Tenho sonhado muito desde a quarentena. Todas as noites, tenho inúmeros sonhos. A maioria são sonhos agitados, que me impedem de descansar plenamente. Mas ontem, dia 9 de abril, foi a primeira vez que sonhei com a quarentena de fato, a primeira vez em que o coronavírus invadiu meu sonho. Eu estava chegando ao Dragão do Mar, um centro cultural de Fortaleza, cidade onde morei a maior parte da vida. Lembro de ser início da noite. Tinha bastante gente, como costumava ser quando eu frequentava lá. Os bares e restaurantes já estavam abertos, mas eu fui diretamente ao cinema, que era um dos meus refúgios quando vivia lá. Único cinema com programação alternativa da cidade, filmes fora do circuito mais comercial. Fiquei feliz de saber que minha carteirinha ainda valia e eu poderia entrar de graça. Estava feliz de estar ali, em meio a pessoas e para ver um filme. Sentei numa cadeira mais para trás. De repente, ao perceber como estava cheio de gente, me dei conta de que todos estavam furando a quarentena e que isso era um perigo, ainda mais dentro de uma sala completamente fechada. Então, levantei rapidamente e saí antes de começar a sessão. Lá fora, noto que está ainda mais lotado, como um dia normal, antes da pandemia. Apavorada, pego meu celular para pedir um uber. Tenho apenas 3% de bateria. Minha casa é longe demais para ir a pé, mas penso que é a única opção: caminhar o mais distante possível das pessoas até chegar em casa. Fico aliviada de não ter pago por um filme que não vi. Acordo.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
São muitas questões que percebo nesse sonho, sobretudo uma saudade, que, pra mim, parece ser a linha que costura todo o sonho. Saudade de estar em meio a pessoas, saudade de uma cidade onde vivi, saudade de uma época específica, saudade de e desse cinema, saudade de poder circular livremente, caminhar. Mas também noto uma presença forte do medo, esse medo de perceber que, por...
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Tenho sonhado muito desde a quarentena. Todas as noites, tenho inúmeros sonhos. A maioria são sonhos agitados, que me impedem de descansar plenamente. Mas ontem, dia 9 de abril, foi a primeira vez que sonhei com a quarentena de fato, a primeira vez em que o coronavírus invadiu meu sonho. Eu estava chegando ao Dragão do Mar, um centro cultural de Fortaleza, cidade onde morei a maior parte da vida. Lembro de ser início da noite. Tinha bastante gente, como costumava ser quando eu frequentava lá. Os bares e restaurantes já estavam abertos, mas eu fui diretamente ao cinema, que era um dos meus refúgios quando vivia lá. Único cinema com programação alternativa da cidade, filmes fora do circuito mais comercial. Fiquei feliz de saber que minha carteirinha ainda valia e eu poderia entrar de graça. Estava feliz de estar ali, em meio a pessoas e para ver um filme. Sentei numa cadeira mais para trás. De repente, ao perceber como estava cheio de gente, me dei conta de que todos estavam furando a quarentena e que isso era um perigo, ainda mais dentro de uma sala completamente fechada. Então, levantei rapidamente e saí antes de começar a sessão. Lá fora, noto que está ainda mais lotado, como um dia normal, antes da pandemia. Apavorada, pego meu celular para pedir um uber. Tenho apenas 3% de bateria. Minha casa é longe demais para ir a pé, mas penso que é a única opção: caminhar o mais distante possível das pessoas até chegar em casa. Fico aliviada de não ter pago por um filme que não vi. Acordo.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
São muitas questões que percebo nesse sonho, sobretudo uma saudade, que, pra mim, parece ser a linha que costura todo o sonho. Saudade de estar em meio a pessoas, saudade de uma cidade onde vivi, saudade de uma época específica, saudade de e desse cinema, saudade de poder circular livremente, caminhar. Mas também noto uma presença forte do medo, esse medo de perceber que, por estarmos reunidos ali, tudo pode acabar mal; medo da pandemia se espalhar. O prazer de estar revivendo tudo isso de que tenho saudades, de repente, é tomado por uma sensação de medo – é preciso abandonar aquele lugar especial. Foi a primeira vez, em 25 dias de isolamento, que tive um sonho com a pandemia. Lembro que foi mais ou menos o tempo que levei para sonhar em espanhol quando morei na Espanha. Talvez isso signifique que estou chegando de fato ao momento em que estamos, depois das fases iniciais de negação, pânico, angústia etc., acho que se inicia uma fase de aceitação: estamos em meio a uma pandemia e essa é a realidade atual. Como a língua estrangeira que, depois de um período de estranhamento, se torna a língua a ser falada. Essa aceitação, no entanto, não exclui o medo.
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