Depoimento de Jorgete Bichara Jeleilate
Entrevistada por Valéria Barbosa e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 25 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Dona Jorgete, eu queria que a senhora falasse o nome da senhora, a data de nascimento e onde que a senhora nasceu?
R - Meu nome é Jorgete Bichara Jeleilate, eu nasci em Mato Grosso do Sul, Rochedo, eu tenho 24... nasci no dia 24 de abril de 1924.
P - Os nomes dos pais da senhora e onde que eles nasceram?
R - Meu pai chama-se Elias Bichara, a minha mãe Afifi Lotfi Bichara. Meu pai nasceu em... Mansúria e minha mãe em Zahle.
P - Onde que eram essas cidades?
R - No Líbano.
P - E o que é que o pai da senhora fazia?
R - Meu pai era comerciante.
P - E que tipo de comércio?
R - Camisaria.
P - Camisaria. E ele fazia e vendia?
R - É, nós fabricávamos e fazíamos camisaria. E a minha mãe também junto, trabalhavam junto com... eu vim com... comecei a trabalhar com 11 anos.
P - Quando que os pais da senhora vieram para o Brasil?
R - Olha, certo eu não sei... foi em mil... foi... eu perdi... veio em 22.
P - Em 1922?
R - 22.
P - A senhora sabe por que eles vieram do Líbano?
R - Do Líbano? Vieram porque tinha um irmão da minha mãe que morava no Rio, então a minha mãe achou que lá não tinha futuro, não tinha nada, então viemos para o Brasil, né?
P - O que é que ele fazia no Líbano?
R - Olha, sabe, lá no Líbano eles trabalham mais com, assim, plantação tem sítio de uva, essas coisas assim.
P - Eram pequenos agricultores?
R - É, agricultor. Agora, da parte da minha mãe ela não trabalhava e meu avô fazia pinga da uva, ele então fazia pinga para vender. E na guerra ele sobreviveu muito bem, porque tinha muito soldado, tinha muita coisa, então ele vendia muita, muita bebida pra eles, né? E graças a Deus ele nunca ficou precisando de alguma coisa, né?
P - E eles vieram para o Brasil, e aqui no Brasil qual foi a primeira...
Continuar leituraDepoimento de Jorgete Bichara Jeleilate
Entrevistada por Valéria Barbosa e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 25 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Dona Jorgete, eu queria que a senhora falasse o nome da senhora, a data de nascimento e onde que a senhora nasceu?
R - Meu nome é Jorgete Bichara Jeleilate, eu nasci em Mato Grosso do Sul, Rochedo, eu tenho 24... nasci no dia 24 de abril de 1924.
P - Os nomes dos pais da senhora e onde que eles nasceram?
R - Meu pai chama-se Elias Bichara, a minha mãe Afifi Lotfi Bichara. Meu pai nasceu em... Mansúria e minha mãe em Zahle.
P - Onde que eram essas cidades?
R - No Líbano.
P - E o que é que o pai da senhora fazia?
R - Meu pai era comerciante.
P - E que tipo de comércio?
R - Camisaria.
P - Camisaria. E ele fazia e vendia?
R - É, nós fabricávamos e fazíamos camisaria. E a minha mãe também junto, trabalhavam junto com... eu vim com... comecei a trabalhar com 11 anos.
P - Quando que os pais da senhora vieram para o Brasil?
R - Olha, certo eu não sei... foi em mil... foi... eu perdi... veio em 22.
P - Em 1922?
R - 22.
P - A senhora sabe por que eles vieram do Líbano?
R - Do Líbano? Vieram porque tinha um irmão da minha mãe que morava no Rio, então a minha mãe achou que lá não tinha futuro, não tinha nada, então viemos para o Brasil, né?
P - O que é que ele fazia no Líbano?
R - Olha, sabe, lá no Líbano eles trabalham mais com, assim, plantação tem sítio de uva, essas coisas assim.
P - Eram pequenos agricultores?
R - É, agricultor. Agora, da parte da minha mãe ela não trabalhava e meu avô fazia pinga da uva, ele então fazia pinga para vender. E na guerra ele sobreviveu muito bem, porque tinha muito soldado, tinha muita coisa, então ele vendia muita, muita bebida pra eles, né? E graças a Deus ele nunca ficou precisando de alguma coisa, né?
P - E eles vieram para o Brasil, e aqui no Brasil qual foi a primeira cidade que eles foram?
R - Olha, meu pai... nós viemos para o Brasil e fomos para o sertão do Mato Grosso, pra lá de Cuiabá e depois a mamãe ficou comigo e meus irmãos em Cuiabá, e papai ficava indo e voltando. E depois viemos para Rochedo, aonde nós ficamos um pouquinho mais de tempo.
P - E o que é que o pai da senhora fazia?
R - Ele tinha um armazém, e além disso ele tinha capanga pra tirar brilhantes, diamantes, essas coisas, né? Mas era, o forte dele era isso.
P - Como era o armazém dele, a senhora lembra?
R - Ah, era de choupana, de tábua, era uma coisa, como ver os índios, um pouquinho pior ainda, sabe? Porque aonde tinha brilhantes eles iam correndo! Tal lugar dá! Então eles vão. Tal lugar dá! Então a casa não era casa, era choupana mesmo.
P - E o que é que vendia nesse armazém?
R - De tudo, tudo. Era arroz, feijão, batata, tecido, álcool, gasolina, remédios, enfim, tudo! Porque era o único que tinha lá, né?
P - Era em Rochedo, esse armazém?
R - Isso. Em Rochedo.
P - A senhora lembra do nome do armazém?
R - Não. Nem tinha nome, pra dizer a verdade, porque o nome era.... meu pai era chamado de cabeça branca, então talvez, seja esse nome, não sei, não me lembro.
P - Por que é que ele tinha esse apelido?
R - Porque ele veio já do Líbano com a cabeça branquinha, menos idade, mas com a cabeça branquinha.
P - E a senhora chegou a trabalhar nesse armazém?
R - Não. Enquanto eles ficavam lá, eu fiquei interna em Campo Grande.
P - Conta um pouquinho da escola da senhora. Quando que a senhora foi pra escola? Como é que...
R - Eu tinha seis anos, e a mamãe e o papai ficou em Rochedo trabalhando, então eu fiquei no colégio interno. E lá era muito bom, porque eu era menor de todas, era apaixonada pelas irmãs, quer dizer que eu passei um tempo lá maravilhoso.
P - Quanto tempo?
R - Eu passei lá, mais ou menos, uns dois anos. E depois mamãe veio morar em Campo Grande, quando eu tinha oito anos, quase oito anos de idade, então, ela veio pra cá. Enquanto eu fiz a minha primeira comunhão lá com oito anos, no colégio. E depois resolveram ir pro Rio de Janeiro. Então fomos todos pro Rio de Janeiro.
P - O colégio era só de meninas?
R - Só de menina, não tinha menino. Agora eu fui visitá-los lá, tem, é misto agora.
P - Como é que se chamava o colégio?
R - Nossa Senhora Auxiliadora.
P - E a senhora lembra daquela época de escola, das brincadeiras? Conta um pouco.
R - Lembro. Olha, geralmente eles não me deixavam entrar na brincadeira, porque eu era pequena, (risos) de modo que eu ficava sentada apreciando. Mesmo pra marchar assim, a madre me chamava, punha no colo dela e eu ficava olhando as festas, mas geralmente não. Depois que eu fui me ambientando, que eu entrei com todas as meninas mais velhas do que eu, né. Porque eu era a menor de todas.
P - E a senhora ficou, estudou nesse colégio até concluir?
R - Oito anos. Que eu fiz a primeira comunhão e depois saímos e fomos pro Rio de Janeiro.
P - Por que a senhora mudou pro Rio de Janeiro?
R - Porque... tem altos e baixos, né? Então, como não estava dando muito certo lá pro papai, então nós fomos pro Rio de Janeiro, porque meu tio estava no Rio de Janeiro, a irmã, o irmão da mamãe. Então nós fomos pra lá, ele montou um apartamento pra nós, ficamos lá. E meu pai de vez em quando ele vinha pra Mato Grosso, pra comprar pedras preciosas e voltava, né? E depois não estava dando mesmo, e mamãe resolveu, falou: "Olha, vamos pra São Paulo, porque lá nós vamos ver o que nós vamos fazer, vamos ver o futuro que nós vamos enfrentar." E viemos aqui pra São Paulo, e nós abrimos uma loja, né? A camisaria, e nós começamos a trabalhar.
P - Quando a senhora veio pra São Paulo, a senhora veio com os pais da senhora?
R - Vim com meu pai, minha mãe, meus dois irmãos.
P - E quantos anos, mais ou menos, a senhora tinha?
R - Eu tinha 11 anos. Não fiz ainda 11 anos, ia fazer 11 anos.
P - E o pai da senhora, chegou aqui...
R - Veio, nós chegamos, abrimos a loja.
P - Conta um pouquinho dessa loja. Como é que era o nome da loja, como é que era a loja?
R - A loja chamava Fábrica Jorgete e nós tínhamos a oficina, confeccionávamos as camisas lá, eu trabalhava na oficina e precisando eu ia trabalhar na loja. E a vida, você sabe, começando é sempre dura, né, pra gente ir pra frente. E, enfim, graças a Deus, fomos devagarinho, tirando dali pondo daqui. Foi muito bem graças a Deus.
P - Aonde que era essa loja?
R - Na Celso Garcia, o número era 391.
P - A senhora lembra dos clientes dessa loja? Por exemplo, das pessoas, quem eram as pessoas que iam comprar nessa loja?
R - Do bairro, de fora , de todo lugar, porque lá tinha um movimento muito grande de pessoas, porque passava ônibus e bondes. No tempo que o bonde foi até arrumado, os trilhos, eu cheguei a ver fazer o trabalho dos trilhos dos bondes. E depois tiraram os bondes, há pouco, não, faz uns anos, há pouco, né? E começou a freqüentar só ônibus e o negócio começou a... sabe, têm movimentos que são bons, tem mês que é ruim. Então, eu me casei em 47, e falei pra mamãe: "Vai, só põe noivas! que é o ramo do meu marido, o nosso ramo e graças a Deus estamos indo bem, né? E foi assim que eles começaram a pôr roupas, passou a ser Fábrica Jorgete - A Francesinha do Brás.
P - E por que tinha esse nome: A Francesinha?
R - Jorgete? Porque era o meu nome. A Francesinha do Brás, foi um pensamento do meu irmão, então ele falou: "Vou por Francesinha do Brás pra chamar atenção." Porque, quando nós começamos na Rua São Caetano, nós estávamos só com tecido, perfumaria, coisas que não tinha aquele movimento. Então, o (Celso Marival?) da Rádio São Paulo passou perguntando se nós queríamos fazer uma propaganda no rádio, né? Então eu falei pro meu marido: "Vamos fazer! A noiva que fizer um vestido, ganha o vestido do civil." E aí começou aquele movimento gostoso, porque as freguesas, sabe, antigamente as posses não eram como todo mundo imagina. Então começamos a diminuir o estoque de tecidos e dando pras freguesas os tecidos. E nós íamos confeccionando noivas, até que um dia acabou todo o tecido e ficamos só com noivas.
P - Bom, antes de falar da loja do marido da senhora, e a loja da senhora, eu queria voltar um pouquinho à loja do pai da senhora. Eu queria saber se a senhora lembra como que eram vendidas as mercadorias, as camisas, por exemplo, tinha papel de presente?
R - Tinha, tinha papel de presente, tinha caixas de camisas. A gente embrulhava direitinho e tem freguês que não levava embrulhado, nós empacotávamos. E como sempre quem tem uma loja, né? Mas não era aquele barbante finíssimo que agora a gente escolhe. Era barbante mesmo, de cordinha, sabe, naquele tempo era assim a loja, né?
P - Até 49, o pai da senhora vendeu camisas?
R - Até 49 o meu pai vendeu camisa.
P - E depois?
R - Depois passou pra noiva.
P - Em 49 foi o casamento da senhora?
R - Não, eu casei em 47, eu já vinha há dois anos casada.
P - Vamos falar um pouquinho do casamento da senhora. Como que a senhora conheceu o marido da senhora?
R - Eu conheci meu marido da forma assim: tinha uma amiga minha que confeccionava camisas pra ele. Então, ela falou pra mim: "Você quer parar de trabalhar e passear comigo, ir entregar essas camisas na Rua São Caetano?" E eu falei pra ela: "Eu vou falar com a mamãe." Falei com a mamãe, a mamãe falou: "Vai minha filha." E aí, justamente, foi na Casa Mimosa que eu fui entregar, ela foi entregar as camisas. E ele me olhou e eu olhei, mas nem sonhava, né? E, como você sabe, os árabes costumam ter amizades uns com os outros, então, falou com essa minha amiga que ele estava interessado em conversar comigo. Aí ele veio à minha casa, conversamos. Isso foi, mais ou menos, em junho e em agosto nós ficamos noivos e em novembro nós casamos.
P - E o marido da... Como é que era o nome do marido da senhora?
R - Chafic Jeleilate.
P - E ele era da onde?
R - De Zahle, do Líbano.
P - Ele tinha uma loja, vamos falar um pouquinho do marido da senhora. Quando que ele veio pra cá, pro Brasil?
R - Ele tinha 12 anos quando veio pro Brasil. Assim, conversando com ele e tal, ele contava que veio com 12 anos e o irmão dele com 14. Vieram os dois juntos porque a família estava toda aqui no Brasil. Porque o meu sogro veio primeiro depois veio a minha sogra e depois... e os dois ficaram com a avó, porque costumava... pros libaneses avó era em primeiro lugar, né? Deixa os dois meninos aqui comigo! E ficaram. Com 12 anos que eles vieram para o Brasil, que o pai mandou chamar e eles vieram pro Brasil.
P - E o pai dele, qual que era a atividade do pai dele?
R - Ele era sapateiro.
P - E aonde que ele trabalhava?
R - Na Rua São Caetano. Mesmo atrás, tinha um lugarzinho onde ele fazia sapato muito bem, de cromo, aqueles sapatos finos. E a minha cunhada trabalhava com ele, também em sapato.
P - E quando que o marido da senhora foi pro ramo de tecidos?
R - Agora, esse tempo eu não sei, porque foi um tempo atrás de eu conhecê-lo. Então, eu não sei. Eu sei que ele tinha tecido, tinha meia, toda miudeza, retrós, tinha de tudo. Mas eu não sei a época que, com a irmã, eles trabalharam nesse ramo.
P - Quer dizer, a data da fundação da Casa Mimosa?
R - Da fundação da Casa Mimosa devia ser... eu casei em 47, devia ser uns oito a dez anos atrás, eu imagino que seja isso aí.
P - Em 1937.
R - É, eu só sei quando eu comecei a entrar na família.
P - E como que era a Casa Mimosa?
R - A Casa Mimosa era de tecidos, brins, perfumaria e, então, era bancas de tecidos no meio da loja. E quando eu conheci a loja, conheci desse jeito.
P - E a clientela, os clientes, quem eram?
R - Era boa. Bons clientes principalmente, de tecido branco pra noiva, vinham muitas costureiras e compravam o vestido. Tinha uma vitrininha, então ele colocou umas grinaldas, colocou um manequim com tecido, assim em volta do manequim, branco. E aí que começou as costureiras a comprar os tecidos e nós falamos: "Por que nós não vamos confeccionar?" Ele já tinha costureira que fazia algum vestido lá, então nós começamos a confeccionar vestido de noiva.
P - E quando foi isso?
R - Isso foi... quando eu cheguei já tinha essa costureira confeccionando, né? Depois nós começamos a fazer por manequins, depois os tecidos acabaram, então passou só pra branco, nós pusemos vitrines, pusemos manequim e confeccionamos, em 49 mesmo, a noiva, a fazer mesmo o vestido de noiva, né? Porque, de primeiro, era misturado noiva com tecidos.
P - No caso, além de vestido de noiva a senhora fazia vestidos pra madrinhas?
R - É. Depois, isso foi depois, um pouco de tempo a mais. Aí começamos a confeccionar a madrinha também. Mas primeiro, o forte foi noiva e depois a madrinha.
P - E foi a primeira loja de noiva?
R - A primeira loja de noivas que tinha na Rua São Caetano, fazendo e confeccionando vestido de noiva.
P - A senhora lembra como era a Rua São Caetano, o que é que se vendia naquela rua?
R - Naquela rua se vendia muito mais... tinha de calçados, máquinas, tinha uns dois bares que eu me lembro e como agora: só noivas, naquele tempo era só calçados e máquinas.
P - Depois é que...
R - Depois que começou...
P - A senhora sabe, mais menos, em que época que começou a crescer o número de lojas de vestido de noiva?
R - Depois de 61 começou.
P - E por quê? O que a senhora acha que...
R - É o movimento que tinha a loja. Então, a loja tinha movimento mesmo! Então o comerciante, colegas ali, viu que o movimento nosso era grande, então passou a fazer, abria uma lá, outra cá e a gente falava: "Pô, estão abrindo muito vestido de noiva agora". E chegou no ponto de ter cem, cem casas de vestidos de noiva.
P - Dona Jorgete, como é que era, porque a noiva, ela ia até a loja e vestia na loja?
R - Não, ela ia até a loja, nós tirávamos a medida, fazíamos o vestido, ela vinha provar e levava o vestido, a grinalda, o acessório de baixo, que antigamente até o acessório todo ia, né?
P - Como é que era, conta um pouquinho, que tipo de acessório?
R - Ia as peças íntimas, entende? Ia tudo, a armação, grinalda, o vestido, o véu, o buquê, entende, e o corte de presente. (risos) É o que nós fazíamos pra ter aquele movimento grande, graças a Deus. Na Rádio São Paulo tem, deve ter a fita toda do programa que fazíamos lá.
P - Quando era?
R - Em 61. Começamos, em 59, na Rádio São Paulo e aí que aumentou mesmo o movimento. Aí que todo mundo, em 60, 61, começou a abrir.
P - E, no início, a senhora fazia esses vestidos sob encomenda?
R - Sob encomenda. Depois passamos a fazer a parte de estoque para vender. Porque vinha muita gente do interior e queria pronto, então começamos a confeccionar e deixar pronto pra quando a freguesa chegasse já tinha alguns modelos prontos, né?
P - E como que era, quanto de estoque que a senhora tinha?
R - É, nós fazíamos mais ou menos uns 20, 30 modelos pra freguesa, né? E, às vezes na vitrine elas gostavam, tirava da vitrine e levava. Quer dizer, foi assim que o movimento começou com um estoque grande de noiva. Atacado, depois apareceu e aí a gente confeccionava atacado de monte. Porque um queria seis, outros queria dez, outros queria cinco, e assim foi o movimento e depois até agora.
P - E no caso a senhora sempre trabalhou ajudando o marido?
R - Sempre, sempre eu trabalhei. Nós vendíamos colcha do dia, chegamos a pôr enxoval, também, de cama e mesa. Quer dizer que a gente fazia de dentro do ramo de noiva, nós colocávamos tudo, né. Aí nós vendíamos assim, a freguesa vinha escolher, nós separávamos, elas deixavam uma parte paga e dividia em quatro, cinco vezes mas a mercadoria ficava na loja, entende. Aí quando elas terminavam de pagar elas levariam a mercadoria. Isso foi muito tempo, uns três anos fizemos isso aí e deu certo. Porque naquele tempo não existia cartão, não existia entende, nada disso que pudesse a freguesa comprar e ficar contente, e levar, porque dinheiro assim, naquela ocasião, era um pouco difícil. Então elas pagavam em três, quatro vezes e depois vinham buscar a mercadoria. Nessa base e o vestido de noiva também. Fazia, dava o sinal, aí elas vinham, pagavam, no terceiro mês a gente confeccionava e depois ela levava e já estava tudo pago, direitinho, a última pagava quando levava.
P - E a senhora trabalhava, a senhora tinha alguma função específica na Casa Mimosa?
R - Eu fazia de tudo, de tudo.
P - De tudo o quê? Qual era o cotidiano da senhora dentro da loja?
R - Eu vendia, tirava a medida. E via o que precisava, meu marido ia comprar, entende? E na oficina sempre precisa de alguma coisa, ele ia na Vinte e Cinco e comprava e vinha, e eu trabalhei, em 49 eu já... depois eu fiquei grávida da minha menina, a mais velha, e trabalhava mesmo, grávida mesmo, com os quatro, trabalhava tudo, subia escada, descia escada, não tinha problema pra mim, queria era trabalhar.
P - A senhora trabalha ainda?
R - Trabalho. Mas agora é mais fácil, agora eu só fico olhando e vendo o que precisa ou não precisa, vai fazer isso, aquilo, só. Não trabalho tanto como eu trabalhava antes.
P - Dona Jorgete, como é que era, por exemplo, essas pessoas que encomendavam os vestidos e iam buscá-los. Como eram embalados esses vestidos, como é que elas levavam?
R - Olha, de primeiro, pra dizer a verdade, elas embrulhavam num papel, papel grande elas embrulhavam. Às vezes elas traziam um lençol, embrulhava num lençol, entende? Mas depois começou a vir caixas, aparecer as caixas de noivas, e tudo. Então nós vendíamos nas caixas. Mas antigamente era tudo embrulhado não tinha caixa, não tinha nada. No lençol, num papel grande. A gente comprava aquele papel grande e embrulhava, alguma levava assim, conforme elas queriam a gente fazia.
P - E o modelo, o estilo do vestido quem que escolhia? Era o cliente, como é que era?
R - Não, a gente que escolhia o vestido, e tendo uns vestidos prontos elas sempre se baseavam por aqueles vestidos. E assim que... depois, aí há pouco tempo que, eu vou dizer pra senhora, uns dez anos pra cá que começou o estilista a trabalhar dentro das lojas. Porque não tinha, era nós que idealizávamos, era nós que conversávamos com a noiva, que punha no papel muito mal, mas conseguia porque a gente tinha prática e... Agora, de dez anos pra cá, penso eu, que começou os estilistas a trabalhar nas lojas de noiva, desenhar e tudo, né?
P - A senhora chegou a ter algum estilista?
R - Teve, e tenho até agora, né? Eu tenho, eu tive, ele desenhava e então a oficina executava, né?
P - E como que... a senhora agora só trabalha com acessórios.
R - Sim, depois que meu marido faleceu, eu, um pouco antes já estava, ele já estava doente, e nós passamos o ponto da Mimosa. Ficamos só com a Bouquet e ficamos com o vestido de noiva por uns dois até... foi até 91 que eu não fiz mais vestido de noiva. Ele ficou doente, faleceu, então eu fiquei aborrecida e era muito pra duas lojas. E eu passei, eu e meu filho a trabalhar na loja de baixo, tinha as duas, né? Eu trabalhava lá em baixo e o meu marido trabalhava na Mimosa. E eu trabalhava...
P - A Mimosa era a mais antiga?
R - A mais antiga, a primeira da rua. E eu e meu filho trabalhava na Bouquet, mas a Bouquet confeccionava também. Ele tinha a oficina dele, e eu tinha a nossa. Quer dizer que um fazia concorrência pro outro. (risos) E depois que ele faleceu eu falei pro meu filho: "Oh, eu não... Com oficina, moças trabalhando, já minha cabeça já não dá. Vamos passar só pra acessório." E passamos, graças a Deus está tudo bem.
P - Quando foi fundada a Bouquet?
R - A Bouquet foi fundada uns dez, 12 anos atrás. Foi, nós estamos em 94, foi em oitenta... 82, mais ou menos em oitenta, 82.
P - Que foi fundada a Bouquet?
R - É, a Bouquet. Mas estava as duas trabalhando, a de cima e a baixo, trabalhávamos juntos.
P - E lá na Bouquet, como que era a loja?
R - A Bouquet, a loja era como está agora. Nós fizemos ela e está até agora, nós estamos trabalhando como nós inauguramos.
P - Sim, mas fala um pouquinho pra mim como que é a loja?
R - A loja é... eu acho muito bonita. As vitrines grandes com muito acessório, muito chapéu, com muita luva, e temos três balcões pra trabalhar com a freguesa, dois provadores pra provar a grinalda, o véu, provar tudo. Porque, antigamente, nós tínhamos o vestido e provávamos lá também. E em cima nós fizemos dois provadores porque às vezes o movimento de baixo confundia a que vem provar e a que vem encomendar, então a parte de baixo ficou pra fazer as encomendas e a parte de cima só pra provar e a oficina e o escritório ficou em cima, né?
P - Quantos funcionários a senhora chegou a ter?
R - Ah, cheguei a ter uns 20, 25 funcionários, depois passou, enquanto eu estava na Mimosa, passou a 15, na Bouquet, quer dizer, passou a 15. Nós ficamos com dez, em cima, na Mimosa estava cinco.
P - E como que era a relação da senhora com os funcionários?
R - Ah eu, (risos) agora... eu era assim muito séria, né? E uma coisa errada eu bronqueava mesmo, eu falava. Mas isso é excesso de serviço que a gente, então, não dava, o freguês chegava, num contava e aí eu falava: "Por que não está pronto? Por que é que você não fez?" E a gente ficava com aquela bronca, né. E a gente ficava um pouco nervosa, então alterava. Porque a gente não tem, tem vez que a gente até alterava, mas muito bem eu com elas. Fora do serviço eram amigas, saíamos juntas, vinham na casa, quer dizer, que a gente não tinha assim orgulho de patrão pra empregada, nada disso, éramos tratadas todas iguais, né?
P - A senhora teve funcionária muito antiga?
R - Muito antiga, eu tive funcionária muito antiga, de quinze... 15 anos, 20 anos, muito antiga. E era amiga já, era de casa de modo que isso fazia com que a gente falava às vezes as coisas que precisava falar, porque às vezes a gente tinha que engolir, mas aí, como eram muito amigas a gente falava o que sentia. Não tinha problemas, era só naquela horinha, vira outra: "Deixa, ela acalma." Aí eu acalmava e subia, conversávamos e acabava tudo indo bem.
P - Na confecção dos vestidos existia um trabalho, assim, especializado, (fim da fita 005 / 01-A] por exemplo, alguém era responsável pelo...
R - Ah, sim. Tinha costureira, tinha cortadeira, tinha montadeira, depois que ia pra máquina montar de novo, porque a gente provava alinhavado. Porque nós fazíamos sempre com prova especial, né? E de modo que nunca deu galho nenhum, graças a Deus.
P - Então era um trabalho bem especializado?
R - Bem especializado. Elas vinham, encomendavam, a gente cortava, montava, punha na caixa com o nome, quando ela chegava já estava pronto, provava. A freguesa não era dessas que ia e voltava, entende, pra provar novamente, não, vinha já estava tudo em ordem. Isso que eu gostava de ter lá na loja, de fazer na loja, é a ordem. Porque a freguesa chegava, não tinha atrapalhação nenhuma.
P - E quanto tempo, mais ou menos, demorava para um vestido ficar pronto?
R - Ah, o vestido não fica pronto num dia. O vestido é cortado, espera a freguesa vir provar, que já tá alinhavado, desmonta para montar no tecido de cima e depois prova novamente, a segunda prova, aí que vai pra máquina. Da máquina vai pras meninas chulear e de lá vai pra bordar e, de modo que demorava o vestido, circulava muito, entende.
P - Quanto tempo mais ou menos?
R - Olha, se a gente pegasse um vestido só e fizesse, a gente faria um vestido em dois dias, faria, mas o modo que a gente provava no forro e depois que cortava no tecido, aí demoraria mais porque daí tinha que desmontar, fazer, tudo direitinho.
P - E como que é... bom, tem essa... os vestidos, quer dizer, as pessoas... a senhora mencionou que existia uma forma de pagamento diferente da atual.
R - Sim, agora atual é tudo mais... prova e paga em duas vezes, vem provar a segunda e na terceira já leva e paga, né? De primeiro não, a gente, ela dava um sinal e se ela fosse, vamos dizer, estamos em outubro, fosse casar em janeiro, pagaria até janeiro. Se ela casasse em fevereiro, então pagaria até fevereiro.
P - Desde o dia que ela encomendou até...
R - Do dia que ela encomenda até terminar.
P - E por que era feito este tipo de pagamento?
R - Porque a situação financeira, a moça trabalhava, queria pagar o vestido, então não podia pagar todo, não podia pagar a metade, então a gente dividia em quatro, cinco vezes pra ela poder comprar um vestido, né, porque senão ela não compraria.
P - São muito caros os vestidos?
R - Não, naquele tempo era dois, dois e quinhentos. Caro está agora, né. Agora está, agora eu ouço que vende vestido por 500 reais, 800 reais, mil reais e naquele tempo não, naquele tempo que nós começamos, era aquele tempo que a gente começa, a senhora sabe, conforme o tempo, né? Vai cobrando conforme vai subindo, conforme vai, o tempo vai passando. Agora é tudo mais farto do que antigamente, né?
P - E a senhora chegou a ter muitas encomendas?
R - Bastante, bastante, cheguei a por dois quartos com varais, assim, cheios de encomendas! Na Mimosa nós tivemos dois quartos e era só encomenda! E a gente pendurava, lá em cima era o cabide, a gente pendurava, e o nome ficava tudo nos cartões, esperando a freguesa vir buscar. Chegava até a ter fila na Mimosa, por isso. Muito, muito movimento e por isso que os outros, então falou: "Puxa, puxa, só lá que está vendendo, só lá que está vendendo!" E a gente fez o papel Casa Mimosa bem grande, sabe, enxoval para noivas e tal e aquilo as freguesas ia saindo, subindo, descendo, enquanto os colegas acharam que deviam pôr e puseram. Então todos trabalhando, né?
P - Essa, quando a senhora fala desse papel aí, com timbre da loja, né?
R - Com o timbre da loja. Isso depois de muito tempo que foi evoluindo, que veio...
P - Eu queria que a senhora contasse um pouquinho isso daí, porque, antes existia o papel com o timbre da loja?
R - Não, não, não existia.
P - Quando surgiu?
R - Isso surgiu mais ou menos uns... 15 anos atrás, 20 anos atrás surgiu isso aí. Porque antes era papel, aquele papel que a gente embrulhava, né? Até a gente punha alfinete pra ele não separar. Aí depois começamos a comprar aquele papel de puxar que era timbrado direitinho e começou a embrulhar com ele com Casa Mimosa. Agora, na Bouquet a gente faz na sacola, porque é grinalda, coisa mais miúda, então a gente... E quando é véu grande e tudo aí vai em caixa grande, tudo direitinho.
P - E quem foi que teve essa idéia de se colocar o timbre?
R - Não. A idéia é que o vendedor veio, da cartonagem, né, veio e ofereceu se nós não queríamos fazer esse papel, então nós fizemos esse papel, e depois passou pra caixa direitinho, e até agora está em caixa, né. E tem papel que embrulha tudo direitinho. Mas a Bouquet não tem timbrado, tem só o papel verde acompanhando a loja, que é o tapete verde, a gente fez assim.
P - No caso da Bouquet, dona Jorgete, existe a venda por atacado, igual existia com os vestidos?
R - Existe. Olha, estava bem melhor dois, três anos atrás o atacado e esse ano teve atacado, mas um atacado menor, com menos quantidade, porque não sabe se é por causa da situação ou o que é, compravam menos, né? Mas ainda tem atacado até hoje, nós vendemos no atacado.
P - E por que a senhora resolveu se especializar na questão dos acessórios?
R - É como eu disse pra você, perdi meu marido, tinha as duas lojas, e, antes dele falecer, quando ele estava doente, nós passamos o ponto daquela e eu fiquei nessa, e tínhamos, nós tínhamos oficina até 92, nós tínhamos oficina lá. De 92 pra cá é que nós estamos trabalhando só com acessórios, buquê, grinalda... e tudo que tem menos serviço, menos encargo social e a gente fica mais tranqüilo, a idade vai chegando também, e a gente (risos) vai né?
P - E a oficina dos acessórios é na própria loja?
R - Não, a gente compra pronto, tem oficinas que fornecem pra nós. Entende, a gente compra e elas fazem pra nós.
P - No caso, a senhora revende?
R - Eu revendo. E tem pra confeccionar, precisa muita coisa, muito ferro, muitos preparativos, então, a gente compra, é mais fácil. A gente trabalha mais sossegada sem ter funcionário olhando em cima, olhando em baixo, a gente fica mais sossegada.
P - Qual o principal produto que a senhora vende?
R - Ah, são grinaldas! Grinaldas, coroas, enfeite pra madrinha. A gente vende de tudo, mas mais é... tratamos mais de grinalda de noiva, porque a maioria das lojas lá não vende com grinalda, sabe. Então elas vão descendo, tem umas três, quatro casas, apropriadas pra grinaldas e acessórios. Então elas vão descendo encomenda a grinalda, quando vem pegar o vestido já aproveita e pega a grinalda e assim a gente vai trabalhando devagarinho.
P - Além da grinalda a senhora falou que são várias coisas. Eu queria que a senhora falasse o que a senhora vende na loja?
R - Luva, chapéu, grinalda, véu, arranjinho pra formatura, arranjo de madrinha, tudo que se diz artigo de noiva, que acompanha a noiva: buquezinho, cesta de noiva, lembrancinha, é o que a gente está vendendo agora.
P - E a senhora não confecciona lá na loja?
R - Não, não confecciono.
P - E no caso do sapato?
R - O sapato a gente, ela traz o tecido e traz um sapato usado, a gente manda forrar. Tem uma casa de.... própria pra forrar, né? Então a gente manda forrar. Mas isso é muito difícil, um ou outro que aparece.
P - Mas no caso, vocês se responsabilizam?
R - Ah, sim, ah, sim. Nos responsabilizamos por tudo, né? Tudo mesmo.
P - E a senhora atualmente, como é o cotidiano da senhora, a que horas a senhora trabalha na loja?
R - Eu trabalho assim...
P - Agora a senhora está afastada?
R - É, estou afastada. Mas eu trabalho assim, ele passa 15 pras 8 eu vou com ele pra loja, almoço por lá.
P - Ele?
R - O meu filho. Ele passa, me pega e nós vamos, e trabalhamos, almoçamos juntos e 6 horas nós voltamos pra casa. Passo o dia inteiro lá na loja.
P - E com quantas funcionárias a senhora está?
R - Eu estou agora com cinco.
P - Só pra cuidar das vendas?
R - Só pra cuidar das grinaldas, das vitrines, do chapéu. Precisa isso, precisa aquilo, a gente vai fazendo, né, e daminha de honra.
P - Sobre... pensando um pouquinho, do início até os dias atuais, em termos de clientes, de quem que procura a loja da senhora. A senhora acha que mudou?
R - Mudou.
P - Qual foi a mudança?
R - A mudança foi...eu penso que o tempo também ajudou a mudar. Porque de primeiro vinha do interior, vinha da, por exemplo, daqui do bairro e não vinha freguesas de elite como está vindo agora. Porque agora nós servimos freguesas de todos os tipos, de A, B, C, entende? Quer dizer que todas são bem atendidas e temos grinalda e temos material pra atender essas que vão às vezes na Rebouças, eles falam do nome dos costureiros. Agora, a gente tem os acessórios. Qualquer noiva que vir a gente tem prontinho pra servir elas. De primeiro era mais simples, uma florzinha, uma coisinha. Agora não, agora já é coisa tudo bordado. Bem finíssimo mesmo bem, bem. Agora, a gente tem tudo... tiaras de pérolas, todo tipo a gente vende lá. O ramo mais forte é a grinaldas mesmo.
P - No caso de encomenda, a senhora faz?
R - Faço, se vir uma freguesa com uma revista: "Quero essa", a gente faz, fazemos tudinho sob encomenda, tudo certinho.
P - Fala um pouquinho pra mim da Rebouças, a senhora citou aí agora...
R - Abriram umas duas casas na Rebouças, eu acho que duas, três, eu não sei qual seria, né. E, às vezes, passa costureiros, porque tem costureiros de alto nome que fazem o vestido e elas vão comprar a grinalda fora e, então, essas que vão comprar fora é que eu estava dizendo que nós temos a grinalda pra todos os níveis de freguês, tanto freguesas simples, quanto freguesas bem sofisticadas, quer coisa mais trabalhada. Então, a gente faz.
P - Dona Jorgete, atualmente a senhora trabalha com o filho da senhora?
R - Trabalho.
P - A senhora tem quantos filhos?
R - Quatro filhos.
P - E o que eles fazem?
R - Eu tenho uma mais velha, ela é excepcional, né. Tem o Benê que eu trabalho com ele, ele trabalha comigo, e tem o Chafic Jeleilate Júnior, e tenho a Solange Jeleilate que é casada, também com três filhos. O outro também tem três filhos.
P - Mas, no caso, qual continuou no ramo do comércio?
R - Foi o Benê, comigo, né? E ele é casado também, tem dois filhos.
P - E, atualmente, a senhora mora com quem?
R - Eu moro com a minha excepcional, e tenho uma auxiliar em casa, e depois que eu fui operada, a Neli está comigo até eu melhorar.
P - O que a senhora acha, como é que a senhora vê que a sociedade vê o comerciante? O que é que as pessoas acham dos comerciantes?
R - Eu acho que eles acham que pra eles é uma coisa ótima, maravilhosa. Agora, a gente de dentro... quando ela entra, a gente que tem que ver o gosto dela e estudar o que ela gosta, pra pegar, pra agradar, você entende? Se a gente vê uma pessoa que não quer gastar muito, mais simples, então a gente pega o que está no alcance dela e quando é uma freguesa fina, e tudo, a gente pega as coisas finas. É a gente que tem que cativar a freguesa, porque a freguesa compra em qualquer lugar, né? Então a gente tem que ter lábia, conversa pra chegar ao ponto que elas gostam, né. Quer dizer, a gente não repara esse ou aquele, pra nós todos são iguais, e porque a gente tem vários tipos de mercadoria pra cada tipo de gosto.
P - No caso, a senhora está falando dos comerciantes, como é que eles fazem...
R - É, eu ajo dessa forma, eu vou com a freguesa na simpatia, procurar cativar, pra gente poder vender. Agora, o que os outros fazem na loja deles eu não posso dizer porque não sei. Agora, eu sei de mim. Agora, as meninas fazem como eu explico: "Olha, conforme o gosto dela vai descendo, começa com o médio, vai subindo, até chegar. Porque a gente não sabe o que a freguesa quer gastar, aí então a gente precisa conversar, saber onde ela fez o vestido. Se ela fez num costureiro de fama, entendeu, aí a gente pode puxar mais um pouquinho e assim vai indo.
P - Quer dizer, tem essa relação...
R - Tem que ter uma... Antes de pegar a grinalda, a gente tem que por ela sentada, vê como ela vai com o cabelo, se ele vai preso, se vai solto, então a gente arruma direitinho, e aí vai trazendo: "Que tipo que a senhora sonha, que tipo que a senhora gosta?" E aí a gente vai entrando nela, entende?
P - É um atendimento personalizado?
R - É, tem que ter muita delicadeza e muito assim: o íntimo, pegar o íntimo dela, entende como é que é? Pra poder, pra gente trabalhar direito, né?
P - E a senhora gosta disso que a senhora faz?
R - Gosto. Eu estou esses meses em casa mas estou, olha, a beira de estourar. (risos) É sim, é muito difícil, a gente está acostumada a ir das 8 às 6, e depois parar há 5 meses é muita coisa. A gente meio... quase meio ano separados.
P - O que é que a senhora mais gosta nesse trabalho?
R - Eu gosto de comprar. A moça vem, eu gosto de escolher, entende como é que é? E, vem a gerente escolhe comigo, às vezes ela escolhe uma coisa que eu não gosto, eu falo: "Isso não." E se eu escolho uma coisa que ela acha que não vai, ela faz também. Quer dizer a gente tem aquela união pra poder escolher coisas bonitas, pra agradar a todo mundo.
P - A senhora tem alguma coisa que queira realizar ainda, que a senhora queira fazer?
R - Não. Eu estou contente assim, trabalhando sossegada e estou contente assim. Eu morava numa casa muito grande e aluguei a casa, fui pra um apartamento, que você esteve lá, né? Mas a casa que eu aluguei é muito grande e, de modo estava... depois que meu marido faleceu eu fiquei dois anos lá e todo mundo falava: "É perigoso você sozinha aí." Estava eu e mais duas funcionárias e a minha filha, então... e o cachorro, né, porque pra lá precisava e nós alugamos e agora eu estou sossegada, não tenho, não sonho mais. Eu sonhava em conhecer o Líbano, mas, com o meu marido não estando, eu tirei esse sonho da minha cabeça.
P - Mas, atualmente, a gente pode dizer que é quando a senhora voltar ao trabalho, ou não? Depois desse recesso, desse descanso.
R -Ah, eu quero voltar, se Deus quiser. Espero que o médico me dê alta, pra mim já trabalhar. A hora que ele falar: "Pode ir.", no dia seguinte já estou lá. (risos) A gente tá acostumada, né, levar essa vida, então a gente...
P - Tem mais alguma coisa que a senhora gostaria de falar?
R - Eu penso que não. Você tem alguma coisa a perguntar? Então vamos encerrar, né?
P - Só uma perguntinha. Olhando hoje, a senhora teria alguma coisa que a senhora poderia pensar que modificaria na vida da senhora hoje, olhando pro passado, tem alguma coisa que a senhora faria diferente, que a senhora modificaria?
R - Não, não. Quer dizer, eu... olhando pro passado, no tempo que eu estava com meu marido e tudo?
P - Não, não exatamente nesse, qualquer tempo do passado, entendeu?
R - Sim. Eu acho que o que eu já fiz, já lutei, já consegui, eu acho que eu não pensaria em querer conseguir nada mais, né. Agora, se surgir uma viagem, uma coisa assim, sempre a gente gostaria de conhecer outras coisas, que não conheço nada, né, isso eu gostaria. Mas pra isso preciso de uma companhia, precisa ser com um filho, com a nora, com a minha filha, com meu genro, se surgisse qualquer coisa assim. Isso eu gostaria de conhecer. Mas o resto, o que eu passei, passei já muito bem graças a Deus, não tenho muito a reclamar, então eu não tenho nada.
P - E no comércio, a senhora teria alguma coisa que a senhora, podia ter feito diferente, algum procedimento?
R - Penso. Uma coisa só: que eu não devia ter passado o ponto da Mimosa. Isso só, eu penso, não sei se voltaria pra nossa mão, aí a gente ia pensar o que resolver. Faria a mesma coisa que eu estou fazendo na Bouquet, entende, e a gente ia ver. Porque eu tenho um filho que trabalha fora, pode ser que ele se interesse no comércio, né, então, já teria uma porta pra ele. Ficaria os dois bem, trabalhando calmamente, sustentando a família no nível médio e a gente não quer mais nada, saúde em primeiro lugar, eu acho que saúde é tudo na vida. Depois da saúde, o dinheiro. (risos)
P - Muito obrigada, dona Jorgete.
R - Eu é que agradeço, de coração.
Recolher