Memórias do Comércio de São José do Rio Preto 2020-2021
Entrevista de Sandra Reis Machado – Livraria Espírita
Entrevistada por Ana Eliza e William Carneiro
São José do Rio Preto, 04 de Maio de 2021
Entrevista MC_HV063
Transcrita por Selma Paiva
(09:40) P1- Sandra, tudo bem?
R- Tudo.
(09:42) P1- Obrigada novamente, em nome do Memórias do Comércio. Eu vou começar fazendo algumas perguntas. Pra começar, qual é o seu nome inteiro, a data e o seu local de nascimento, pra gente deixar registrado.
R- Sandra Reis Machado. Sou de São José do Rio Preto. Nascida aqui, criada e tudo, aqui em Rio Preto. (riso)
(10:10) P1- Qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R- Nelson Gonçalves dos Reis e Teresa Maria Dias Reis.
(10:19) P1- Você tem irmãos?
R- Tenho irmãos. Tenho um irmão, Nelson. E duas irmãs: Juliana e Patrícia.
(10:30) P1- Bom demais. Então, deixa eu começar perguntando aí da sua família. A sua família é daí de Rio Preto? Me conta um pouco aí dos teus pais.
R- O meu pai é engenheiro. Ele veio pra Rio Preto trabalhar numa empresa multinacional, transferido pra cá, ainda muito jovem. E nós nascemos aqui, eu, e minha família, os meus irmãos, né? E eles vieram de Minas, do sul de Minas. E deram continuidade aqui, no projeto de vida deles, na nossa cidade.
(11:03) P1- Sim. De onde eles eram aqui, do sul de Minas?
R- Eles eram de Brasópolis. (risos)
(11:11) P1- Brasópolis.
R- Perto de Itajubá, que vocês devem conhecer porque tem a Efei, a Faculdade de Engenharia de Itajubá, é uma cidade boa. Mas Brasópolis é uma cidadezinha pequena, próxima lá.
(11:26|) P1- Pequenininha, pacata. (risos) Bem cidade de Minas mesmo, né?
R- Coisa de Minas.
(11:34) P1- Ai, Minas é tudo de bom. Eu sou suspeita pra falar. (risos) Mas e os seus avós? Você chegou a conhecê-los?
R- Sim. Os meus avós, também de lá, também eram do sul de Minas. Todos eram ali da mesma região. Tanto os avós paternos, quanto maternos, todos eram ali do sul de Minas, também.
(11:59) P1- Hum hum. Então, os seus pais, ambos, eram ali do sul de Minas, né? Você lembra, mais ou menos, em que época eles foram pra Rio Preto?
R- Sim, porque, se eu nasci em 1974, por volta de 1973, 1972, alguma coisa assim. (risos) Uns dois anos antes. Setenta, década de setenta.
(12:24) P1- Então, você não chegou a conhecer tanto a cidade natal deles?
R- Eu conheço. Eu visitei algumas vezes, sim. Tanto na minha infância, quanto depois, na adolescência, na fase adulta. Gosto muito de viajar. Então, eu estou sempre por ali, também.
(12:45) P1- Viajar é tudo de bom, né, gente? Saudade.
R- Nem me fale. Saudade de viajar, né, minha filha? Meu Deus!
(12:51) P1- Ô, meu Deus, o gatilho.
R- Nem me fale.
(12:57) P1- Aqui em Rio Preto, onde você cresceu? Aonde você passou a sua infância? Qual bairro foi? Qual região foi?
R- Eu nasci no Centro da cidade, na Rubião Júnior, né? Depois os meus pais mudaram-se ali pra... ali, eu acredito que seja Boa Vista, próximo ao Mercado Laranjão, ali. Eles moraram ali, muitos anos. Eu cresci lá, na verdade e passei a minha adolescência, até sair de casa. (risos)
(13:34) P1- E você lembra como era o bairro naquela época? Tem alguma memória de infância?
R- Ah, sim. Ali, o bairro era bem isolado, né? Era um bairro... na verdade, os meus pais moravam bem próximos à Avenida Cenobelino de Barros Serra. Então, a Avenida Cenobelino de Barros Serra, ali, era ainda uma avenida muito marginal. Principalmente à noite, havia muita dificuldade ali com pedintes, também com pessoas que faziam atividades que não eram liberadas. Então, aconteciam muitas situações de a gente vivenciar, ali por perto, polícia e tudo o mais. Então, era uma região que a gente vivia muito fechado, vivia muito... grades. Então, eu me lembro muito de grades. E todo mundo brinca comigo que eu era a menina da grade, porque eu ficava pra dentro da grade e todos os meus amiguinhos ficavam ali na rua, sentados na calçada, conversando comigo. (risos) Inclusive, eu conheci o meu marido, sentada ali na calçada. E estamos aí. (risos)
(14:42) P1- Vocês se conheceram, então, na infância?
R- Infância. Na adolescência, né? Eu tinha catorze anos. Ele tinha a mesma idade. E aí foi o nosso primeiro momento ali, de nos conhecermos. A gente era muito amigo. É isso aí.
(14:59) P1- Mas vamos voltar lá na infância. E, assim, tem alguma coisa desse bairro que você lembra? Você falou que você lembra dos seus amigos conversando do lado de fora. Você lembra como eram as brincadeiras, as conversas que você tinha, quando você era mais menina?
R- Na verdade, esse período, assim, uma coisa que era bastante forte, era porque a gente frequentava ali, hoje eu sou espírita, mas a gente frequentava muito a Igreja Santa Terezinha, ela era muito forte ali na região. Então, a gente frequentava grupo de jovens, coral. Ia com os grupos lá e nos encontrávamos. Eu participava muito de tudo, gostava sempre de me envolver com essas atividades. E ali, nós também acabávamos sempre ao redor ali dos vizinhos, as crianças, os adolescentes, uma família. E todos tinham, mais ou menos, os mesmos hábitos, né? Então, eu me lembro que grande parte dos jovens, das crianças que estavam ali, frequentávamos, nos encontrávamos. E era a oportunidade de sair também, né? No meu caso, que eu era a mais velha de quatro, os meus pais não me deixavam sair muito. (risos) Então, era a igreja e ficar ali, conversar com o pessoal, a nossa amizade. E isso ficou até hoje, né? Essas pessoas todas são, hoje, parte do meu network também, são parte dos meus encontros, são pessoas fizeram, que marcaram a minha vida. E elas são continuidade, claro. Porque eu não sou da área do comércio, apesar de hoje ser empresária e empreendedora. Estou como voluntária nesse trabalho. Mas como empresária e empreendedora, também sou gestora, gestora da educação há quase vinte anos. Então, tenho muita experiência nesse sentido, assim, de ver que todas as pessoas que fizeram a nossa infância, que fizeram a nossa juventude, como foram laços diferentes de hoje. Hoje os laços são muito volúveis. Esses laços eram muito fortalecidos, porque nós só tínhamos aquilo, né? Então, o nosso relacionamento era aquilo. E aí, nós acabamos, assim, trazemos eles até hoje, de uma maneira muito forte na nossa vida, né?
(17:15) P1- Nossa, é verdade, né? Como eram as relações, antigamente, não tinha internet, não é?
R- Não tinha nada. E eu sou super tecnológica, amo.
(17:26) P1- Aí, ó. Mas tem alguma coisa dos teus pais, dessa época, que você lembra com carinho? Da sua família, alguma coisa especial dessa época, que você gostaria de mencionar?
R- Olha. São muitas lembranças, né? Na verdade, eu não sei quais as relacionadas, assim, ao que você precisa ou quer. Eu gostaria de saber. Mas uma lembrança que eu tenho, forte, relacionada ao local que eu vivia, era todo esse cuidado do meu pai, de nós não ficarmos muito no portão, não sairmos. Era uma preocupação muito grande, porque ele dizia que era um bairro muito perigoso. E, realmente, a gente vivenciou várias situações, que dava pra perceber isso. Mas criança não quer saber disso, né? Criança quer encontrar os seus amigos, quer sair. Então, a gente vivia aquela guerra em casa, querendo sair. E ele não deixava nem a gente sentar no portão. Então, a gente tinha umas cadeirinhas, aquelas cadeirinhas de sentar no portão, aquelas cadeirinhas de corda. E eu lembro que nós tínhamos uma cadeirinha pra cada um. E levávamos essa cadeirinha pro portão, pra conversar com os nossos amigos, que ficavam sentados pra fora. E, por incrível que pareça, juntava, assim, trinta, quarenta crianças sentadas na rua, no nosso portão. Porque nós éramos os que os pais não deixavam sair, eu e a minha irmã, que tínhamos mais ou menos a mesma idade. Então, a gente era o point da rua. Toda noite estava lotado o nosso portão. (risos) Eu acho que eles pensavam: “Meu Deus, o que tem nessa casa, que elas ficam presas aí, né?”. Então, isso é uma lembrança muito forte. E eu me lembro que a gente tinha que sair do portão e guardar a nossa cadeirinha. O meu pai era do comércio. Por muitos anos ele teve lanchonete, teve restaurante, padaria. Apesar de ser engenheiro, ele sempre teve um comércio, paralelo, assim, ao trabalho dele. E aí ele voltava tarde da noite. Ele trabalhava três, quatro períodos, se deixasse. E aí ele voltava, não poderia encontrar as cadeirinhas no portão. Então a gente já saía, tinha que recolher as cadeirinhas, porque se ele encontrasse, ele saberia que a gente estava no portão. Então, essa é uma lembrança muito forte, assim. E a lembrança de como as coisas eram difíceis, né, como nós éramos em quatro filhos. E era só ele que trabalhava, que tinha essa questão da manutenção das despesas da casa. E nós estudávamos. Ele sempre fez questão de pagar uma escola particular, pra gente ter um futuro. Porque ele sempre pensava que o futuro era... sempre pensou muito certo, eu acredito, que ele falou que a única herança que ele tinha que deixar pra nós era o estudo. Então, ele se esforçava. Ele pagou pra nós sempre, escola, pra dizer: “Olha, é assim”. Mas tudo ficava muito difícil. Então, eu lembro que era tudo difícil pra minha mãe, pra todo mundo, comprar alguma coisa, uma roupinha, pra levar um lanche na escola. Então, tudo isso eram características, na época, que foram, que hoje a gente olha de forma muito carinhosa, que na época eram perrengues. Mas que hoje a gente verifica que são movimentos de transformação muito importantes, assim, de valorização. São movimentos que criaram dentro de nós, assim, algo muito forte, no sentido de querer ser mais, de querer, de conquistar as nossas coisas. Isso nos ajudou muito, todos nós aqui da minha casa, da minha família, sermos independentes, conquistarmos as nossas próprias coisas e não dependermos. Sempre foi muito isso, mesmo.
(21:04) P1- Legal. E a sua mãe? Tem alguma lembrança, alguma colocação?
R- Então, a minha mãe sempre foi muito “mãezona”. Quatro filhos, né? Eu era a mais velha. Então, a minha mãe sempre foi muito querida, uma pessoa muito trabalhadeira, muito dedicada. E muito envolvida com as crianças. Ela tinha aquelas tardes dos lanchinhos, café da tarde, sempre tínhamos, era uma rotina. Uma coisa que hoje eu vejo com a molecada, eu tenho dois filhos jovens, adolescentes, eu tenho que ficar pegando no laço. Isso foi uma coisa muito bacana, de viver o home office na pandemia, foi poder estar com os meus filhos jovens, dentro de casa e vivenciar alguns momentos que a gente não vivenciava antes, porque o espaço do quarto é muito mais forte, hoje. E a gente não tinha isso, porque nos nossos quartos não tínhamos TV, não tínhamos celular, não tínhamos nada. Então, a nossa vida era muito em cima do roteiro criado pela nossa mãe, né, nossa família. Então, a mãe era aquela direcionadora: “Olha, tal hora é o lanche”. Então o lanche estava lá na mesa, sempre com aquele cheirinho, sempre com uma coisa nova, sempre um pão, uma rosca, sempre ela que fazia, né, uma coisa que a gente lembra muito, é muito gostoso. E sempre muito cuidado. Eu acho que o cuidado é algo marcante, assim, na nossa infância, né? Os cuidados da mãe, que é algo que eu consegui vivenciar no período de pandemia, como mãe, que foi muito bacana, foi transformador e gerou várias mudanças pós-pandemia.
(22:48) P1- Gente, dá até uma saudade, né? Aquele bolo de mãe. (risos)
R- Que delícia, né? Mas agora eu mato a minha saudade, porque depois da pandemia eu mudei pra rua da minha mãe, o condomínio aqui que ela mora.
(23:01) P1- Aí, olha, que beleza! (risos)
R- E aí eu me decidi, porque eu era uma loucura: eu sempre tive dez mil empregos, dez mil atividades. E aí, na pandemia, eu surtei. Porque quando aconteceu o fechamento, eu estava na Europa e eu fiquei presa lá por um tempo. E aí eu voltei com uma super síndrome, assim, fiquei em pânico. E fiquei na minha casa. E morava num apartamento lá no Centro da cidade e acabei entrando numa neura e falei: “Não. Tenho que mudar a minha vida”. Entrei num ciclo aí de burnout, tive que me tratar, mas no sentido de fazer atividade física, de mudar a minha vida. E aí mudei aqui pra rua dela. E agora a gente tem lanche da tarde, porque eu fechei meio período no trabalho que tinha, integral. Na verdade, eu pedi pra reduzir meio período e eles aceitaram. E abri a minha empresa, porque eu já tinha, eu já trabalhava com coaching antes e como consultoria. E aí eu abri a minha empresa. No período da tarde eu trabalho na hora que eu marco as coisas, que eu me organizo. E aí, eu estou aqui pra tomar lanche, de novo, com ela.
(24:13) P1- Ai, que linda, gente. Tem que curtir mesmo, a mãe, gente. Porque mãe é tudo de bom.
R- É isso que eu pensei, né? (riso)
(24:22) P1- Está certa. Priorizar aí a vida pessoal é muito importante a família. Mas, assim, continuando, você falou que o seu pai tinha comércio, né?
R- Sim.
(24:36) P1- Você lembra desses comércios, no que ele trabalhava?
R- Lembro.
(24:40) P1- Tem alguma lembrança de vocês ajudando?
R- Opa. Como mais velha eu sempre estava lá como auxiliar dele, em todos os comércios que ele teve. Então, eu trabalhei na Padaria Portuguesa, que foi uma padaria que tinha em frente ao Laranjão, Supermercados Laranjão, na Rua Osvaldo Aranha. Essa padaria foi, assim, muito marcante na minha vida, porque era a minha infância, assim, eu tinha nove anos, dez anos e eu ajudava muito lá. Era aquele cheiro de pão, aquela coisa maravilhosa. Eu sempre gordinha, né? Meu Deus, adorava comer! E aí, ficava lá, o ajudava, levava as coisas. E, logo em seguida, quando ele vendeu a padaria pro sócio dele, ele já vendeu pra comprar algo melhor, assim, na cabeça dele, como comércio, né? E aí ele comprou a Lanchonete Marechal, ali na Marechal Deodoro, que ficava do lado de uma butique, alguma coisa assim. E a Lanchonete Marechal era quase perto ali da esquina, da antiga Livraria Martins. Então, eu tenho várias lembranças ali em que eu ia na lanchonete, ajudar. No fim de semana, né, porque dia da semana eu estudava. Mas de sábado, domingo, ficava ajudando-o a servir. Durante a semana, eu cuidava de algumas coisinhas de casa, fazia home office para a lanchonete, né, contando as pessoas que tinham as pendências. E de sábado, eu adorava ir pra lanchonete, pra ajudar, porque a hora que dava meio-dia, o meu pai me liberava meia hora e eu ia dar uma volta no calçadão. Passava ali pela... como chama? Paulista... pela... lá no calçadão, tinha uma lanchonete grande, de esquina. Não me lembro o nome. Mas a gente passava na Salada Paulista, passava na Livraria Martins, que eu sempre gostava de um livro. Todo mês ele me deixava eu escolher um livro, na Livraria Martins, que hoje é a Firenze, né, a antiga Livraria Martins. Então, eu tenho várias lembranças desse período, assim, porque foi um momento muito importante. Ter vivenciado o comércio, assim, é algo muito diferente, a gente poder vivenciar isso, sair de uma bolha, né? Porque eu vejo, hoje, os jovens, os adolescentes numa bolha muito grande, no sentido de viver escola-casa, escola-celular, escola, né? O máximo deles é pensar que faculdade vai fazer. Então, isso é muito triste, assim, perto de todas as vivências que eu tive, né? Então, eu procuro sempre proporcionar pros meus filhos, muito disso. Certificar Google, ir conhecer o Google, ser empreendedor, fazer empreendedorismo, fazer curso técnico. Então, os meus filhos passaram muito por todos esses processos, porque eu valorizo muito essas vivências. Porque eu vejo que a juventude está numa bolha aí, muito forte. (risos)
(27:42) P2- Sandra, você falou que o seu pai era engenheiro. E aí, como foi pra ele, assim, isso de, de repente, lanchonete, padaria. Como é isso? Essa gestão toda?
R- Na verdade, assim, ele era engenheiro, ele já veio pra Rio Preto como engenheiro, numa multinacional. Então, ele veio ganhando muito bem, pra época. Então, eu sinto que surgiu, mais numa questão de investimento: “Como pegar esse dinheiro, esse excedente, investir, de tal forma que possa também reverter pra minha casa, pra melhorar a minha renda”. Porque ele era o provedor ali, naquela época. A minha mãe, professora, mas não chegou a atuar, porque com quatro filhos, coitada, quem dera dar conta daqueles quatro, né? E aí, assim, eu sinto que foi mais nesse sentido, mesmo. Além do que ele sempre gostou, gostou bastante de ter amigo, de contato, de tudo. Mas ele sempre gostou de estar no Clube dos Engenheiros, ele era da diretoria, ele sempre gostou dessas questões. Eu acho que isso, eu puxei muito pra ele, aí nesse sentido, porque eu gosto muito de estar nas unidas, no caso, da USE, que eu trabalho, trabalho voluntário, de estar envolvendo pessoas, então é muito o processo dele. Então, eu acho que o comércio surgiu nessa união do útil ao agradável, pra ele.
(29:08) P2- E aí a sua mãe começou a fazer o Magistério, também, mas não terminou?
R- Ela fez o Magistério. Ela veio pra Rio Preto, já formada. Ela já havia até dado aula, um tempo, lá na cidade dela. Mas aí, quando ela casou, veio pra Rio Preto. Logo que ela chegou aqui, já engravidou. Então, aquela história: “Vou dar um tempo, porque engravidei”. Mas aí já veio um filho atrás do outro e aí: “Ah, vamos ter todos, pra depois ficar livre” e, no fim, naquele looping de coisa pra fazer e acabou não retomando, assim. Então, por isso. Mas inspirou todas nós, assim. A minha irmã, apesar de ser enfermeira, ter pós-doc em Ética, ela é professora universitária numa universidade federal. Eu sou professora, educadora, mas gestão, empreendedora, eu gosto muito disso. Mas a minha outra irmã também, apesar de ser tradutora e de trabalhar muito com viagens e escrever e fazer curadorias, ela também é professora. Então, inspirou a gente nesse processo da educação, da aprendizagem. Meu pai também, hoje, no fim da vida, assim, profissional, trabalha como educador. Ele é professor na Etec. Então, ele se aposentou. Depois do comércio, ele abriu uma empresa, uma empresa de telefonia, que era a Resil, ali na frente do Sesi, 338. Abriu essa empresa lá, que durou uns dez, quinze anos. Eu trabalhei lá na minha adolescência. E depois ele deixou, fechou a Resil e começou a dar aula no Philadelpho. Ele já dava aula no Philadelpho, na época, na Etec. E aí ele continuou. Aí ele se aposentou como engenheiro. E acabou continuando só na Etec. Então, hoje, é professor também, né?
(31:05) P2- Uma família de professores.
(31:06) P1 – É.
R- Todo mundo. Menos o meu irmão, que é engenheiro, trabalha na área médica, de medicamentos, o meu irmão. Mas o restante, todo mundo é professor.
(31:20) P1- Eu estudei na Etec. Há muitos anos.
R- É? É que ele é na área de eletrotécnica, né? Então, eu acho difícil.
(31:28) P1- Sim.
R- Mas era ele, lá. Está lá até hoje.
(31:32) P1- Mas, assim, você fala dessa questão da educação, que sempre foi muito cara pra sua família. Em que escola você estudou na sua infância? Depois, na sua adolescência?
R- A princípio, eu estudava aonde era mais próximo da casa. Então o meu pai tentou, me colocou ali no Santo Antônio, que era um colégio perto da casa que eu morava. Aí, como eu fui a mais velha, eu entrei no “infantilzinho”, deu tempo dele ficar testando outras escolas. Então dali, ele já colocou no Santo André, que era um colégio maior, fiquei uma ano lá. Mas aí ele queria colocar todos os filhos e pesquisando. Ele sempre foi muito ligado na educação. Ele colocou, na época, no Colégio Pequeno Príncipe, que hoje é o Nossa Senhora da Ressurreição. E aí, lá a gente ficou, os quatro. Ficamos os quatro, até a minha quarta série. Que quando eu fui pro que hoje é o sexto ano, que era a antiga quinta série, o meu pai conseguiu vaga no Sesi, 410, que era super cogitado. E aí nós fomos pra lá, eu e meus dois irmãos mais novos. E só a minha irmã, que era logo abaixo de mim, que continuou no Pequeno Príncipe, porque não conseguiu vaga no Sesi. E aí seguimos até o final do ensino fundamental, no Sesi. E aí, no ensino médio, eu consegui bolsa. Na época, era Anglo, depois virou Seta. E finalizei o meu ensino médio no Seta. No terceiro ano do ensino médio, eu estava, terminei no Seta.
(33:10) P1- Sim. E durante esse tempo das escolas, da primeira escola, da escola da educação infantil, tem alguma coisa que você lembra, assim, que te marcou? Algum professor? Alguma matéria que você gostava?
R- O que me marcou muito no Pequeno Príncipe é porque era uma escola de freiras. Então, a gente vivenciou muito esse processo de estar numa escola de freiras e era uma escola pequena. Porque no Santo André, por exemplo, era uma escola que eu não tinha contato com toda a estrutura de organização, né? E no Pequeno Príncipe, não. No Pequeno Príncipe isso era tudo muito nítido. A casa das freiras era ao lado da entrada da escola. Então, ela acordava de manhã e saía no corredorzinho onde a gente entrava. Então, uma lembrança muito bacana, foi ter desmistificado essa questão da santidade da freira, né? Ter percebido que ela era uma pessoa como a gente, era uma pessoa normal. E que tinham freiras boazinhas e que tinha freiras muito chatas, pra gente, naquela idade. Então, a gente conseguiu vivenciar isso muito de perto. Foi bem bacana. Eu tenho bastante lembranças. Assim, tenho lembranças, hoje, que me chamam bastante atenção, que eu me lembro que, como eu sou espírita, né e existe muito preconceito com relação ao espiritismo, eu fui católica durante trinta anos da minha vida, eu me lembro que nós fizemos uma apresentação - que tinha aulas de música na escola - de uma música da Clara Nunes, que é a Mãezinha do Gantois. E é uma música que é uma música espiritualizada, uma música que tem todo um olhar espiritual, mas que nada tem de católica, né? (risos) E aí, como aparecia “mãezinha”, ela foi utilizada para o Dia das Mães. (riso) E aí eu me lembro de todo o fervo que virou no dia da apresentação dessa música. (risos) Porque era uma escola extremamente católica. E aí a gente sai, todas as crianças, cantando: “Mãezinha do Gantois”. (risos) E aí foi muito... foi uma lembrança legal que, hoje, com todo esse processo de entendimento da religiosidade, da espiritualidade, que eu gosto muito, eu gosto muito de meditação, sou instrutora de mindfulness, então eu gosto muito de percorrer tudo isso. Então, é uma lembrança que ficou pra mim, bem forte e eu acho bacana. Do Sesi, eu lembro muito assim, a escola em si, foi uma escola muito difícil, assim, eu entrar num grupo que já existia. Então, isso é bastante difícil. Por isso que eu acolho muito os alunos, na escola que eu sou gestora. Eu fico muito preocupada com isso, porque foi algo muito forte pra mim, eu ficava com as excluídas da sala, né? Isso, pra mim, foi muito bacana. Sendo que, depois, eu terminei o nono ano como sendo líder da minha turma. Então, foi muito bacana vivenciar essa transformação que, na verdade, aconteceu porque teve a oportunidade e eu tive coragem de mostrar as minhas habilidades. Mas muitos não têm, muitos se fecham. Então, pra mim, isso foi muito forte. O Sesi foi uma escola que deu muita abertura pra isso. Tinha professores muito mais abertos do que a educação, a formação tradicional, naquela época. Então, apesar de termos professores mega tradicionais, a gente tinha professores que davam abertura pra gente ser a gente mesmo, assim. Eu penso que... quando eu li o livro Fomos Maus Alunos, do Rubem Alves, eu entendo bem que... do Rubem Alves e Dimenstein, eu vejo que nós tivemos toda a oportunidade pra sermos maus alunos, porque eu era esse fundão da sala, também, igual eles descrevem no livro. (risos) Eu era aquela que não... mas sempre tinha as melhores notas, sempre sabia burlar o sistema, no sentido de estudar, tirar nota e curtir o fundão da escola, né? Então, são essas lembranças que eu tenho do Sesi, do ensino fundamental. Quando eu fui pro Anglo, eu já tinha um foco, assim, de vida, um foco de estudar. Então, as minhas lembranças são mais ligadas à rotina de estudo, disciplina, trabalho. Era algo que eu sempre tive muito forte na minha vida. E nesse período já foi um despertar. Eu sempre gostei muito de estudar. Sempre. Até hoje eu estudo, sei lá, dez horas por dia. Porque a gente estuda, fazendo tudo, na verdade. Antigamente, estudar a gente pensava que era só sentar, colocar a bunda na cadeira e ficar lendo, estudando. Hoje a gente percebe que estudar é tudo, né? Tudo o que eu aprendo, tudo o que eu me abro é estudar. Então, eu acho que foram essas as minhas lembranças do ensino médio.
(37:55) P1- Hum hum. Tinha alguma matéria que você gostava mais?
R- Então, na verdade, como eu tive uma professora de antiga oitava série, de Matemática, que me despertou assim, eu tinha ido mal na prova. Mal assim, eu tinha tirado, sei lá, sete. Ela disse: “Você não é menina de tirar sete”. Aquela professora que olhou pra você, né, que te enxergou. E como ela teve essa fala comigo e tudo o mais, eu achei que o meu caminho era Matemática, mas não. Foi a minha primeira graduação, eu fiz Matemática, na Unesp. Me formei em Matemática e Física. E depois migrei pra Computação. Depois fiz Pedagogia. Fiz seis graduações, na verdade, porque eu adoro estudar. (riso) E é isso, assim, eu achei que era Matemática, uma matéria que eu mais gostava, mas hoje eu até dou aula de Matemática. Eu faço uma disciplina que é introdução à Física, do ensino médio, no nono ano, fechando Matemática no nono ano. Como fechamento de ciclo, em Matemática. Mas é mais pra poder me aproximar dos alunos e mostrar pra eles que eles são diferentes da Matemática, que eles são mais que a Matemática. Então, na verdade, a minha disciplina é junto com uma orientação profissional. Então, eu quis, eu criei essa disciplina pra mostrar que Matemática não pode ser tabu, que na verdade, cada um pode se descobrir em Matemática. Eu acho que por conta desse trauma aí que eu, aparentemente, vivi. E aí eu sempre quis despertar através da Matemática, as pessoas. Mas não era Matemática, em si. Eram as pessoas.
(39:28) P1- Gente do céu, seis graduações! Foi Matemática que você fez. Depois você fez o quê?
R- Eu fiz Matemática, Física, Ciência da Computação, Pedagogia, Gestão de Projetos e Empreendedorismo. E fiz e agora estou terminando Inteligências Múltiplas e Mindfulness, que eu já sou instrutora de mindfulness, mas eu gosto muito. E... nossa, espera aí, tanta coisa. Deixa lembrar mais. Ah, eu sou gestora de EAD, especialista em gestão de EAD. Gosto muito de trabalhar com tecnologia. Tecnologia na educação, mas também tecnologia pra lidar com pessoas. Eu gosto muito de ajudar as pessoas a terem os seus canais, a fazerem as suas coisas. Eu não gosto de ter o meu canal. Então, eu realizo todo esse processo de apoio midiático, né? Então, eu tenho seis canais que eu ajudo a gerenciar, a organizar, a criar conteúdo. Gosto muito disso. O que mais? Sou tutora Google. Gosto de tecnologia. Acho que é só tudo isso.
(40:54) P1- Só tudo isso. (riso) Mas, assim, você entrou na Matemática isso, mais menos, em que ano?
R- Eu entrei em 1997, em Matemática. Foi a minha primeira graduação. Na verdade, eu entrei em 1993 e formei em 1997, na turma de 1997.
(41:12) P1- Legal.
R- Aí, quando eu saí, eu saí com três graduações, que era Matemática, Física e, na época, Desenho Geométrico, que era uma disciplina, era uma área específica pra... na época tinha provas de vestibulares específicos pra Engenharia, onde eles tinham que fazer construções. Então, eu tinha essa graduação. Aí depois foi acontecendo. Assim, eu terminei essa. Eu fui fazendo umas especializações no meio. Eu sou psicopedagoga também. Eu tive uma escola de aulas particulares pra crianças com distúrbios de aprendizagem. Eu trabalhei muitos anos junto às escolas. Aí depois eu fui chamada pra ser coordenadora nesse colégio que eu estou até hoje, que é o Colégio Coeso. Na verdade, era Colégio Arte & Manha e Coeso. Na época eu fui diretora. Eu fui coordenadora geral, na verdade. A diretora me chamou. Aí, nessa época, surgiu a ideia da Pedagogia, por conta da gestão. E aí as coisas foram surgindo, né? Porque aí foram surgindo outras afinidades. E aí eu vi que eu gostava de outras coisas também. E aí fui seguindo por outras graduações. Então, eu nunca gostei muito do meio acadêmico, assim, no sentido de mestrado, doutorado. Porque eu sempre gostei de aprender muitas coisas ao mesmo tempo, (risos) sempre fui muito ativa. Mas, ao mesmo tempo, isso tudo me levou a toda descoberta do mindfulness, de viver o presente, de fazer uma coisa de cada vez. E aí acabou me encaminhando nesse rumo do autoconhecimento, que hoje eu trabalho muito com orientação profissional. Foi outra formação que tive, de orientadora profissional. E trabalho com recolocação de carreira, headhunter. Então, eu trabalho com essas áreas também, porque eu gosto de trabalhar pessoas. E aí eu fiz coaching. E aí eu trabalho tudo isso na formação de pessoas. A verdade é que eu gosto de pessoas. (risos)
(43:18) P2- Bastante coisa. Sandra, eu ia perguntar: então, assim, você fez seis graduações e outras especializações. Muita coisa. E dá mais ou menos o quê? Mas de dez anos estudando tudo isso?
R- Ah, muitas vezes, eu estava fazendo duas, três coisas ao mesmo tempo, né, porque, ainda mais quando nós tivemos o advento do EAD. Eu sempre fui muito autodidata. Então, eu tive muita dificuldade quando eu fiz Unesp. Depois eu fiz mais de um curso lá, né? Então, eu tinha bastante dificuldade com esse processo, por ser muito autodidata. Então, eu sempre gostei de estudar sozinha, não gostava de assistir aula. Não gostava, sabe? Então, eu meio que era turista nas aulas. Só que tirava notas boas, porque eu gostava de estudar sozinha. E, nessa época da faculdade, eu dava muita aula particular. Tanto que eu me formei, eu tinha cem alunos de aula particular. Eu tinha uma escola de aula particular, quando eu me formei, né? Porque eu gostava muito. Eu estudei muito no terceiro ano, pra passar na faculdade, porque eu queria prestar Ciência da Computação. E aí eu passei em Ciência da Computação na Unicamp e passei em Matemática no Ibilce. E aí eu escolhi Matemática, né? Porque eu tinha colocado Ciência da Computação por conta da minha família, do meu pai, expressões assim: “Ai, paguei escola a vida inteira pra você fazer Matemática, ser professora”. E aí eu fiz essa escolha. Foi frustrante. Dois anos eu ganhei do meu pai não conversar comigo, (risos) por conta disso, por conta dessas escolhas aí. E fiquei em Matemática, mesmo contra a vontade dele, assim. Não era o que ele dizia, mas era o que ele demonstrava, o que ele fez com as atitudes. Mas ele não queria que eu fosse professora, ele queria um futuro melhor, assim, né? E acho que é isso, assim. Então, dentro da faculdade, isso tudo foi acontecendo muito rapidamente. Então, eu sempre gostei muito de estudar sozinha. Então, o que acontecia? Depois, com os processos acadêmicos acontecendo concomitantemente, eu conseguia fazer junto. Então, a especialização, eu conseguia fazer junto. As graduações eu ia terminado uma e começando outra. Então, eu me encontrei muito com o projeto de EAD. Eu acho que é isso.
(45:36) P2- Você nunca ficou parada, né? Sempre uma graduação atrás da outra?
R- Sempre estudando.
(45:43) P2- E eu acho interessante, porque isso quebra aquela noção, assim, de: “Tem que escolher uma área. Depois fazer um mestrado, um doutorado, pós-doc e acabou. E ficar naquela área estabilizada, no Lattes, no currículo lattes. E na verdade, não, né? Você pode sempre mudar a sua perspectiva de vida, sempre trocar de área, acumular conhecimento. Um conhecimento ajuda na outra área, né? E isso vai puxando a vida, né?
R- Sabe que uma coisa que eu ouvi muito das pessoas, foi que quem sabia tudo, gostava de estar em várias coisas, nunca era boa em nada. E isso, pra mim, nunca colou. Porque sempre, tudo o que eu fiz, eu sempre quis fazer muito bem-feito. Sempre no limite do que eu podia, das minhas forças. Então, durante muitos anos, eu dormia três horas por noite, quatro horas, no máximo, porque eu sabia que tinha essa questão de ter que me dedicar. E hoje eu vejo muitos frutos disso, porque todo mundo que precisa de tudo o quanto é coisa, me procura. Então, desde montar um canal do Youtube, desde fazer um projeto de live, desde uma mídia social, ou desde uma formação de professores, uma palestra ou uma orientação profissional, ajudar um aluno. Então, eu gosto muito. E gosto, eu acho que eu fico feliz disso que você falou, de não ter só uma área, de não seguir só um rumo. Pra mim, eu não fico feliz, engessada, assim, né? Tanto que eu já estava há mais de quinze anos na gestão desse colégio, quando eu pedi pra reduzir meio período. Eu tinha muitas coisas do colégio, assim, na minha mão, foi muito difícil eu trabalhar isso, assim, porque eu já estava lá há quinze anos. Eu era uma das pessoas mais antigas, inclusive, na gestão, eu era a mais, fora a dona. Então, eu tive que me desprender de tudo isso, porque eu não estava dando conta. E tinha que viver as outras coisas que eu queria, que me faziam feliz, né? Então, a gente tem que ir fazendo esses caminhos. Eu acho que isso é o que faz a gente feliz, né? Ver o que a gente pode se encontrar. Por isso que eu gosto muito de trabalhar, hoje, com recolocação de carreira. Eu gosto de trabalhar muito com essa questão do head, da orientação profissional. Eu falo muito isso pros meus alunos, que eu tenho uma aula de projeto de vida com eles, né? E nessa aula de projeto de vida, a gente fala muito sobre isso: “Você não precisa escolher agora a faculdade que você vai fazer pro resto da vida. É simplesmente o que você está vivendo agora. E, se você não gostar, você muda daqui a pouco. Você muda daqui a pouco. Você muda daqui a pouco, de novo”. Então é isso, eu quero fazer tanta coisa. Eu quero fazer Marketing. Eu quero fazer Direito. Eu quero fazer tanta coisa. (risos)
(48:26) P2- Então, era o que eu ia perguntar: você que fluiu das Exatas, pras Humanas. E está nisso. Você planeja fazer outras faculdades ainda?
R- Sim. Agora, eu estou terminado essa, que eu gostaria, que eu termino agora nesse semestre, de Inteligências Múltiplas e Mindfulness, eu quero fazer Psicologia Organizacional, que é algo que eu gosto muito, que também leva pra área da Psicologia. Estou fazendo Psicanálise também, junto. (risos)
(48:57) P2- Também.
R- Mas a Psicanálise eu vou levar junto. Mas eu só não fiz Psicologia, porque não tem Psicologia em EAD. Porque eu gosto muito de Psicologia. E eles não aceitam Psicologia EAD. Vamos ver, agora, com essa mudança da pandemia e isso tudo, muda os rumos, porque eu gosto muito de estudar, assim. Então, é só fazer os estágios presenciais, né? É só ser semipresencial, na verdade. Mas eu quero fazer Psicologia, quero fazer Marketing, que eu adoro trabalhar. Quero fazer Publicidade e Propaganda, adoro. Adoro tudo.
(49:34) P2- Sim. E Psicanálise é superbacana, também. Eu sou da área de História, mas existe a história da psicanálise, também, né? Tem todos os processos...
R- Estou amando.
(49:45) P2- É muito bacana. Hum hum.
R- Muito bom.
(49:49) P2- Ana.
(49:52) P1- Nossa, eu estou aqui pensando o tanto de coisa que você vai fazendo. E como isso vai refletindo também na sua vida pessoal. E eu queria perguntar da vida pessoal, mesmo. Você falou que você conheceu o seu namorado aos catorze anos, o seu marido, o seu atual marido. Como é que foi a história de vocês? Como vocês se conheceram?
R- (risos) Então, assim, hoje eu tenho dois filhos. Tenho uma filha de dezenove anos e um filho de dezessete anos. Eles estão se descobrindo ainda nesse mundo. Eu acho que é o que eles falam, assim: “Como você abre muito o nosso leque, (risos) eu acho que isso deixa um pouco mais complicado, porque...”. Ela estava com um au pair pago, aqui, pra ir, mas aí os Estados Unidos bloqueou tudo. Então, a gente tem muito essa visão. Eu quero que eles vivam muita coisa. Eu gosto muito de viajar. Eu gosto muito de estar pelo mundo, assim. Gosto muito de São Paulo. Gosto muito de viver outras coisas. E esse aprendizado é constante. Por isso que eu digo e eu quero proporcionar isso pra eles. Mas, em contrapartida, eu tenho uma questão muito forte de trabalhar com espiritismo, eu sou muito envolvida. Eu tenho muitas - que eu acredito - coisas a fazer ainda nisso. Então, isso acaba também organizando, reorganizando a minha vida, né? Eu fui casada por vinte anos. E me separei do pai dos meus filhos e reencontrei, depois de vinte e quatro anos, o meu marido, que já estou há cinco anos. O reencontrei, depois de vinte e quatro anos, da minha adolescência. Aí a gente se reencontrou, nos casamos, estamos aí há cinco anos, juntos. E muito felizes, super... é outro momento, outro momento evolutivo. Outra vibe também. Porque, às vezes, as pessoas vão seguindo caminhos e rumos diferentes. E meu primeiro casamento, eu era muito novinha, eu tinha vinte e dois anos, então era outro pensamento, outra ideia. E segui pra esse rumo, hoje. Assim, que não dava mais. Eu acho que alguém falou pra mim assim: “Ai, Sandrinha, é muito difícil ser casado com você”. (risos) E, realmente, tem que ser uma pessoa que tenha outra cabeça, assim, que tenha uma mente aberta pra tudo isso. Porque eu gosto de fazer, eu gosto de estar. Eu estou em movimentos, estou em eventos. Estou em movimentos de unificação. Consegui envolver vários eventos de Rio Preto e região, São Paulo, estou na USE estadual também. Então, eu acho que tudo isso que eu vivo de pessoas, pra mim, eu quero repercutir muito nessa questão, pra mim, no espiritismo, que é de transformação pessoal, de evolução, de crescimento, de ajuda, de amor ao próximo. Não assistencialismo, nada disso. Mas no sentido de autoconhecimento mesmo, de trazer as pessoas pra realidade. Então, eu gosto muito disso. Eu gosto muito da área de estudos do espiritismo, que é onde eu trabalho e por conta disso que eu me aproximei da livraria. Gosto muito das leituras. Gosto muito desse processo da fé raciocinada. Então, isso pra mim faz muito sentido. E hoje, assim, o meu casamento, a minha vida, depois que eu reduzi meio período, também, ficou muito melhor. O meio período, nessa escola que eu estava, oficialmente, vamos dizer, no período integral de trabalho. Mas eu sempre tive horários muito flexíveis pra fazer as minhas atividades. Eu trabalhava lá, entre aspas, o ‘dia todo’. Mas eu tinha um horário flexível de almoço, grande. Eu sempre fazia as minhas atividades nesse horário. Mas aí eu pedi pra reduzir. Então, eu termino lá de manhã, saio na hora do almoço. E eu faço as minhas coisas. E é aí onde eu me envolvo com as minhas atividades. Então agora eu tenho mais tempo pra minha casa, pra minha família, que também eu vi ser muito importante nesse período aí, que todos precisavam muito. Parecia que todo mundo estava se virando muito, mas não era. Então aí foi onde eu voltei esse olhar também pra minha casa, pra minha família. Mas o meu marido sempre me acompanhou, sempre foi atrás de fazer tudo comigo. Ele adora meditar. É ele que trouxe isso. Fiz yoga muitos anos. A gente tem a mesma vibe. Eu acho que é nesse sentido aí. Tem que estar em sintonia, né? Senão... são ciclos que se fecham na vida da gente, também, né? A gente tem um ciclo, esse ciclo se fecha. Mas aí estamos num ciclo muito bom, graças a Deus. (risos)
(54:24) P1- Bacana. E essa questão do espiritismo? Você falou que durante anos você foi do catolicismo. Como você se encontrou no espiritismo?
R- Um dia, caiu na minha mão O Livro dos Espíritos. E eu estava numa vibe muito difícil da minha vida pessoal. E a hora que eu li, eu falei: “Nossa”. Eu tenho quarenta e seis anos hoje. Eu tinha trinta anos e aí eu falei: “Nossa. É isso daqui, né?”. Eu sempre fui muito católica, no sentido de: “Nossa, não me responde tudo. Não é tudo o que eu queria saber”. E a hora que eu li O Livro dos Espíritos, super racional, super científico, assim, que a base do espiritismo é a ciência, fez sentido. E aí eu comecei a estudar e comecei a me envolver. E comecei a trabalhar e comecei a fazer trabalhos sociais, campanha “Auta de Souza”, pedindo alimento pra montar cesta básica, até dar palestras, que é o que eu faço hoje. Faço lives. Faço lives de formação. Faço congressos espíritas nacionais e internacionais, hoje. Então, hoje, com a Livraria Espírita, eu tenho dois canais. Tem o canal da Livraria e o canal do Youtube da USE, da União das Sociedades Espíritas, onde a gente apoia a unificação das casas espíritas. A gente é como se fosse um sindicato, sei lá, das casas espíritas, né? Tudo o que as casas precisam, elas vêm procurar com a gente. Eu sou secretária-executiva da diretoria executiva, na USE. E sou diretora de comunicação, justamente por isso, porque eu gosto. Então aí, a partir disso, criei nossos canais. Eu tenho um conteúdo gerado lá, semanalmente, que eu planejei. Sou também produtora de conteúdo, num canal na Rede Amigo Espírita internacional, que aí trabalha tanto o projeto nacional, na Rede Amigo Espírita Nacional com a internacional, que tem, sei lá, um milhão de amigos, que eles brincam. (risos) Tem hoje, unindo os três canais, eu acho que ele tem oitocentos e poucos mil seguidores. É um canal muito forte na divulgação do espiritismo. Um canal muito sério, que eu gosto muito. Eu gosto muito disso. Eu gosto de estar em vários lugares, assim. (risos) E eu sofro muito de não ser onipresente, de estar em mais coisas ao mesmo tempo. (risos) Mas é isso que eu faço. Deixa eu ver se eu esqueci de alguma coisa. (risos) E aí, o ano passado, eu tomei conta da livraria, eu levantei, porque ela tinha sido entregue. É uma livraria que tem uma história muito bonita em Rio Preto. Foi levantada pelos jovens, né? Então, ela foi fundada pela Mocidade Espírita. Eu não fui feliz de ter sido um jovem espírita ativo, eu não tive essa felicidade. Mas esses jovens espíritas hoje são dirigentes nas casas espíritas. Dirigentes idosos, assim. Porque eles eram jovens na década de sessenta e jovens, assim, de vinte e poucos, trinta anos. Então, hoje eles estão aí passando a bola, vamos dizer. Então, pra eles eu sou super jovem, eles me chamam de “menina”. (risos) Mas eles passaram essa bola pra mim. Essa livraria tinha sido entregue pra uma distribuidora, pra Candeia, que é uma distribuidora de Catanduva, o ano passado, pela USE anterior, pela diretoria da USE, anterior. E aí eu fiquei sabendo. Como eu estou, eu fazia parte da diretoria do IELAR, que é a casa espírita onde um fundador foi um dos fundadores da livraria, eu sabia da história. E aí eu falei: “Não. Eu quero pegar a livraria de volta”. E aí foi onde eu peguei e levantei a livraria no período da pandemia. E agora a gente está dando continuidade nesse projeto, mas com uma nova diretoria, que eu faço parte dessa diretoria. E essa nova diretoria, agora, super apoia o projeto da livraria, não querem entregar. Conseguimos retomar o nosso Clube do Livro muito fortemente, fazer todo o trabalho de divulgação. Porque a gente sabe das necessidades - mesmo tendo as redes sociais, mesmo tendo internet – das pessoas que querem comprar.
(58:45) P1- Sim. E qual é importância dessa livraria na história de Rio Preto, pra você? Você falou que você fez questão, foi até o fim, recuperou essa livraria. Por quê?
R- E arrumei muitos perrengues, muitas pessoas, muitas, não sei se é “inimigos”. Eu acho que a palavra certa talvez seria “antagonistas”, né? Pessoas que não concordam com o meu ponto de vista. Mas porque eu vejo: a livraria espírita é... primeiro, o livro, pro espiritismo, é algo muito forte. O livro é algo, é um símbolo de estudo. E o espiritismo é muito estudo. É uma religião que tem muitos livros psicografados. Então, é muito baseado nessas questões de estudo, né? Léon Denis, muitos filósofos envolvidos com a filosofia espírita e espiritualista. Então, a gente vê o espiritismo muito forte. Allan Kardec era um pedagogo, era um cientista. Então, isso me chamou muito a atenção. E a gente vê que o livro é um símbolo. Apesar da gente saber: “Ah, vai ser livro virtual, no futuro”. Não vai. A gente sabe que quem gosta de livro, gosta do livro, gosta do cheiro, gosta de ter, gosta de grifar, que é o que eu gosto. Eu gosto de ter o livro na mão. Apesar de que eu adoro também, eu tenho o meu aparelhozinho, que eu utilizei, a princípio, como aparelho, que era da Saraiva, o primeiro que saiu. Depois, vim pro celular. Compro os e-books da vida. Mas eu gosto de livro. Então, a gente vive nesse apelo, assim, a necessidade do livro, a necessidade de proporcionarmos, né? E foi um apelo muito bacana, no período de pandemia. Porque a gente via assim, olha, estava todo mundo trancado dentro de casa e a livraria, né? “Vamos levar”. Aí eu fiz um grupo de voluntários, de entregadores voluntários. Reuni lá, uma meia dúzia de pessoas e falei: “Ó, nós vamos entregar de graça. O nosso lucro é muito pequeno, assim, na verdade, a gente não ganha igual livraria. A gente ganha percentual, né? Porque a gente não tem como ter estoque, nada. Então, a gente ganha, sei lá, cinco, oito, dez por cento em cada livro. Então eu falei: “Ó, a gente não pode gastar com entregador. A gente não tem esse dinheiro”. E aí eles toparam. E foi maravilhoso. Foi um mutirão maravilhoso. Foi o que me moveu assim, a minha saúde mental, no período de pandemia. Foi muito importante. Foi o que garantiu a minha saúde mental. Porque eu trabalhava, eu acordava às sete, eu estava sentada trabalhando. E eu terminava meia-noite, eu estava sentada trabalhando. Porque o home office pra área da educação foi pesadíssimo, no caso da educação privada, no meio privado, que é onde eu estou. Foi uma cobrança imensa. Então, a gente trabalhou muito, trabalhou horrores. E eu vivi essa questão da saúde mental, nesse momento aí, né? Eu ficava dentro de casa. Meu marido também trabalhou muito, porque ele trabalha com posto de gasolina. Ele trabalha em gerência de posto, então, o posto de gasolina não parou. Meus filhos estudando muito. Todos estavam à distância. Então, foi algo muito importante pra mim, durante esse período e pra muitas pessoas. Então, aí eu fazia os Clubes do Livro, colocava recadinho pra cada um. A hora que eles recebiam os recadinhos, eu falava: “Vai passar. Se você tiver problema, você liga pra mim”. (risos) E foi algo que fortaleceu a gente. Então, quando no fim do ano, a diretoria anterior me pediu pra deixar a Livraria Espírita, que eles iam tomar conta, depois de eu ter levado esse ano todo lá, com a livraria, quando eles me pediram pra eu deixar esse trabalho, eu sofri muito. Mas fiquei ali coisa de dois meses. Foi o tempo de eu organizar, reorganizar a minha vida, pra gente voltar com a nova diretoria. E assumir agora, no próximo triênio, essa gestão da Livraria Espírita, pra ela ficar estável. Porque não adianta você olhar pra Livraria Espírita como fonte de renda. Ela tem que se manter. Mas a finalidade da Livraria Espírita é outra, né? A finalidade é alcançar corações aflitos, necessitados. Então, é por isso que a gente acredita que o livro alcance, e acolha e tranquilize e acalme. Essa era a necessidade.
(01:03:09) P1- Que bonito isso, hein? Vocês foram criando redes de solidariedade, né? Na verdade, foi isso.
R- Foi. Virou uma rede.
(01:03:18) P1- Sim. E, assim, nesse período de pandemia, tiveram que se reinventar. Vocês tiveram que também fazer alguma questão de livros on line? Como é que foi?
P1- Não. Na verdade, assim, eu criei os canais. Comecei a gerar estudos dos livros, nos canais. Como foi uma enxurrada de link, todo mundo queria link, pra preencher o seu tempo. Então, as pessoas assistiam. Começaram a divulgar. Aí, esse efeito em cadeia, fez com que divulgasse muito. Então, as pessoas vinham comprar, de todos os lugares do Brasil. Eu mandei pro Brasil inteiro. Mandei pra fora do país, livros. Foi muito bacana, por conta dos estudos no canal da Livraria Espírita. A gente não abriu lojas virtuais, porque ficou muito caro. O que as lojas cobram no âmbito virtual, como nós não temos lucro, não era possível. Então, a gente fez essa venda artesanal, mesmo. Era só whatsapp, whatsapp, whatsapp e boca e canal da livraria. E a gente não podia... então, agora, com esse grupo que entramos, muito unidos que somos, um grupo que tem a mesma vibe, tem a mesma forma de pensar, a gente já está aí levantando formas de vendas virtuais, estamos levantando todos esses processos. Porque as pessoas envolvidas são empreendedores, são advogados, são pessoas que têm todo esse conhecimento aí pra complementar e pra potencializar o trabalho, né? Então, eu tenho certeza que agora a Livraria Espírita vai tomar outros rumos. Eu tenho certeza absoluta. Mas, a princípio, foi essa questão de levantar mesmo, de trazer à tona essa importância. E foi muito forte. Todo mundo, até hoje me procura: “A Sandrinha da livraria. A Sandrinha da livraria”. Em coisa de um ano, assim, eu fiz muita gente, muita amizade. Foi muito bom. Porque as pessoas, às vezes, vinham me pedir dicas de livros, porque eu sempre li muito, sempre gostei muito, né? E é isso. Eu acho que só tudo isso. (risos)
(01:05:29) P1- Nossa! Sempre quando eu entrevisto alguém que tem livraria, que trabalha com livraria, eu gosto de perguntar. Você tem alguma indicação de algum livro que você fale: “Nossa, esse me marcou? Ou esses eu deixo a indicação aí pro pessoal”?
R- Olha. Nossa, tem tanto livro. Porque assim, pra mim, o que fez sentido foi O Livro dos Espíritos. O Livro dos Espíritos, na verdade, é um manual científico, assim, com as respostas muito bem elaboradas, assim. Faz muito sentido pra mim. Então, eu sempre indico muito O Livro dos Espíritos. Um livro que eu li em três fases totalmente diferentes da minha vida foi O Nosso Lar que, inclusive, virou filme. Eu li O Nosso Lar quando eu tinha quinze anos. Eu li O Nosso Lar quando eu tinha trinta e dois anos. E eu li O Nosso Lar agora, há dois anos. Eu vi movimentos totalmente diferentes dentro de mim, com a mesma leitura. Porque os livros espíritas são transformadores num aspecto de reflexão, de auto-avaliação. Então, eles não são simplesmente obras romanceadas, né? Eles são obras que a gente vê sentido de vida, mesmo. Eu sempre gostei muito de biografia. As biografias sempre fizeram muito sentido pra mim. Por isso que eu penso que os livros espíritas mexam tanto comigo, assim, eles sempre contam histórias de vida. E essas histórias de vida sempre são, como diz o meu marido: “Você quer vivenciar ou você quer aprender com as vivências dos outros?”. Então, eu sempre falo: “Eu quero aprender com a vivência dos outros”, né? Ao invés de vivenciar situações menos nobres, talvez, de sofrimento. Mas eu indico livros espíritas, O Nosso Lar. E uma coisa, assim, que foi muito intrigante pra mim, que o ano passado, eu fui pra França. Na verdade, a minha proposta foi ir pra França, pra conhecer toda a história de vida do Allan Kardec. E esse foi um dos meus pontos de passeio, de partida. E eu fiquei muito triste por ver que ele é muito mais valorizado no Brasil, do que na Europa, do que na França. Eu fiquei muito triste por ver, assim, que os locais por onde ele passou não são locais que foram colocados como museu. Não existe um museu. A casa dele é uma casa comum, hoje. Todo movimento que ele criou não é um movimento que, na França, repercute, de forma tão forte tanto quanto no Brasil, por conta do Chico Xavier. E a livraria, que não foi ele que fundou, mas que por consequência das atividades dele, ali, no meio que ele vivia, surgiu, hoje é uma livraria espiritualista, não é espírita. E essa não era a intenção dele. O objetivo era que fosse espírita. Porque o espiritualismo abre muitas frentes. E o Kardec sempre foi muito estudioso, muito cientista. Então, ele gostava de tudo muito comprovado. Tanto que as obras ditas “espíritas” têm muita base no O Livro dos Espíritos, nos estudos. Então, eu sinto que não foi... ele não... ah, eu fiquei triste, porque eu achei que não atingiu o objetivo dele, lá. Mas visitei todos os lugares, mesmo que fechados. A livraria estava fechada, quando eu cheguei lá, mas conversei com a dona, fui atrás, conversei com pessoas. E vi que tomou outros rumos, assim, né? Então, isso me deu, assim, foi frustrante, mas em contrapartida trouxe um gás, assim: “Nossa, então a gente não pode deixar isso se perder aqui. Que oportunidade maravilhosa! Então, não vou deixar acontecer a mesma coisa com a livraria”. Então foi uma coisa muito forte, assim. Eu acho que é isso que também dá esse gás pra continuidade, né?
(01:09:40) P1- Sim. E você foi pra França, já estava no comecinho, então, da pandemia?
R- Sim. Quando eu cheguei lá, o Louvre já estava fechado. O Louvre já estava fechado. O Louvre foi uma das primeiras coisas que fechou na Europa, né? Mas quando a gente foi, na verdade, não tinha acontecido o lockdown no Brasil. Claro, eu fui uns dez dias antes do lockdown no Brasil. Então, eu separei o meu período de férias, que aí eu tinha já marcado, pra França e Portugal. E aí a gente fez um período em Portugal e foi pra França. Depois a gente ia terminar de novo em Portugal, em dois lugares diferentes, assim. Mas aí foi muito... a França, a gente viveu a França, praticamente tudo aberto. Um dia antes da gente sair da França, porque a França foi do dia para noite, assim, um dia antes eles já fecharam tudo. Inclusive, fecharam o aeroporto. O nosso voo foi o último que saiu da França. O meu voo era três horas, eles adiantaram pra meio-dia e foi o último voo que saiu. Fecharam aeroportos, fecharam tudo. Foi no pico, assim, da pandemia. Aí cheguei em Portugal, Lisboa. E Lisboa estava ainda aberta. Mas as pessoas... faltavam quatro dias pra gente ir embora. A gente falou: “Olha, vamos tentar comprar”. Não conseguimos comprar. Falamos: “Quer saber? Vamos curtir”. Aí a gente foi pra Algarves, que era o lugar que a gente ia ficar, que era na praia. E aí foi a sorte. Porque não era, a princípio, o que eu queria, eu queria Lisboa, mas aí a gente ganhou esse voucher num hotel lá, que era um hotel na beira da praia, em Portugal. A gente só pôde ficar porque era isso, porque eram casinhas na beira da praia, o hotel. Senão, os outros lugares em Lisboa estavam todos fechados. Então, foi produtivo, foi bom. Mas foi marcante, né? Eu vivi um momento histórico, eu digo. Eu tirei fotos dos lugares, estavam fechados, as placas, tudo. Assim, foi um momento histórico bem marcante, assim, né?
(01:11:44) P1- Nossa! E deve ter sido muito impactante, né? Porque você pegou a hora que estava estourando a coisa lá.
R- É. A gente chegou lá na França, no dia que eu cheguei, a Torre Eiffel estava aberta, no dia seguinte, fechou.
(01:11:58) P1- Nossa!
R- Então foi tudo fechando, assim, né? (risos) Mas foi o melhor que podia ter acontecido naquele momento, né? Não era um momento de grandes... a gente não pode dizer que a gente perdeu a nossa viagem. Mas foi um momento histórico vivenciado. Foi muito bom.
(01:12:17) P1- E, assim, chegando aqui, já no Brasil, em São José do Rio Preto, como é que você vivenciou a pandemia? Tanto no trabalho, como na vida pessoal, como foram essas mudanças?
R- Lá eu vivi um momento de pressão, né? Porque, na verdade, a gente nunca tinha vivido um lockdown, né? Então, lá eu recebi já a informação... quando eu estava indo, no dia em que eu cheguei lá, a minha mantenedora falou: “Olha, quando você voltar, eu acho que você não vai poder voltar pra escola. Porque você está indo pro lugar onde agora, acabaram de avisar, que é o epicentro. Então, você não vai poder voltar”. Aí eu falei: “Olha, agora eu já estou aqui. Eu vou me desligar. E vou fazer o que tem pra fazer aqui. Não vou voltar agora. Porque, se eu voltar, eu vou voltar pra ficar também nesse fervo”. Eram as minhas férias, que eu tinha esperado ano inteiro, planejado o ano todo, né? Era a minha primeira vez na Europa. E eu falei: “Não. Eu vou aproveitar”. E a gente viveu lá, aproveitando do jeito que tinha que ser aproveitado. A gente vivenciou muito a rua, a gente gosta muito disso em viagens. A gente vivenciou muito a rua na França. A gente vivenciou muito a rua em Portugal, né? As pessoas, a gente sempre gostou muito de conviver, de conversar, de ver a cultura, de pegar ônibus, de pegar lotação, então a gente gostou muito disso. Eu e o meu marido, a gente tem a mesma pegada de viagem. Bom... tudo o que ia acontecendo, a gente foi deixando acontecer, a gente não deixava tudo muito planejado, mas foi muito bom. E eu sinto que tudo, tudo é importante na sua vivência. Não pode ser sofrido. Se for sofrido a gente não aprende, né, não vale a pena. Então, eu acho que é isso, assim. É que, quando eu voltei, o meu sofrimento foi esse, porque aí foi o home office. Eu sofri muito de ver os alunos sofrendo, né, de vê-los isolados do mundo, de ver todo mundo separado, de ver todo mundo, aquela angústia. Então, eu queria, eu ficava vinte e quatro horas respondendo whatsapp dos alunos, dos pais. Eu gosto, sabe, muito de ajudar, isso. Então, eu sofri muito com isso. Então, eu acho que isso que eu entrei na síndrome de burnout, porque eu sentia sempre que eu não dava conta de atender todo mundo, sabe? Apesar que, assim, quando eu pedi, porque eu cheguei e falei: “Olha, eu preciso reduzir meio período. Se vocês acharem que não é possível, não tem problema. Eu peço demissão. Não tem problema”. E depois de quinze anos, né, num lugar onde eu sou a gestora principal, ele: “Meu Deus, não! Meu Deus, você? Você que nos segurou aí na pandemia. Graças a você, que a gente continuou com esses alunos todos”. Porque a gente não teve nenhuma perda. Nós tivemos rematrícula em lote, nunca aconteceu isso na escola, assim, nós tivemos nosso ensino médio inteiro rematriculado. Normalmente, todo ano fica aquela dancinha das cadeiras, vai de uma escola pra outra, porque tal é modinha, porque tal é isso, tal é aquilo. Não aconteceu. Todos se rematricularam na nossa escola. Todos ficaram muito seguros, muito felizes. Implantamos o novo ensino médio, que foi um desafio, né, por conta da proposta da lei. Então, foi muito desafiador. E eu sempre vivi muito o Google. Faz quatro anos que eu sou monitora dos tutores Google. Eu vou pro Google com eles. Então, foi um projeto, foi tudo engatilhado, assim. Eu acho que tudo isso trouxe à tona uma questão de: “Nossa, que legal que está dando certo. Que bacana”. Eu acho que isso sustentou o outro lado de sofrimento, de ver tudo o que todo mundo estava passando. Professores pressionados, professores tristes, chateados, sobrecarregados, tendo que virar a chave, né? Eu acho que tudo isso, assim, foi muito sofrido, nesse sentido. Mas esse ano, quando a gente voltou, a gente pensou: “Nossa, agora vai voltar. Que gostoso!”. A gente via os alunos todos sorrindo por trás da máscara e tudo o mais, mesmo com o distanciamento, mesmo com a divisão de grupos em cores, mesmo com tudo. Mas aí estamos aí, idas e vindas, né? A gente para, volta; para, volta.
(01:16:44) P1- E assim, pro futuro? Quais são os seus planos? Pra uma pessoa que gosta de criar várias coisas, estar em vários lugares?
R- Então, na verdade eu sempre falo, eu sempre me preocupo muito com a minha mala, né? Que mala eu vou levar daqui, quando eu desencarnar, quando eu não estiver mais aqui, né? Eu vejo que as pessoas se preocupam muito com o que elas vão conseguir aqui. Eu não sei se é porque eu fui muito agraciada ou não sei se é merecimento, ou o que é, eu nunca precisei me preocupar com a questão financeira, porque eu sempre trabalhei muito e sempre tive retorno. Então, eu trabalhava e ganhava. Então, os meus pais só me deixaram a minha formação, a minha educação. E o resto eu consegui e levei em frente. Então, eu acho que eu não tive que me preocupar com isso. As coisas foram acontecendo, fluindo. E eu acho que eu trabalhava sempre bastante, também, tinha um retorno financeiro. Então, eu não tenho que me preocupar tanto com essa parte material, no sentido de que eu não almejo muito isso. Eu só quero ter pra viajar e ter as minhas vivências e estudar. Eu acho que é isso que eu quero. Eu sou da geração errada. A minha geração não quer isso, normalmente quer guardar dinheiro, quer ter estabilidade. E ainda bem que eu achei o meu marido, que tem a mesma vibe que eu, porque ele também pensa as mesmas coisas e a gente segue no mesmo rumo, porque senão também não seguiria, né? E aí, hoje, os meus planos são muito de crescimento, mesmo. Eu acho que essa finalização aí do curso de instrutora de mindfulness faz muito sentido pra mim, porque eu quero formar grupos de mindfulness, quero trabalhar com gestão e formação de lideranças através do mindfulness. Quero que as pessoas vivam mais o presente. Quero que as pessoas estejam aproveitando mais o que elas fazem, ao invés de estarem sempre pensando no futuro ou no passado. Não sei se eu seguirei a psicanálise de alguma forma, mas ela me serve muito. Não sei se eu seguirei a área de psicologia organizacional, mas ela me serve muito. Mas o que eu tenho certeza mesmo é a questão do mindfulness. Na minha gestão escolar, eu gosto muito no que eu trabalho, porque eu sinto que todo mundo sente muita segurança comigo e eu movimento muita gente. Então, as famílias já ficam esperando quando os filhos vão chegar na minha coordenação, porque eu sou coordenadora a partir do oitavo ano, né? Então: “Nossa, ele vai chegar...”. Porque esse ano eu mudei, porque como eu diminuí meio período, eu deixei os menores, eu deixei sextas e sétimos anos e fui pro oitavo. Teve várias mães que mandaram mensagens assim: “Ele estava esperando chegar no sexto ano. E agora você foi pro oitavo”. Então, isso faz muito sentido pra mim, assim, eu vejo que vale a pena. Então, eu gosto de fazer o que vale a pena. O que eu vejo... eu gosto de estar onde as pessoas gostam de mim, que foi o que aconteceu. Quando aconteceu da retirada da livraria, quando eles falaram: “Olha, eu vou tomar conta da livraria”, eu falei: “Então, tá bom”. Eu saí de tudo, eu saí de todos os projetos que eu tinha com eles. Eu falei: “Olha, é um lugar que não me quer. Então, tem muitos outros lugares que querem e vou atrás”. Então, eu gosto de estar onde querem o meu trabalho, onde me querem, onde me buscam. E eu acho que é esse o meu futuro, assim. O meu futuro é fazer sentido, é ter coisas que produzam, que façam a diferença. Eu acho que é isso.
(01:20:15) P1- Certo. Wiliam, você tem mais alguma pergunta, alguma colocação?
(01:20:21) P2- Tenho, sim. Eu tenho algumas perguntas aqui, que eu estava marcando. Eu queria perguntar pra Sandra, né? Então, Sandra, eu li parte de O Livro dos Espíritos, do Allan Kardec, pra um trabalho da faculdade. Gostei muito. Achei muito bacana. É formato de perguntas e respostas, né?
R- Sim.
(01:20:42) P2- Então, é muito fácil ali, a organização. Aí eu queria perguntar, você falou um pouco dessa questão do espiritismo, da história dele, né, do Allan Kardec, que começa na França, mas que o movimento, em si, na França, não é tão grande. Mas aqui no Brasil, devido ao Chico Xavier, é uma coisa que vem crescendo muito. E aqui na América Latina também, agora, nos países que falam espanhol, aqui também está crescendo bastante. Como você vê esse crescimento? ______ (1:21:15)?
R- Na verdade, o que eu enxergo é assim: a França foi um celeiro, né? Foi um movimento que aconteceu paralelamente ali a todos os projetos, né, a Semana de Arte Moderna, todo movimento de transformação, o iluminismo. Então, a França foi um celeiro, né? E esse celeiro, a gente sabe que muitas ideias ali expandiram-se pelo mundo e não continuaram ali. Porque os franceses, assim como os ingleses, são muito tradicionais. Dando um exemplo, França e Inglaterra, mas os europeus, de um modo geral, são muito tradicionais, né? Apesar de ter surgido ali fortemente o protestantismo, se a gente perceber a linha dessas quebras, dessas cisões religiosas, na verdade, nada mais foram que quebras de interesses. Então, eles observavam interesses diferentes e faziam as cisões. E essa cisão gerava uma nova religião, do jeito que ele queria: “Ah, eu quero fazer uma religião onde eu possa casar de novo” - sei lá - “eu quero fazer uma religião...”. Então, o espiritismo, não. O espiritismo surgiu de uma pesquisa científica. Alguém falou, lá na França surgiu a moda - que era, como eu disse, o celeiro - das mesas girantes. E aí chamaram o cientista Allan Kardec e falaram pra ele: “Ó, tem umas coisas acontecendo lá, umas mesas girando. Você não quer ir lá ver? Pra quebrar a cara dessas pessoas, pra mostrar que isso daí não está acontecendo?”. E o Kardec, muito sisudo, muito estudioso, foi lá pra provar que aquilo não existia. E qual não foi o espanto dele, quando ele conseguiu provar que existiam e que aquelas eram forças que, realmente, aconteciam nesse movimento físico, mas que tinham um fundamento espiritual. E aí, a partir disso, ele fez todos os estudos científicos. Por exemplo: o próprio O Livro dos Espíritos, naquela época onde não tínhamos rede social, a forma de comunicação era por carta, tudo muito difícil, tudo muito demorado, imagine que a mesma comunicação chegava em cinco, seis partes do mundo diferentes. Então, quando ele foi montar esse livro, essa mesma comunicação, essa mesma psicografia, essa mesma resposta à pergunta que ele havia articulado, vinha de cantos diferentes. Então, isso é ciência. Então, a ciência é que ele articulou essas possibilidades. E depois, como um pedagogo que era também, além de cientista, ele teve toda a habilidade de relacionar tudo isso numa obra. E conseguir colocar isso de forma didática, né? E com a inspiração, criar as outras obras fundamentais, que a gente fala aí, do pentateuco espírita, que são os livros fundamentais: O Livro dos Espíritos, O Evangelho, O Livro dos Médiuns, O Céu e o Inferno e A Gênese, né? Então, são os livros que surgiram a partir de O Livro dos Espíritos. Ele pegou O Livro dos Espíritos, viu que era necessário aprofundar cada um dos assuntos. E cada um dos assuntos virou um livro, separadamente, né? Então, é muito bacana. Eu gosto muito disso. Eu gosto muito de história. Eu gosto muito de ler sobre várias religiões. Então, eu leio muito sobre isso. Sou muito racional. Gosto muito da prática do budismo, gosto da meditação. Então, tudo isso abre muito a minha mente, pra enxergar que eu sou espírita mesmo, que a religião espírita me faz sentido. Não os espíritas, não as pessoas espíritas, que somos todos imperfeitos, estamos aqui num plano de provas e expiações, não é um plano de perfeição. Então, como nós não somos perfeitos, eu não estou ligada nas pessoas. Eu estou ligada na doutrina espírita e ela me transforma todo dia, faz eu descobrir, cada dia, todos os meus defeitos, todas as minhas loucuras e transformar. Então, eu acho que é isso. (risos)
(01:25:19) P2- E o espiritismo, assim, vem crescendo, então, no Brasil, nos últimos anos?
R- Exatamente. Não é que ele vem crescendo. Na verdade, não sinto que ele vem crescendo. Eu sinto que o espiritismo foi impulsionado na continuidade, pela obra e trabalho do Chico Xavier. Então, o Chico, dando continuidade Divaldo, com um legado, aí, que é um dos maiores médiuns da humanidade, ainda vivos, ainda aqui encarnados, tem um trabalho maravilhoso na Mansão do Caminho. Tem essa semana, palestra ali com ele, nas nossas casas espíritas, com a representante dele, a Lisiane. A gente tem várias personalidades nacionais muito fortes. Essas personalidades que fizeram com que as pessoas tivessem contato. O Bezerra de Menezes, que é um dos nossos, aí, propulsores do movimento de unificação espírita. Todas essas personalidades fortaleceram o movimento espírita nacional. E, além dessas personalidades, a gente percebe também que, em outros pontos ali da América Latina, surgiram outros momentos de divulgação desse projeto. Mas a gente sente que o centro de irradiação foi o Chico Xavier, né? Pra que isso continuasse, estivesse vivo entre as massas, o que deselitizou o espiritismo. Porque o espiritismo tinha muito o olhar de elite. Por conta de... porque, assim, existem vários extremos. Tem pessoas que pensam o espiritismo como macumba, como outras religiões que não têm nada a ver com o processo, porque também são espiritualistas e também evidenciam ali o contato com a espiritualidade, em alguns momentos. O que não é o nosso foco, mas é o que acontece, né? O apoio aos espíritos. Mas evidenciam muito isso. O espiritismo tinha muito uma questão elitizante: ele só é de leitura, ele só é de estudo. E o Kardec trouxe não, que o espiritismo era caridade, que o espiritismo era amor, que o espiritismo é estar próximo do povo, das pessoas, né? Sem ser assistencialismo. Mas no sentido daquilo ser o apoio, a pessoa vem pelo material e ela percebe que não era o material, que era outra coisa, né? E eu acho que é isso, assim. Então, o Brasil sentiu esse celeiro. É o que a gente conversa sempre nas nossas reuniões, nos nossos estudos. Isso está pelo mundo, também. Eu conheço representantes das sociedades espíritas internacionais, pelo mundo todo. A gente está sempre em contato. Isso vem fortemente aí, crescendo nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa. A gente vê movimentos, também, acontecendo. Não são isolados. São todos conjuntos, assim. Eu acho que de acordo com as necessidades de cada... porque a gente sabe que as religiões são de acordo com as necessidades das pessoas, né? Então, elas vão surgindo em pontos diferentes da Terra, como necessidade de cada grupo, né? E podendo atender essas necessidades, na verdade.
(01:28:31) P2- E você, a loja, chegaram a sofrer algum tipo de preconceito?
R- Eu acho que eu não cheguei a viver isso. Não cheguei a viver isso, assim. Ao contrário. O que eu vivi muito, foram pessoas me dizendo assim: “Ah, você é espírita? Eu preciso te dar um nome, pra você colocar pra orar”. Ou: “Você é espírita. Eu preciso... ah, eu sei que você é espírita. Você pode ajudar uma doação?”. Então, assim, o espiritismo, os espíritas carregaram, agora. Eu peguei já essa época, eu não peguei lá trás. Porque eu me tornei espírita há quinze, dezesseis anos, na verdade, dezesseis anos. Eu peguei mais esse período já, que ele já estava estabelecido. E a imagem dos espíritas está muito ligada a caridade, a auxílio, a prece, a oração. Então, tem sim quem fala: “Ah, eu não quero mexer com isso. Ó, você me fala, mas você não me conta nada. Você está vendo alguém perto de mim?”. Quando eu falo que eu sou médium: “Você está vendo alguém?” “Não. Eu não fico vendo gente toda a hora. Eu não sou igual ao Chico”. Mas as pessoas têm uma boa imagem. Eu não senti que eu sofri preconceito, não. Não tive nenhum momento, assim. O que acontece muito é que, como eu sou uma pessoa pública, por exemplo, eu lido com uma gestão escolar e a escola é laica, é lógico que, dentro do colégio onde eu atuo, eu não posso ter nenhum tipo de atuação nesse sentido. E tudo tem que ser muito neutro. E eu tenho mães de N religiões, que seguem minhas redes sociais, sabem que eu sou espírita, sabem que eu participo de movimentos, de projetos, que eu divulgo e comentam nas minhas coisas e veem que o projeto pessoal é maior do que uma religião específica. Não sofri preconceito, não, acho. Não me lembro.
(01:30:27) P2- E na livraria, assim, qual é o público? Um público jovem? Como é?
R- Não. Não. A gente vê um público jovem muito raro, muito escasso, assim. Os jovens, eu vejo, eu participei muito, eu fui diretora do departamento da Mocidade, durante mais de dez anos. Então, eu sempre gostei de trabalhar muito com jovens, que também é o nicho que eu trabalho, no meu ambiente de trabalho na escola. Mas eu sinto que não, que não é um ambiente de procura dos jovens. Os jovens leem muito na internet, baixam PDF, eles não têm muito essa preocupação. A não ser aquele jovem que é leitor, que gosta de ter o livro na mão, que gosta de grifar, que gosta de... eu tenho alguns, mas são raros, assim. O público também não é só idoso, também não é só pessoa de mais idade, porque a pessoa de mais idade já acaba tendo outros problemas, assim: ela não consegue ler tanto, ela começa a pegar audiobook, aí começa... (risos) Então, não é também o idoso. Nosso público é meia-idade, eu vejo que ali entre trinta e poucos, cinquenta e poucos anos. São pessoas que começam a se descobrir. É aquele momento de autoconhecimento, aquele momento de descoberta. É o momento de busca. É o momento onde eles começam, através dos problemas, se encontrarem com a religiosidade. É mais esse público mesmo, assim.
(01:31:56) P2- E quais livros, assim, que têm mais saída na loja?
R- Olha, a gente percebe que isso varia bastante, porque as pessoas... nós temos muitos leigos que procuram romances. Romances mais, vamos dizer, ‘mamão com açúcar’, no sentido de serem romances mais... o que eu posso dizer? A gente tem os romances mais clássicos, que são romances que nós chamamos “fundamentados”, que são os romances psicografados pelo Chico Xavier. A linha do André Luiz, que vem O Nosso Lar, Missionários, toda a linha dessa psicografia. Temos romances psicografados pelo Emmanuel. Temos romances que contam da época de Jesus, Paulo e Estêvão. Temos vários romances que a gente fala que são romances mais embasados. E temos outros romances atuais, que hoje saem milhares. Romances, assim, psicografados que, inclusive, grande parte deles são parte do Clube do Livro, eles têm muito de uma introdução ao espiritismo. Então, eles contam um romance, tem uma história. E dentro dessa história, ele tem o apelo da espiritualidade, da espiritualização, falam sobre esse processo, falam sobre reencarnação, falam sobre outro plano. Às vezes são romances que contam de outras vidas, né? Então, isso estimula as pessoas a procurarem as obras que eles vão aprender mais. Então, ali começa a despertar. Ele fala: “Nossa. Então, quer dizer que eu posso ser considerado um suicida, porque eu fumava?” “É. Sim. Porque indiretamente você está destruindo os seus órgãos, você fez essa escolha. É uma escolha sua” “Ah, não. Onde que eu leio isso?” “Então, lê O Nosso Lar. O Nosso Lar está mostrando bem isso”. Então, aí eles começam a procurar mais, né? E a gente vai, gradativamente, trazendo-os também pros estudos. Tem romances muitos psicológicos. Por exemplo: a gente pega Joanna de Ângelis, psicografia do Divaldo. A linha psicológica da Joanna de Ângelis, maravilhoso. Ser integral, todos muito nessa linha de auto... um deles é o Autodescobrimento. Então, a Joanna de Ângelis é muito profunda nessa linha aí de autoconhecimento. Acho que é isso. Acho que esses são os mais vendidos, assim. A gente vê, os mais vendidos são desde os romances mais populares, hoje, que a gente vê vendendo bastante. Mas também os clássicos do Chico Xavier, todos da FEB, Emmanuel. Psicografias do Divaldo, de um modo geral, não só Joanna de Ângelis, Manoel Philomeno de Miranda. A gente gosta muito do Léon Denis. O Léon Denis é um filósofo que trouxe muitas contribuições pro espiritismo. Eu acho que é tudo isso. Outros educadores, Lucia Moyses. Nossa, muita gente aí surgindo e fazendo coisas muito bonitas, muito bacanas.
(01:35:06) P2- Bastante coisa. E o Chico Xavier tem dezenas de livros, psicografados com outro nome, inclusive, né?
R- Na verdade, o que era o pseudônimo, que eles falam, que a gente teve alguma questão de pseudônimo, na verdade, o mais forte surgiu só de um livro, que foi o Parnaso de Além-Túmulo, onde ele tinha a obra de um escritor, de um poeta, que a família reivindicou. E aí ele precisou ali trocar o nome. Ele usava o nome original. E trocou o nome, pra não causar com a família. Então, foi o único caso, assim. Os demais, até o próprio Emmanuel, que auxiliava o Chico nessas psicografias, sempre eles procuraram usar nomes fictícios, assim, pra não terem relação com a vida real. O próprio André Luiz de O Nosso Lar, não chamava André Luiz. Então...
(01:36:16) P2- Eu lembro que esse trabalho que eu estava fazendo na faculdade, pra eu colocar depois nas referências da Abnt, eu falei: “Eu coloco o nome do Chico Xavier, ou coloco o nome do pseudônimo dele?”, né? (risos) E aí, então, a última pergunta...
R- Não era o pseudônimo. Na verdade, é que é assim: ele era um instrumento, ele era quem psicografava. Então, não era o pseudônimo. Era a dúvida entre o autor espiritual e o autor terreno. Então, quando você via lá Joanna de Ângelis, por Divaldo Pereira Franco, você fica: “Meu Deus, quem é o autor? É o Divaldo? Ou é a Joanna? Espera aí”. Mas então a gente sempre coloca Joanna de Ângelis, por Divaldo Pereira Franco. Porque ela se utilizou do médium pra escrever. Mesma coisa: Emmanuel, por Chico Xavier. E assim por diante. (risos)
(01:37:17) P2- Hum hum. E o mindfulness é uma coisa, um movimento aí, que vem crescendo muito, a necessidade da gente levar a vida um pouco mais devagar, de procurar meditações, enfim. Como você vê isso, assim, esse crescimento? Muito jovem faz isso, ou não? Como é?
R- Na verdade, o mindfulness não tem a ver, explicitamente, com levar mais devagar. É o que, normalmente, a gente tem, porque é a nossa relação com a meditação. Porque a nossa relação com a meditação é parar tudo, é ter aqueles momentos, igual eu sempre tenho momentos, por exemplo, de telas mentais, momentos de planejamento. Porque eu também me formei em programação neurolinguística, então essa questão do planejamento neurológico, planejamento que a gente faz das nossas ações, desbloqueios, crenças limitantes e tudo o mais, o mindfulness, na verdade, é mais um foco no presente. Então, assim, parece que é muito simples, mas por exemplo: é aprender a tomar banho, aprender a lavar louça, aprender a dirigir. Então, como? Prestando atenção nisso. Eu consigo isso o tempo todo? Não. Mas toda hora eu me lembro e retomo. Então, eu estou dirigindo? Deixe-me prestar atenção no meu caminho. Deixe-me mudar o caminho, pra tentar procurar algo diferente. Não vou ficar toda hora no celular. Não vou ficar toda hora me preocupando com quem está me chamando. Não vou ficar pensando em outras coisas. Então, é aprender a almoçar, então é sentar, pensar na comida, pensar de onde ela veio. Ah, eu vou tomar um café da manhã: pensar no café, pensar no sabor, pensar no cheiro, pensar na origem. Isso é mindfulness. Então, não tem nada a ver com fazer mais devagar. Tem a ver com foco no presente. E aí tudo isso gera uma transformação neural. Porque a plasticidade cerebral faz com que as nossas ações se percam ou se encontrem, né? E o mindfulness faz essa fixação de uma maneira diferente, ele faz com que a gente consiga ter mais foco, ter mais concentração, a partir desse treino. Então, é algo científico, que foi descoberto a partir do processo de meditação. Na Europa, um percentual, assim, enorme, eu vou chutar aí setenta por cento das escolas têm momento mindfulness na escola. Porque eles têm todo um processo de... cinco minutos, então você vai pegar uma criança de três anos: cinco minutos. Por quê? O que ele vai viver naquele dia? Ela vai viver uma situação: “Vamos imaginar que nós estamos chegando num campo. Olha as flores. Olha isso”. É um processo de mindfulness. Mas aí, você já está fazendo mindfulness no sentido de meditação, concentração, atenção, concentração. Mas antes disso, até chegar nisso: “Vamos lá, todo mundo agora lavando a mãozinha. Olha pra mãozinha. Olha a água caindo. Ela está gelada. Como ela está? Ela está quentinha? E a torneira? Está saindo muito água? Está saindo pouca água?”. Isso é mindfulness.
(01:40:35) P2- Sim. Então é muito pelo contrário, às vezes. Não é a questão da meditação. No ensino público, que eu estou, tem a parte de projeto de vida, né, que tem essa pegada do planejamento. É um pouco diferente isso no currículo do Estado. É bacana.
R- Muito. O projeto de vida, na verdade, pela Bncc é lei, agora. E as escolas precisam oferecer isso, sempre precisaram, desde os PCNs, isso já vinha indicado, mas não era feito. A gente já fazia isso antes. Agora, a BNCC só vem dar o chanfro: “Tem que acontecer. É obrigatório”. E aí as escoas estão se movimentando pra isso. O mindfulness tem tudo a ver com o projeto de vida, por isso ele tanto me chamou a atenção. Porque primeiro você precisa fazer bem o que você está fazendo, não pensar no que você vai fazer depois.
(01:41:33) P2- Tá bom. Eu passo a palavra, então, pra Ana.
(01:41:39) P1- Nossa, Sandra, eu estava aqui ouvindo. E, nossa, obrigada, assim. Você tem mais alguma colocação que você gostaria de fazer? Ah, tem uma última pergunta que eu sempre gosto de fazer, a Claudia também sempre gosta de fazer: como foi pra você estar participando, nesse momento, com o Memórias do Comércio, dessa entrevista? Como foi pra você essa experiência?
R- Foi uma quebra de expectativas, na verdade. Porque a gente vem com um planejamento. Ela me falou: “Olha, você vai falar sobre a livraria”. Então, eu vim com foco nisso, né? Tanto que eu comecei falando disso. Eu falei: “Nossa, é isso, né?” E foi uma quebra de expectativas todo o caminhar que vocês tiveram aqui. Foi muito importante, porque esse caminho que vocês fizeram aqui é o caminho que eu faço para a recolocação de careira. Porque é pra cada um se conhecer, cada um prestar atenção na sua história e pra cada um se valorizar dentro da sua história. Então, eu achei muito bacana esse processo que vocês utilizam aí, de não ser simplesmente coleta de informações, mas de ser história de vida. Então, eu enxerguei assim: que o olhar de vocês estava para construção do todo, quem são as pessoas que constroem esse projeto de vida pra chegar em alguma coisa. Então, foi bem bacana, foi uma quebra de expectativas. E eu aprendi muito com isso, assim. Eu achei bacana. Porque eu tenho um certo preconceito, que eu preciso quebrar, com algumas... o que eu posso dizer?... funções dentro de projetos públicos, sabe? Eu vejo que muitos dos projetos públicos são pra cumprir. Eles não são realmente, por exemplo, quando você pega uma empresa privada, se ela não cumprir, não fizer bem feito, ela não vende mais aquilo. Quando você pega um projeto público, um projeto de uma prefeitura, por exemplo, você já sabe que você começa pra acabar. Ele veio, ele tem um ciclo, ele tem um tempo. Então, você faz. Se for da sua pessoa, da sua personalidade, querer fazer bem feito e querer que aquilo faça diferença, você vai deixar uma marca. E vai perceber que aquilo que vocês fizeram, vai levar pra frente outros projetos. Outros vão surgir. Isso potencializa outras coisas boas. Agora, eu vivi muitas histórias de pessoas que só cumpriram. Então, eu vivenciei vários e vários projetos, que eu gosto muito de projeto, enfio minha escola em tudo quanto é projeto, com os meus adolescentes, assim, eu digo “meus” porque eu que sempre os carrego. E eu vivi muitas coisas só pra cumprir. Então, eu acho que eu trouxe esse preconceito do “só pra cumprir” aí, que vocês quebraram. Parabéns! Obrigada pelo projeto de vocês! E também quebraram esses paradigmas aí do porquê desse tempo. E é isso.
(01:44:50) P1- Obrigada, viu? O Museu trabalha também várias coisas educacionais. A questão mesmo é pegar a história de vida, pra gente entender o sujeito como um ser ativo dentro da história, sabe? Porque a história, a gente enxerga a história como algo vivo. A história construída por todo mundo, por todas as pessoas. E cada um vai ter as suas experiências, as suas vivências. E tudo isso é importante pra gente entender aquele todo. Então, a gente agradece muito. Você tem mais alguma colocação pra falar, pra deixar registrado?
R- Eu tenho uma colocação. Que vocês fizeram momento mindfulness comigo. E que durou uma hora e meia. Então, foi uma super conquista de vocês, eu vou dizer. Porque eu não fico uma hora e meia numa única coisa. (risos) E ainda me desligando do resto. E não estando aqui olhando o meu celular, fazendo as coisas, que eu faço os meus momentos mindfulness, mas olha que eles são curtos. (risos) Então, parabéns!
(01:45:59) P1- Ah, então foi bom.
R- Vocês fizeram uma experiência mindfulness comigo, muito boa. (risos) Obrigada, meninos!
(01:46:34) P1- Obrigada você. Foi muito bom. Obrigada por você ter gostado. A gente está sempre aí à disposição, pra outros projetos. Bom, a gente depois disso, estamos pegando essas entrevistas, essas histórias de vida e a gente está vendo com um fotógrafo pra estar indo na sua casa, pra você registrar algumas fotos, algumas imagens que são importantes pra você, da sua vivência, coisas que te marcaram. Pra você deixar registrado no nosso acervo digital, lá no Memórias do Comércio, que é a obra que a gente está criando com todas essas vivências. Tá bom?
R- Legal. Tudo bem.
(01:47:12) P1- Depois a gente entra em contato.
R- Tá bom, gente. Obrigada, viu?
(01:47:18) P1- Obrigada você, tá?
R- Boa sorte pra vocês, sucesso!
(01:47:20) P2- Obrigado, Sandra.
(01:47:22) P1- Sucesso também. Um abraço.
R- Curtam bastante aí o projeto. Tchau, tchau.
(01:47:32) P1- Obrigada. Tchau, Sandra, fica com Deus!
R- Tchau, tchau.
(01:47:35) P2 – Tchau, tchau. Até!
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