de ser um ser, pra nascer um outro ser. E esses ritos de passagem é o que dão significado, assim, pra nossa vida, de verdade. Porque a gente está galgando pra ser o melhor, pra se transformar. Então, quando chega esse momento, que é o ponto crucial, que é tipo: “Vai, pula do abismo, mais um voo”, que bom! Se a gente está voando, quer dizer que a gente está subindo, então damos graças. (risos)
P/1 – E aí, desse hinário que você falou no fechamento, eu ia falar pra você apresentar um canto pra fechar esse encontro.
R – Vamos lá! Então eu vou trazer esse canto que, pra mim, é muito significativo e que é o que eu tenho aprendido a sustentar, talvez, nessa vida, que é Não há Limites pra quem Sabe Sonhar e isso que eu falei, né? Que eu vivo o sonho, porque isso é real. (risos) Porque a gente pode viver o sonho. As avós, é isso que elas trazem, que a gente tem que viver como um sonho realizado na Terra. Que isso é a cura da humanidade. Não é viver como, sei lá, um robô ou viver sobrevivendo, empurrando ali uma realidade que você não gosta. Não, é viver sendo um sonho, do acordar ao dormir. Você ver a beleza, você conectar com seu propósito, você estar ali servindo, alinhado com algo maior, alinhado com o que você acredita, com o que te deixa feliz, né? Então, Não há Limites pra quem Sabe Sonhar:
“Ah, que lugar lindo é esse um dia acreditar
Romper barreiras que impedem de amar
O ego e o medo vão liberando o lugar
Para a confiança soberana reinar
Ah que magia a vida tem pra mostrar
Nem uma peça fica fora do lugar
Em tudo a perfeição manifestada está
Tantas belezas pra quem sabe observar
É que o mistério universal vem ensinar
É longa a jornada, tem que perseverar
Humildade e respeito, pra poder chegar
Com o coração aberto pra coragem entrar
Essa é a força da rainha universal
Que vai guiando nossos passos no astral
Trazendo à Terra porta de iluminação
Curando a alma, a mente, o corpo e o coração
Sagrada seiva que liberta o meu ser
Aqui me entrego pra poder conhecer
Braços abertos pra poder receber
Meu eu divino eu merecer
Sigo cantando o amor universal
Plantando estrelas do reino celestial
Aqui na Terra luz divina semear
Cultiva esperança, o horizonte mirar
Não há limites pra quem sabe sonhar
O amor me leva, eu só posso é chegar
Seguir os passos que me indica o coração
Aqui na Terra caminhar a minha missão”.
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