P/1 – Então, começar a nossa entrevista eu vou pedir pra senhora repetir o nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Niède Guidon, nós estamos em São Raimundo Nonato hoje, eu nasci em Jaú, em 12 de março de 1933.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Ernesto Francisco Guidon.
P/1 – E a sua mãe?
R – Cândida Viana de Oliveira Guidon.
P/1 – E qual a origem do sobrenome Guidon?
R – A família de meu pai é uma família que vem da região da Savoia, nas altas montanhas dos Alpes, fronteira da Itália, Suíça e França. O meu avô era nascido na França, o meu pai já nasceu do lado italiano, quer dizer, e temos família até hoje na Suíça, na Itália e na França.
P/1 – E porque que eles vieram pro Brasil, o que que aconteceu, a senhora sabe?
R – Meu avô tinha, na cidade de Jaú ele instalou uma firma de, importava pra cá vinho, azeite de oliva, azeitona, todos esses produtos italianos e franceses. Exportava café naquele momento, não é? E quando ele chegou ao Brasil, ele viu que não havia carroças, então ele colocou uma fábrica de carroças lá em Jaú, foi a primeira fábrica que houve lá de carroças e então ele começou, além do exportação e importação, ele começou esse trabalho também com as carroças.
P/1 – E a senhora passou a infância em Jaú?
R – Em Jaú, exatamente, que a família da minha mãe é de Jaú.
P/1 – E o que que a senhora lembra de Jaú da época?
R – Olha, eu me lembro de várias coisas, quer dizer, a gente morava na cidade, minha mãe era professora, o meu pai era funcionário público também. E eu gostava muito de ir à casa de minha avó que era numa chácara, lá no fim da Rua Treze de Maio. Então eu ia e sempre quando a gente atravessava a rua, os moleques da rua mexiam muito comigo, porque minha mãe tinha lá os costumes de me vestir com roupas da Ilha da Madeira, coisas diferentes né? Que Jaú, naquela época tinha uma loja Mappin, então você tinha vários produtos importados e tudo. Os moleques então achavam muito esquisito eu, meu irmão vestido de marinheiro que eles então caçoavam muito da gente. Então a travessia daquelas ruas era uma briga constante. Mas eu gostava muito da chácara da minha avó porque tinha muitas plantas frutíferas, eu gostava muito de subir em árvores, vivia no alto de mangueiras imensas. Então foi assim uma infância muito agradável.
P/1 – E os estudos lá em Jaú?
R – Eu comecei a estudar em Jaú, a fazer o grupo escolar lá, como se chamava naquela época. Depois meu pai foi e, minha mãe faleceu eu tinha seis anos, meu pai se casou de novo e depois ele foi transferido para Pirajuí. E daí então eu fui pra Pirajuí com a família e lá eu terminei o curso primário, depois fiz secundário, ginásio como se chamava. E depois eu fui fazer o científico em Campinas.
P/1 – E a senhora já tinha alguma definição que que a senhora queria em termos profissionais, já tinha um sonho?
R – Todo mundo dizia que eu ia ser médica, porque todas as bonecas que me davam eu abria, estripava, pra ver por que que abria e fechava os olhos, por que que falava. Quer dizer, eram coisas que eu queria entender por que que aquilo acontecia. E todos achavam que era uma tendência pra operar né, tanto que quando eu terminei o científico, fui fazer vestibular pra medicina em São Paulo, mas justo naquele dia, durante a prova, eu tive uma enxaqueca, daquelas enxaquecas oftálmicas e realmente não consegui me sair bem. Mas eu tinha também prestado vestibular na História Natural, da USP também, e entrei. E daí comecei a fazer História Natural e me apaixonei, porque gostava muito de estudar geologia, estudava a terra, estudava os animais, as plantas. Então aquilo me deu um prazer muito grande. Eu terminei o curso, depois prestei concurso, comecei a trabalhar no magistério secundário e fui para a cidade de Itápolis. E lá em Itápolis houve todo um entrevero, por causa de, nós éramos quatro professoras diplomadas pela USP com concurso, que chegamos juntas, ao mesmo momento e até então o colégio local tinha professores que eram ou advogado, farmacêutico. E a gente começou a apertar um pouco né. Até que os jovens, eles gostavam, foi mais uma coisa assim, as políticas, porque as pessoas que perderam o emprego por nossa causa não gostavam. Então houve um movimento contra a gente, depois eu, por exemplo, não ia à missa, tinha uma outra colega minha que também não ia, aliás nós éramos cinco, não eram quatro, cinco. E três não iam à missa, duas eram de famílias locais, mas três eram de fora, então o padre começou a dizer que nós éramos comunistas.
P/1 – Nossa!
R – E ser comunista naquele tempo era uma coisa muito grave! Então houve muita, houve todo um movimento e a Secretaria da Educação então achou melhor nos tirar de lá e nos levou pra São Paulo, as três que não eram da região e daí me colocaram no Museu Paulista da USP. E o Museu Paulista então tinha etnologia, tinha toda a parte das culturas indígenas, e tinha arqueologia que não tinha ninguém trabalhando. Então o chefe do Museu, o diretor do Museu, que era um alemão Herbert Baldus me disse: “Ah, então você fez História Natural, você vai trabalhar na arqueologia”. Aí de arqueologia eu só conhecia aquilo que você conhece estudando história, o Egito, Mesopotâmia, tudo isto. Mas do Brasil não se conhecia praticamente nada naquela ocasião. Aí eu fui falar com ele eu disse: “Olha, eu acho difícil trabalhar com uma coisa que eu não domino, onde que eu posso estudar?”. Ele disse: “Olha, só tem na Inglaterra ou na França”. Então como eu tinha mais ligações com a França, eu fui à embaixada da França, solicitei uma bolsa, tive a bolsa e fui pra Paris onde eu fiz arqueologia também.
P/1 – Que época a gente tá falando mais ou menos isso?
R – Olha, essa história em Itápolis aconteceu, quando foi? Faz tempo! Eu acho que foi em 48, 49, por aí, não é? E daí eu fui pra França. Não, espera, tá tudo errado. Em 54 eu entrei na USP, saí em 58, fiz o concurso, 59 eu fui pra Itápolis, no fim de 59 já voltei pra São Paulo, fui pra França 60 e voltei em 63 já com o diploma de arqueologia. Voltei pra USP e pro Museu Paulista que era da USP e fiquei até 64. Em 64 de novo começou toda aquela baderna no Brasil por causa da tomada do poder pelos militares e eu, a minha, porque eu era comissionada na USP, não foi renovado e então eu deixei e comecei a tentar trabalhar na empresa partículas. Até que um dia uma tia minha chegou e disse: “Hoje mesmo você vai embora, você foi denunciada como sendo membro do Partido Comunista”. Eu disse: “Eu não sou membro de partido nenhum, porque eu não acredito na política”. Ela disse: “Não, mas você foi denunciada”. Eu disse: “Mas eu não sou membro do partido, eu posso provar que eu não sou”. Ela disse: “Até você provar, você já apanhou tanto que é melhor você ir embora hoje”. E me botou no avião, então de um dia pra outro eu fui embora e comecei de novo a minha carreira na França.
P/1 – Como arqueologia?
R – Como arqueologia, mas essencialmente, no início, como pesquisadora e depois eu entrei na Escola de Altos Estudos e Ciências Sociais de Paris que é uma escola acima da universidade, é só de pós-graduação.
P/1 – E nessa época que a senhora começou ali no Museu Paulista, no começo da década de 60, qual que era o panorama da arqueologia no Brasil, que que se conhecia...Quais eram os sítios?
R – Se conhecia muito pouco, era reduzido a Minas Gerais e ao Sambaquis da costa Sul e um pouco de Marajó, mas realmente se sabia muito pouco. E sempre se dizia que arqueologia, que o homem chegou muito tarde na América, que era algo muito recente. E eu até havia começado uma pesquisa na região ali, no interior de São Paulo, mais pro norte, mais pra região de Ribeirão Preto, por ali, mas 64 interrompeu todas as minhas pesquisas. Aí quando eu fui pra França, da França eu já comecei vir trabalhar direto aqui. Nas férias na França eu vinha fazer pesquisa aqui com os meus alunos.
P/1 – E o primeiro curso que a senhora fez na França, o que que trouxe assim em termos de instrumental pra senhora tá vindo trabalhar?
R – Foi um curso de arqueologia, quer dizer, foi isso que me deu a possibilidade de trabalhar corretamente, porque eu tive grandes professores, o André ______ foi meu professor, ele era o diretor do departamento, Annette Emperaire, que era especialista em pré história da América. Quer dizer, eu tive professores muito bons e com isso eu consegui uma formação excelente em arqueologia.
P/1 – E voltando pra França, a senhora fez outro curso ou foi trabalhar direto?
R – Não, eu fui trabalhar direto. Quer dizer, eu já estava fazendo o meu doutoramento, terminei o doutoramento e daí eu fiz, porque na França você tinha dois títulos de doutor: o doutor, depois de doutor você faz uma outra tese que você tem um mínimo de cinco anos de pesquisa e essa tese te dá o direito de ter o título de professor e de poder dirigir teses, entende? Então eu fiz o doutoramento e depois fiz este que se chama na França Doutorado de Estado que é para o título de professor. Mas eu fiz todos os títulos, tenho os maiores títulos da universidade francesa, da brasileira e da francesa.
P/1 – E como é que foi assim a adaptação no primeiro momento, a senhora já falava francês, a gente sabe que a escola era muito diferente, né?
R – Sim, eu falava, e eu falava francês, porque quando eu era pequena o meu avô francês me ensinou, por exemplo, a cantar a Marselhesa.
P/1 – Que lindo!
R – La em Jaú. Então ele me punha em cima da mesa e dizia “canta”. Daí se eu cantava direitinho, eu ganhava uma moedinha de 400 réis, o que dava pra comprar um monte daquele algodão doce naquele aparelhinho que a gente tocava assim, que era proibido comer aquelas coisas, que minha mãe não gostava, essas coisas comprada na rua, mas eu ia, comprava e ficava debaixo da escada comendo. Então eu já tinha um pouquinho, ouvia meu avô falando francês e depois quando eu pedi, tem uma coisa, eu fiz a escola pública brasileira.
P/1 – Numa época em que se tinha o francês no currículo.
R – Numa época em que era obrigatório o inglês, o francês e o espanhol.
P/1 – Latim também.
R – Latim e grego. Quer dizer, quando eu saí da escola eu falava francês, inglês e espanhol. Então quando eu pedi a bolsa na embaixada eu tive que fazer um exame de francês e eu consegui passar, por isso que eu tive a bolsa. Depois eu fiz o curso em Paris, pratiquei mais né, de modo que quando eu fui embora daqui pra lá, o francês não era uma dificuldade.
P/1 – E a chegada à França assim, que que teve de diferente, que que foi marcante pra senhora?
R – Olha, porque quando eu fui daqui pra lá, eu fui praticamente com uma mão atrás e outra na frente. Eu saí em 24 horas, eu levei acho que mil dólares no bolso e pronto. E cheguei lá e foi realmente, os meus professores me receberam assim muito bem, a Annette Emperaire, que era a especialista da América, inclusive me emprestou a casa dela, ela me ajudou muito. Quer dizer, se não tivesse sido ela, ela me conseguiu rapidamente um pequeno emprego. Quer dizer, como uma bolsista de pesquisa, da pesquisa dela e tudo isso. E com isso eu consegui, entende? Me estabelecer e poder então terminar meu doutorado pra eu poder, em seguida, entrar na Escola de Altos Estudos.
P/1 – E qual que era o panorama da pesquisa nessa época na França, de arqueologia?
R – Olha, eu estava essencialmente ligada aos pesquisadores que trabalhavam a América. Então tinha um pessoal que trabalhava no México, outros trabalhavam no Peru. A Annette Emperaire trabalhava essencialmente aqui no Paraná, ela trabalhava também na Patagônia. E em Minas, depois ela começou uma grande missão aqui em Minas Gerais, trouxe alunos dela pra cá pra Minas e eu então comecei no nordeste, no Piauí.
P/1 – Então conta como foi essa história da chegada aqui da senhora.
R – Olha, no começo, porque acontece o seguinte, quando eu ainda estava no Museu Paulista tinha vindo um grupo de pessoas daqui que tinha ido lá ver o Museu, viu uma exposição sobre Minas, sobre Lagoa Santa e pediu pra falar com o responsável da arqueologia que era eu naquela época e disse assim: “Ah, lá na nossa terra também tem esses desenhos de índio”. Aí eu anotei o nome da cidade, onde ficava e tudo. Nas férias daquele ano, isso foi em junho, quando chegou dezembro, em 63, eu peguei meu carro e tentei chegar até aqui, mas dezembro é um mês que pode chover muito, havia chovido muito e eu não consegui chegar porque uma ponte do rio São Francisco havia rodado. Aí voltei pra São Paulo com aquilo na cabeça.
P/1 – A senhora veio sozinha?
R – Não, eu vim com mais duas colegas do Museu Paulista.
P/1 – De férias mesmo.
R – É. E daí quando eu, foi março de 64 e daí eu saí do Museu. Mas quando eu cheguei na França, aquilo tava na minha cabeça. Então, assim que eu pude organizar uma ação francesa pra cá eu vim pra tirar a limpo o que que eram aqueles, fotos que tinham me mostrado né. Porque se via que era algo completamente diferente de Minas Gerais.
P/1 – Que características que eram diferentes?
R – Aqui nós temos uma pintura muito mais narrativa, com uma grande quantidade de figuras humanas e com figuras humanas que são representadas com maneiras diferentes, com gestos diferentes. E os animais também são diferentes.
P/1 – E como que era a região quando a senhora chegou aqui em 73?
R – Olha, São Raimundo Nonato era um povoado que não tinha nenhum significado na região. As cidades importantes eram São João do Piauí, Campo do Buriti, São Raimundo não tinha água, não tinha energia, não tinha um banco, não tinha nada. Pra comprar uma comida você tinha que esperar o sábado, quando vinha gente de Remanso vender aqui. Então era realmente uma coisa, eu tinha que trazer a comida inclusive de São Paulo, tudo. E, quer dizer, foi um, precisou muita dureza pra aguentar tudo aquilo e os alunos, principalmente os alunos franceses, e o calor, toda aquela situação. Mas eles todos foram muito valentes, porque também hoje quando você vai no Parque Nacional, você vai a todos os sítios, o carro chega perto. Quando nós começamos a trabalhar, aqui não tinha nenhuma estrada. Havia dias que tinha que andar 60 quilômetros debaixo daquele sol escaldante carregando tudo nas costas. Quer dizer, foi, foi duro, mas valeu a pena.
P/1 – Como é que foi o planejamento dessa primeira missão, como que a senhora conseguiu verba, patrocínio pra tá vindo, pra fazer as pesquisas...
R- Foi na França, eu consegui na França com o CNRS que é o Centro Nacional da Pesquisa Científica, corresponde ao CNPQ brasileiro. Eu fiz um pedido, mostrei então, fiz todo um levantamento do que já se sabia do Brasil, mostrei que aqui era uma região sem nenhuma pesquisa, que então seria necessário vir até aqui. E eu tive o apoio dos meus professores e consegui a verba francesa. E colegas meus da Universidade de São Paulo, que tinham ficado aqui, que não tinham ido embora, também vieram me encontrar, então foi uma missão já desde o começo franco-brasileira.
P/1 – Quem que tava do Brasil na missão?
R – Silvia Maranca da USP, tá até hoje né, e Luciana Pallestrini que também esteve na USP, mas que hoje já está aposentada, como eu que também tô aposentada.
P/1 – E como é que vocês planejaram a missão, chegar até aqui, que tipo de carro tinha que vir, trazer esses mantimentos, é uma operação de guerra.
R – Foi uma coisa difícil, eu fui até São Paulo, porque naquela ocasião não havia voos aqui pro nordeste, havia duas possibilidades, ou por São Paulo, com a Air France, ou então Air France pra Belém. Então eu fui até São Paulo, em São Paulo compramos um carro, um jipe, e viemos de lá com esse jipe completamente carregado até aqui. Quer dizer, uma viagem longuíssima, terrível, vindo pela Rio-Bahia, até a, até aqui Feira de Santana e depois de Feira de Santana entramos pra Petrolina, no Piauí.
P/1 – Nossa, desbravamento né?
R – É.
P/1 – E as pessoas que moravam aqui em São Raimundo, no entorno do que é hoje o Parque, quais, como elas eram, quais eram as principais atividades dessas pessoas?
R – Olha, era essencialmente a questão era criação de ovelhas, de cabras, de gado e essa agricultura pequena, a mandioca, o feijão, essas, pra alimentação. E eram pessoas que moravam lá no meio da caatinga, nós chegamos a conhecer pessoas que não conheciam ninguém, fora as pessoas da família, que nunca tinham saído lá daquele meio. Os homens vinham nos dias de feira pra vender as coisas aqui, quando tinham algo pra vender, as mulheres nunca saíam. Então eram pessoas que tinham um conhecimento muito grande sobre a caatinga, nos ensinavam, por exemplo, quando você tá andando e acaba a água, você vai ali, você corta aquela planta, ela tem água. E ensinavam uma porção de coisa pra pessoa, nós aprendemos muitas coisas dessas pessoas entende? Foi, eram, colaboravam, mostraram, foram nos mostrar os sítios, quer dizer, sem eles nós não poderíamos também ter descoberto isso tudo.
P/1 – E, vocês ficavam hospedados aonde, tinha alguma coisa?
R – Aqui na cidade de São Raimundo nós, então, tinha, no começo tinha um hotel, depois nós conseguimos um quartel da Polícia Federal, da Polícia Militar. A Polícia Militar construiu um quartel novo e nós conseguimos com o governo aquele, o quartel pra guardas as coisas. E tinha, tinha aqui um senhor que era dono de uma escola de comércio que tinha grande interesse por isso, então ele nos ajudava bastante, quando a gente ia embora ele tomava conta das coisas que a gente deixava, pra não ta levando e fazendo. E no começo o material arqueológico que a gente encontrava nas escavações ia todo pra São Paulo, pro Museu Paulista e ficou depositado lá no Museu Paulista até nós termos o nosso museu aqui pra poder trazer de volta pra cá.
P/1 – Olha, que bárbaro! E, como é que foi a chegada de vocês, como é que vocês fizeram contato com essas pessoas que serviram como guias, como que o seu Nivaldo assim, como que...
R – Olha, a gente chegou e daí aqui na cidade começamos a conversar com as pessoas, alguns achavam muito esquisito não é, essas mulheres assim de calça, andando, guiando, que não era uma coisa costumeira da região, mas nos receberam muito bem e a gente conversava com eles. Eles entenderam o que a gente tava procurando e todos eles também queriam ganhar um dinheirinho, porque a gente pagava. Inclusive alguns deles diziam que o que eles ganhavam aqueles três meses de férias depois não precisava mais trabalhar o resto do ano. Então pra eles era um auxílio, pra nós era a única maneira de poder conhecer a região.
P/2 – O Niède, eles contavam algumas histórias das tribos indígenas daqui?
R – Contavam, existem muitas histórias, o seu Nivaldo contava muitas histórias. O seu Nilson que foi um outro dos meus primeiros guias contava história, tinha uma história muito interessante que ele contava sobre os militares aprendendo a marchar, então era muito interessante as coisas que ele contava. Até a gente dizia: “Como é que conta uma história dessas em pleno regime militar?” Mas tinha umas histórias muito boas que eles contam e contavam sempre. E tivemos realmente várias pessoas extremamente interessantes com essa cultura do nordeste, que trabalharam com a gente.
P/2 – Pra achar as pinturas, os lugares também, eles, muito sabiam?
R – Eles conheciam algumas, tanto que no primeiro ano que eu vim pra missão foi 73, ficamos aqui três meses, em três meses eles nos levaram a 58 sítios, mas depois eles já não conheciam mais, porque eles só conheciam aqueles lugares mais próximos das estradas, aonde eles estavam habituados a ir. Mas lá pra dentro do Parque, nas zonas mais distantes não, isso só depois que a gente se instalou aqui, que tivemos este centro de pesquisa aqui, e começamos a abrir estradas, é que a gente foi descobrir novas, novos sítios. Porque tem um problema, se você vai muito longe, nesses meses julho, agosto e setembro, que eram os meses das minhas férias na França, e a seca maior aqui, então você tem que levar água. E daí tem que carregar água, carregar comida, você não pode ir muito longe, entende? Então hoje nós já passamos dos 1500, 1600 sítios, mas foi depois de nós termos essa infra-estrutura que nós pudemos chegar mais longe.
P/2 – Existe uma diferença assim entre o sítio que você encontra com resquício de cerâmica e outro que você encontrou com ossadas, qual que é a classificação de sítios?
R – Olha, a gente encontra, por exemplo, na superfície você encontra muitas vezes cerâmica, material de pedra lascada, as ossadas sempre precisa escavar, porque elas estão enterradas. E, agora, só de cerâmica é praticamente inexistente, tem sempre algumas ferramentas de pedra lascada ou de pedra polida. Então nós temos aqui os sítios que são de pinturas, nós temos sítios aldeias. Essas aldeias você tem inclusive restos das antigas casas, você tem os formatos das casas e cerâmica, material, restos de comida, tudo isto. Ou então você tem simplesmente acampamentos, lugares que acho que quando iam caçar paravam ali por algumas horas pra dormir, tudo isto.
P/2 – Os animais, os esqueletos de animais que foram encontrados assim...
R – Aqui na região, até seis mil anos assim nós tínhamos uma fauna completamente diferente, com animais muito grandes, a preguiça gigante que chegava até oito metros, o animal mais comum era a lhama, inclusive lhamas que são maiores que as lhamas de hoje. E nós tínhamos o tatu __________ e, que é do tamanho de um fusca, tínhamos o mastodonte, quer dizer uma fauna, cavalos, uma fauna muito rica. E essa fauna só desapareceu por volta de seis mil anos atrás, quando, por volta de dez mil a chuvas diminuíram, a região que era uma região tropical úmida, um clima como o da Floresta Amazônica, começou então os rios a diminuir, começou a chover menos, e daí então essa fauna não tinha mais alimentação. Então eles desapareceram e só ficou a fauna de tamanho pequeno, médio e pequeno.
P/2 – Ô, Niède, me falaram, a gente ouviu falar um pouco do seu trabalho e que muito da contribuição que você deu fez algumas datações mudarem assim né, dos primeiros habitantes, de como eles chegaram na América do Sul, você podia contar um pouco disso pra gente?
R – Sim, porque quando eu vim trabalhar aqui, sempre, naquele momento, se ensinava que a América tinha se povoado muito tardiamente, por quê? Porque havia muito pouca pesquisa na América do Sul, a pesquisa que havia na América do Norte eles só encontravam coisas de dez, 12 mil anos. E quando nós encontramos aqui, na Pedra Furada, que foi o primeiro sítio que nós começamos a escavar, mandei datar na França os carvões e quando me telefonaram pra dizer que o carvão tinha dado 18 mil anos, eu disse: “Não, vocês misturaram as amostras, não é possível que na América, não tem na América do Sul, não pode ter isso”. A chefe do laboratório disse: “Não, é o teu carvão, volte lá, continue a escavar porque tem alguma coisa de diferente”. Então voltamos, ampliei essa escavação, continuamos a trabalhar e a partir daí, foi 1980, a partir daí quanto mais você descia na escavação, mais velhas iam ficando as datações. Até que nós chegamos a 50 mil anos que é o máximo que o carbono 14 pode dar, abaixo disso ainda havia material humano, então nós fizemos datar por outra técnica da termoluminescência e os primeiros vestígios humanos que nós encontramos na Pedra Furada sobre o solo, a pedra do chão, a rocha do solo, e de cem mil anos. Quer dizer, há cem mil anos os homens já estavam aqui na região. E isso então levantou uma discussão muito grande com os colegas americanos, na Europa não houve nenhum problema, e finalmente nós tivemos muitos anos então essa discussão, mas depois começaram a aparecer outros vestígios antigos no México, nos Estados Unidos do lado Atlântico, porque eles sempre procuravam do lado Pacífico, achando que eles tinham vindo pela Ásia. E hoje, por exemplo, nós temos artigos que mostram que o povoamento pela Ásia veio muito mais tardiamente. E que provavelmente os homens vieram da África pra cá, porque a África pra cá tem a corrente que traz e cem mil anos atrás nós tínhamos o mar a 140 metros abaixo do nível de hoje. Então a plataforma continental era muito mar, tinha muito mais ilhas e essa passagem era muito fácil. Inclusive colegas brasileiros paleontólogos já descobriram aqui macacos que há 20 milhões de anos atrás passaram da África pra cá. Se o macaco pode passar porque que o homem não pode passar, entende? Então hoje nós trabalhamos com essa hipótese que o homem veio da África, alguns ficaram aqui pela região, entraram pelos rios aqui pra dentro, outros continuaram, foram pra Amazônia, o que justifica essa grande cultura do Marajó, que a Amazônia tem. Outros foram pro Caribe, que no Caribe eles já tão com datações de 60 mil anos no México. Quer dizer, é muito mais fácil esse trajeto da África pra cá do que dar toda a volta, sobretudo se eles vieram pela Berinja eles não podiam passar no máximo da glaciação, porque fazia muito frio. E eu acho que o que aconteceu é que esses povos subiram até aquela região no México, na fronteira México e Estados Unidos de hoje, e ali começava o frio, eles ficaram parados ali. Quando acabou a glaciação, eles devem ter subido e se encontrado com os que vinham da Ásia. Por isso é que nós temos indígenas da América que tem traços asiáticos bem marcados, mas existem tribos que não tem os traços asiáticos.
P/1 – Agora, por que que a comunidade norte-americana não aceitou tão bem, qual que era o teor das discussões?
R – Porque não são todos, hein, alguns colegas norte-americanos aceitaram. Porque como era uma teoria norte-americana eles se sentiram atingidos que não era verdade. Agora, uma teoria justamente e uma proposta de explicação, uma nova descoberta pode derrubar ou pode confirmar, entende? Então é o comportamento científico saber que a teoria um dia pode ser varrida, e foi o que aconteceu.
P/3 – Niède, por que que é tão difícil a comunidade científica brasileira, de arqueólogos, tratarem um consenso de construir uma teoria de ocupação?
R – Os brasileiros?
P/3 - Os arqueólogos brasileiros.
R – Alguns brasileiros é porque eles são, eram alunos que estudaram nos Estados Unidos e também entraram nisso levados por essa coisa, mas isso eu acho que hoje não existe mais. Quer dizer, o ano passado em dezembro nós realizamos aqui um simpósio financiado pelo CNPQ, Ciência e Tecnologia, um simpósio sobre o povoamento da América. E reunimos muitos especialistas e o fim de toda discussão, de apresentar todos os resultados eles disseram que sem dúvida é muito mais antigo o povoamento do que a idéia de passagem por Bering só né, e eu acho que hoje todos estão trabalhando nesse sentido.
P/1 – Mas isso tá chegando aos livros escolares? Pro pessoal mais novo? Ou ainda tem que...
R – Não, não, eu acho que aí já está chegando sim, porque várias vezes eu tenho lido e-mails, ou então mesmo, vem muitos colégios, até de São Paulo, do Rio, vem de ônibus até aqui pra visitar o Parque. E esses jovens escolares, eles quando conversam comigo, dizem que leram no livro que a história é diferente daquela que era contada antes.
P/1 – Quer dizer, as descobertas aqui propiciaram esse entendimento, tem pré-história o Brasil, ou...
R – O Brasil tem uma pré-história inclusive muito mais antiga, entende, do que se pensava antes. Quer dizer, o homem chegou aqui, aqui nessa região, no mínimo há cem mil anos atrás e como nós estamos longe do mar, ele deve ter chegado por volta de 120 mil, por ai. O que coincide com uma grande seca que houve na África, o que talvez explique que os grupos procuravam o mar pra ir procurar comida por causa da seca e uma tempestade pode ter tocado eles para o alto mar e a corrente traz até aqui. Alguns anos atrás, ultimamente tem chegado aqui muitos desses africanos que estão tentando ir pra Europa nesses navios, que eles vão clandestinamente, navios que afundaram eles chegaram aqui, porque a corrente trouxe eles pra cá. Então a gente tem a impressão, a África não é longe não, a África tá logo ali.
P/2 – Niède, e você como pessoa que já tá morando aqui há tantos anos no Centro Cultural, conta um pouco pra gente desse cotidiano que você passou vindo, a sua família lá. Como é que foi essa adaptação também?
R – Bom, eu em 90, até 91 eu vinha só nas férias. Em 91 a pedido do Governo Brasileiro, a França me emprestou para vir elaborar um programa que garantisse a preservação do Parque Nacional e do seu patrimônio arqueológico que é uma coisa única no mundo, não é? Então eu vim, deixei Paris e me instalei na cidade de São Raimundo Nonato. É diferente, mas eu acho que o meu trabalho, o que merece essencialmente é o trabalho, entende? Então eu acho que isso valeu a pena, depois eu sempre fui uma pessoa sozinha, não tenho família, quer dizer, tenho uma família imensa, mas a família já se basta ela mesma, não precisa de mim. Então eu sou, vim pra cá e não tive o menor problema, quer dizer, algumas coisas fazem falta, não é, mas a gente vai se adaptando. E agora São Raimundo Nonato tá tão, uma cidade tão moderna que você já encontra aqui água __________, francesa, você encontra vinhos franceses, italianos, espanhóis, portugueses. Quer dizer, a cidade já está se desenvolvendo porque ela já tem um público que já exige esse tipo de coisa. Parque Nacional trouxe, hoje, São Raimundo que era um povoado, hoje é a cidade mais importante da região.
P/2 – E você andando assim pelo Parque, por aqui assim, o que que você vê que classifica assim, que caracteriza essa mata, essa região de São Raimundo Nonato?
R – Olha, essa região, quando eu ando aí no parque, quer dizer, é um prazer muito grande, porque a paisagem é lindíssima, você tem uma, as árvores são maravilhosas aqui, tem isso também, eu gosto muito da natureza, os animais. E nós conseguimos nesses últimos anos um programa de proteção do Parque bem grande, junto com o IBAMA pra impedir a caça, nós conseguimos que os animais voltassem. Alguns não voltaram porque estão extintos, porque foram mesmo massacrados pelo homem. Mas a gente conseguiu e hoje o Parque, você andando ali você vê animais, entende? Quer dizer, é uma maneira de ver que o teu trabalho deu certo. Eu acho que o importante na vida é isso, trabalhar por prazer e fazer o melhor que você possa fazer, porque é a única maneira de obter bom resultado.
P/1 – Niède, em que medida que esse trabalho de lado mais ambiental, de proteção á caça, essas coisas todas, em que medida ele ajuda a preservar o Parque, tem a questão da cadeia produtiva, da cadeia alimentar. Como é que isso ajuda, por exemplo, as pinturas, os sítios arqueológicos?
R – Olha, as pinturas, por exemplo, um dos problemas graves que nós temos são cupins, porque o cupim faz aquela galeria em cima da pintura, cobre a pintura e acabou. E os ninhos de uma vespa que chamam aqui de maria-pobre, que faz um ninho também com argila, que ela mastiga com a saliva dela com o cupim e é duro como cimento. Por quê? Porque mataram os tamanduás, o tamanduá-bandeira tá praticamente extinto, quando eu cheguei aqui você não andava dez minutos sem ver um tamanduá bandeira. Então hoje formigas e cupins estão pra tudo quanto é lado. E essa abelha é porque mataram os pássaros. Essa coisa de caçar é um perigo, porque o homem não vê, o homem acha que eleé o rei da terra e que ele tem uma tecnologia que resolve qualquer coisa, não tem. Nós não somos os reis da terra. Inclusive na linha evolutiva, as aves vêm depois da gente, as aves são muito mais avançadas do que nós. Nós como somos uns animais muito pobrezinhos, fraquinhos, tivemos que desenvolver a tecnologia e vivemos pela tecnologia, mas essa tecnologia custa. Então você trabalha, por exemplo, pra construir uma casa, os bichos não precisam pagar a casa, você pra se deslocar, você vai pro mundo todo, mas você tem que trabalhar pra pagar o avião, pra pagar o carro, o homem não é capaz de correr tanto quanto um bicho, nem de voar como uma ave. Então um animal dependente da tecnologia e a tecnologia não pode com a natureza. Eu, há uns dois ou três anos atrás, cheguei nos Estados Unidos numa região, ali do lado do Texas, aonde bate aqueles furacõezinhos. Eu cheguei na cidade, tinha carro no alto de umaárvore, tudo arrebentado, tudo destelhado, quer dizer, um país com a tecnologia e o dinheiro dos Estados Unidos não pode enfrentar isso. E se as coisas continuarem assim, eles vão ter que sair daquela região. Por exemplo, aqui a região de Brasília, não é uma região boa pra habitar, desmataram tudo, tocaram os índios lá pra fora o botaram a cidade. Você vai lá na época da seca, você vê todo mundo botando coisinha no nariz, as escolas não podem funcionar. Qual é o futuro de uma capital assim? Quer dizer, o homem acha que ele fez aquela capital e pronto, não, o Rio de Janeiro era muito melhor. Então, do ponto de vista clima, você tá entendendo?
P/1 – Do ponto de vista climático na...
R – Então é isto que eu acho que o homem tem que aprender, que ele não entende. Nos botaram na cabeça que Deus fez a terra, depois ele fez a gente, isso é teu! Eu acho que nós temos que contar essa história de novo.
P/1 – Agora, o nosso homem pré-histórico, que técnicas que ele dominava aqui na região?
R – Olha, aqui na região ele tinha uma técnica fantástica, vocês podem ver no museu, as pedras lascadas ele dominava a técnica da pedra lascada da mesma maneira que os homens da África, da Ásia e da Europa, realmente eles eram grandes, grandes artesãos da pedra. Quando começaram a fazer cerâmica nos outros lugares do mundo, ele começou aqui também e a pedra polida também. Quer dizer, aqui houve homens que chegaram com um nível cultural, tecnológico e que se desenvolveram aqui. E que alcançaram o máximo que se podia alcançar a cada momento. Agora, eram caçadores-coletores e como caçadores-coletores não fazem grandes sociedades porque eles sabem que a natureza não pode alimentar gente demais e eles vivem em pequenas comunidades, vivem da natureza com a natureza.
P/1 – E eram nômades, assim, eles tinham...
R- Não, não, eles sempre tem aldeias, porque todo mundo pensa que caçador-coletor é nômade, não. Eles têm uma aldeia e ficam naquela aldeia um certo tempo. Por exemplo, eu já vi tribos indígenas que eles decidem mudar a aldeia depois de cinco ou seis anos que eles estão no mesmo lugar, porque eles dizem que depois de cinco, seis anos começa a juntar muita praga, pulga, carrapato, sujeira. Então daí eles mudam e isso dá tempo da natureza limpar tudo de novo.
P/1 – Se refazer.
R – Quer dizer, é isso que...
P/1 – E uma sabedoria né.
R – Exatamente. Agora nós não, agora, cada vez o homem hoje se amontoa em cidades cada vez maiores, não é? Com todos os problemas que isso causa, com toda a violência que isso gera e nós nos chamamos homo sapiens.
P/2 – Niède, tem um, (interrupção)
P/1 – Você quer fazer a pergunta?
P/2 – Não.
P/1 – Bom, então falando em técnica e tecnologia, eu queria que a senhora falasse um pouco sobre as técnicas das pinturas mesmo assim. Quais são os estilos, tem o estilo várzea grande?
R – É, tem várias tradições né, são grandes grupos e estilos diferentes, que é uma classificação que nós fizemos pra poder, porque você precisa por uma certa ordem, esse imenso universo, se não você não consegue estudá-lo. E essas classificações são também por área. Então nós temos, em tal área domina tal estilo, aqui domina tal estilo. E também com resultados de datações das pinturas esse estilo é mais antigo que esse. Mas tudo isso, por exemplo, nesse momento nós estamos com um sítio no qual foram descobertas pinturas que estão com datações muito antigas e que era um estilo que até agora a gente pensava que era mais recente. Então tudo isso tá sujeito, porque como nós continuamos a pesquisar, nós mesmos vamos acertando, a medida que há novas descobertas, essas classificações. Mas em todo caso, nesse livro de Anne-Marie Pessis que ela hoje é a nossa especialista em arte rupestre, ela então faz para essa data a, como é que está essa classificação... A tradição no nordeste, com os seus estilos, a Capivara, a Serra Talhada e a Serra Branca e a tradição agreste que seria mais recente, mas que hoje tudo indica que talvez seja até mais antiga.
P/1 – E as, as, o que seriam as tintas, tom vermelho, tons de branco, algum com tom azulado.
R – É, nós temos aqui, o mais comum é o vermelho, que é o óxido de ferro né, depois tem amarelo, tem branco, que são __________ Dessa cor, tem o preto que, aliás, Conceição Lage que é professora da Federal do Piauí, fez o doutorado dela em Paris, comigo, ela fez, ela fez análise do preto, ela diz que são ossos queimados. Agora tem outro preto que nós não sabemos se é, agora neste momento estamos com dois técnicos de um laboratório da França que estão tomando amostras para analisar uma série de pigmentos que nós estamos querendo saber do que eles são feitos, entende? Então tem alguns que são azulados, agora nós não sabemos se já era azul ou se foi uma mudança que houve no pigmento. E por isso que, na realidade pra você poder afirmar, você precisa fazer uma série de análises pra poder então depois ter certeza. E nesse momento existe um grande projeto, coordenado por Anne-Marie Pessis, financiado pela __________ e nós estamos trabalhando muito sobre essa questão do pigmentos e também o que é que está fazendo com que essas pinturas se degradem, porque existe degradação por várias razões que nós estamos estudando agora.
P/2 – Niède, tem uma, falando em tecnologia, tem um imaginário comum que fala assim: “Não, índio não tem tecnologia, comparando com a nossa, ah não índio”. Mas eles tem um tipo de tecnologia que é diferente da nossa, você podia falar um pouco sobre isso?
R – Sim, eles tem, quer dizer, o índio brasileiro tem tecnologia. Você tem, na Amazônia, por exemplo, você tem umas ocas que são uma, mais assim uma obra prima de engenharia. Eu vi algumas que tem o pé direito altíssimo, que é bom naquele calor, que tem luz zenital, tudo isso. Quer dizer, as ocas dos índios Jê são maravilhas, e eles constroem aquilo com as mãos. Eles não precisam pagar royalty, nem importar nada. Quer dizer, é um conhecimento que passa de pai pra filho. Quando nós, aqui na sociedade, falamos de igualdade social, eles têm igualdade, porque ali todos aprendem, os mais novos com os mais velhos. Não existe escola pública e escola particular, entende? Não existe aqueles que podem aprender e os que não podem, todos aprendem e todos têm a mesma chance na vida. É isso que eu digo, a igualdade social começa na igualdade do aprendizado. Enquanto nós não tivermos uma escola pública de alta qualidade, nunca haverá uma igualdade social. E nós podemos ver o exemplo dos índios, o que aconteceu no Brasil foi realmente um crime contra a humanidade, são mais de seis milhões de índios que foram extintos, por quê? Porque chegaram aqui com armas muito poderosas, com a pólvora que eles não tinham, mas, ao mesmo tempo, se não tivesse o conhecimento dos índios sobre a mandioca, sobre todas aquelas, os portugueses não poderiam ter sobrevivido aqui. Quer dizer, os índios ajudaram a eles e o que eles receberam em troca foi a extinção.
P/2 – Tem uma outra pergunta que eu queria fazer, quando as pessoas vão fazer história, ou pensam na arqueologia desde pequeno, tem aquela imagem assim do aventureiro, do Indiana Jones, e muita gente entra pra uma missão e presta história pensando que a história tá muito ligada a arqueologia.
P/1 – Aventura.
P/2 – Aventura, pra essas pessoas assim que, sabe essas pessoas mais jovens, mas que tão pensando, que tem um interesse com essa questão das imagens, pinturas rupestres, sociedades primitivas, qual que é uma dica que você dá pra seguir nisso?
R – Quem quiser aventura, pode vir aqui porque eu tenho aí uns lugares bem difíceis, que tem gente que não tem coragem de ir não, muita gente não tem coragem de ir. Porque alguns sítios são de acesso difícil, depois outra coisa, eu sempre, veja, eu trabalho aqui desde 1973, são mais de 30 anos de pesquisa. Nós nunca tivemos acidente, porque eu sou extremamente rigorosa, entende? Pra você já é uma aventura quando você sai daqui e anda 60 quilômetros e sobe e desce tudo isso. Então existem certas coisas que você tem que evitar, havia pessoas que tem vertigem, essas pessoas não podem ir em certos lugares, lugares aí onde você caminha em cima das pedras e você olha lá em baixo, 150 metros, se você cair você tá morto. Então a pessoa tem que ter um treinamento corporal pra poder enfrentar isso, entende? E, sobretudo, também outra coisa, se você sai com água, aqui é cada dez metros você toma água você não chega no fim, nós aprendemos com o povo daqui que quando você tem que andar muito, você bebe água antes de sair e só depois quando acaba de andar, não no meio do caminho, você não consegue chegar.
P/1 – Fica sem água.
R – Então existe toda uma, um saber para poder fazer isso. Agora, é aventura porque há lugares aí que são difíceis de ir. Eu agora quebrei os dois joelhos no parque, tenho pinos, então há lugares que eu ia antes e que hoje não posso mais ir, mas há muito jovens que quando eles chegam e veem aquilo, eles não vão não.
P/1 – Falar um pouquinho do Parque então, da constituição do Parque. Quando que começou a ser pensado de criar uma reserva ,de que a reserva tivesse protegida como uma área de patrimônio histórico reconhecido pela UNESCO, pelo IBAMA?
R – Olha, em 1978 eu tive, como chama aqui, férias, licença prêmio, não sei, umas férias acumuladas, ano sabático, não sei. Então eu tinha seis meses de férias. Então, ao invés de ficar três meses aqui, eu passei seis meses e foi uma missão muito grande onde havia geólogos, havia botânicos, zoólogos, antropólogos e justamente ouvindo todas aquelas histórias que contavam aqui, né. Então no fim da missão nós sempre fazíamos uma reunião pra discutir os resultados, pra ver o que que tinha sido, tinha dado bom resultado, o que precisava ser feito pra programar pro outro ano. E todos foram unânimes em dizer que era uma região que deveria ser conservada, porque ainda tinha espécies animais e vegetais da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica, porque aqui era o ponto de contato desses dois biomas, pela riqueza e arqueologia, pelos monumentos geológicos que tem, que contam toda a história da formação desta chapada do nordeste. Então nós preparamos um documento com a descrição de toda a região, de tudo isso, e mandamos ao governo dizendo que deveria ser protegido. Então o governo criou o Parque Nacional, isso foi em 78, 79 o Parque Nacional foi criado. E eu pensei que então tava tudo resolvido, só que todo ano eu vinha, não tinha nenhum funcionário e daí todo mundo quando queria caçar e buscar madeira. Ia no parque: “Ah, é do governo, vamos lá”. Porque nas terras particulares os donos não deixam, só o dono que pode desmatar e caçar, mas o vizinho não pode. Então o Parque Nacional virou um lugar que todo mundo ia. E daí que começou mesmo a depredação. Então em 86 nós criamos a Fundação Museu do Homem Americano pra ter uma figura jurídica pra poder começar a fazer pressão em Brasília pra que o Parque tivesse funcionários e que começasse realmente a sua função de preservar a região. E em 91 eu sugeri ao Governo Brasileiro que solicitasse à UNESCO o selo de Patrimônio da Humanidade porque as nossas pinturas merecem, tem a mesma qualidade antiguidade, tudo isto. Então nós preparamos todo o dossiê para o Ministério de Relações Exteriores, a reunião da UNESCO foi em 91. E aí o Governo Brasileiro, eu tava em Paris, eles me chamaram dizendo que os embaixadores diziam que nenhum conhecia a arqueologia suficiente pra ir lá argumentar com a UNESCO. Então eles me pediram se eu não podia ir, me deram um passaporte de embaixador e lá fui eu pra UNESCO, fui eu que apresentei o projeto, defendi, tudo, e a UNESCO aceitou na primeira apresentação. Então em 91 nós entramos na UNESCO.
P/1 – Agora, como é que fica assim, que a senhora vinha passar férias né, no fim era umas férias de muito trabalho e quando a senhora voltava pra Franca, quem que cuidava assim, a senhora falou que no começo as coisas ficavam guardadas com o senhor tudo. Este estar longe, estar perto ao mesmo tempo, como é que é essa relação entre as coisas?
R – É porque no começo então ficava com aquele senhor, depois nós conseguimos um local aqui na cidade que hoje funciona o nosso programa social, o __________, que se vocês puderem ver, é uma coisa muito bonita. E a gente guardava tudo lá e esse senhor, a gente pagava uma pessoa também pra ir fazer limpeza e tudo, se chovia ia lá ver se não tinha molhado e tudo. Então quando a gente chegava, tava tudo prontinho pra trabalhar.
P/1 – Mas a pesquisa ficava toda parada, ficava em trabalho de sistematização?
R – Porque o que acontece, que daí eu estava dando aula em Paris, então a pesquisa, quer dizer, a pesquisa de campo era feita aqui. E depois o material ia pra São Paulo e a gente lá, eles então, ou então depois começaram os meus alunos a ficar aqui pra fazer doutorado.
P/1 – Ah tá.
R – Então daí o aluno ficava aqui, eu tive um aluno, Fábio Parente, que aliás deve tá chegando aí, que é italiano, ele ficou aqui, morando aqui dois anos e meio pra fazer o doutorado dele. Daí os alunos ficavam aqui estudando o material e eu dando aula em Paris.
P/1 – Eu me recordo que eu li um artigo em jornal que o Fábio Parente defendeu o doutorado dele na Itália.
R – Ele defendeu em Paris.
P/1 – Defendeu em Paris e que ele teve dez com louvor tudo, assim, com as datações de 40 mil anos, né?
R – É, naquele momento nós estávamos a 40 mil anos.
P/1 – Foi um marco o doutorado dele?
R – É, quer dizer, ele fez um bom doutorado, mas essa datação não impressiona tanto os franceses porque são os americanos que acreditam na, que era muito recente.
P/1 – Então impressionou os brasileiros?
R – É, talvez os brasileiros, mas o Fábio foi porque ele fez um trabalho muito bem feito. Ele ficou aqui dois anos e meio, depois ele voltou pra Itália, foi pra Paris, ficou lá trabalhando no material que ele tinha analisado e tudo, fez um trabalho muito bem feito.
P/1 – Que legal.
P/2 – Niède, qual que foi uma escavação, o encontro de um sítio que te marcou bastante assim?
R – Eu acho que foi a Pedra Furada, que foram dez anos escavando, encontrando sempre material. Cada um tem uma razão, depois tem outro que a gente encontrou material muito bonito, tem outro porque encontrou uma pintura lá embaixo, cada escavação tem um encanto diferente. É o que eu digo, escavação é como casamento, se você casa, pronto, você fechou o seu futuro, um só, escavar cada sítio é uma coisa diferente, por isso que eu não casei.
P/1 – Que lindo! E como que a comunidade viu o estabelecimento do Parque? A princípio: “Ah, é do governo eu posso ir lá caçar e derrubar tudo”, mas como que a prática da comunidade foi mudando em função dessa história com a pré-história, como que foi?
R – Olha, precisa ver, porque até hoje nós temos problemas gravíssimos com a caça, entende? E agora o Parque, nesses últimos anos, houve muitos acidentes bem perto do assentamentos, bem perto do Parque e como não choveu os assentados não tem nada, não conseguiram nada, não deu nada, plantaram e perderam tudo, então eles vão caçar. Quer dizer, é uma situação muito difícil, porque veja, o nordeste, nós tivemos o Departamento Nacional de Obras contra a Seca, depois a Sudene, o Brasil gastou muito dinheiro com as populações que já viviam aqui e que cada vez tinha uma seca passa fome, precisa mandar água, carro pipa e comida. Agora eles tão assentando gente pra fazer a reforma agrária, botar gente no nordeste? E pra aumentar ainda o problema! Eu sugeri ao Incra, há dois ou três anos atrás, quando eles começaram a assentar gente aqui, eu disse: “Olha, ao invés de botar uma pessoa, desmata tudo, toca fogo, planta, vem a seca não tem nada. Porque vocês não ensinam a cultivar cactos?”. O cactos é uma planta, as plantas ornamentais, a caatinga tem umas trepadeiras lindíssimas que vivem na seca, estão acostumadas, o cactos da na seca. O México como deserto planta cactos, exporta cactos, as floriculturas do Rio, de São Paulo compram cactos do México. Um cactos em Paris desse tamanho assim vale 60, 70 euros! Então ensina cactos, não precisa desmatar, não vai estragar a natureza e eles vão ganhar dinheiro vendendo cactos. “Ah não pode, tem que ser comida, porque é agricultura familiar.” Ele não pode plantar cactos, vender e ir no supermercado comprar? Não, tem que plantar comida! Então plantaram e tão todos morrendo de fome. Quer dizer, é isso que eu digo entende? Eu acho que nós precisaríamos, acho que pro país crescer, nós precisaríamos que os políticos entendessem que eles podem ser muito bam bam bam pra política, mas que para fazer algo que de certo precisa ter o conhecimento científico, por que que eles não seguem aquilo que um cientista diz? Por que que eles não fazem estudo da região, da seca, dos problemas? E areia, o solo é pobre, não adianta, nóos fizemos três anos esses estudos, mas eles não usam hoje isso entende? Então, pra agradar, eles querem agradar o povo logo, mas isso significa o quê? O povo pode tá contente, mas não vai pra frente. Enquanto se tentar a agricultura aqui na região vai continuar a ser pobre e o cactos poderia ser uma grande saída.
P/1 – Com certeza.
R – Mas...
P/2 – É por isso que tem algumas plantações de cactos ao longo do rio, porque a gente viu algumas vindo pra cá assim, umas pequenas.
R- Cacto, mas isso não é que, sabe pra que esse cactos? E pra dar pro gado, porque quando bate a seca muito forte, é a única comida que tem, então eles pegam, cortam, inclusive andaram cortando até mandacaru atualmente, aí eles cortam tudo e matam o cactos. Então eles cortam, tiram as sementes, dão uma passada na chama e dão pro gado comer, é a única comida que tem. Só que é uma comida que o gado não engorda, o gado daqui é pelo e osso. A Itália financiou um projeto que nós tivemos aqui, muito bonito aliás, que baseava-se no seguinte: pra você implantar o turismo, você precisa dar uma educação de bom nível à população local, porque o mercado de trabalho do turismo não pode ser um analfabeto, ele tem que ter uma formação. Então a Itália criou escolas, financiou as escolas, construiu, instalou, entende? E nessas escolas as crianças entravam às sete da manhã e saíam à tarde, para quê? Para aprender, pra poder entrar nesse mercado. Bom, depois, nós tínhamos um contrato com a Itália, o Governo do Piauí e nós, que a Itália depois de construir e instalar, formou as professoras, trouxe pedagogas da UNESP de São Paulo pra formar professoras locais, depois de cinco anos a Itália se retirava e o Governo do Piauí repassaria o dinheiro pra manter. Depois de cinco anos fomos a Teresina e o então secretário da educação disse: “Ah, isso foi o outro governo, não tem nada a ver com isto”. Contrato assinado em papel da Secretaria da Educação. Quer dizer, como um governo não tem nada a ver com outro? Resultado, eu fui a Brasília consegui com o Murílio Hingel que então era Ministro da Educação, recursos, mantivemos essas escolas durante 11 anos. E o resultado já estava dando pra ver, as crianças mudam, porque eram escolas que tinham TV a cabo pra eles verem outras coisas que não é somente a novela, eles tinham esportes, eles tinham artes, entendeu? Mas infelizmente nós não pudemos continuar.
P/1 – Nas escolas da região esse projeto? Aqui em...
R – As escolas eram na zona rural em todo o entorno do Parque Nacional, eram cinco escolas.
P/1 – E as crianças aprendiam pré-história lá no Parque?
R – Aprendiam no Parque, iam no Parque, aprendiam, quer dizer, eles tinham realmente uma formação pra capacitá-los a integrar este mercado de trabalho do turismo.
P/1 – Que que falta pra alavancar o projeto turístico aqui?
R – O aeroporto né, o aeroporto foi criado por um decreto em 96, em 98 houve uma primeira liberação de recursos que nunca foi utilizada para o aeroporto, depois somente em 2004 saíram 6,5 milhões, foi feita uma licitação. A aeronáutica havia feito o orçamento de 11 milhões para o aeroporto. As grandes firmas nacionais propuseram preços de 9.800, dez mil e uma pequena firma local jogou pra cinco milhões, ganhou e depois não pode fazer, daí queria aditivo, o que é contrário à lei. Daí ficou tudo parado e agora, terça-feira próxima, daqui dois dias o senhor governador virá reabrir as obras, que foi licitada de novo. Eu estive com o Senador João Vicente Claudino, foi a firma dele que ganhou essa licitação e ele me garantiu que ele vai começar a obra e até agosto vai estar terminada. E aí, porque já tivemos aqui bancos suíços, firmas árabes, que queriam colocar um hotel, mas quando viam o aeroporto, viam os estados das estradas, desistiu. Então agora eu acho que nós vamos poder começar a realmente desenvolver o turismo. E em 2009 vai se realizar aqui o Congresso Internacional de Arte Rupestre, é o congresso da IFRAO, que reúne todas as instituições do mundo que trabalham com arte rupestre. O último congresso foi em Lisboa e a Serra da Capivara foi escolhida como a sede do próximo e a primeira vez que virá ao Brasil. E como é um grande congresso, como o aeroporto já vai estar pronto, eu acho que vai ser realmente um grande sucesso.
P/1 – Com certeza. Qual que é o perfil do turista que vem pra cá hoje?
R – Olha, o turista que vem pra cá é o turista que gosta de cultura, de meio ambiente, há famílias que vem que a mãe quer ver as pinturas, o pai quer ver os bichos, quer ver as árvores, entende? Então é o tipo de pessoa que tem um interesse na vida, é um turismo que infelizmente no Brasil não se procura isso. O Brasil só investe em turismo de praia, mas o turismo de praia, e inclusive é o que eu digo, as praias brasileiras não têm condições de lutar com o Caribe, com o Pacífico. Porque infelizmente nossas praias são sujas, são barulhentas, você vai na praia leva uma bolada de gente que tá jogando futebol, abre o carro e toca aquele som a toda, gente comendo, jogando lixo pelo chão. Eu já disse, se me pagam pra ir numa praia, eu pago pra não ir entende? É uma pena, porque as praias são lindas, mas elas são mal cuidadas. E se você for, por exemplo, em Cancun, você vai ver a diferença de como o México trata o seu turismo e como nós tratamos. O Brasil hoje é um país atrasadíssimo em turismo. Eu acho que o ano passado nós chegamos a cinco milhões, nós estamos atrás da República Dominicana.
P/1 – E do Uruguai também.
R – Do Uruguai, da Argentina e tudo isto entende? A França, no ano passado, passou dos 75 milhões de turistas. É a maior entrada do PIB francês da Itália e da Espanha é o turismo. Não sei porque aqui no Brasil, e quando eu disse, desenhei a figura do nosso turista, sabe o que me disseram? “Ah você é classista, você só quer trazer rico, você não gosta de pobre”. Eu disse: “Meu Deus, trazer pobre, já não tem bastante no Brasil?”. Eu quero trazer o rico pra que ele deixe o dinheiro dele aqui. Agora, se um pobre quiser vir também tem lugar pra ele entende? O nosso programa prevê, por exemplo, construção de hotéis desde os seis estrelas até pousadas para estudantes que queiram vir trabalhar aqui, pesquisar aqui.
P/2 – E por falar nesses estudantes, tem, vem muito estudante aqui?
R – Vem muito estudante, nós temos muitos trabalhos de universidades estrangeiras e brasileiras que são feitas aqui, nós temos inclusive na cidade uma pousada para esses estudantes. Nesse momento nós temos o rapaz da Federal de Pernambuco que tá começando o doutorado, tem um da USP, da psicologia cognitiva da USP que tá trabalhando sobre os macacos daqui, usam ferramentas e fazem um monte de coisas. Tem, tem uma aluna da Itália que tá fazendo um doutorado com o Fábio Parente, o Fábio Parente tá chegando. Quer dizer, tem muita gente sempre, o que eu acho muito bom porque traz um convívio internacional pra região.
(interrupção no áudio)
(no retorno o áudio está distorcido, é inteligível, mas as vozes estão distorcidas)
P/1 – Essas pessoas que vem pra cá, como que elas se encantam com a região, ou se desencantam, e o que que eles trazem, o que que impacta nas vidas das pessoas assim, o falar, alguma outra necessidade?
R- Olha, eu acho que, por exemplo, atualmente tem esse rapaz da USP, ele tá aqui, ele contratou um guia, ele conversa com esse guia, ele conversa com as pessoas, vai pra cá, vai pra lá, quer dizer, se estabelece uma relação de amizade entre eles né, e tudo isso eu acho muito importante.
P/1 – A circulação, de conhecimentos, de sabedorias também né?
R – Já teve francês que se apaixonou por uma moça daqui, levou, tá lá na França hoje, casou, foi embora, quer dizer, São Raimundo já invadiu a França.
P/1 – E o senhor tava falando assim, de que hoje já encontra muitas coisas de produtos industrializados e europeus. Qual foi a maior dificuldade pra senhora adaptar aqui quando veio morar mesmo?
R – A questão aqui pra mim é que eles não gostam de frutas e legumes e eu gosto muito. Então aqui por exemplo eles dizem sempre: “Ah não, não é coelho pra comer folha”. Foi um dos problemas nas nossas escolas é que a gente criou uma horta, ensinava as crianças a trabalhar e a alimentação que era toda programada pelos, pelo pessoal da Fiocruz do Rio, que fazia a parte médica. Tinha comida, tinha legumes, tinha frutas, tinha verduras, os pais diziam, meu filho não é coelho pra tá dando folha pra ele comer. Então é muito difícil, quer dizer, agora não porque vem tudo de Petrolina pra cá. Na feira você vai, existem supermercados agora que trazem e também eles estão mudando os hábitos alimentares. Agora, tradicionalmente, quando a gente chegou aqui era carne de sol, farinha, feijão e arroz.
P/1 – E o café da manhã?
R – O café da manhã, aquela coisa assim também, eles comem carne, eles comem ovo, comem um monte de coisas também. Agora, tem coisas muito boas que é o beiju, o cuscuz, então a gente fazia uma mistura das coisas locais entende, tirando, por exemplo, a carne de sol é muito salgada, eu não gosto, eu como praticamente sem sal. E gosto da carne mal passada, eles gostam da carne muito torrada. Então a gente fazia uma adaptação, meio a meio.
P/2 – Niède, eu queria perguntar, como que foram as medidas paralelas assim, __________ a população, os projetos sociais que foram, foram complementando a criação do Parque?
R – Olha, na realidade o projeto inicial tinha sido criar a escola, formar o pessoal e através das crianças atrair as famílias. E também a criação de emprego, porque você veja, em 2003 nós tínhamos 270 funcionários, então é muita gente e ao mesmo tempo essas, as pedagogas que vieram pra formar as professoras locais, algumas delas não quiseram voltar pra São Paulo, se estabeleceram aqui, passaram a trabalhar comigo e passaram a trabalhar nesse programa social que a __________ fundou. Porque aqui as escolas públicas, as crianças têm duas horas de aula por dia, o resto do tempo fica passeando pela rua. Então nessa sede que nós temos na cidade eles vão, eles têm aulas de português, matemática, desenho, canto coral, tem instrumentos, violão, teclado, flautas e tudo isso, né. Formaram um coral, formaram um grupo de teatro, aprendem dança também e passam o dia lá, de maneira que não estão pela rua. E isso, atualmente e depois a gente começou com um pequeno auxílio da Fundação Ayrton Senna, o ano passado eles se apresentaram candidatos ao Criança Esperança, conseguiram ganhar. Eles redigiram uma peça, propuseram a Criança Esperança de montar essa peça e mostrar essa peça aqui pela região nos diferentes povoados, conseguiram ganhar. E agora, faz uma semana exatamente, eles ganharam um prêmio da UNICEF, ganharam o prêmio nacional, foram eles que ganharam, são 70 mil reais que agora ele vão poder fazer um outro projeto que vai ser financiado por esses 70 mil reais. Que eu disse a eles que eles poderiam montar, por exemplo, uma série de danças de diferentes países e apresentar aqui na região. Pra tentar que as pessoas vejam como vive o resto do mundo. Então nós temos esse projeto social e também conseguimos junto com o Observatório Nacional, o Observatório Nacional e a Fundação juntos, nós apresentamos um projeto à Petrobrás dentro daquele programa Petrobrás Ambiental e o nosso projeto foi aceito e agora nós estamos então fazendo esse projeto, a parte do Observatório Nacional é a pesquisa geológica e de fontes de água e a nossa parte é escavar lagoas que hoje estão completamente assoreadas, retirar o material arqueológico e transformar aquilo de novo numa lagoa como reserva de água pra povoados que não tem água de jeito nenhum. Então, ver de que maneira nós podemos usar os recursos naturais para levar água limpa pra esses povoados e esse já tá em execução. Tem até uma pessoa aqui do Observatório Nacional nesse momento.
P/3 – Cooperativas, apicultura...
R – A apicultura nós introduzimos com recursos do Banco Interamericano e depois justamente nós distribuímos, não me lembro mais quantas famílias, as caixas, foram duas ou três mil caixas pra diferentes famílias que constituíram uma cooperativa. Aí começou a funcionar bem porque já tinha a casa de mel pra filtrar, pra embalar e pra tudo, mas o problema é que a seca começou a ficar cada vez mais forte também, a produção diminuiu e também agora tem uma mania que todos esses assentados começaram a roubar o mel, a roubar as caixas entende?
P/1 – Para consumo.
R – Aquela formação tradicional tá sendo alterada, hoje você já vê muita violência na cidade, você vê roubos, você vê uma série de coisas que não existia antigamente. Então realmente o mel caiu muito. Nós, com o apoio do Banco Interamericano, construímos uma oficina de cerâmica, que é perto da Pedra Furada. Essa oficina nós trouxemos um professor japonês, depois um italiano, ensinamos o pessoal local, depois passamos para uma firma, quer dizer, a nossa função não é explorar isso, a nossa função é instalar e tudo e passar pra alguém que queira fazer a parte de produção ou comercial porque isso não é a minha seara.
P/3 – E a senhora viu algum resultado, alguma coisa diferente?
R – A cerâmica hoje já tá exportando, quer dizer, hoje é uma fonte de trabalho pro pessoal da região. Já tá exportando, a Tok&Stok tem uma linha especial, quer dizer, você encontra na Tok&Stok do Brasil todo. Quer dizer, realmente é um sucesso né.
P/3 – E o comportamento das pessoas em relação o Parque, o que a senhora vê de diferente?
R – Aí que tá, temos que pensar que muita gente gosta do Parque porque tá dinheiro com ele, mas também gosta de caçar e quer caçar. É muito difícil, as pessoas, outro dia o IBAMA prendeu duas pessoas, um e um, e um, como chama? Ele é dono de uma firma, quer dizer, um empresário.
P/1 – Um empresário.
R – Um empresário que __________ cidade e o outro e um policial rodoviário federal, os dois caçando, e tinham acabado de matar uma fêmea de tatu que estava parindo, os bichinhos ainda estavam no cordão umbilical. Quer uma de __________ Que se você mata a fêmea daqui a pouco você não tem mais nada, ainda mais uma fêmea que tá parindo, então é muito difícil. Infelizmente eu acho que a decadência da escola brasileira se reflete na ética do povo brasileiro, eu acho que pra aproveitar o máximo que pode de tudo, que não se estabelece regras éticas. Então isso pra mim é um problema que a gente tá enfrentando hoje e esse, que a gente enfrenta aqui, enfrenta no Rio de Janeiro, está acontecendo, em São Paulo, está acontecendo por quê? Porque hoje a escola não dá às pessoas a formação de um cidadão e outra coisa, enquanto não houver punição, quando eu era pequena meus pais diziam, você não faz isso, se não você vai ficar de castigo, você vai apanhar. E a gente saía que isso ia acontecer. Hoje em dia não existe mais punição, os pais não conseguem segurar as crianças. Quando você vê jovens de boas famílias que saem por aí fazendo o que a gente tem visto, pra onde nós vamos? Então eu acho que é uma questão que nós temos que repensar a nossa formação, e sobretudo nós temos que pensar que se nós temos leis as leis, têm que ser aplicadas, __________. Não é porque é Fulano de tal, que é parente de não sei quem que pode fazer o que quer, e é isso que a gente vê por aqui. Assim que vai preso uma pessoa tem um político lá mandando soltar, por quê? Ta comprando voto né! E é isso que se pratica.
P/1 – A gente fica, o vínculo de São Raimundo Nonato ele mais assim, com Teresina, ou mais com Petrolina, Salvador, assim, qual que seria o vínculo mais cultural?
R – Cultural?
P/1 – É.
R – Eu acho que seria mais com Teresina, porque o Piauí e bem diferente da Bahia, Bahia é bem diferente. Pernambucano também é bem diferente. Eu acho que cada estado do nordeste tem suas características próprias.
P/1 – Qual que seria a característica do Piauí, que a senhora tenha percebido?
R – Característica do Piauí que eu tenha conhecido foi a de hoje já, quer dizer, eu acho que de hoje a gente tá caminhando pra uma globalização que não dá em nada entende? A característica do Piauí e justamente assim um povo que viveu muito dentro do seu mundo, não conhecia o mundo exterior, mas tinha pra eles um mundo muito bonito também. Um mundo muito difícil, porque várias vezes nós chegamos aqui depois de seca e eu me lembro de chegar na casa de pessoas que diziam: “Eu não posso oferecer nem água, porque nós não temos nem água”. Quer dizer, uma situação lamentável, e é isso que me choca. E que até hoje não houve um governante capaz de mudar isso, e éfácil mudar. Precisa simplesmente ter vontade, infelizmente o que parece é que eles gostam de ter uma população pobre e ignorante. Porque daí é fácil levar pra onde a gente quer. Parece que eles têm medo de uma população culta, uma população que tem trabalho, que é dono de seu nariz. E é isso que eu acho, eu acho um crime o que se comete com o povo nordestino, porque existem soluções, o México encontrou soluções, por que que a gente não pode encontrar?
P/ 1 – Deixa eu perguntar uma coisa pra senhora, se a senhora não quiser responder a senhora fique à vontade, o que nos trouxe até esse lado do pais foi a questão da transposição do Rio São Francisco, a gente registrar o modo de vida das pessoas que, aqui tá um pouco longe, mas assim, a senhora acha que pode impactar aqui na região de uma certa maneira a realização da transposição, pode piorar a situação?
R – Vai ficar tudo seco, porque eu já vi, por exemplo, aqui, a represa aqui de Sobradinho, quando passa alguns anos sem chover, ela fica, tá assoreando, porque fizeram a represa e não cuidaram das margens do rio, aqui o Rio Piauí corria, a cidade tinha dez lagoas, tá tudo assoreado, tá tudo seco. E o que acontece, o que eu não consigo entender é que nos anos 60 houve um projeto, se você olha pra França, por exemplo, você sai do Mar do Norte, você vai chegar até o Mar Vermelho através de canais, canais que levam águas, que regulam e que servem para transporte pesado. Ao invés de botar esses caminhões enormes estragando as estradas, por que que invés de fazer esses canaizinhos levando só água, da tal transposição, eles não fizeram aquele projeto que era unir todas as bacias brasileiras com canais que levassem, que desse pra levar pra transporte, que coubessem barcos, levaria água, por exemplo, há uns dois anos atrás quando deu grandes inundações na Europa, eu tava numa região da França onde choveu muito, a água começou a subir na cidade, ficar na altura da metade dos carros como acontece em São Paulo, umas quatro, cinco horas depois tava tudo solucionado, por quê? Porque tem as comportas, tem o sistema de canais, então você controla a inundação e você leva a água pra onde precisa. Esse projeto que eu vi, ele fazia, porque as bacias brasileiras na realidade são próximas umas das outras, então ligava por grandes canais, você ligava a bacia do Amazonas com a bacia do rio da Prata, depois você subia pelo Rio da Prata você ia subir até São Paulo, de São Paulo você passava pro São Francisco, do Rio São Francisco chegava aqui e daqui, através do Rio Parnaíba, você ia voltar para o Maranhão e a Bacia Amazônica. Quer dizer, você tinha toda esta circulação, inclusive tinha todo um sistema que fazia como raios que iriam dar em Brasília.
P/1 – Esse era um projeto da década de 60?
R – E, dos anos 60..
P/1 – Olha!
R – E daí não conseguiu passar por causa dos, do lobby dos caminhões, que acharam que daí os caminhões não iam ganhar dinheiro. Isso é bobagem, porque os caminhões iriam no porto pegar a carga e levar até o outro lugar e o transporte pesado, de cultivo, de material de construção, de cereais, sabe quanto pede de soja nesses caminhões pelo caminho? Tudo isto estaria resolvido e aí seria um grande projeto.
P/1 – E né.
R – O que ta se fazendo agora e um grande faz de conta, como tudo que se faz no nordeste e eu assino embaixo que vão continuar a passar sede do mesmo jeito. Você vai aqui na beira do São Francisco, você vai ver, a população ainda não tem água.
P/1 – É o que a gente tá vendo mesmo.
R – Entende?
P/1 – Mas a gente tava falando da questão da água, pra gente começar a encaminhar, o Parque tá num momento crítico, pelo que a senhora tava falando, no começo, dos funcionários...
R – A gente teve que mandar embora muitos funcionários, nós temos 28 guaritas, porque como é muito perigoso porque os vizinhos tem essa mania de queimar todo o ano e quando bate o vento, várias vezes o fogo entrou no Parque. Nós então fizemos guaritas a cada dez quilômetros no perímetro do Parque tem uma guarita e agora já faz seis anos que não entra o fogo dentro do parque, só que das 28, hoje nós temos 20 fechadas, por falta de pessoal. E se não chegar dinheiro esta semana, na próxima semana vão estar todas fechadas. E daí, é tudo propriedade da nação brasileira, não é meu, essas guaritas, vocês podem ver, todas elas tem o local pras moças que tão __________, tem quarto, banheiro, tem aquelas que são nos acessos públicos tem banheiro para os turistas, tem uma sala, tem cozinha, tem tudo isto, tudo mobiliado, tudo bem mantido, mas que estão fechadas, já arrombaram, entraram, roubaram fogão, quebraram móveis, fizeram já desgraças desse tipo. Quer dizer, é uma pena, por falta de manutenção o Brasil está perdendo tudo isso.
P/1 – Nossa. E daqui pra frente, quais são os desafios da arqueologia brasileira assim, aqui em São Raimundo Nonato e em outras localidades?
R – Olha, eu acho que seria poder contar uma história global, quer dizer, nós aqui poder contar como que o homem chegou aqui, mas daqui também houve em outros lugares né. Eu acho que seria interessante se um dia a gente pudesse repassar toda a pré-história do Brasil, quando que o homem chegou aqui, quando chegou em São Paulo, quando chegou lá no Rio Grande do Sul, no Amazônia. Mas pra isso precisa ter pesquisas regionais como nós temos aqui, quer dizer, atualmente, antigamente eu trabalhava a pesquisa só nos meses de férias, agora nós fazemos pesquisa o ano todo.
P/1 – E qual a expectativa pro futura da Serra da Capivara?
R – Olha, eu acho que seria tentar ganhar na Mega-Sena pra resolver nossos problemas viu? Só que tá muito difícil!
P/1 – Na acumulada de preferência.
R – Acumulada.
P/1 – Bem acumulada, aquela de 50 milhões já tá maravilha.
R – E ganhar sozinho.
P/1 – Deixa eu perguntar, pra gente ir, vamos caminhar pro final, mas assim, a senhora que fez ciências naturais, foi pra França, tornou-se no fim uma grande administradora, né?
R – Não, sou péssima de administração, detesto.
P/1 – Mas assim, a senhora imaginou que a senhora fosse conseguir realizar tudo isso assim?
R – Não, porque na realidade eu só comecei a pensar nisso quando o Governo Brasileiro pediu pra eu vir pra cá. Aí eu era uma pesquisadora, eu não tinha a mínima idéia de como organizar um Parque Nacional. Então o que eu fiz? Eu fui a Austrália, visitei o __________ que é o parque patrimônio da humanidade com pinturas, estive lá com colegas, vi os problemas como eles resolviam. Eu fui ao Japão, eu fui à Tailândia, entende? Eu fui a vários países, eu fui aos Estados Unidos, ao Canadá, eu fui ver os parques do deserto dos Estados Unidos, eu fui ao México. Eu conheço bem a ________ dos parques na Franca, conversei com colegas que trabalham nos parques da África e com tudo isso então eu consegui fazer uma síntese, você tá entendendo? Quer dizer, eu tive que aprender. E então, foi, quer dizer, isso foi muito bom, porque por exemplo, eu ia lá e eles diziam: “Nós fizemos isso, mas não deu certo por causa disso e disso”. Então isso evita você repetir erros, por isso que eu acho bom ir ver o que os outros fizeram.
P/2 – E pra, pra gente ir finalizando, o que que você achou de contar a sua história assim pra gente, um pouquinho da sua história?
P/1 – Da sua trajetória, qual a importância de ter deixado, a senhora já foi muito entrevistada, a gente sabe disso, já viu muita coisa.
R – Ah, eu espero que isso sirva pra alguma coisa, que pra vocês, que possa servir pra um jovem, que afinal eu acho que aquilo que eu sou eu devo ao povo brasileiro e ao povo francês que pagaram os meus estudos. E eu então procuro transmitir aquilo que eu aprendi também para contribuir para o desenvolvimento dos jovens de hoje.
P/1 – Tá jóia, ficou faltando a gente perguntar alguma coisa?
R – Acho que não, pergunte se os meus cachorros tão contentes.
P/1 – Eu queria agradecer demais a entrevista da senhora, a senhora ter passado parte da tarde aqui, deixado a sua história registrada, essa trajetória de luta!
R – Vocês vão querer ir na Pedra Furada ainda? Ah, não vai dar tempo mais!
P/1 – Acho que a gente vai amanhã.
R – Tá bom, daí só preciso avisar pra eles fazerem o espetáculo noturno.
P/1 – Pra gente, amanhã?
R – É, eu falo pra eles.
P/1 – Oba!
R – É só vocês dizerem que horas vocês vão que a gente.
P/1 – A gente vai passar o dia lá né, a gente vai cedo...
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