Memória da Literatura Infanto Juvenil
Entrevista de Jô Oliveira
Entrevistado por Thiago Majolo e Thiago Belotto
São Paulo, 19/08/2008.
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MLIJ_HV020
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Angélica Lima e Gustavo Kazuo
P/1 – Jô, pra começar, eu quero que você conte primeiro o nome completo, o local e a data de nascimento pra gente.
R – Bom, eu assino como Jô Oliveira, mas meu nome é bem nordestino Josimar Fernandes de Oliveira. Eu nasci em Itamaracá, no dia 4 de março, embora todos os meus documentos sejam do dia 25 de 1944.
P/1 – E o nome dos seus pais e o que eles faziam?
R – Meu pai é Joaquim Fernandes de Oliveira, ele era caminhoneiro e minha mãe Josefa Ferreira da Silva e os dois são naturais da cidade de João Alfredo no interior de Pernambuco.
P/1 – Conta um pouquinho, como que era Itamaracá?
R – Interessante, eu fiquei em Itamaracá até por volta dos cinco anos e as lembranças que eu tenho de Itamaracá são poucas, mas muito fortes. Eu tenho lembrança do meu pai... No começo ele era... Ele trabalhava numa espécie de venda, num mercadinho e eu me lembro de ter participado, de ter visto pela primeira vez uma manifestação folclórica que era o Bumba meu Boi e eu fiquei muito assustado porque tinha a figura da burrinha que é um sujeito que usa um chicote e corre atrás das crianças e isso ficou muito marcado, são umas imagens, assim, mais marcantes da minha primeira infância.
P/1 – E seus avós moravam lá? Ou não?
R – Não, meus avós moravam... Meus pais se casaram, como eu falei, no interior, na cidade de João Alfredo que fica perto de Surubim, que é a terra do Chacrinha, que é referência, e depois, então, logo que eles casaram meu pai resolveu começar a vida lá em Itamaracá. Então, foi aí que eu nasci, né?
P/1 – Até os cinco anos você não teve nenhum contato com seus avós? Muito pouco?
R – Provavelmente não, eu não me lembro...
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Entrevista de Jô Oliveira
Entrevistado por Thiago Majolo e Thiago Belotto
São Paulo, 19/08/2008.
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MLIJ_HV020
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Angélica Lima e Gustavo Kazuo
P/1 – Jô, pra começar, eu quero que você conte primeiro o nome completo, o local e a data de nascimento pra gente.
R – Bom, eu assino como Jô Oliveira, mas meu nome é bem nordestino Josimar Fernandes de Oliveira. Eu nasci em Itamaracá, no dia 4 de março, embora todos os meus documentos sejam do dia 25 de 1944.
P/1 – E o nome dos seus pais e o que eles faziam?
R – Meu pai é Joaquim Fernandes de Oliveira, ele era caminhoneiro e minha mãe Josefa Ferreira da Silva e os dois são naturais da cidade de João Alfredo no interior de Pernambuco.
P/1 – Conta um pouquinho, como que era Itamaracá?
R – Interessante, eu fiquei em Itamaracá até por volta dos cinco anos e as lembranças que eu tenho de Itamaracá são poucas, mas muito fortes. Eu tenho lembrança do meu pai... No começo ele era... Ele trabalhava numa espécie de venda, num mercadinho e eu me lembro de ter participado, de ter visto pela primeira vez uma manifestação folclórica que era o Bumba meu Boi e eu fiquei muito assustado porque tinha a figura da burrinha que é um sujeito que usa um chicote e corre atrás das crianças e isso ficou muito marcado, são umas imagens, assim, mais marcantes da minha primeira infância.
P/1 – E seus avós moravam lá? Ou não?
R – Não, meus avós moravam... Meus pais se casaram, como eu falei, no interior, na cidade de João Alfredo que fica perto de Surubim, que é a terra do Chacrinha, que é referência, e depois, então, logo que eles casaram meu pai resolveu começar a vida lá em Itamaracá. Então, foi aí que eu nasci, né?
P/1 – Até os cinco anos você não teve nenhum contato com seus avós? Muito pouco?
R – Provavelmente não, eu não me lembro disso, mas eu lembro sempre de que todo ano a gente passava as férias escolares lá em João Alfredo e esse contato de João Alfredo foi sempre constante, os meus primos, a família muito grande, minha mãe... Acho que tinha por volta de doze irmãos, então, era muito interessante eles moravam num sítio fora da cidade e a gente tinha um... Era muito interessante a vida era bem rural, né? Não tinha... A única coisa que tinha era um rádio que meu avô comprou que ninguém podia ligar, tinha uma bateria inacreditável, era um montão de pilhas coladas uma na outra e escutava bem baixinho com o ouvido dentro dele pra não gastar pilha. Mas tinha uma coisa muito interessante do meu avô, porque meu avô era uma pessoa muito tradicional e ele tinha uma... Na mesa onde estava esse rádio era cheio de cordel, então o cordel já começou a penetrar na minha vida através dessa coleção do meu avô e, depois, em Campina Grande, foi quando eu me mudei aos seis anos, meus pais resolveram se mudar pra Campina Grande que era uma grande cidade que até hoje é do interior da Paraíba. Então, eu passei toda a minha infância de seis até treze anos com um pequeno período que fomos morar em Maranguape, que é uma cidade bem pequenininha mais próxima do litoral da Paraíba e em Campina Grande. Tive esse contato muito forte com o cordel na feira, os cantadores, porque eles recitavam, paravam no meio da feira, abriam uma mala, aquelas malas de couro nordestino, espalhavam pelo chão e começavam a cantar e num determinado momento ele parava e vendia. No auge da história ele parava. Então, ficava todo mundo em volta e enquanto minha mãe ficava lá fazendo compra eu ficava lá escutando, né? Eu me lembro várias vezes desse detalhe. Aí, foi uma das primeiras influências que eu tive junto com o cinema americano, porque o cinema estrangeiro era forte na época. Toda semana a gente juntava dinheiro, a semana inteira vendendo vidro, porque naquele tempo era o pós-guerra na década de 50, porque eu mudei pra Campina Grande em 48 ou 49, eu não lembro exatamente a data. E então na década de 50 se comprava vidro... é como hoje, parecido com hoje, mas as crianças faziam isso pra ajudar nos tostões para ir ao cinema. Aí, tive contato com o cinema americano na época muito forte e com os seriados, a gente acompanhava os seriados, toda semana tinha um capítulo, geralmente eram catorze capítulos, eram histórias mais absurdas e hoje eu vejo que eram ridículas. Mas a gente acompanhava e ficava a semana inteira tentando adivinhar como o mocinho ia salvar a mocinha, aquelas coisas. E, também, descobri o gibi e o gibi foi uma paixão muito grande e foi a partir daí que eu comecei a desenhar. Desenhei copiando, mas uma coisa me incomodava muito é que o gibi não tinha o gibi nacional, não existia o personagem nacional. Aí, quando eu comecei a desenhar, aí, eu descobri a história do Lampião que é uma história muito forte, né? Era muito forte na infância na nossa época esse negócio de contar história, de escutar história. Então, tinha uns sujeitos que contavam a história bem assim, história de terror, mas sempre com uma visão bem nordestina mesmo, então, as histórias de terror assustavam muito, a gente ficava com um medo danado de voltar pra casa à noite, porque aproveitava a noite para contar essas histórias. Então, esse foi o meu mundo talvez ficcional, essas influências de... As influências que eu tive culturais foram e também os festejos em Campina Grande, por exemplo, o festejo de São João é uma coisa, era muito maior que o carnaval, todo mundo se preparava porque era uma época, assim, que coincidia, evidentemente, por isso existe, com a colheita do milho. Então, se fazia muita comida de milho, aí tinham os fogos, uns fogos chamados peido de velha, tinha bombinhas essas coisas faziam muito... A gente juntava e a gente ficava esperando esse momento, fazia fogueira ou então como tinha muita fogueira nem todo mundo precisava fazer fogueira. Eu me lembro das casas todas decoradas com lanternas chinesas, que é aquela lanterna que você vai abre coloca uma vela dentro, fecha e acende, fecha e pendura na janela. E, assim, os festejos tipo mamolengo, aí, tinha a festa de fim de ano que eram as pastorinhas, que eram as meninas vestidas um cordão encarnado e um cordão azul no meio tinha uma figura que chamava Diana de duas cores. Esses eram os festejos ligados a São João. As lapinhas, eles construíam... Juntavam as figuras geralmente com bonecos de barro para contar a história do nascimento de Cristo, então, essas festas eram muito marcantes. O carnaval, também, as crianças participavam muito de carnaval, a gente se vestia... Fazia um grupo batendo latinha assim, não tinha instrumento e vestia as crianças um vestia de urso, né? Chamava a La Ursa, eu achei que isso fosse uma palavra só e a gente saía pegando esmola, não é pegando, é pedindo ajuda e depois a gente ia torrar tudo com sorvete e essas coisas. Então, era uma infância muito... Contato muito com a cultura popular era o que restava pra gente, essas influências de fora, aí, já começava a entrar o rádio, o rádio já começava a... Tinha rádio local que a gente escutava, mas só para quem tinha rádio porque nem todo mundo tinha rádio, a eletricidade começava a chegar, eu estava em Campina Grande quando foi inaugurada... Quando chegou à Campina Grande, a eletricidade de Paulo Afonso, eu me lembro disso foi uma festa muito grande, né? E por aí afora.
P/2 – Eu queria voltar um pouquinho, você se lembra da mudança? Seus pais falaram: “vamos mudar para outra cidade” quando você tinha cinco anos, você se lembra disso?
R – Eu me lembro da chegada do caminhão, lembro do caminhão chegando, os caminhões do Nordeste eram diferentes, as cabines eram feitas de madeira bem larga, inclusive saíam, foram, eu não sei como permitiam aquilo porque quem sentava nesse canto e o carro desse uma freada o cara ia embora, né? Não tinha cinto não, eu me lembro disso porque era maluquice, umas coisas malucas, então, tem essas cabines bem largas que funciona como... Que até eles chamam de misto quando tem mais de uma cabine além da cabine do motorista. Eu me lembro desse caminhão chegando e as coisas sendo colocadas dentro do caminhão, e a gente se afastando e no meio de... Ficamos numa cidadezinha acho que é Itabaiana, numa cidadezinha da Paraíba. A gente dormiu lá. Aí, foi a primeira vez que fiquei vendo coisas, tinham umas igrejas bacanas acho que é em Itabaiana, essas coisas eu lembro até chegar a Campina Grande, né? Era muito marcante esse negócio, a primeira vez sair de carro, porque carro não era coisa comum na época, principalmente na ilha, né?
P/1 – E essa chegada foi tranquila? Como era a casa de vocês?
R – Ah, eu me lembro da casa e inclusive meu irmão, que faleceu o ano passado, nasceu em Campina Grande, eu me lembro de todos esses... Minha mãe já chegou grávida, eu me lembro do nascimento dele e também de explorar a cidade, porque Campina Grande é uma cidade fácil, ela tem uma imagem... Porque ela tem dois grandes açudes, dois grandes lagos no meio, um que hoje é aterrado, é onde fazem hoje a festa de São João e essa coisa de... Não me lembro de ônibus, eu me lembro que a gente se locomovia a pé e a gente ia pra feira a pé, então, a gente conhecia bem e a cidade era pequena na época, não era tão grande, hoje é uma cidade com alguns milhares de pessoas.
P/1 – E dessas histórias de tradição oral que você ouviu, conta alguma pra gente?
R – Olha, tinha assim muito, até é uma coisa que hoje me assusta muito, eu sou agnóstico, mas eu tenho medo de escuro, eu tenho medo assim de alma, eu não vou ao cemitério à noite nem pagando, porque essas histórias eram uma maldade que os adultos faziam com a gente, porque o cara contava história e a gente ficava com o olho desse tamanho. Então, tinha as histórias, por exemplo, as histórias de conto de fadas que pra mim eram todas e nordestina. Inclusive eu falei isso com você, a história de Joãozinho e Maria que estavam na floresta, pra mim era floresta que estava perto, naquele tempo existiam umas matas ainda perto da cidade que eu creio que hoje não deve ter. Então, essas histórias sempre fizeram... Essas histórias que eles chamavam histórias da carochinha, essas histórias fizeram parte, porque era uma maneira de você se divertir. Era você se aproximar de um adulto, geralmente parente nosso, que sentava na calçada à noite e ficava rodeado de criança e começava a contar essas histórias. Então, vinham as histórias do satanás pra assustar a gente, mas também vinham as histórias da carochinha que era a história do conto de fada tradicional que eu levei um tempo para descobrir que não eram nordestinos. Pra mim, ainda, os contos de fadas tem um sabor nordestino, quando eu penso em Joãozinho e Maria eu penso na figura do rei, é o mesmo fazendeiro, um cara rico que tinha gado e essas coisas. E como eu te falei, Branca de Neve eu jamais pensei que Branca de Neve estava ligada a um negócio chamado neve eu não sabia o que era neve, eu achei que neve era um sobrenome. Então, só depois quando eu comecei a ir pra escola, aí, já existiam os livrinhos, eu me lembro do primeiro livro infantil meu, eram uns contos do Andersen e era ilustrado por uma ilustração europeia e era uma coleção da Editora Melhoramentos; era um livro bem pequenininho que um dia desses eu achei no sebo essa coleção que foi publicada... Mais de cem exemplares, mais de cem títulos e alguns você até acha no sebo ainda hoje, isso foi na década de 50 faz um bom tempo.
P/1 – Conta um pouquinho do começo da tradição escrita, ir à escola? Ler? Como é que foi isso?
R – Ah, eu tinha muita dificuldade de aprender ler porque eu gostava muito de desenhar, eu levei um tempão... Eu começava a descobrir, eu comecei a desconfiar que eu nunca fosse aprender a ler, então, eu comecei a aproximar de pessoas que liam gibis pra mim até que um dia eu falei: “eu tenho que aprender a decifrar esse negócio”, mas as leituras nossas eram realmente gibis, as histórias em quadrinhos, não existia o livro infantil, livro infantil era coisa esporádica. Não existia biblioteca, essas coisas pelo menos não tinha acesso, mas ler gibi era uma coisa muito comum, a gente pegava... Eu não sabia de onde vinham os gibis porque a gente não tinha dinheiro para comprar o gibi na banca, o gibi vinha de alguém que comprava e depois revendia e a gente juntava um monte com o dinheiro que a gente ia conseguindo levantar vendendo coisas, principalmente vidro essas coisas, metais, coisas usadas que a gente recolhia e a gente comprava o gibi lia e na outra semana, e na outra semana a gente trocava tudo que a gente tinha... Era um monte de gente, cada um com uma boa quantidade de gibi “ah esse eu não li, eu quero esse”, aí, tinha um estoque pra semana inteira, isso se repetia todo final de semana era a coisa mais comum. Era o fim de semana... Era sagrado, né? Ir ao cinema para ver o capítulo do seriado, seriado americano e trocar gibi e depois ficar contando como seria a salvação da mocinha ou do mocinho que estava pendurado não sei aonde.
P/1 – Qual era o seriado?
R – Olha, tinha o Capitão América, eu vi do Super Homem eu vi do... Tinha o Fu-Manchu, tinha Flash Gordon, Buck Roger, tinha muitos, era Buck Roger e assim por diante. Eram muito famosos, eu tenho o livro recente que eu comprei todos eles com nome inglês, né? Na época eu não sabia como era.
P/1 – E quais eram as brincadeiras, fora essas que você contou?
R – Ah, as brincadeiras a gente tinha que fazer os nossos próprios brinquedos, nós fazíamos carrinhos e eu lembro que a gente tinha a maior dificuldade de fazer a roda, porque não tinha como fazer, a gente passava horas na calçada lixando para tentar ficar uma roda. A gente pregava e saía brincando puxando o carrinho, transportando cargas e essas coisas, a gente fazia roleta, a gente pegava lata de goiabada, a gente colocava uma tábua por baixo e pregava uma série de preguinhos, enumerava e colocava sobre um pino e rodava com uma paleta aqui, e a gente apostava e a aposta da gente era castanha de caju e todo mundo juntava e chupava o caju e... Porque na época não se comprava fruta, a gente roubava, a gente tinha acesso aos pomares, era uma coisa muito comum. Então, perto de casa mesmo a gente ia roubando de alguém e depois todo mundo juntava as castanhas e fazia jogada. Então, pião, coisa que eu sempre fui péssimo, jogar pião, tinha as épocas jogar pião naquela, era época... Como é que chama? É uma espécie de um ferro no chão, não sei como desenvolvia a brincadeira, tinha época que era bola de gude, a gente também tinha que comprar aquelas de vidro e também de soltar pipa, eu nunca consegui fazer aquilo também. Ah, também brincava de Tarzan, ficava pulando de árvore em árvore, quebrar braço, essas coisas. A gente aproveitava um dia para roubar fruta e ficava pulando de árvore em árvore.
P/2 – E na sua infância você foi muito arteiro?
R – Interessante, que a minha infância foi muito longa, é engraçado isso, a sensação que eu tenho é que foi um período muito longo, eu passei muito tempo sendo criança. E hoje é engraçado, às vezes, quando encontro uma pessoa que tem um filho, daqui a pouco o filho está na universidade, eu falo: “casseta, como é que pode, né?” Eu levei tanto tempo, a minha infância era tão longa. eu vivi também... Eu vivi nessa cidade Maranguape, era uma cidade antiga inclusive acho que foi visitada pelo Imperador, tinha Rua do Imperador lá, tinha umas construções barrocas muito bonitas, tinha uma igreja que era assombrada, quando tinha que passar a noite tinha que fechar o olho para não ver fantasma, né? Porque tinham, assim, as corujas e as corujas eram agourentas e nordestino tem muito medo de coruja, inclusive tem aquele negócio que a coruja passa em cima da casa e ela faz um barulho; tem uma coruja que parece que está rasgando a mortalha... imagina rasgar a mortalha, está te preparando para a morte, né? Eu me lembro do primeiro cara que morreu na rua era um protestante, então, o dia inteiro ficou lá um alto falante falando era uma coisa estranhíssima, porque os velórios eram em casa antigamente, então, saía e toda a rua ficava cheia de gente.
P/1 – Passava falando que alguém tinha morrido?
R – É isso, anunciando que tinha morrido, eu lembro que tinha o sistema de alto falante na cidade porque as festas geralmente tinham um sistema de alto falantes na rua, na praça, aliás, ficava um pouco mais afastado, o cara ficava fazendo, alguém, a letra não sei o que não podia falar, a música, tal, Luís Gonzaga era muito forte na minha infância era... Eu sei quase todas as músicas de Luís Gonzaga da época, decorei não só isso, mas têm músicas também de alguns artistas da época que cantavam e a gente decorava, era a diversão, não tinha televisão, o cinema era uma vez por semana e o livro era quase inexistente, a não ser Cordel e assim por diante.
P/2 – E a igreja era muito marcante?
R – Muito marcante a igreja, a presença da igreja, essa coisa de participar, de ser crismado, fazer primeira comunhão, essa coisa era muito forte. Eu estudei em colégio de freira, não toda vida, eu lembro que estudei em vários colégios, mas eu tive oportunidade de estudar no colégio das freiras Paulinas, acho que é Paulinas, e foi interessante porque antes, depois eu tive a oportunidade de ir à França e fui lá à... Tinha uma pessoa que estava no nosso grupo que era religiosa e me chamou para visitar essa, seria... A igreja central da congregação e foi muito interessante lá, aí, comprei a medalhinha milagrosa para me lembrar do tempo e as irmãs eram praticamente... Não eram francesas, mas a origem era francesa, mas a educação já era muito, assim, ficava muito na mão da igreja e a igreja tinha uma força muito grande nos festejos, também na conduta, né? Nesse negócio de você respeitar que na semana santa não se come carne é muito presente, era uma coisa muito forte, o pessoal gostava. Geralmente o crente acha que está fazendo grande coisa de obedecer ao que a igreja manda.
P/1 – E as comidas quais eram?
R – Ah, a comida é muito boa no Nordeste, é no São João, a pamonha, a canjica que lá é diferente, os nomes de lá não correspondem, mungunzá que é o milho sem olho cozido no óleo de coco, um coco espremido, a pamonha e muitas coisas, muita coisa feita de coco. E também tem o pé-de-moleque uma coisa que é feito na palha da bananeira e o próprio coco que é uma coisa muito presente o coco e o milho são duas comidas... E também a carne de carneiro, do carneiro não, do bode como é que se chama essa... A buchada e buchada é a comida de rico, não é coisa que come todo dia lá e o feijão com arroz que todo mundo gosta.
P/1 – Tinha algum sonho de infância, que é aquele sonho que você queria ter? Qualquer coisa?
R – Eu queria ser desenhista no começo e depois eu queria fazer história em quadrinhos, aí, durante muito tempo eu persegui essa coisa de história em quadrinhos. Até que quando eu tinha quinze anos, eu já estava em Mato Grosso do Sul, na época era Mato Grosso só, eu descobri que existia uma escola, Escola Nacional de Belas Artes, tinha uma aqui em São Paulo e outra no Rio só que a do Rio era muito famosa, tinha uma tradição, claro, estava em plena decadência a hora que eu fui pra lá. Aí, eu descobri que eu podia estudar Arte, aí, descobri livros, tinha livros eu comecei a ter acesso a livros, comecei a desenhar, comecei a copiar e foi a partir daí que eu descobri que queria ser ilustrador, tive oportunidade assim... Eu trabalhei com os padres já em Mato Grosso com quinz anos, eu me mudei para o Mato Grosso com quinze anos, eu me lembro da Estação da Luz aqui, eu passando numa época um pouco fria eu me lembro aqui da...
P/1 – Você foi de Campina Grande pra Aquidauana direto ou você foi pra...?
R – Ah, eu saí... Meu pai resolveu vir para Mato Grosso e nós ficamos na casa dos meus avós durante dois anos, um ano e meio, aliás, e meu pai resolveu voltar pra pegar a gente aí nessa... Na vinda pra cá a gente veio de ônibus foram onze dias para chegar até Aquidauana, não sei por que cargas d´água, mas eu lembro que não tinha asfalto, vim de ônibus até Barra do Piraí e depois pegamos o trem e viemos para São Paulo, e ficamos um ou dois dias na Estação da Luz aqui numa pensão, eu me lembro desse detalhe. E depois pegamos o trem fomos até Bauru, era Noroeste na época, tinha e depois trocamos para o trem de bitola estreita e fomos até Aquidauana foram mais ou menos uns três dias, sei lá, acho que três dias de viagem.
P/1 – Seu pai foi pra lá por quê?
R – Porque meu pai sempre tentou... meu pai acho que foi um exemplo de que capitalismo não dá certo, porque ele sempre tentou fazer coisas que não deram certo, ele estava correndo atrás do prejuízo e ele sempre saía... Porque engraçado eu descobri depois que ele foi para Aquidauana porque na juventude dele ele tinha tentado... Ele tinha trabalhado em Aquidauana no fim da guerra, porque eu nasci em 44 então acho que em 42 ele estava em Aquidauana e na hora que ele viu que não deu certo lá o... Como é que chama, lá em Campina Grande ele resolve voltar para Aquidauana. Bom, aí em Aquidauana eu já estava com quinze anos e comecei a estudar no colégio dos padres foi aí também que voltei a estudar com os padres e descobri que eu podia estudar Arte. Aí, nessas alturas meu pai... Não tinha dado certo, meu pai foi para Brasília, meu pai foi candango de última hora chegou ao fim da construção. Então, eu conheço Brasília desde 1961, Brasília não tinha dois anos quando fui à primeira vez, eu fiquei fascinado por aquilo, parecia que você estava chegando num outro planeta... Imagina, eram três dias de viagem, eu tinha que sair de Aquidauana, chegar aqui, ficar o dia inteiro esperando o ônibus que ficava na Estação da Luz, eu sempre tive uma relação muito grande com a Estação da Luz quando funcionava, quando chegava até aqui e pertinho era... Não sei se vocês alcançaram que ali do lado era o terminal de ônibus, era do lado da estação da Luz, hoje é no Tietê. Então, era só cruzar a rua e ficar esperando o ônibus, nunca coincidia de sair na mesma hora o ônibus, se não seria só 12 horas depois seriam 24 horas de viagem para chegar. Aí eu fiquei fascinado por Brasília e nessas alturas eu resolvi ir para o Rio de Janeiro não em 61, mas eu servi exército, eu fui soldado de cavalaria, eu adoro cavalo, né? Hoje eu não monto nem que me pague naquilo, é perigoso pra caramba, eu fiquei na fronteira com o Paraguai durante dez meses, eu morei mais um pouquinho, eu fiquei... Eu fui soldado de cavalaria e quando eu terminei na área eu já tinha os contatos através de um padre americano, na época o interior... Assim, várias cidades do Mato Grosso tinham os padres americanos da Congregação Redentorista e tinha um padre que gostava muito do meu desenho. Então ele falou: “Quando você terminar, eu vou te arrumar uma maneira de você ir pro Rio de Janeiro” e ele conseguiu, ele tinha um amigo no Rio que me recebeu durante um mês na casa dele e conseguiu um emprego pra mim numa loja americana, essas lojas... Tinha a Sears que acabou, aí, o que aconteceu? Aí, eu consegui fazer um pré-vestibular durante seis meses e eu trabalhava à tarde e de manhã eu frequentava a Escola de Belas Artes, aí, consegui entrar na Escola de Belas Artes, fiz vestibular e passei. Mas depois fiquei decepcionado, porque eu estudava Artes Gráficas, mas mesmo assim a escola era direcionada para as Artes Plásticas e eu não tinha muito fascínio pelas Artes Plásticas, eu sempre tive fascínio pelas Artes Visuais, figurativa, narrativa, eu sempre liguei a imagem à narração, eu nunca desassocio. E claro o Modernismo já não estava mais contando com mais essa visão. Aí, eu descobri que poderia estudar no exterior, aí fiquei batalhando. Eu comecei a me interessar por desenho animado, eu fiz desenho animado sobre película, eu cheguei a ganhar um prêmio, porque tinha um festival na época chamado JB Mesbla eram as Lojas Mesbla e o Jornal do Brasil e eu ganhei uma menção honrosa com o desenho animado que eu fiz. Engraçado que nessa época eu concorri com o Zélio que era irmão do Ziraldo, mas eu era bem jovem. O que aconteceu graças a esse prêmio: um amigo meu conseguiu se aproximar da Embaixada, de várias embaixadas; e um dia eu estava até em Brasília visitando meus pais, porque eu aproveitava todo final de ano, eu aproveitava para passar as férias lá com meus pais, e aconteceu que a Hungria me deu essa bolsa de estudos, eu e um amigo meu, o Rui Oliveira que é um grande ilustrador que mora no Rio e nós fomos juntos pra Hungria. Aí, foi interessante porque eu cheguei à Hungria e não sabia uma palavra e eu levei três meses para descobrir que a Hungria não se chama Hungria, mas Magyarország, e eu, também, me lembro de uma coisa muito engraçada, porque a gente passou alguns meses com um bilhetinho escrito “Por favor, eu quero o prato do dia” e eu não podia perder porque se não, não almoçava, sem sacanagem, mostrava pro cara. Mas voltando ao Rio, no Rio foi muito importante porque aí eu tive contato com coisas mais interessantes, eu consegui me desvencilhar de toda aquela coisa rígida, aquela rigidez do interior e consegui encontrar com várias pessoas. Tive acesso a biblioteca, uma das primeiras coisas que eu fiz, que achei engraçado, eu tenho em casa o registro, foi me associar a Biblioteca Nacional, eu tenho, assim, orgulho, tem a fotografia com a data mais ou menos de quando eu cheguei lá e eu tenho um registro de leitor da Biblioteca Nacional. Aí, eu vi que poderia fazer várias coisas e entre essas coisas o desenho animado, e eu falei assim: “Agora quero estudar desenho animado” e consegui e fui pra Hungria e tal. E na Hungria, eu e o Rui, foi bom ter viajado com o Rui, uma pessoa que fala português, porque senão ia ficar alguns meses sem falar com ninguém lá, e é uma cultura totalmente diferente, é uma língua que não tem nada a ver com nenhuma outra língua, você imagina, não tem palavras que não parece com nada. Aí, eu fiquei seis meses com o Rui no estúdio de desenho animado, e descobrimos que a melhor coisa não seria fazer desenho animado, seria voltar a estudar Artes Gráficas, porque tem uma escola muito boa, isso tem uma tradição muito grande a escola era muito ligada à Bauhaus, ou seja, tinha uma visão diferente da arte aplicada mesmo e que existia um curso de Artes Gráficas com duas versões: uma para ilustração e outra pra criação de livro no objeto livro. Aí, nós... Aí, descobrimos o seguinte, que a escola só nos aceitaria se falássemos húngaro, aí o que aconteceu? Aí nos submetemos, não nos submetemos, mas concordamos em estudar húngaro, na época eram socialistas e tinham uma política generosa em relação ao terceiro mundo, e aí fomos para um colégio que tinha pessoas de quarenta países diferentes estudando húngaro durante um ano e fizemos isso, né? Foi, então, que eu conheci a minha mulher, nos colocaram na mesma sala porque dividiram por nome de países e colocaram Brasil, Bulgária e Bolívia na mesma sala, eu me casei com uma mulher relativamente analfabeta, né? Aí o que aconteceu? Estudamos húngaro e fizemos o vestibular que deve ter sido facilitado pra gente e entramos, então, nessa escola muito boa, aí, que eu tive oportunidade de mostrar trabalhos que eu tinha levado pra lá, livros como Antologia do Cordel, tinha levado Câmara Cascudo, eu já tinha muita intenção de trabalhar com a imagem da cultura popular e eu senti muito apoio lá da escola, do professor de desenho, que eu devia trilhar por isso. Então, comecei a fazer gravuras ter oportunidade... Lá é uma escola muito boa com todas as possibilidades da época ao nosso alcance, aí, eu comecei a fazer gravura em óleo e essas gravuras eu tenho até hoje são as únicas, também, que fiz até hoje, porque tenho uma preguiça danada de ficar fazendo aquela coisa. Mas saí e desenvolvi... Bom, e aí o que aconteceu? Eu tive oportunidade de ir pra Itália antes de terminar o curso e tive oportunidade de levar projetos que eu tinha feito no estudo de desenho animado de filmes, com temáticas nordestinas, e eu tive sorte de encontrar editores da melhor revista da época que era a revista Linos, uma revista muito prestigiada; o editor do livro gostou e falou: “Transforma em quadrinhos e manda”, aí, eu fiz isso, mandei e publiquei a primeira história lá, eu falei: “Pô, vou ficar rico, eu nem terminei o curso estou publicando na Itália”, mas era tudo engano. Já estava na véspera de concluir o curso e eu tinha que fazer um projeto gráfico com a temática, eu escolhi folclore do Nordeste. E fiz várias coisas, fiz mais quadrinhos, esse quadrinho que eu tinha impresso foi incluído como trabalho do diploma, aí, também eu fiz cartazes com cantadores, eu tenho esses cartazes até hoje em casa, fiz livro infantil que depois foi publicado inclusive na Itália, e até hoje é publicado pela José Olympio, é baseado em cordel A Briga do cachorro e o gato, mas ilustrado e com o texto que eu fiz, depois, eu passei para um escritor do Rio de Janeiro, um poeta e ele refez para ser lançado pela editora José Olympio. Aí, pronto, eu voltei, e quando eu voltei com a experiência que eu tinha da dificuldade que meu pai tinha para sobreviver eu falei: “A primeira coisa que eu tenho que fazer é arrumar um emprego” eu consegui entrar na... Eu fiz concurso e entrei na Secretaria de Educação e passei mais ou menos um ano fazendo projetos lá com o pessoal, eu não fui dar aula não, bom, o que aconteceu? Tinha um amigo meu, que até hoje somos amigos, é o Vladimir Carvalho, que é um cineasta que mora em Brasília, até hoje e ele conseguiu... Tinha um amigo dele que estava montando uma equipe dentro de uma autarquia do Governo que lidava com comunicação rural. Aí, eu fui convidado e eu passei toda a minha vida dentro desse... Nunca tive ambição de crescer mesmo no emprego, eu queria um emprego apenas para me sustentar e fazer meus trabalhos e, paralelamente, eu comecei a desenvolver coisas, mas nunca fui uma pessoa, assim, muito ativa, eu gosto dos meus projetos, dificilmente eu ilustro outras pessoas, sou mais maleável, mas eu sempre fiz os meus projetos. Ou seja, eu apaixonava por alguma coisa, eu desenvolvia o projeto e oferecia para a editora e quando eu tinha principalmente livro infantil escrito, porque eu acho que a escrita é muito importante para a criança, eu faço parcerias, eu faço parceria com a mulher do Vladimir Carvalho até hoje, nós já publicamos muitos livros dentre os quais dois sobre Arte que são pra Editora Ediouro, né? E eu sempre tive essa visão de fazer um trabalho por uma coisa que me apaixono, eu fiz o Hans Staden, mas eu fiz, eu pesquisei, eu fiz tudo que era possível, foi lançado primeiro na Itália, colorido pela Editora Rizzoli em Milão e quinze anos depois, só quinze anos depois, é que eu procurei uma editora aqui que publicou que foi a Conrad, isso há três anos. E tem outros projetos que desenvolvi assim, e atualmente eu estou muito ligado ao cordel, eu sempre fui ligado ao cordel, mas não com muita insistência e agora não, eu vou me dedicar a fazer coisas ligadas ao cordel, porque eu sempre volto a minha infância eu digo: “Eu quero fazer coisas que fizeram parte da minha infância” e por sorte eu tive esse contato com cordelista, com o cordel, com a cultura popular, com os bonecos do Vitalino, porque eu brincava não com o dele, mas semelhante ao que ele fazia, né? Ou seja, todo ser do nordeste fazia coisas parecidas, então, aquilo fez parte da minha infância e eu acho que é ali que está o Brasil, uma parte do Brasil, claro, porque o Brasil é muito grande, mas uma parte do Brasil da cultura tradicional, da cultura ibérica eu acho que está no Nordeste e fico muito feliz porque na década de 50, quando eu descobri o cordel, o cordel já estava dentro da cabeça com o surgimento do rádio e depois da televisão e da força do cinema, o cordel estava em plena decadência. Depois, o cordel foi descoberto pelos historiadores, pelos professores universitários, principalmente os franceses, que estiveram no Brasil, então, a universidade brasileira descobriu e o cordel ganhou status. E agora, acho que tem o novo estágio, que é o estágio que me interessa, a conquista da escola, a conquista da criança... O cordel com seus trâmites tradicionais tem que ser respeitado, mas a temática e o suporte tem que ser outro, tem que fazer um cordel que concorra com os livros infantis, mas com tanto que seja cordel e é isso que eu estou tentando agora.
P/1 – Jô, eu queria... Você fez um curso panorâmico da sua carreira eu queria voltar em vários... Inclusive lá trás voltar numa coisa que você falou que eu fiquei curioso você morou dois anos com seus avós? Como é que foi essa...
R – Foi interessante, porque o meu avô era uma pessoa extremamente rural e a cidadezinha é uma cidade pequena. É uma cidade que você não tinha muita opção, a não ser o diabo desse cinema, o cinema sempre existiu, né? Mas aí eu tive contato ainda mais com o meio rural, porque em Campina Grande eu não tinha contato com o rural, o rural era apenas o que aparecia lá, mas no caso de João Alfredo não, João Alfredo é uma cidade pequena. Eu me lembro de coisas assim, eu me lembro de estar escutando a Copa do Mundo de 58, eu sentado na calçada e um sujeito lá rico com um rádio desse tamanho na janela e todo mundo escutando a final do Brasil e Suécia, quer dizer era uma coisa assim bem primitiva. E também da escola, a precariedade das influências eram muito poucas, eram, assim, coisas muito locais isso e das brincadeiras. Eu morava em sítio, eu tomava muito banho de açude, a época das frutas, tinha a época da manga, tinha a época da goiaba, essa coisa é muito marcante. O dia-a-dia, assim, de se levantar cedo de ver a pessoa tirando leite da vaca, de fazer farinha, de participar de uma farinhada, passar o dia inteiro raspando a mandioca e depois no fim esperar o fim do dia para fazer o biju ou fazer a tapioca. Essas coisas são muito marcantes visualmente ficam muito impregnadas, né?
P/1 – E lá tinha uma tradição de cordel?
R – Não muito, a cidade não tem porque não era um dos grandes centros, Campina Grande era, mas lá não, lá era só na feira também, lá eu não conheci nenhum cordelista. Era pequenininha, ela apenas tinha uma feira semanal, mas não era um centro de cordel. Mas meu avô tinha cordel, meu avô tinha muito cordel.
P/1 – Como era essa coisa de pegar os cordéis do seu avô?
R – Era muito interessante, porque tinham algumas vezes, não muitas, mas eu me lembro de pessoas lendo cordel em voz alta. Eu lembro, também, que meu avô era muito ligado aos cantadores, eu não era muito ligado ao cantador, mas eu me lembro de uma sala cheia de gente e o pessoal convidou... O chapéu em cima, assim, de um tamborete e os cantadores tocando e todo mundo colocando dinheiro lá, isso eu lembro. Eu não participava não, porque, engraçado, não era uma coisa muito pra criança, isso era mais adulto, a gente brincava mais de correr e subir, fazer coisas, presepadas, né? Mas essa coisa do cantador era muito adulta, porque os temas eram muito fechados, aliás, o cordel tem isso, né? O cordel nunca foi feito, ou pelo menos algumas vezes, isso foi feito pra criança, o cordel sempre foi uma coisa adulta, embora algumas temáticas sejam infantis ou da Literatura Infanto Juvenil ou infantil, sei lá.
P/1 – Mas você desenhava já?
R – Sempre desenhei.
P/1 – Então, conta pra gente o primeiro contato com desenho que você teve?
R – O primeiro contato foi em Campina Grande, nós morávamos numa rua e depois nos mudamos pra outra, e coincidiu que nosso vizinho era um grande desenhista, era um cara muito jovem, mas desenhava, era um exímio desenhista chamado Ariel França, eu lembro... Um dia eu fui... A primeira vez que eu fui a casa dele, que tive oportunidade de pegar no lápis. Eu achei uma folha de papel que ele tinha desenhado em cima dela e tinha deixado a marca, o lápis tinha passado... Ele fez com muita força, passou e a marca estava nessa folha em branco e eu preenchi e quando ele viu, ele se assustou e falou: “Puxa, foi você que desenhou”? Eu tinha seis anos, eu falei: “Claro, fui eu”, eu achei que tinha desenhado. E a partir daí eu não deixei nunca mais de desenhar, aí descobri que tinha gibi e essas coisas e fizemos uma grande amizade, e como era vizinho todo dia eu estava na casa dele, a família dele era muito ligada a nossa. Mas essa pessoa sumiu, eu tive oportunidade uma vez quando eu estava no Rio de Janeiro de ver um trabalho dele publicado pela Editora Ebal. Mas foi a partir daí, então, que vi que ele trabalhava com aquarela e achei aquilo fascinante, e a partir daí eu comecei a desenhar e nunca mais eu larguei, porque é interessante todo mundo sabe desenhar quando... Toda criança sabe desenhar só que a maioria larga, não sei por que cargas d’água larga e perde o interesse, surgem coisas mais interessantes e hoje mais ainda. Mas se você permanecesse... Se as crianças não largassem o hábito de desenhar todo mundo se tornaria desenhista, e é uma pena porque é uma habilidade que a pessoa ganhou de graça e perde, né? É como se todo mundo soubesse música ou pelo menos soubesse dedilhar alguma coisa e largasse. Mas, então, a partir daí nunca mais eu larguei, quando eu mudei para Campina Grande que me afastei, aliás, para Maranguape que eu me afastei, eu continuei desenhando e nunca parei e, aí, até... Como eu te falei, até quando eu cheguei a Aquidauana, eu descobri que existia livro ensinando a desenhar, foram longos períodos, se eu tivesse ajuda no começo... Eu fiquei, assim, fascinado. Quando eu cheguei ao Rio de Janeiro, que eu entrei na biblioteca da Escola Nacional de Belas Artes e descobri coisas como a revista Grafes, que na época era a coisa mais maravilhosa que existia em níveis de arte, eu não conhecia, aliás, o livro de arte eu conheci... O primeiro livro que eu comprei, eu comprei aqui na Estação da Luz na rodoviária, era uma coleção também da Editora... Acho que Melhoramentos. Era um livrinho pequenininho, uma coleção baratíssima e na capa tinha uma pintura do Renoir, uma banhista, e foi legal, porque há mais ou menos uns dez anos atrás eu estava lá no Museu D´Orsay e me deparei com essa pintura, eu quase chorei, eu falei: “Caramba que legal, está aqui o original”, mas esse fascínio também... O interessante é que o barato de desenhar é que você fica uma pessoa conhecida na escola, quando você sabe desenhar todo mundo te conhece. Então, isso sempre abriu portas, pra mim o desenho sempre foi... Esse negócio do padre, por exemplo, me ajudar a vir pro Rio é porque ele gostava de desenho, quando ele viajava para os Estados Unidos que ele voltava... Uma vez ficou lá dois anos, ele trazia material de desenho, então eu tive contato muito com pessoas que admiravam a habilidade e essa habilidade me ajudou, abriu portas pra conseguir... Hoje pra gente viajar pro exterior é complicadíssimo e naquela época não tinham essas possibilidades. A bolsa de estudos que a Hungria ofereceu era 24 horas, você podia estudar 24 horas e ainda te pagavam mensalidade, era quase como um emprego. Isso é inexistente. Hoje, a não ser que você vá fazer uma pós- graduação que tenha uma ajuda do Governo etc. Então essa habilidade de desenhar sempre me facilitou para realizar coisas que eu jamais realizaria se não tivesse, né? Deve ser assim também para artistas, músicos...
P/1 – Você chegou a Aquidauana com quinze anos e continuou desenhando dessa maneira?
R – Aí, eu já desenhava e inclusive tive a oportunidade de publicar a primeira historieta num jornal que até hoje eu ando procurando, essa revistinha chamada O Mensageiro que era dos padres, se não me engano, Salesianos que era publicada em Belo Horizonte. Passou um dia lá o padre, porque os padres sempre visitam outra cidade e esse padre falou: “Olha, ele desenha”, aí, o padre encomendou uma história em quadrinho e eu fiz. Engraçado que os personagens eram franceses, porque na época estudava francês e foi publicado, e até hoje eu falo: “Como eu gostaria de encontrar essa historinha” deve ser muito ruim, mas é a primeira, né?
P/1 – E como foi ir para Mato Grosso na época?
R – Mato Grosso foi muito interessante, no meu caso, eu estava saindo de um local onde tinha uma característica muito forte, muito marcante. Tem estados, aqui, que não tem... Que é muito misturado... Mas o Nordeste é muito marcante e ir para um lugar totalmente diferente... Eu sempre gostei muito de história, tinha uma paixão muito grande, quando eu comecei a estudar história lá no ginásio, eu descobri que aquela região, tinha sido aquela região, que tinha passado a como é que chama? A Retirada de Laguna que foi um dos episódios da guerra do Paraguai, eu tinha fascínio por essa história eu falei: “Eu queria um dia fazer essa história” e de você chegar num lugar totalmente diferente, lá era Pantanal, mas eu nunca mais estive no Pantanal, só anos depois que eu vi o Pantanal, a cidade ficava um pouquinho afastada, né? Não tinha meios de locomoção muito fáceis, então, lá era muito marcante por isso, porque é próximo da fronteira, não muito próximo, mas algumas horas você chegaria ao Paraguai. Então, eu já tinha influência muito grande de outro país e o Nordeste... Quem está no Nordeste acha que um país é uma coisa assim do outro mundo, muito longe para se chegar a outro país, principalmente naquele tempo que você não andava de avião e lá não, lá quando chego, em Aquidauana, eu fico fascinado pela natureza, a natureza era muito exuberante, era muito verde, não existia a seca. A única coisa que existia lá que incomodava a gente era o calor, o rio nunca secava, então, essas coisas eram diferentes, mas eu fui para um local que depois... Mais tarde eu descobri, quando voltei lá anos depois, que aquela região era só de pernambucanos, né? Meu pai tinha ido lá porque tinha tido a colonização pernambucana anterior, então, era um lado da cidade, era um bairro que era só de pernambucanos, ao mesmo tempo em que eu estava num lugar diferente, ao mesmo tempo eu me relacionava com pessoas que tinham mais ou menos a mesma maneira de pensar. E essa descoberta que eu estava perto da fronteira, e a descoberta da história, então, isso foi me cativando muito, eu tive oportunidade de ir ao Paraguai depois, morei em Ponta Porã e fui visitar o local onde assassinaram o Lopes, o General Lopes, no rio... Eu esqueci o nome do rio agora. Então pra mim foi muito interessante, me deu outra dimensão do Brasil, também foi muito bom por isso. Quando eu faço esse trabalho nordestino, por exemplo, uma paixão minha era fazer uma história em cordel, claro, a narrativa, porque eu estou nessa fase da paixão pelo cordel, de fazer uma história baseada em contos gauchescos, porque eu acho aquilo muito bonito, né? Do Lopes eu gostaria... Eu já falei até com o Monteiro: “Monteiro, vamos fazer uma história, vamos pegar um conto do Lopes, o Lopes Neto e transformar em Cordel”. Por exemplo, os trabalhos que eu fiz com ele... Foi Cervantes... claro que tem ligação com o Nordeste, mas como é que se diz? Eu tenho esse livro com ligação com minha infância, com a cultura nordestina, mas eu tenho uma visão mais ampla, porque eu viajei, morei no exterior, eu gosto muito do exterior, todas as minhas férias... Eu tenho fascínio de viajar porque pra mim é tudo novidade, né? Quando você chega num lugar onde você tem que ver a língua, os costumes são diferentes, isso me cativa muito, me atrai muito. Então, isso, talvez, graças a essa mudança de ter me afastado, ter vivido experiências que acrescentam, que acumulam e que enriquecem de alguma maneira.
P/1 – E essa chegada ao Rio, também deve ter sido uma coisa bem difícil...
R – Ah, no Rio foi bem diferente, no Rio foi interessante porque eu cheguei ao Rio com mala, aquela mala de couro bem nordestina...
P/1 – Quantos anos?
R – Ah, eu já tinha 21 anos, eu tinha acabado... Eu sempre fui atrasado, terminei a escola muito tarde, tudo meu foi meio atrasado, então, eu cheguei com 21 anos, saltei lá, peguei um táxi e fui... Pra mim era fascinante, embora o Rio seja muito conhecido, sem querer a gente conhece o Rio. Ainda era capital, então todo mundo tem obrigação de conhecer, principalmente quem frequenta escola, de saber a história do Rio. Muitas coisas que eu fui lá visitar eu já sabia, a existência da Biblioteca Nacional, do Museu, a própria Escola de Belas Artes. Mas pra mim foi ótimo, porque foi a primeira vez que eu vivi numa cidade grande, né? Quando você vai para um lugar desses, mesmo que seja uma coisa completamente diferente, se você vai atrás de um objetivo, as coisas não te influenciam muito, né? Você fica... Eu trabalhava numa loja, eu era vendedor de cortina na loja Sears, lá em Botafogo, não existe mais, e de manhã eu estudava na Escola de Belas Artes. Então, eu fiz isso até chegar o momento de sair de lá, mas isso foi muito enriquecedor, porque eu tive contato com bibliotecas, tive oportunidade de visitar a Biblioteca do Folclore e vi várias coisas. Eu nunca tinha visto livro sobre folclore, tive oportunidade de ler. Então, fui ampliando os conhecimentos e fui cada vez... Interessante, cada vez que me aproximava de fontes eruditas ou, então, de informações feitas por historiadores especialistas, eu me convencia de que aquela coisa que eu convivi na infância era importante mesmo, foi cada vez mais me convencendo. Eu nunca tive, assim, qualquer dúvida que aquilo era coisa boba, coisa de pobre não, isso eu... Ao contrário, cada vez que eu vou me informando, vou ficando mais consciente de que aquilo realmente é muito importante.
P/1 – E foi alguma... Talvez perto de intuição, de pegar todos aqueles xerox, de pegar todos aqueles livros de cultura popular e levar pra Hungria, o que foi?
R – Pois é, porque é o seguinte: na época quando eu comecei a fazer desenho animado o meu sonho era fazer uma história baseada em cordel, a intenção nós tínhamos... Chegamos até fundar um grupo lá, chamado Grupo Fotograma, a intenção era fazer um filme que tivesse esse visual de cordel, fazer histórias, talvez, sobre cangaceiros, na época era mais politizado. Eu queria fazer uma história sobre violência no campo, né? E o visual era... Eu estava encarregado de fazer a parte visual, essa parte baseada na figura do cordel, mas eu nunca larguei... A partir do momento que sempre eu queria fazer história em quadrinhos, eu queria fazer história em quadrinhos com a temática de cangaceiro, por exemplo, eu sempre leio lendas sobre cangaceiros, mas no momento em que eu tinha que fazer o desenho, aí, eu me convenci que o desenho também tinha que refletir a história, eu falei: “Bom, tem as duas opções: seria fazer os bonecos de Vitalino ou, então, partir pro cordel, pra gravura de cordel.” Mas, depois, como eu te falei, eu descobri que a gravura medieval e todas as outras expressões artísticas visuais de qualquer parte do mundo são muito parecidas. Eles usam o sistema de composição do artista naïf, que não tem perspectiva, cada cena é um quadro, enche de coisa e cada cena tem um foco, ele não faz parte de um ambiente que tem perspectiva e cada objeto ocupa o seu lugar, né? Cada pessoa está desenhada conforme a distância, não tem isso... Cada cena dentro do quadro é um quadro, a parte e a composição quem faz é o artista. A composição não obedece a qualquer... Como é que chama? Qualquer sistema ótico. Não, ele faz. Se o sujeito é importante, ele é grande. Se não tem importância, está na gravura medieval, né? Jesus Cristo bem grandão e os anjinhos todo mundo do mesmo tamanho, põe conforme a importância. Então, em primeiro plano estão as pessoas mais importantes, o segundo plano, trabalham com planos, né? É, ao mesmo tempo, como se você fotografasse várias cenas e pregasse. Isso é mais interessante, porque dá possibilidade de você visualmente recriar a cena sem... De uma maneira narrativa, se você escolhe os elementos pela importância é muito mais atraente do que a perspectiva normal de uma fotografia, de um ponto de vista, né? Você tem vários pontos de vista dentro da... É por aí.
P/1 – E chegando à Hungria você vai pra capital mesmo?
R – Budapeste mesmo. Aí, foi outra coisa, né, você chegar num local onde não fala uma palavra e não consegue identificar nem uma palavra escrita, eles usam o alfabeto latino e era um país muito fechado, ainda, porque foi em 69 que eu fui, né?
P/1 - E como que era o clima?
R – O clima eu já cheguei no fim do inverno, mas estava frio. Mesmo assim pegamos emprestado... Parecia que a gente estava saindo da 2ª Guerra Mundial, voltando do campo de concentração. E fui de navio, porque na época era muito caro avião e navio era baratíssimo. Eu pedi demissão na... Eu pedi para eles me demitirem, o pessoal do departamento de pessoal, e com esse dinheiro eu comprei a passagem. Embarquei e foram doze dias, foi uma coisa fascinante, foi a primeira vez que eu vi Fernando de Noronha, e passar doze dias no mar é muito interessante. Chegar a Portugal e ficar a tarde toda em Portugal, é uma briga em horizonte, é interessante eu contando pra você agora eu começo a perceber que tem sempre uma coisa de ampliação, né? Coisas que hoje são banais, hoje qualquer um pega avião, a classe média vai a qualquer lugar, mas naquele tempo era bem diferente e era muito complicado pra quem não tinha dinheiro, pra quem não... Porque a minha família nunca teve condições de me ajudar, mas sempre tive sorte de ter alguém que ajudasse, foi muito importante, tem várias pessoas que eu tenho dívida, assim, que eu não poderia pagar não, de pessoas que me deram a mão. Então, é muito interessante você chegar. Eu e o Rui, ainda bem que eram dois, tinha diálogo, imagina se viajasse sozinho. Aí, pegamos o trem, cruzamos todo o norte da Itália e naquela época viajava... Você não podia sair daqui com emissão para entrar em país socialista e eu tinha que pegar o visto na entrada de Trieste. Descemos em Trieste, pegamos o visto, pegamos o trem, cruzamos o norte da, naquele tempo, Iugoslávia e de manhã chegamos à Hungria. Aí, realmente foi muito estranho, porque era uma manhã de domingo, muito frio... Não muito frio... Fim de inverno, mas pra nós era frio e era véspera da data nacional, então, estava cheio de bandeiras, assim, porque a estação de trem chama-se Keleti Pályaudvar, fica no centro da cidade e estava cheia de bandeiras, a bandeira da Hungria e a bandeira comunista. O Rui falou: “Aí, o América vai jogar aqui contra o Fluminense”. O problema nosso era o seguinte: o endereço que a gente tinha era um endereço comercial. Nós chegamos num dia anterior e só podíamos encontrar com essa pessoa na segunda feira. Eu falei: “E agora”? Não tínhamos telefone, não tínhamos nada. Aí, saímos andando puxando as malas e não achava ninguém, como todo mundo com quem a gente falava não sabia, só sabiam alemão ou húngaro, até que achamos um jovem estudante que nos ajudou, nos levou pra casa dele, arrumou um hotel. No dia seguinte a gente já começou, mas foi muito complicado, os seis primeiros meses foram muito complicados, porque é incrível você morar num lugar em que você não fala a língua. Pra gente estudar o curso, não era bem um curso, era um estágio e ainda bem que nos arrumou um sujeito, uma pessoa que falava húngaro e espanhol, um cubano que estudava lá. Então, ele era contratado quando a gente ia duas vezes por semana, ou três vezes lá no estúdio, ele nos acompanhava pra gente trocar ideia lá com o professor, a gente pegava tarefas e fazia em casa e levava, né? Mas eu acho que essa mudança também para a Hungria foi extremamente interessante de contato com civilização totalmente diferente, uma língua totalmente diferente, os costumes, a comida, a comida lá era muito boa e sei lá, também, era muito estranho porque os húngaros são muito fechados, até hoje, só temos amizade com o maior artista gráfico lá que é o Istvan Banyai, se você entrar na internet você vai cair pra trás, ele era o nosso... Estudava com a gente lá na escola e é o único cara que a gente mantém contato, porque o resto sumiu.
P/2 – Qual a comida de lá?
R – Ah tem muita. Goulash é famosa, mas eles têm muito tipo de comida, eles trabalham muito com comidas a base de carne, de peixe, tem uma coisa que eu adoro até hoje que se chama rushladesh, rushladesh é a sopa de carne e tem o roledesh que é a sopa feita de peixe com páprica é uma coisa maravilhosa, eu nunca mais... Só voltei lá faz... Eu saí de lá em 75 e só voltei lá uma vez cinco anos depois e nunca mais eu voltei, tenho muita vontade de voltar. Eu não volto, também, porque não sei, alguma coisa não me deixa voltar, né? Porque eu tive várias vezes... Durante o período que eu trabalhava, durante 25 anos as minhas férias praticamente coincidiam com a feira de Bolonha que é uma feira que eu frequentei muitas vezes, que é a maior feira do livro infantil, né? Eu tive oportunidade de publicar livros graças nessa feira.
P/1 – Conta um pouco, quando você conheceu? Como foi essa aproximação? O pessoal falando mal o húngaro também?
R – É interessante, o Rui, por exemplo, ele não se casou, o Rui de Oliveira, mas eu não estava com intenção de casar, mas eu me apaixonei, mesmo, o nome dela é Íscara Tudorov tem uns olhos azuis, assim, fantásticos. Ela era muito bonita e agora continua bonita, mas era uma mulher muito bonita quando era jovem. E nos colocaram... Dividiram as salas pelo alfabeto, então colocou Brasil, Bulgária, era eu e o Rui e Bolívia. Então, eu fiz contato com ela e tive oportunidade de ir lá visitar os pais dela e a coisa foi rolando até que a gente se casou, eu casei logo no comecinho, mas a gente não morava juntos, porque mesmo lá sendo um país rico, eles não tinham condições de dar um quarto para casal, eu sempre morei com o Rui, eu era casado com a minha mulher e morava com o Rui. O Rui lançou um livro recentemente, um livro erudito fantástico sobre ilustração, ele lançou agora no Salão do Livro no Rio, e ele ofereceu para os irmãos dele e para mim, eu falei: “Rui descobriram a nossa relação gay” (risos) “Você deixou gravado.” Mas o Rui é uma pessoa excepcional na minha vida, que é muito bom desenhista e é um sujeito muito trabalhador, embora carioca, mas é extremamente trabalhador e essa disciplina do trabalho... A gente era um dos poucos estudantes lá que não iam pra festas, a gente ficava desenhando, a gente foi lá com intenção de aprender, sabe? A gente trabalhava dia e noite, muito dedicados, 24 horas no desenho, e isso foi muito importante, né? E foi graças a essa aproximação com o Rui que me ajudou muito a ter disciplina e dedicar ao trabalho e ter paixão pelo trabalho.
P/1 – E aí, essa primeira parceria profissional começa mais na Europa do que no Brasil, começa na Hungria e na Itália... A sua carreira começa mais lá, na Europa, né?
R – Não começa na Europa, como eu tinha contado, antes de ir eu já tinha conseguido publicar um trabalho na hora que eu cheguei aqui e logo em seguida que saiu na revista, que é a revista mais famosa lá de... Altelinos e três anos depois eu arrumei meu emprego que era razoável, e três anos depois eu voltei e comecei a frequentar a Itália, a Bolonha, aí, tive oportunidade de encontrar com um editor que queria publicar livro, publiquei uns três livros com ele e esse livro depois ele publicou na França, publicou na Alemanha. E as histórias em quadrinhos eu achei uma agência de desenhos, chamada Quipos, que era de um italiano que infelizmente já morreu, o Marcelo Aragonni, e o Marcelo começou a distribuir esse trabalho, eu tenho história de cangaceiro publicada em grego, que o Lampião fala grego, imagina, né? Engraçado, e publicou na Espanha, também, isso foi muito interessante, depois eu não sei o que aconteceu e foi escasseando até não ter mais nada. Mas a minha primeira história em quadrinho publicada lá colorida quem apresenta é o Hugo Pratt, essa que eu te mostrei aqui que é o texto de um amigo meu de Brasília e apresentação de Hugo Pratt, o Hugo Pratt simplesmente é o maior desenhista italiano, esse cara é meu amigo por incrível que pareça, eu fiz uma amizade extraordinária, né? Então, ele apresentou o meu livro, aliás, ele que me pegou pelo braço e falou: “Vou te apresentar um editor” porque ele tinha feito um livro sobre cangaceiros e ele falou: “Jô, você devia ter feito esse livro” eu falei: “Que isso? Eu posso fazer outro” ele falou: “Que livro”? Eu falei: “Canudos”, ele falou: “Ah, então vamos lá falar com o editor.” Então, a vantagem de você participar dessas feiras é que você faz amizades com pessoas muito importantes, no caso, o Hugo Pratt, por exemplo.
P/1 – E uma pergunta bem prática sobre os grandes dos quadrinhos: como é publicar o quadrinho do cordel, uma coisa tipicamente nordestina, mas brasileira e você ver lá fora fazendo tanto sucesso? Como funciona isso?
R – Olha, eu não sei se fez sucesso, mas o que me admira não é nem o sucesso, seria pretensão da minha parte, é a aceitação pelo editor, né? O editor acreditar, porque eu acho que eles são muito... Não vou dizer que no Brasil não foi informado, mas como eles têm muita informação e talvez muita coisa, tudo vai pra lá, talvez eles tenham um olho diferente. E esse negócio de publicar o meu trabalho é, talvez, porque é uma coisa fora do normal, é claro que não é uma coisa comercial, tanto é que eu só fiz três histórias em quadrinhos sobre o nordeste que foram publicadas, acho, que depois juntou tudo e fez um livro, eu te falei que se transformou em escola de samba, mas não tem um sucesso comercial, porque não está na linha como os caras falam, line extreme, não está, não faz parte disso. Então, é uma coisa a parte, teria que rolar para outro lado, eu sempre achei que o quadrinho, eu sempre levantei essa bandeira que o quadrinho devia estar nas escolas. Agora começou, realmente começou, eu já tentei quando o Ministro da Educação era o professor Cristovam, eu tive oportunidade de falar com ele “Vamos ver se a gente...” Ele topou e tive reuniões com as pessoas, mas logo em seguida ele saiu, mas o MEC retomou, o MEC, antigamente, tinha ligação com o quadrinho e eu descobri que não foi adiante porque eles não achavam títulos. Mas você vê que agora está com toda força, né? Eu acho que o quadrinho tem que estar na escola, porque eu acho que a escola padece dessa... Da falta de estímulo, de coisas estimulantes para levar a criança a ler, e o quadrinho, por exemplo, é uma dessas, pode ser o desenho animado como pode ser o cordel, essas coisas têm que participar do ensino, o ensino não pode ser essa coisa tradicional, sei lá, tem que ter... Porque está concorrendo com o vídeo game. Então, a escola teria que ser mais dinâmica no sentido de estar mais antenada ao que está acontecendo e trazer isso pra... Porque não importa... Eu acho que o importante é o conteúdo, não os suportes... Como é que está e como está sendo apresentado, então, quando eu fiz, por exemplo, Hans Staden, minha paixão do Hans Staden é isso, a minha intenção é: tem que cair na sala de aula. Mas infelizmente a editora não conseguiu até hoje descobrir essa coisa de pegar o Hans Staden e trabalhar, eu imaginava o Hans Staden levado para a cidade onde aconteceu a passagem, onde o Hans Staden... Desde Guarujá a Santos, São Vicente, Itanhaém, por exemplo, Ubatuba, você vê que eu sei tudo nome de cidades paulistas até o Rio de Janeiro, todo esse litoral, eles poderiam fazer um festival, sei lá, poderiam levar pras escolas de lá o livro, discutir, eu iria lá com o maior prazer falar sobre isso. Eu acho que é isso, eu acho que a educação está em despertar a paixão pela coisa em si e não pegar como se fosse uma coisa obrigatória, essa coisa obrigatória que mata, né? Você tem que se apaixonar para poder ser um bom estudante, ser apaixonado pelo conhecimento, apaixonado pelo saber e essas coisas só podem... Quando é feito de uma maneira obrigatória, como costumava fazer com a literatura, as pessoas se afastam, infelizmente, e quem perde é o sujeito que se afasta, porque quem gosta de ler... É incompreensível que as pessoas não gostem de ler, como é que não pode gostar de ler? Mas infelizmente não foi ensinado às pessoas a lerem e como é que se ensina a ler? Ensina a ler despertando a paixão, todo mundo sabe disso, eu não estou falando nenhuma novidade.
P/2 – Você poderia mostrar mais um trabalho seu só para ilustrar mais um pouquinho. De onde surgiu esse trabalho? Mostra pra gente?
R – Vou começar pelo mais recente. Esse daqui é o trabalho mais recente, a razão de eu estar aqui com vocês foi a minha vinda a 20ª Bienal e é um trabalho feito pelo Manuel Monteiro, a primeira vez que eu conheci o Manuel Monteiro foi aqui, eu sabia da existência dele e eu é que convenci a editora... Eu conversei com a editora e disse pra ela: “olha estou pensando em fazer um trabalho com o Monteiro...” E deu certo depois de um bom tempo... A editora foi uma pessoa muito legal, a Maria Viana da Editora Scipione, ela aceitou e, enfim, saiu isso aqui: é uma história de Cervantes, uma história fantástica passada na Inglaterra da Elizabete I e ele narrou em cordel. E eu fiz as ilustrações mais ou menos baseadas em gravura, mas eu faço à pincel e esse trabalho é um trabalho realmente de paixão, apaixonado primeiro pelo Manuel Monteiro que é um sujeito extraordinário, uma pessoa que nunca publicou livro em nenhuma editora grande, ele ficou assim... A vinda dele aqui foi uma coisa extraordinária, ele veio lançar um livro dele numa Bienal, nunca tinha acontecido isso na vida dele, mas ele era modesto, porque ele ganhou o ano passado, ele ganhou um concurso aqui na Biblioteca Belmonte de literatura de cordel, então aí, ele foi lá e fez uma palestra e a diretora o recebeu de braços abertos e foi uma coisa muito boa. Bom, o outro trabalho que eu fiz com o Adelista recentemente foi esse aqui... Está escrito em espanhol, mas ele foi feito em português, o Jota Borges, o famoso, e o Jota Borges eu conheço há muitos anos, eu sempre quis fazer um trabalho com ele, não deixa de ser uma malandragem juntar meu nome ao nome do grande cordelista, mas a fama dele é pela gravura mais ainda do que o texto, embora tenha uns cordéis dele que são clássicos e eu o convenci a me deixar ilustrar pra ele e não ficou muito grande coisa, porque eu tive que fazer em vinte dias, eu acho que poderia ter ficado um pouquinho melhor, e é a história de Dom Quixote. Mas, é o seguinte, é uma comemoração do lançamento de Dom Quixote, quatrocentos anos, se não me engano, e o editor no caso era um amigo meu lá de Brasília e ele queria que eu fizesse alguma coisa, ele queria que eu fizesse uma pintura sobre tela, eu falei: “Não, vamos fazer um livro e vamos chamar o Jota Borges”, eu já estava imaginando que eu poderia ilustrar e aconteceu isso, o Jota Borges concordou. A única exigência que a gente fez foi: “Jota Borges, você traz o Cervantes para o Nordeste” e ele trouxe, ele fez cangaceiro, a Dulcinéia, coitada da Dulcinéia vira uma prostituta no subúrbio de Campina Grande, uma sacanagem, né? Mas o livro foi relativamente aceito, a Folha de São Paulo publicou meia folha, foi homenageado lá no Rio Grande do Sul, ou seja, tem várias edições, é um livro que eu tive muita satisfação de fazer. Esse outro aqui é mais antigo, é uma adaptação que eu fiz do Pavão Misterioso, porque Pavão Misterioso fez parte da minha infância, né? Pavão Misterioso sempre me acompanha, graças a Pavão Misterioso eu ganhei um prêmio na Itália, o melhor selo do mundo que eu fiz para os Correios, né? Graças ao Pavão Misterioso eu ganhei uma viagem para os Estados Unidos por trinta dias para visitar várias universidades e várias pessoas ligadas à linha infantil, eu sempre voei nas asas do Pavão Misterioso, eu acho que sou mais beneficiado do que os autores em si, infelizmente, que são mortos, tem aquela polêmica de quem escreveu. Eu tinha feito primeiro... Eu tinha feito uma versão com a ajuda de uma amiga minha de Brasília, uma versão escrita, ou seja, texto normal, mas a editora que eu fiz isso daqui ela deixou de publicar livros infantis e me devolveu. Aí, eu fui atrás dessa Editora IMEPH, que é uma editora lá do Ceará, e quando a editora aceitou eu pedi que esse meu amigo que é o Ariovaldo Viana que é um grande cordelista, ele inclusive leva o cordel para as escolas, ele tem um movimento chamado Acorda Cordel na sala de aula, e ele fez um texto, ou seja, ele fez a minha adaptação em cordel. Então, voltou a ser cordel a história que hoje era cordel, essa cópia não está muito boa, porque é uma cópia feita no computador, apenas a primeira. Bom, e outras coisas são os projetos que eu fiz aqui, eu trouxe os projetos para... Esse aqui, por exemplo, é uma coisa que eu gostaria muito de transformar quadrinho em cordel, esse aqui se chama quadrinho/cordel, é pegar os cordéis tradicionais e mesclar com a narrativa do quadrinho. Eu começo com um texto em cordel, ou seja, as estrofes são todas originais só que eu tento que introduzir... Esse aqui é uma coisa que eu vou tentar fazer com o cordel tradicional, o outro é pegar e fazer quantos... Esse aqui que eu fiz com o Leandro de Barros que foi o pai do cordel, já morreu há noventa anos, esse ano fez noventa anos e o único cordel dele que eu achei e deve ter mais é essa Bela Adormecida. Eu queria fazer um livro infantil, né? O outro é do próprio Monteiro, era pegar os contos clássicos infantis como esse aqui, no caso o Pinóquio, e fazer com texto para crianças mesmo, mas em cordel. Como eu tinha falado antes, o cordel poucas vezes foi feito pra criança, o cordel sempre foi... Tinha um público adulto, crianças não tinham dinheiro e tinha que vender, né? Então, eu queria fazer os clássicos Alice no País das Maravilhas, por exemplo, o Mágico de Oz, os clássicos tradicionais da Literatura Infantil mesmo. Bom, por enquanto são esses os projetos. Aqui do Jota Borges também tem... O Jota Borges, eu comecei a tentar fazer com ele há algum tempo atrás, eu encomendei pra ele a Maria Borralheira que ele colocou o título. E eu fiz também esse projeto para ver se alguma editora... Várias editoras ficaram interessadas, eu acho que vai dar samba nisso, é possível que surja... Porque é isso mesmo, é fazer o cordel, especialmente seria bom, escrito por especialista, por artistas consagrados, né? Porque obedece toda métrica, toda parte de rimas do cordel tradicional e em cima disso eu dou suporte diferente, colorido, para concorrer com os livros você não pode chegar lá, aquele cordel que é muito... É um objeto pobre e não vai concorrer de maneira alguma. Então, fazer um livro infantil em cordel. Bom, esses aqui são coisas mais antigas, mostra isso? Esse daqui foi quando completou cem anos do... Foi um evento grande, foi o maior evento... Foi a maior homenagem que eu vi do cordel foi feito aqui em São Paulo no SESC Pompéia e eu fui convidado para fazer o logotipo, a logomarca que era o próprio pavão, né? Aqui estão alguns selos postais, um dos primeiros selos que eu... Um dos selos que eu fiz que me deu maior satisfação foi esse aqui que é literatura de cordel. Aqui tem o Pavão Misterioso que foi anterior ao livro o Assis (Diniz?) que me deu a ideia de fazer o livro e A Imperatriz Porcina que é uma história fantástica cheia de problemas, uma mulher que é a mulher do rei e o irmão do rei quer tomá-la quer transar com ela e ela é expulsa porque o irmão... Então, é uma história, assim, é uma novela muito bonita essa história, bem da época, né? Esse aqui é um postal que eu fiz que é o ano do boi, esse postal foi feito para um encontro internacional de filatelia em Hong Kong em 97. Aqui são outros selos que eu fiz os contos narrados, personagens do folclore brasileiro, tem o Cuca que no meu tempo era o Papa Figo, essa é uma figura que quando os pais da gente quando não queiram que a gente saísse diziam: “Olha, estão dizendo que o Papa Figo está solto aí” o Papa Fígado é um sujeito que para sobreviver ele tem que comer fígado de criança, imagina que coisa... Esse aqui é São João em Campina Grande e em Caruaru que são as duas festas rivais e aqui é sobre danças populares nordestinas, tem aqui a Nau Catarineta e aqui Os Caboclinhos e aqui acho que é o Reisado. Esse daqui é uma coisa um pouco diferente, mas sempre na tradição. Esse aqui é um selo que o Correio fez em homenagem à cultura chinesa, aqui é sobre o horóscopo chinês, em cima é a cobra de metal e debaixo o cavalo d’água, infelizmente o Correio parou, mas eu gostaria de continuar os outros, né? Bom, aqui estão de instrumentos musicais, esses aqui são sobre indumentária nordestina e aqui foi um dos primeiros selos que eu fiz que eu gosto mais até hoje o Mamulengo, que é uma coisa que eu tenho a maior paixão que fez parte da minha infância. Aqui a ilustração que eu fiz para São João, aqui o Fest Sesi em Brasília, tem o Fest Sesi, eu fiz duas vezes os cartazes do evento, né? Aqui é o original que eu fiz sobre um festival que acontece em Brasília. E esse ano eu tenho o terceiro de Mamulengo de bonecos, é festival internacional de bonecos que foi um trabalho que eu fiz, que eu tive recentemente na África, participei de uma feira de livro lá, lançamos um livro lá, eu e o Rogério Andrade, porque ele que escreveu o livro, fizemos um livro antes para a Scipione, aliás, para a FTD, desculpe, sobre cultura popular... A influência negra na cultura popular é um festejo na cidade do interior de Minas Gerais, na cidade de Itapecerica que tem um festival acho que é... não sei o que do rosário... Eu esqueci o nome, muito bonito e fala sobre Angola, e por acaso deu tudo certo, a gente foi pra Angola e lançou esse livro lá com a ajuda da Odebrecht e da Embaixada do Brasil que nos convidou. Aqui são umas coisas sobre Pernambuco, aqui eu fiz a caricatura do filho do Borges, o Ivan, eu desenho sobre a madeira e burana e, como ele é xilógrafo, ele cortou, cavou a madeira e fez a gravura, tanto é que ele assinou, e eu aqui. Bom, esses são cartazes e aqui são figuras que eu fiz, como eu falei, eu não tenho essa habilidade, assim, me falta a paciência para fazer a gravura, eu faço uma imitação, não é disfarce, mas é uma coisa dentro já no estilo da gravura, mas com pincel, né? Geralmente eu passo cor, depois fica colorido. Aqui é capa de um cordel, de uma coleção que eu fiz que é com mão de Câmara Cascudo. Vou mostrar no fim o desenho da capa e são doze cordéis entre cordelistas contemporâneos e do passado. Essa aqui é a capa de um livro que eu fiz com a Lucília Garcez lá de Brasília, a mulher do Vladimir Carvalho, que é a infância do Luís Gonzaga pela Editora Dimensão de Belo Horizonte, esse livro está em publicação até hoje. Esse aqui é um cartaz bem grande que eu fiz sobre um festejo que houve sobre cultura popular da América Latina. Esse aqui é um cartão de fim de ano que eu fiz, como eu ia pra África eu peguei a figura... Essa figura aqui é do Maracatu, mas é figura que acho que a rainha, a princesa leva na mão, é um símbolo que significa a África, eu não sabia e chama-se Calunga, boneca Calunga, aí, eu fiz como se a Calunga fosse a princesa.
(troca de fita)
R - Bom, esse daqui... Inclusive eu viajei com o Rogério Andrade que vocês entrevistaram e vamos fazer um livro sobre a África para a FTD, esse foi um livro sobre Padre Cícero que eu fiz com uma escritora do Rio de Janeiro a... não lembro o nome dela agora é difícil... É a Luciana Tabajé, é sobre Padre Cícero, esse aqui foi publicado pela editora DCL aqui de São Paulo. Esse aqui é o original da ilustração desse livrinho que eu fiz com o Manuel Monteiro, sobre a espanhola inglesa, o texto do Cervantes. Esse aqui é um trabalho que eu fiz pro Banco do Brasil é um trabalho de educação interna para preparação de pessoal, isso são pinturas, uma vez eu fiz uma exposição no Museu Postal de Brasília, e eu fiz vários quadros e esse seria o famosíssimo cangaceiro Antônio Silvino que é anterior a Lampião, né? E aqui são os grupos de cangaceiros, essa figura aqui é a ilustração daquele livro sobre cangaceiros publicado na Itália e na França e esse aqui é o Corisco, o diabo loiro. Aqui ilustrações sobre a temática do violeiro que domou o diabo, esse aqui é sobre MacBeth o livro que eu fiz com o Ariovaldo. Esse ano faz noventa anos da morte do Leandro Gomes de Barros que foi o sujeito iluminado que passou o cordel oral para o cordel impresso no Recife, né? Essa comemoração dos cem anos aqui do cordel foi pela criação dele, um personagem que é o Cão de Fogo que é muito famosa e eu coloquei a cara dele no próprio personagem. Esse aqui é capa do cordel dessa coleção que eu fiz para uma editora de Mossoró chamada Queima Bucha e são doze cordéis, como eu já falei. Esse aqui é uma ilustração sobre o mundo do cordel, tem uma professora recitando e aqui todos os elementos pertinentes ao mundo do cordel, como aqui, o rei, no caso, aqui seria o Carlos Magno, aqui o boi, tem alusão ao Bumba meu Boi, mas também alusão às histórias que eles fazem do boi misterioso, o boi fantástico que o vaqueiro passa toda a vida tentando pegá-lo. Aqui é sobre cangaceiro mesmo, aí, coloquei elementos étnicos aqui o índio, o negro, a mãe d’água, o satanás e etc. essas coisas que fazem parte da cultura popular. Eis aqui outra figura que eu tenho maior admiração, é o Cego Aderaldo, e eu fiz aqui o Cego Aderaldo disputando com o satanás, esse trabalho aqui é outra coisa, eu fiz um quadrinho que foi publicado só em Brasília sobre a conquista do Rio Amazonas, a história das amazonas, aquela história interessante por que a Amazonas se chama Amazonas. Então, tem toda uma história interessante que tem uma coisa misteriosa no fim que é ligar um Muiraquitã que faz parte da narrativa do índio com a história, e não tem uma explicação, pelo menos muita gente acha que não tem uma explicação de onde é que vem esse amuleto que os índios ganhavam. Os índios, no caso, na história fantástica e os amuletos existem verdadeiramente, isso é muito interessante, a história foi narrada pelo Frei Carvalho Alves e eu fiz uma história em quadrinhos, e agora estamos tentando fazer um livro infantil com a Lucília. Esse daqui foi um evento que eu participei no Rio de Janeiro na Fundação Banco do Brasil que eram sete ilustradores que foram convidados para fazer duas ilustrações sobre Emília. Uma eu fiz Emília no Sítio do Pica Pau Amarelo e aqui a Emília com as figuras gregas, no caso, aqui não sei quem é essa figura que está voando no Pégaso. E aqui eu participei de um evento lá no Ceará que foi na cidade de... Como é o nome da cidade? É um evento que eles fazem sobre violeiro, eu fiz uma exposição lá e fizeram outdoor e essas coisas. Bom, aqui também é outra figura daquela coleção que eu falei que foi publicada em Mossoró, Queima Bucha. Aqui é a capa que eles fizeram uma caixa onde tem os doze cordéis e aqui é esse livro que te falei que publiquei na Itália, no caso, aqui edição francesa sobre cangaceiro, esse livro nunca foi publicado no Brasil. Aqui são os selos mais recentes que eu fiz os cem anos do frevo e junto vem aqui o Carimbó que é lá do Pará. Aqui são figuras amigas minhas do cordel, o filho do Borges, aqui é o José Lourenço e aqui é Abrão Batista, esses dois são do Ceará e eu fiz a caricatura de cada um, e são pessoas que eu tenho a maior amizade, eu os homenageei fazendo caricatura e por fim aqui o Jota Borges com o personagem, o famosíssimo personagem dele que é a prostituta... É um livro de cordel A Prostituta que Vai pro Céu e o engraçado é que o Jota Borges, eu não sei se ele estava brincando comigo, mas quando viu esse desenho ele falou que não ia levar, porque a mulher dele ia ficar muito zangada porque ele estava com uma prostituta, ele estava me sacaneando, né? É isso.
P/1 – Uma pergunta. Conta pra gente essa relação do cordel, tradição oral, cultura e esses temas africanos que aparecem agora um pouco com o Rogério, em parceira com o Rogério que você faz? Qual a ligação que eles têm? O cordel e África?
R – Olha, eu acho que tem... Eu não sei explicar porque não sou historiador, eu não sou estudioso, mas o que se percebe pelo menos o que se relata e que a gente consegue perceber é que essa tradição é própria do caso do Nordeste onde não há... Não existia livros, então essa coisa, as histórias trazidas pelos marinheiros e pelas mães pretas que contavam as histórias deviam estar no Casa Grande e Senzala nessa relação da preta velha com a criança e também da necessidade... O Nordeste... Esses cantadores, essas pessoas que faziam cordel antigamente quando não eram impressos, eles saíam em fazendas, eles eram aceitos, eles eram recebidos e contratados para contar história pela necessidade do ser humano de ter um mundo fantasioso, né? E essa coisa, como não existia nada impresso ou as pessoas não sabiam ler, ou pela inexistência de qualquer outra coisa e era igual quase aos tempos medievais iam lá contar história... Os cantadores, por exemplo, os cantadores viviam de quê? De fazendas em fazendas, de feiras em feiras, de eventos em eventos de casamento e uma coisa, assim, para fazer a sua cantoria e contar as suas histórias, né? Isso é muito forte e é bom que tenha acontecido isso, e é fascinante quando você descobre, por exemplo, um cordel do Leandro Gomes de Barros que relata uma coisa medieval como, por exemplo, o Roberto e o Diabo, Roberto e o Diabo é uma coisa que o Câmara Cascudo estudou está no livro dele Os Cinco Livros do Povo Brasileiro e tem toda a explicação histórica e intelectual de onde veio e qual foi essa transformação, e quando se pega um original publicado na França há quinhentos anos e você junta com o trabalho publicado aqui você vê que é praticamente a mesma coisa, é inexplicável isso, né? Claro que as pessoas tinham caderno, copiavam à mão, mas isso na hora de copiar podia ir modificando e em três séculos podia ser outra coisa, né? E essa ligação à origem e depois a formação disso em jornal popular quando morre o Getúlio Vargas, que é um caso clássico, todo mundo, não sei quantos se calculam que mais de um milhão de exemplares no cordel saiu, aí no caso, era impresso, mas era oral, porque a maioria das pessoas não sabia ler, escutavam isso em feiras ou então compravam para as pessoas lerem, né? Então, é essa necessidade que o ser humano tem desse lado fantasioso para suplantar essa... Para o homem rural a vida é muito dura, não tem... O que resta? Resta o namoro, o baile, mas ele precisa escutar coisas do mundo fantasioso e esse mundo fantasioso quem levava eram os poetas, os contadores de história, né?
P/2 – Está chegando ao fim da entrevista, eu queria que você lesse um pedacinho, um trechinho, uma estrofe de um dos cordéis que você goste muito e que tenha aí?
R – Eu sou péssimo pra ler, não faça isso comigo, eu gaguejo, eu tenho a maior dificuldade para ler.
P/2 – Nem uma estrofe? Nada?
R – Eu vou contar a história do Pavão Misterioso que levantou vôo na Grécia com um rapaz corajoso raptando uma condessa filha de um Conde orgulhoso, isso eu sei. Engraçado que Pavão Misterioso eu lembro que o Pavão Misterioso sempre me acompanhou e eu lembro quando eu estava em Brasília logo no começo, eu fiz uma entrevista pro jornal e eu falei: “O meu sonho é transformar isso em livro infantil” e mais ou menos cinco anos depois eu consegui fazer, eu poderia ter feito antes, às vezes, eu vejo as coisas como acontecem, agora eu falo: “Não aconteceu ontem porque eu devia ter sido mais ousado, eu devia ter ido atrás, né?” Com esses trabalhos que eu trouxe agora pra feira, eu tinha te falado, eu fiquei assim abismado porque várias editoras querem, eu falei: “Eu nunca vi uma editora assim que aceitava, mas três editoras gostarem da mesma coisa” eu falei: “Isso dá samba” e é tudo cordel.
P/1 – Eu queria lhe agradecer então pela presença, foi ótimo...
R – Pra mim foi fantástico vocês me chamarem, eu jamais pensei que ia dar um depoimento sobre uma coisa tão importante na minha vida e espero realmente... Eu tenho assim, essa paixão, como várias pessoas têm ligada ao cordel de levar pra escola, eu queria que as crianças lessem isso e é necessário que tenham coisas interessantes e é mais do que provado que a leitura e o recitar da narrativa rimada é muito interessante, todo mundo fica fascinado. E todo mundo fala como é difícil as pessoas gostarem de ler hoje, embora esteja melhorando, é verdade, e eu tenho certeza que o cordel e o quadrinho tem muita coisa a dar para o ensino, para o despertar da paixão da leitura.
P/1 – Obrigado Jô.
R – Foi ótimo.
(FIM DA ENTREVISTA)
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