Projeto BTP Porto de Santos
Depoimento de Tatiana Cristina Crepaldi
Entrevistado por Jonas Samaúma e Ane Alves
São Paulo, 20/10/2020
PCSH_HV880
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Fernanda Regina
P/1 - Eu ia pedir pra você começar falando o seu nome, local e data de nascimento.
R - Tá. Meu nome é Tatiana Cristina Crepaldi, eu nasci dia 26/02/1981 em Bauru.
P/1 - E aí eu queria te perguntar, qual é a sua memória mais antiga, sua primeira lembrança que você lembra nessa vida?
[pausa]
R - Mais antiga?
P/1 - É, a primeira coisa que... Se quiser até fechar o olho pra ir caçar lá qual a primeira coisa que você lembra.
R - Do meu passado?
P/1 - Da sua vida.
R - Da minha vida? [pausa] Meu primeiro emprego?
P/1 - Seu primeiro? Não, mas criança, você não lembra?
R - Criança? Criança eu não tenho muitas coisas boas, mas...
P/1 - Mas nem tudo são flores, né?
R - É, não tenho muitas recordações boas.
P/2 - Lembranças na casa que você morava quando era criança?
R - Hm.
P/1 - A gente vai chegar lá, você sabe alguma coisa então dos seus avós? Você conheceu eles?
R - Sim, conheço sim.
P/1 - Qual é a história dos seus avós, o que você sabe?
R - Ah, por parte do meu pai foi muito boa a convivência com eles, muito boa. Eu passei, tipo assim, a maior parte da minha infância com eles, porque a gente morava em sitio, então eu passei minha maior parte com eles. Ai de um tempo pra cá, eu ficava mais na casa da minha mãe.
P/1 - Aí você passou, você disse, com os seus avós por parte de mãe ou de pai?
R - De pai, por parte do meu pai.
P/1 - Qual era o nome deles?
R - Isaura e Sebastião.
P/1 - E eles nasceram onde?
R – Jacuba, e minha vó... minha vó eu não lembro.
P/1 - Jacuba é onde?
R - Perto de Bauru.
P/1 - Perto de Bauru, são de lá mesmo, né?
R - São, de lá mesmo.
P/1 - E aí você nasceu... E aí... E eles... Você sabe alguma coisa da história deles, como eles se conheceram, como que eles (pararam?).
R - Hm, não, não. Porque quando eu fui.... Quando eu fiquei mais velha, eu não tive muito mais contato com eles. Eu ia lá apenas pra ver, mas nunca também tocamos nesse assunto.
P/1 - Mas na infância você tinha?
R - Na infância eu tinha contato com eles.
P/1 - O que você lembra deles assim, de você pequenininha?
R - Nossa, eles eram muito bons pra mim.
P/1 - Era bom como?
R - Ah, eu ia na casa deles e fazia o que eu queria, o que eu não fazia na casa da minha mãe eu fazia na casa da minha vó. Nossa, amava pegar a roupa das minhas tias e vestir, nossa, amava. Vestia, sabe? Ela saia pra trabalhar e eu podia mexer no guarda-roupa delas, nossa, amava. Passava a minha tarde brincando disso e elas nem ligavam.
P/1 - Nossa. E aí você brincava de se vestir com a roupa delas?
R - Com a roupa das minhas tias.
P/1 - E o que mais você gostava de fazer?
R - Ah, eu gostava... Quando a minha vó pegava o dinheiro do meu vô pra dar pra mim (risos) e dar pro meu irmão, pra gente comprar as coisas. Nossa, amava. Às vezes eu até faltava na escola pra ficar na casa da minha vó.
P/1 - É mesmo?
R - Verdade. Nossa, amava.
P/1 - E porque você acha que você gostava tanto dela?
R - Porque o que eu tinha na casa da minha vó eu não tinha ficando na casa da minha mãe, e meu pai como trabalhava o dia inteiro, então a gente não tinha muito contato, então quando ela deixava eu ir lá, o que eu não podia fazer na casa dela eu fazia na casa da minha vó.
P/1 - Mas aí você ia na casa da sua avó era de fim de semana?
R - Às vezes eu ficava uma semana lá, quando ela deixava, aí ficava uma semana... porque minha mãe ela tipo assim, ela sempre foi uma pessoa muito doente também, e a maior parte, assim, da minha infância que eu lembro, ela vivia internada.
P/1 - Ah. Qual que é o nome da sua mãe?
R - Rita da Cassia.
P/1 - Rita. E aí ela era doente como?
R - Ela teve problema nos rins, ela era instrumentadora de centro cirúrgico, então ela trabalhava tipo assim, 12 por 36, uma noite sim e uma noite não. Então de dia quando ela estava em casa... então ela só trabalhava, e no outro... E ela só dormia a noite. E aí tipo assim, ela foi ficando uma mulher muito doente, muito doente. Então a parte da vida dela assim, foi maioria no hospital. Então quando ela ficava no hospital, eu ficava na minha vó.
P/1 - Nossa. Mas eu não entendi, ela tinha... Era a mesma doença que ela (operava?)?
R - Olha, ele teve problema nos rins, depois ela teve uma lesão no joelho, trabalhando ela foi descer a guia do hospital mesmo, de base de lá, e ela lesou o minisculo da perna, ela nunca mais teve a movimentação da perna, então ela passou por muitas cirurgias. muitas cirurgias, tanto é que hoje ela faz tratamento em um dos hospitais das clinicas de São Paulo.
P/1 - E você ia visitar ela no hospital?
R - Eu ia.
P/1 - E ela, você sabe alguma coisinha da história dela?
R - Da minha mãe?
P/1 - É.
R - Sei.
P/1 - Você pode contar?
R - Ah, a minha mãe... Tipo assim, ela é uma pessoa, ela foi uma pessoa, pra mim, muito rancorosa, sabe? Eu não tive muito contato com a minha mãe, tipo assim, a minha mãe ela me fez muito de empregada dela. Então eu não tenho muita coisa boa pra falar dela.
P/1 - Não, mas você pode falar o que você sentir, não precisa ser só coisa boa.
R - Nossa, ela pra mim... Eu não considero mãe.
P/1 - Arram, por que ela pedia era pra você estar fazendo as coisas?
R - Meu deus do céu, nossa. Eu não tinha vida, eu não tive infância. Eu não tive amigos. Não tive.
P/1 - Mas era... O que ela... Ela te botava era para trabalhar?
R - Pra trabalhar. Dentro de casa. Dentro de casa, tipo assim, eu não podia sair, era da escola, eu não podia atrasar um minuto da escola. Se eu atrasava ela já me batia. Chegava em casa eu tinha que limpar a casa, se ela pegasse um fio de cabelo no chão, ela fazia eu limpar toda a casa de novo.
P/1 - É mesmo?
R - Verdade.
P/1 - E você tinha irmãos?
R - Tinha irmãos. Eu tenho um irmão mais velho e tenho a minha irmã do meio, que é adotada.
P/1 - Pela sua mãe.
R - Pela minha mãe e pelo meu pai.
P/1 - E ela tratava assim também?
R - Não. Não. Não, era só eu.
P/1 - Só você?
R - Só eu. Às vezes eu falando ninguém acredita, mas era só eu.
P/1 - É mesmo? As outras... O seu irmão mais velho não trabalhava?
R - Meu irmão... Não. Não, meu irmão mais velho não, imagina. Era o xodó e minha irmã, por ser adotada, era o xodó dela. Dela e do meu pai também. E o meu pai sempre me tratou muito bem, mas como eu falei, ele sempre trabalhou muito fora, ele levantava as quatro da manhã e chegava em casa oito horas da noite.
P/1 - Ele fazia o que, o seu pai?
R - Meu pai ele trabalhava na Coca-Cola.
P/1 - Ele era o que da Coca-Cola?
R - Ele era encarregado de produção.
P/1 - E aí ele trabalhava o dia todinho?
R - Todinho. Eu lembro dele, que ele, tipo assim, quando ele não ia de carro, ele tinha que ir até no centro a pé para poder pegar o ônibus da firma, porque na época não tinha ônibus lá em Bauru, que hoje fala que é corujão. Então não tinha, aí ele levantava, ele ia a pé até pegar o ônibus pra firma, porque era longe a firma de onde a gente morava.
P/1 - E quando você acordava, você encontrava com ele ou ele já estava trabalhando?
R - Não, estava trabalhando. Estava trabalhando.
P/1 - Você acordava que horas?
R - Eu acordava pra ir pra escola às seis horas.
P/1 - Seis horas. E você começou a ir na escola com quantos anos?
R - Desde o pré... Não, desde o parquinho.
P/1 - Desde o parquinho. E essa coisa dela te botar para trabalhar assim, também foi...
R - Foi a partir dos meus 13 anos.
P/1 - Mas antes disso...
R - Antes disso eu ficava com a minha vó. Eu ficava mais com a minha vó. Ai antes disso, ela deixava. Eu ficava na minha avó, sabe. Mas ela tipo assim, ela nunca, assim... Eu nunca senti um amor de mãe dela, nem antes dos 13 anos. Nunca, sabe? Nunca, nem antes. Então eu ficava mais na minha avó, quando ela deixava, nossa, eu ia pra minha avó e fazia a festa.
P/1 - Mas essa coisa de bater ela sempre teve, mesmo muito nova, como você (teve?).
R - Nossa, muito nova.
P/1 - E seu pai, ele achava, era...
R - Tipo assim, eu acho que ela dominava, né? Ela dominava ele, não sei, meu pai sempre foi muito bom, nossa. Vocês não têm noção.
P/1 - É mesmo? Qual é a memória boa que você tem com o seu pai?
R - Tudo.
P/1 - Tudo?
R - Tudo. Ele era a minha vida. [choro] Hoje ele faleceu, faz quatro anos que ele faleceu, e ele era a minha vida. Ele era um pai pra toda hora. "Pai, tô precisando disso", não importava a hora, ele estava lá.
P/1 - Olha, que bonito. Você lembra de algum momento que você precisou dele e ele estava lá?
R - Nossa, eram todos. Todos. Quando eu tive meus filhos, ele era o primeiro a estar no hospital. Nossa, ele era meu tudo. "Pai, eu preciso disso", porque eu fugi da minha casa aos 18 anos, quando eu mais precisei dele eu falei "Pai, eu tô passando necessidade", ele... Ele era o único que estava ali comigo. Nunca me deixou faltar nada, nada nada nada. Independente, ele nunca me deixou faltar nada. Ele, nossa...
P/1 - E o que você sente que ele... Na sua educação assim, de casa mesmo, o que você sente, qual é a principal coisa que ele passou pra você?
R - Hoje, o que eu sou eu devo a ele. Tudo que eu... Tipo assim, é uma pena, eu não aproveitei tudo, porque eu acho que ele poderia ter me dado mais antes de eu ter ido embora, ele poderia ter me dado mais, hoje eu poderia estar tipo igual ao meu irmão, hoje o meu irmão é formado numa faculdade, só que eu acho que eu não aguentei a minha mãe e eu fui embora sem olha pra trás. E hoje eu poderia ter tido mais do que ele poderia ter me oferecido. E eu não... Tipo assim, eu nunca também fui de aproveitar, mas ele era, o meu pai, era pra toda obra. Ele, nossa, ele foi meu pai mesmo.
P/1 - E essa situação assim com a sua mãe, voce já tentou alguma época conversar com ele?
R - (Fico?)... Sobre ela?
P/1 - É, pra ele te ajudar.
R - Tipo assim, ele, ela largou dele. Depois que eu fui embora de casa, ela se separou dele. Ela se separou dele, ele até casou com outra mulher, até bem mais nova, no começo eu não aceitei, aliás, eu acho que eu nunca aceitei a relação dele e dela, nunca aceitei. Aí ele ficou doente, mas tipo assim, eu também nunca conversei sabe porque, ele era uma pessoa muito fechada, muito fechada, sabe?
[pausa]
R - Ele era um homem muito fechado, sabe? Mas era uma pessoa muito querida por muita gente, muita gente.
P/1 - A gente vai chegar nesse ponto aí que você comentou, mas lá na infância, então, você podia me contar um pouquinho mais de como era a escola também, você fala que você ia pra escola às seis da manhã, né?
R - Ah, era o meu lugar onde eu ficava livre dela (risos).
P/1 - Dela?
R - Dela.
P/1 - E aí, o que você mais gostava na escola?
R - Nossa, eu gostava de tudo. Tinha muitos amigos na escola, nossa, tudo. Professores, sempre gostaram muito de mim. Nunca tive reclamação.
P/1 - Quais eram as aulas que mais te intrigavam?
R - Que eu gostava?
P/1 - É.
R - Era ciência e química.
P/1 - É mesmo? Ciência e química?
R - Verdade.
P/1 - Teve algum dia específico na sua escola que você lembra até hoje que foi especial pra você?
R - Foi o dia que eu fiz o meu primeiro teatro (risos). Verdade, eu fiz meu primeiro teatro.
P/1 - Ah, é? E você era o que no teatro?
R - Vixe, eu não lembro. Mas foi ainda no dia da minha formatura, do pré ainda, eu fiz o teatro. Nossa, eu adorava estar em cima dos palcos, nossa. Adorava dançar, nossa, me achava (risos). Verdade, eu me achava.
P/1 - E essa coisa do teatro continuou depois do pré ou parou ali?
R - Não, parou ali. Parou ali porque as vezes eu queria participar de alguma coisa e ela não deixava, então ficou ali, sabe?
P/1 - Ah, a sua mãe depois ela não deixou você participar de mais nada?
R - Não, não deixava. Tipo assim, vamos supor, teve algum evento na escola, mas teria que ser em tal horário, não dava pra eu ir em tal horário, ela não deixava, teria que ser tudo no horário de escola.
P/1 - Mas teve algum momento específico que você sentiu que ela começou a implicar com você? Ou foi...
R - Não sei, acho... Não sei. Só sei que a implicância era comigo, era muito comigo. Gente, minha mãe escondia as coisas pra eu não comer. Ela trancava no guarda-roupa. Hoje eu falo, eu... Ela escondia bolacha, as coisas, hoje eu falo, na minha casa eu tenho tudo e eu não tenho vontade, e eu ainda tinha uma vontade que, nossa... E eu não podia. E não pense que ela era mal de vida não, meu pai e ela não eram não. Eles tinham um bom emprego, tinha casa própria.
P/1 - E os seus irmãos comiam as coisas?
R - Comiam. Olha, pra eu comer bolacha (risos), a minha irmã fingia que levava de lanche, eu levava ela até no ponto de ônibus, ela me dava a bolacha pra eu comer. Verdade. Até esses tempos atras eu estava comentando com ela sobre isso. Ela "Nossa, Tata, é verdade".
P/1 - Nossa, ela nem disfarçava assim, só...
R - Não, ela não me dava. Não.
P/1 - O que mais você lembra, além dessa coisa de esconder a comida?
R - Dela?
P/1 - É.
R - Dela... O que mais que eu lembro... Ah, eu lembro que não podia levar amigos pra casa, porque uma vez eu levei uma amiga, depois que ela foi embora eu levei uma surra. Não podia. Ah, eu lembro... Nossa, ela já fez muita maldade pra mim.
P/1 - E você tinha que trabalhar todo dia?
R - Na minha casa?
P/1 - É.
R - Todo dia. Todo dia. Eu chegava, filho, já ia arrumando quarto, lavava banheiro, ela me fazia lavar quintal todo dia, debaixo de chuva, não interessava, era todo dia, todo dia.
P/1 - Mesmo assim você tinha tempo de brincar ainda?
R - Brincava com a minha irmã.
P/1 - Só com a sua irmã.
R - Só com a minha irmã. E com meu irmão também, com meu irmão brincava, brincava bastante. E as vezes quando ela ia trabalhar, aí eu e meus irmãos nós fugíamos um pouquinho pra rua.
P/1 - E aí brincava na rua.
R - E aí nós brincávamos na rua.
P/1 - Como é que era... Era qual bairro ali?
R - Onde eu morava?
P/1 - É.
R - Era... Lá era Bauru 16.
P/1 - Bauru. E você pode contar um pouquinho pra mim como era o lugar, era natureza, era cidade?
R - Então, quando eu fui morar lá, lá era a casa... Como que fala? De Cohab. É tipo esses prédios de... Como que chama? Ah, que é (percurso?), eles dão agora? Era tipo isso, só que era a casa da Cohab. Aí era um lugar gostoso, pelo menos na rua que eu morava eu gostava. E tipo assim, começou sem nada, aí meu pai construiu uma casa grande e bonita para ela, era gostoso. Eu gostava dos vizinhos, era gostoso.
P/1 - Os vizinhos eles se falavam, assim?
R - Sim, sim. Ela não, minha mãe não, minha mãe sempre foi na dela. Eu não, eu já sempre fui dada, sempre gostei de conversar.
P/1 - Você tinha amigos na vizinhança?
R - Vixe, com todo mundo. Até hoje. Quando eu morava lá em Bauru, no mercado, eles iam no mercado para me ver. Porque eu comecei a trabalhar no mercado do mesmo bairro.
P/1 - No mercado ali de Bauru.
R - É, no mesmo bairro.
P/1 - E com quantos anos isso?
R - Que eu comecei a trabalhar lá?
P/1 -É.
R - Faz nove anos. eu trabalhei lá há nove anos, pedi conta faz nove anos, de lá, pra vir pra cá.
P/1 - Mas a nove anos... Você está com quantos anos hoje?
R - Hoje eu tô com 39.
P/1 - Ah não, mas o seu primeiro trabalho foi onde?
R - O meu primeiro emprego foi num posto de gasolina, que era restaurante, no Graal de lá.
P/1 - Lá de Bauru.
R - Sim. Aí quando eu comecei a trabalhar lá, ela foi lá depois de três meses, ela foi lá e pediu minha conta. Ela falou para o... Como que ele chamava? Eu não lembro. Que eu não precisava disso, ela falou, fez eu pedir minha conta, mas ela descobriu que eu estava namorando, por isso que ela fez isso.
P/1 - Você estava namorando alguém de lá?
R - De lá.
P/1 - Como é que você arranjou esse emprego lá?
R - Lá? Eu fui entregar currículo. Aí eu entreguei e já me chamaram, só que daí eu trabalhava das dez da noite às sete da manhã, e de dia ela não me deixava dormir. Eu chegava, eu dormia tipo assim, umas duas ou três horas, aí ela me chamava pra eu fazer serviço, tipo assim, ela queria me cansar para eu desistir do serviço, e eu não desisti. Eu consegui três meses. Aí ela foi lá e... O nome do dono do posto é Zé Carlos, ela foi lá e pediu minha conta.
P/1 - Vixe, ela não deixava nem você dormir?
R - Não deixava, não. Gente, eu conto, tem gente que não acredita, mas quem foi meu vizinho, que morou perto, sabe da minha história. Os meus parentes sabem da minha história.
P/2 - Quantos anos você tinha nessa época?
R - Quando eu trabalhei no Graal? 18. 18 anos.
P/1 - E a escola você foi até onde?
R - Até o segundo, completo.
P/1 - Até o segundo.
R - Até o segundo.
P/1 - Mas quando começou a pegar assim, na história da sua mãe, porque... Teve algum motivo que você não foi passar mais tempo com a sua avó, assim?
R - 13 anos. Teve um dia que eu fui, eu fiquei uma semana na casa da minha avó, que eu me lembro muito bem. E aí ela chegou do serviço e foi lá na casa da minha vó me buscar. E ela falou para minha avó que a minha irmã estava com saudade de mim, estava até doente, que eu tinha que ir embora. Depois disso ela nunca mais deixou eu ficar na casa da minha vó, nunca mais.
P/1 - Nunca mais. E aí você queria ir e ela não deixava você ir.
R - Não, era só de domingo com ela ou com meu pai, só. Ou em festa de família, só. Do resto ela não deixava mais, nunca mais. Nunca mais eu dormi na casa da minha vó.
P/1 - Nossa. E aí você começou a trabalhar lá no Graal e você trabalhava das dez da noite às sete horas da manhã. E você fazia o que lá?
R - Eu era balconista.
P/1 - Balconista. E aí como é que foi, quem era essa pessoa que você começou a namorar lá?
R - Era o pai da minha primeira filha, foi... Eu fugi pra ficar com ele.
P/1 - Você fugiu pra ficar com ele?
R - Eu fugi porque quando ele foi na minha casa, se apresentar para o meu pai e para minha mãe, ele foi com a mãe dele e tudo. Quando a minha mãe viu ele, conversou com ele na maior falsidade, depois ele foi embora ela falou assim: "Jamais eu vou permitir que você namore um preto e pobre". Falou. Minha mãe chegou até a me internar, vocês têm noção que a minha mãe me internou?
P/1 - Sério?
R - Na época foi feito boletim de ocorrência, porque tipo assim, ela falou para todo mundo que eu tinha ido embora da cidade e era mentira. Eu escrevi para ele, falei "Eu não fui embora, eu tô aqui". Ele foi na delegacia, prestou um boletim de ocorrência. Aí na época eu nem aguentei, eu descobri onde ele mora, ele falou "não, vem embora", eu peguei minhas coisas e fui embora, abandonei tudo, tudo, tudo. Deixei roupa, deixei tudo, fui embora. Eu cheguei um caminho, gente, que eu nem sabia. Eu achei um senhor no caminho, que era do Bauru 16 até o Santa Cândida era mato, passava por linha de trem, era matagal fechado mesmo. No caminho eu encontrei um senhor com uma bicicleta, ele falou: "Você precisa de ajuda?", eu falei: "Eu preciso, eu preciso chegar no Santa Cândida". Ele falou assim: "Não, vamos que eu te ajudo". Aí ele me ajudou a chegar até numa pracinha, aí eu falei: "Moço, eu preciso achar uma senhora que chama Cícera". Aí ele falou assim: "Eu vou dar um jeito, eu vou achar". Ele achou ela e ela foi até mim na época.
P/2 - Cícera?
R - É, a mãe do meu ex.
P/1 - E aí você foi?
R - Aí eu fiquei morando com eles.
P/1 - Com eles. Não, mas conta... Você disse que ela tinha te internado.
R - Me internou.
P/1 - Antes de você fugir?
R - Antes de eu fugir. Ela falou que eu estava louca porque eu queria namorar com um preto e pobre (risos). Só que quando ela me internou, a gente passa pelo psiquiatra, né? Lá, internado. O psiquiatra quer saber o que aconteceu, porque você tá internada. Eu expliquei. Ela falou assim: "Filha, quem tá louca é a sua mãe. Quem precisa ser internada é a sua mãe". Aí ela descobriu todas essas histórias, que a psiquiatra também chamou ela, ai ela me tirou e falou assim: "Quem tá louca é a sua... É essa psiquiatra"... Psicóloga, uma das duas. Falou. Me tirou, me manteve em casa, trancada. Eu apanhei até com uma corrente de cachorro, porque a primeira tentativa de fuga eu não consegui (risos). Ela descobriu, ela me bateu com uma corrente de cachorro. Aí na segunda vez eu consegui fugir, eu fui embora.
P/1 - Nossa.
R - Gente, a minha mãe é muito ruim. Hoje ela é uma pessoa totalmente debilitada, sabe? Só que eu falo pra vocês, eu não tenho magoa nenhuma dela.
P/1 - Mas como é que foi esse momento... Quando que você decidiu fugir, falar assim "não, vou fugir daqui".
R - Quando?
P/1 - É.
R - Quando eu não aguentei mais ficar ali, eu não aguentava mais. Não, não aguentava mais. Falei "Ah, eu vou embora", gente, nossa.
P/1 - Mas foi depois dessa internação.
R - Foi, foi depois. Porque daí até minhas tias foram em casa, porque ela deu, tipo, parte que eu sumi, só que as irmãs do meu pai foram lá, só que ela não me deixava falar com as minhas tias em particular, ela não deixava. Só que a minha tia já tinha entendido tudo que estava acontecendo. Só que eu não sei, todo mundo parece que abaixava a cabeça pra ela, sabe? Ninguém me ajudava a sair daquela situação, tinha medo ou não queria se meter, entendeu? Aí teve uma vez, eu já tentei fugir duas vezes, a primeira eu não consegui, a segunda eu fui embora. Fui embora.
P/2 - E o seu pai morava com vocês?
R - Meu pai morava comigo ainda. Meu pai morava.
P/2 - E ele não...
R - Só que era assim, meu pai acoitava tudo que ela falava. Tudo que ela falava.
P/1 - Ele concordava?
R - É, tipo assim, ele passou a concordar com ela, na época ele passou a concordar com ela. Só que depois que eu fui embora, eu sei que ele ficou doente, ela ficou doente, eu fui visitar ela no hospital porque uma vizinha da minha rua ali foi lá na minha casa e falou: "Tati, a sua mãe tá muito doente, depois que você foi embora", porque ela já tinha problema, "a sua mãe tá muito doente, tá acontecendo isso, isso e isso", aí eu peguei e fui no hospital.
P/1 - Mas conta um pouco da sua primeira fuga, a primeira você tentou fugir por que que não deu certo?
R - Porque ela pegou (risos). Não deu, o portão vivia trancado. E eu acho que a minha irmã me delatou na época. Porque eu tentei fugir assim por trás do carro, e o meu pai tinha uma caminhonete, e eu tentei fugir eu não consegui, na hora que eu fui ver o portão estava trancado, e ela pegou. Eu apanhei. Nossa, eu apanhei muito.
P/1 - E aí depois você esperou quanto tempo pra tentar fazer a segunda vez?
R - Vixe, não demorou muito não. Não demorou muito não.
P/1 - Mas depois que ela pegou a primeira, ela chegou até a piorar o tratamento, a forma?
R - Não, piorava. Ai eu também, aí eu fiz greve de fome, eu não... Nem banho eu tomei, acho que eu fiquei uns oito dias sem tomar banho e sem comer também.
P/1 - Caramba.
R - É verdade. Gente, eu passei muita coisa, por isso que eu falo, a minha vida não tem nada de... De...
P/1 - Arram. E aí como foi que você conseguiu fugir a segunda vez?
R - O portão estava aberto, eu fingi que fui tratar dos cachorros lá fora, aproveitei e fui embora. Na hora que viu eu não estava mais. Aí eu fiquei um bom tempo sem saber deles, fui embora. Peguei o caminho, que eu falei, que era mato, fui embora. Subi um negócio assim muito alto e fui embora.
P/2 - E aí você ficou morando na casa da sua sogra?
R - Fiquei. Fiquei.
P/2 - Ficou morando lá por muito tempo?
R - Dois anos.
P/1 - Como é que era o tempo, o período.
R - Que eu morei com ela?
P/1 - É.
R - Ah, não era ruim não, era bom. Não era ruim não. Ele que era... Tipo assim, criança, sabe? Tipo assim, acho que nós dois éramos crianças, sabe? Eu não entendia nada. Eu não sabia nem rua, nada, nada. Ele muito menos.
P/1 - Mas aí sua mãe e seu pai não foram atrás de você lá?
R - Não. Não, não. Eu fui atrás dela porque eu fiquei sabendo que ela estava doente. Eu fui atrás dela porque eu fiquei sabendo que ela estava doente.
P/1 - E ela tinha o que?
R - Ela tinha problemas de rins, de intestino, sabe? Ela tinha um problema, gente, que parece... Tipo assim, ela gritava de dor, eu sempre chamava uma tia minha pra levar ela, porque meu pai... Nessa época, o meu pai viajava, o meu pai, ele saiu da Coca porque a Coca de Bauru faliu, e ele comprou um caminhão e foi trabalhar com o meu irmão numa transportadora. Então ele viajava, ele passava dois, três dias, uma semana fora. Aí eu descobri que ela ficou doente. Aí eu fui no hospital. Aí eu falei... Tipo assim, eu pedi perdão numa coisa que, sei lá, nem sei porque eu pedi perdão, quem tinha que me pedir era ela, mas eu... Sabe, sei lá eu... Eu pedi perdão, tudo, aí nós voltamos a nos falar, tudo, eu comecei cuidar dela, porque ela ficou muito mal, que ela ficava... Tipo assim, ela ficava doente, ela gritava, quando ela ia pro hospital, gente, ela chegava a vomitar fezes. Ela vomitava fezes. O problema...
P/1 - Vomitar fezes?
R - Fezes. O problema dela no intestino era muito grave. Eu falo, hoje ela é uma pessoa totalmente debilitada.
P/1 - Mas e aí você que ficou cuidando dela?
R - Eu cuidei dela. Eu cuidei dela.
P/2 - Mas você voltou a morar lá?
R - Não, voltei a morar não. Cuidava dela.
[pausa]
P/1 - Aí essa... Quando você foi visitar ela, era depois de quanto tempo mais ou menos que você já estava morando lá no seu marido da época.
R - Ah, uns seis, sete meses.
P/1 - Uns sete meses só?
R - É.
P/1 - Não foi muito.
R - Não.
P/1 - E aí você ficou cuidando dela direto?
R - É, eu cuidava dela. É, eu cuidava dela. Tipo, porque quando saia do hospital, a gente tem que cuidar, né? Tipo, uma água, dar banho. E a minha irmã na época ela era pequena ainda. Então eu sempre saia de casa, ia lá, cuidava dela. Nossa, mas ela sempre foi muito ingrata (risos).
P/1 - E você... Mas ai você ainda ficava morando com o seu...
R - Eu estava morando lá. Eu jamais voltaria pra minha casa, jamais.
P/1 - E ela ficava tranquila?
R - Não, aí ela estava tranquila, ai ela estava tranquila. Só que tipo assim, o meu irmão ficou com muita raiva de mim, ele não podia me ver dentro de casa. Então eu ia lá quando ele não estava também, por causa da situação ele ficou com muita raiva de mim.
P/1 - Mas por que?
R - Porque ele diz... Na época, ele disse que eu abandonei. Entendeu? Então eu ia lá quando ele não estava. Só que daí, eu engravidei. Eu fiquei grávida da minha primeira menina. Hoje ela tá com 20 anos... Não, 19 anos.
P/1 - E você tinha?
R - Aí, tipo assim, a minha mãe me ajudou a comprar o enxoval dela inteiro, inteiro. A minha mãe pagou até o parto da minha filha. Tudo. Só que eu não tinha contato com o meu pai também, porque o meu pai ficou muito magoado, por eu ter ido embora e não ter falado com ele. Até então eu entendia. Então, quando eu ia lá e levava a minha menina pra ela ver, nossa, ela se encantou pela minha menina, e o meu pai não conhecia. Aí eu tive uma tia minha que veio de Batatais para Bauru, e ela foi na minha casa. Aí ela falou assim: "Não, Tati, eu vou levar ela para o seu pai ver", e eu com medo, né? Falei: "Não, tia, ele não vai...", disse que foi amor à primeira vista. Foi amor à primeira vista. Aí eu comecei a frequentar normal a casa da minha mãe.
P/1 - Por causa da sua filha, né?
R - Por causa da minha filha.
P/1 - E aí o seu pai, você fez o laço quando?
R - Que eu voltei a falar com o meu pai?
P/1 - É.
R - Quando ele viu a minha menina. Ai a minha menina teve um... Ela tinha, o médico disse que ela tinha um problema nas pernas. E ela precisava de um aparelho, a minha mãe até comprou esse aparelho, na época ela pagou muito caro, só que causou uma infecção intestinal nela também. Aí ela chorava dia e noite, dia e noite. Meu pai ficou sabendo e pagou uma consulta para ela. Foi onde que eu comecei a conversar com meu pai. Aí ela ficou internada, sabe, na época minha menina, aí foi onde que eu conversei, voltei a conversar com o meu pai e voltei a ficar... Aí eu frequentava a casa da minha mãe normal. Normal.
P/1 - E você já estava trabalhando?
R - Não. Aí minha mãe falava... Não, mentira. Aí eu arrumei um emprego no Paulistão, era um supermercado lá. Tipo assim, eles estavam inaugurando, eu entreguei currículo, no que eu entreguei currículo já me chamaram. E aí eu comecei a trabalhar. Só que eu não tinha quem ficava com a minha menina, porque a minha ex-sogra já não morava mais em casa, ela tinha a casa dela. Então eu comecei a trabalhar. Aí eu deixava a Thalia na casa da minha mãe. Aí o que eu fazia, eu deixava lá, mas era... Eu tipo assim, era... O caminho era grande, Era... Igual eu falei, tinha que passar mato, linha de trem, até um riozinho que tinha, então ficava perigoso. Então o que eu fazia, eu deixava a Thalia lá, nas minhas folgas eu pegava ela, porque mercado é todos os dias, só tinha uma folga na semana. Aí nas minhas folgas eu pegava ela. Aí nas minhas folgas eu ia pegar ela, tudo bem. Passou um tempo, eu ia pegar ela, ela já não queria mais. Aí minha mãe falou assim: "Arruma uma creche pra essa menina, porque eu não aguento mais ficar com ela". Eu falei: "Tá bom", e toda vez me atormentava, "Arruma uma creche pra essa menina, porque eu não vou ficar mais com ela", e eu "Tá bom". Arrumei uma creche. Quando eu fui pegar a menina para pôr numa creche, ela não deixou. Ela falou assim: "Não, você não vai tirar a menina daqui. Você e seus irmãos nunca foram criados na creche, por que ela vai?", sabe, não deixava. Aí nas minhas folgas eu ia pegar ela, ela já não queria vir mais. Eu levava ela embora comigo, à noite dava febre nela, vomitava, eu tinha que ligar para o meu pai, "Pai, a Thalia tá passando mal", sabe? Ela já não foi querendo mais ficar comigo, porque eu acho que a minha mãe induzia ela a não querer ficar comigo, só que isso vai atrapalhando meu casamento também. Porque ele falava assim: “Por que ela vai ficar na sua mãe e não vai ficar aqui?". Ai ele tipo assim "Ah, você vai ter que sair do serviço", só que eu falava assim: "Como que eu vou sair do serviço sendo que nós dois não estamos dando conta de sustentar eu e você?" e nisso, ainda meu pai ajudava. Ai nisso a Thalia não queria vir mais, sabe, aí ele pegou, foi acabando o meu casamento, porque tipo assim a minha mãe já não deixava a menina querer... Ir comigo mais, sabe? Foi tomando conta da menina, não deixava, aí ele pegou e falou assim: "Olha, Tatiana, segue seu caminho que eu vou voltar para casa da minha mãe" e me colocou para fora, só que quando ele me colocou pra fora, eu não sabia nada, porque eu nunca morei sozinha.
P/1 - Ele te colocou?
R - É, ele me colocou pra fora, ele falou assim: "Você pega suas coisas e sai fora", porque a casa era da mãe dele, não era minha.
P/1 - Nossa, mas ele falou assim, tipo amanhã?
R - É, tipo assim, arruma um lugar e eu quero que você vá embora. Eu falava assim: "Nossa, mas por que?", ainda eu tentava argumentar, "mas porque você vai fazer isso?", "Ah, não dá mais, eu não quero mais". Eu até entendia, assim, que era por causa da menina e não era por causa da menina, porque se ele gostasse de mim ele ia enfrentar as coisas comigo, só que não. Aí ele falava assim: "Não, eu não quero mais, eu quero voltar para casa da minha mãe", porque ela tinha duas casas, "eu quero voltar para minha mãe, eu não quero mais ficar com você, eu quero a minha mãe", e eu falava: "Nossa, mas por que?", e ele: "Não, porque não dá mais". Aí eu falei assim: "Então tá bom". Aí o que eu fiz, no mercado onde eu trabalhava tinha um menino que o pai dele tinha quitinete, aí ele até alugou a quitinete para mim, foi onde eu fui morar sozinha pela minha primeira vez. Na época eu pagava 350 de aluguel e eu ganhava 400 e pouquinho (risos), porque eu era balconista, naquela época o pagamento era muito pouco.
P/2 - E a sua filha ficou morando com a sua mãe?
R - Minha filha ficou morando com a minha mãe. Aí, tá, tudo bem. Aí quando... Eu até liguei para minha mãe, eu falei assim: "Mãe eu não sei morar sozinha, deixa eu voltar", ela falou assim: "Não. Na minha casa você não volta mais, você lembra quando você fugiu? Eu prometi que dentro da minha casa você nunca mais ia morar", e ela nunca mais deixa, aí eu comecei a morar sozinha, me virar sozinha.
P/1 - Mas e ai... E você tentava, tentou em algum momento levar a sua filha com você?
R - Levava. Oh, levava, mas ela não queria.
P/1 - Ela não queria? A sua filha não queria?
R - Não, não. Pequena, ela já ficava doente. Ela não queria. Não queria. Aí foi ficando. Aí o que minha mãe fez, levou ela embora de cidade. Minha mãe foi embora com ela pra Batatais, sem a minha autorização.
P/1 - Meu Deus.
R - Levou. E quando eu fui pra ver minha filha, ela quase me expulsou de casa, de lá de Batatais.
P/1 - É mesmo? Você foi lá e aí...
R - E eu mandava as coisas pra minha filha, pelo correio, porque as minhas tias são de lá, eu mandava sandália, eu mandava de duas a três sandálias, eu mandava roupa, mandava de tudo para minha menina, sabe? E hoje, ela sempre falou pra minha menina que eu nunca dava nada.
P/1 - Eita.
R - Verdade.
P/1 - Porque as coisas que você mandava ela não entregava?
R - Não, entregava. Só que como a Thalia era pequenininha, sabe? Mas hoje ela fala, minha filha fala até hoje, na minha cara, que eu nunca fiz nada por ela. Nem, ela fala assim pra mim: "Nem uma festa de aniversário você nunca me deu", eu já falei assim: "como não, Thalia? Eu tenho as provas, eu tenho fotos, olha as fotos aqui. É só você ver as fotos que eu tenho com você".
P/1 - Nossa. E como era morar sozinha, como é que foi? Você nunca tinha morado sozinha, como é que foi a experiência de estar morando sozinha?
R - Ah, era gostoso, eu conheci minha liberdade, gente, de verdade. Morava sozinha, olha, eu saia sexta, sábado e domingo (risos). Foi o que eu fiquei acho que livre de tudo. Aí ele tentou voltar comigo, aí eu não quis mais. Falei "Não". Ele foi lá na porta do mercado, "Vamos voltar, por favor", eu falei: "Não. Não volto. Não, eu conheci minha liberdade, não quero mais voltar não".
P/1 - E aí você saia sexta, sábado e domingo pra onde?
R - Ah, eu ia pro sertanejo, porque eu amava. Nossa, eu ia com minhas amigas do mercado para o Sertanejo, nossa, amava.
P/1 - E era um sertanejo que era no bairro mesmo?
R - Não, era lá no Rastro do Cowboy. Que lá era o negócio de sertanejo. Ah, eu adorava sair com as minhas amigas, nossa. Ir do serviço, as vezes tomar uma cervejinha, que na época eu tomava, comecei até a tomar uma cervejinha, com as minhas amigas, nós ficávamos conversando, não tinha nem hora pra chegar em casa. Nossa, era muito bom.
P/1 - E essas amigas eram amigas que você tinha da onde?
R - Do mercado mesmo. Tem uma que até hoje, até hoje. Nossa, era como se fosse minha irmã. Até hoje ela me manda mensagem, tá, só que hoje ela mora em Andradina. Ela "Nossa, Tati, que saudade". Nossa, é, foi minha amigona mesmo.
P/1 - E aí você disse também que é católica, né?
R - Sou.
P/1 - E aí você lembra de alguma memória relacionada a isso, a igreja?
R - Lembro, eu ia, eu ia. Fiz catecismo, tudo. E aí eu começava... Eu queria ir na igreja de domingo, a minha mãe também não deixava, eu ir na igreja dia de domingo. Que ela falava que eu ia na igreja atrás de homem, de macho. Minha mãe falava isso e nem idade pra isso eu tinha. Verdade, falava. Não ia. Assim, sabe, tudo ela colocava um objetivo, "Não, você não vai por causa disso", e eram coisas que eu nem entendia, nem entendia.
P/1 - E aí depois que você foi morar sozinha você começou a frequentar um pouco a igreja.
R - Não, eu ia. Eu ia. Eu sempre fui. Sempre fui.
P/1 - E aí como é que seguiu? Então você ficou morando sozinha, trabalhando lá no mercado, sua mãe com a sua filha.
R - Com a minha filha, foi embora com a minha menina.
P/1 - E aí como é que seguiu a sua vida?
R - Aí eu peguei, comecei a namorar, engravidei.
P/1 - Engravidou.
R - Engravidei. Da minha filha hoje, da Stephanie, de 16 anos. É meu maior tesouro.
P/1 - E aí quem foi seu marido?
R - O Leandro.
P/1 - Leandro. E aí você juntou com ele?
R - Juntei também, juntei.
P/1 - Na quitinete.
R - Na quitinete. Só que na época também, ele era muito criança, sei lá. Na época a gente era muito descabeçado. Ele não trabalhava, sabe? A mãe dele, tipo assim, ela que me ajudava também, a mãe dele. Eu tenho amizade com ela até hoje, a dona Irene. É um amor de pessoa, nossa.
P/1 - E como foi a chegada dessa nova criança?
R - No começo, tipo assim, eu não quis, eu não quis ela. É verdade, não quis. Não queria, sabe, porque acho que foi uma coisa de momento, sabe? Então eu não queria ela. Eu acho que por ser dele, porque acho que... Acho que eu nunca gostei dele também, sabe? O que a gente tinha era amizade, nunca...
P/1 - Aí engravidou, assim, acidente?
R - É. da minha menina.
P/1 - E aí... Mas aí você casou com ele logo em seguida?
R - É, a gente se juntou.
P/1 - Grávida.
R – É, a gente se juntou.
P/1 - E aí depois que ela nasce, alguma coisa mudou?
R - Tipo, por ele?
P/1 - É... Não... É, por ele e na sua estrutura de vida também, né, porque você estava morando...
R - É, porque aí eu comecei a trabalhar por ela, né? Eu comecei a trabalhar por ela.
P/1 - E o dinheiro que você ganhava, dava?
R - Dava, eu tinha ajuda do meu pai, né? Aí eu comecei a trabalhar, ele comecou a trabalhar também. Não, dava, pagava minha quitinete. Aí eu já tinha também subido de cargo no mercado, aí eu virei operadora. Então já...
P/1 - Ah, você subiu de cargo.
R - Eu subi.
P/1 - Como é que foi isso?
R - Ah, foi... Nossa, eu nem acreditava, né? Eu fiz prova, tudo, passei na prova e já me chamaram, já queriam antes que eu fosse operadora, eu que não queria, porque eu sempre tinha medo. Aí eu fiz a prova, passei e fui operadora até quase agora, ano passado.
P/1 - Até que... Isso aí que você tá contando, que nasceu essa filha,16 anos atrás, né?
R - 16 anos atrás.
P/2 - Em Bauru.
R - Em Bauru.
P/1 - E como que você mudou para Santos?
R - Eu vim por ele. Pelo...
P/1 - Como assim? Por que... Mas aí você ainda estava... Ele que é o pai?
R - Não.
P/1 - Não.
R - Não.
P/1 - Então você ainda estava casada lá com o Leandro.
R - é, eu vim pra Santos faz um ano. Faz um ano e um pouquinho que eu tô aqui, foi há pouco tempo, é de agora.
P/1 - Não, mas continuando nessa infância, assim, tem mais alguma coisa que é importante você contar que aconteceu? Depois você virou operadora.
R - Virei operadora.
P/1 - E aí estava criando essa criança né, aí ela estudava onde?
R - Ela estudou... Na creche, ela ficou na creche, ela ficava na creche desde os quatro meses, uma creche muito boa. Na época foi muito difícil eu conseguir a vaguinha dela lá, quando eu fui pedir até para o prefeito da cidade, ele não me cedeu a vaga, aí tinha um senhor que estava do meu lado, ele falou assim: "Olha, você vai nessa creche Antônio Pereira, lá você vai conseguir a vaga dela", nossa, foi a melhor coisa da minha vida. Aí meus outros filhos também, todos estudaram lá. Maravilhosa. Minha filha praticamente foi...
P/1 - Ah, você teve outros filhos.
R - Eu tenho, mais dois (risos). Mais dois.
P/1 - Com o...
R - Não (risos). Com outro.
P/1 - _______ (00:40:22:00). Aí você ficou quanto tempo com o Leandro?
R - Com o Leandro? Acho que eu fiquei uns dois anos e meio.
P/1 - Dois anos e meio. E aí o que fez dar o...
R - Ele me traiu (risos).
P/1 - Ele te traiu?
R - Me traiu. Com a... Uma moça do mercado.
P/1 - Que você conhecia?
R - Conhecia, ela frequentava minha casa, ela pegava minha filha no colo. Conhecia.
P/1 - Nossa. E como foi que você descobriu?
R - Eu descobri porque avisaram pra mim que... Mentira, ele começou a trabalhar no mercado, ele subiu de cargo. Ele virou encarregado de frios. E lá tem a Expor, e nesse dia da Expor teve um evento lá. Ele... Eu cheguei do serviço, ele falou assim: "Ah, eu vou estar te esperando, vem logo". Eu cheguei do serviço, ele não estava mais em casa. Aí eu peguei, tomei banho, aí ele falou assim: “Ah, eu tô aqui, mas só pode entrar gente que é do mercado, que é encarregado do mercado". Só que como eu não sou boba, nada, falei não, tem alguma coisa errada aí. Eu fui atrás dele. Aí chegando lá, eu vi ele com essa (Meire?), até então, né? Tudo bem, era só gente grande do mercado que estava lá, só que daí... E outra, ele sempre falava mal dela para mim. Aí, essa gorda, aquela toiça, que não sei o quê, não sei o quê, sabe? Sempre falava mal. Aí teve uma vez que falaram pra mim que ele estava lá no Rastro do cowboy com ela. Que ele estava... Ele falou que estava trabalhando e ele não estava, ele estava lá com ela. Eu fui lá peguei, ah, eu fui lá e peguei. Peguei. Até então eu não fiz nada, eu virei minhas costas e vim embora.
P/1 - Mas ele viu você lá?
R - Ele me viu, ele me viu, eu coloquei as coisas dele pra fora... Me viu, me viu, eu contei pra mãe dele, sabe? Até a mãe dele falou que na época não podia fazer nada, sabe? Passou os panos.
P/1 - Mas ele negou na hora que viu você?
R - Não, ele não negou, ele não negou. Ele não negou. Ele não negou, ele falava que queria ficar comigo e não sabia o que tinha acontecido, eu falei "Não, comigo não. Comigo não". Aí ele pegou e foi morar com ela.
P/1 - Nossa.
R - Foi, foi morar com você.
P/1 - Foi morar com ela... E aí você que botou ele pra fora?
R - Coloquei, a casa... Eu não morava mais na quitinete, eu morava numa casa. Eu tinha alugado uma casa, a gente morava numa casa. Ele pegou e ele foi morar com ela na época.
P/1 - Nossa. E você ficou bem, ficou triste, como é que foi?
R - Ah, eu fiquei triste. Porque tipo assim, eu não tinha aquele amor por ele, mas eu fiquei triste porque... Sabe, eu penso assim, gente, eu trabalho o dia inteiro pra ajudar a pessoa em casa, eu não entendo como uma pessoa tem coragem de fazer isso com a outra. Eu, sabe? Até hoje eu não... Isso daí não entra na minha cabeça. Sabe, não entra. Aí eu peguei e fiquei triste, mas ao mesmo tempo, por eu não gostar dele, não sentir o amor por ele, vida que seguiu.
P/2 - E como os seus filhos reagiram a separação?
R - A minha filha. Ela era pequenininha, ela era. Ela era pitiquinha, ela tinha dois anos.
P/1 - E como era a relação de você com a sua filha? Você tratava ela igual sua mãe te tratava?
R - Não... Olha, eu não vou mentir, chegou um tempo na vida da minha filha que eu estava sentindo que eu tratava ela igual minha mãe me tratava. De verdade. Eu falava não, tinha horas que eu me olhava assim, eu falava "Não, gente, eu tô agindo igual a Rita de Cassia, eu não posso", sabe? Teve uma época da minha vida que sim.
P/1 - É mesmo?
R - Verdade.
P/1 - Quando ela tinha mais ou menos que tamanho?
R - A idade? Uns nove anos.
P/1 - Nove anos.
R - Uns nove anos.
P/1 - E o que você fez que fez você achar que estava tratando ela igual a sua mãe?
R - Palavras. Palavras. A minha mãe sempre me chamava de vagabunda, mesmo eu limpando a casa ela sempre me chamava de vagabunda, sabe? De umas palavras duras mesmo, sabe, sempre me batia, com agressão, e teve uma época que eu comecei também, eu fiz isso com a minha filha. Hoje eu até converso com ela sobre isso, sabe? Mas teve uma época que eu cheguei sim, a agredir ela com palavras, sabe? Não sei se era o estresse do dia a dia, mas acho que uma coisa não justifica a outra.
P/1 - E você colocava ela também pra estar fazendo serviço?
R - Não, ela sempre me ajudou. Nossa, eu... Gente, nossa, vai chegar numas coisas aí que vocês vão falar "nossa".
P/1 - E aí quando você percebeu que você estava, assim, reproduzindo sua mãe, você mudou, você fez alguma coisa?
R - Não, sempre tentei mudar, sempre, sempre. Sempre. Só que eu, eu sou uma pessoa vamos... Hoje, eu me sinto uma pessoa muito, meio amarga, assim, sabe? Acho que tudo que eu passei, eu me tornei uma pessoa meio amarga.
P/1 - Mas você teve algum momento doce com a sua filha?
R - Ai, muitos. Muitos. Nossa, ela é o meu tesouro, muitos. Muitos. Nossa, nós sempre fomos de sair, nossa. Sempre onde eu vou ela vai, nossa.
P/1 - Podia me falar algum só pra... Muitos, mas me fala uns dois.
R - Ah, a gente sempre foi em cinema, em festas, nossa, ela sempre foi comigo. Coisas muito boas.
P/1 - Arram. E aí o seu trabalho lá no mercado continuava?
R - No Paulistão? Sim. Sim.
P/1 - Sim. Você nunca teve dificuldade financeira, assim?
R - Já. Já, já sim. Mas eu sempre dava uma volta por cima. Igual, quando eu trabalhava no Paulistão, eu fazia bico a noite no Canto da Terra, que era uma casa sertaneja também. Então eu saia do serviço, a hora que dava umas dez horas eu ia para lá. Aí eu trabalhava até quatro horas da manhã, que eu acho que era o horário que acabava. Aí eu ia, descansava um pouquinho, tomava banho e voltava a trabalhar no mercado. Eu já fiz isso já. Então tipo assim, a gente nunca... Passar fome assim, não, porque eu também as vezes tinha o meu pai, eu recorria a ele quando eu precisava.
P/1 - Nesse período... Como que foi, nesse período que você disse que descobriu que seu pai era seu tesouro, né?
R - Nossa. Não, mas ele sempre foi. Nossa, ele sempre foi. Ele foi o primeiro que me ensinou a andar de bicicleta, nossa, ele...
P/1 - Ah, ele te ensinou a andar de bicicleta?
R - Nossa, foi ele. Foi ele. Tudo foi ele, ele foi pai e mãe para mim.
P/1 - E aí nessa fase adulta como é que ele foi o... Como é que ele te apoiou depois dessa primeira... Dessa segunda separação?
R - Tipo assim, ele já estava casado né?
P/1 - O seu pai? Ah, que ele...
R - Não, a minha mãe, minha mãe abandonou ele, se separou. E ele conheceu outra mulher, a Renata. Então ele estava casado... Tipo assim, só que daí ela já não deixava ele ter muito contato comigo, com os meus irmãos, sabe?
P/1 - A sua... A nova mulher dele?
R - A nova mulher dele. Tanto é que ela é... Ela era bem mais nova que ele.
P/1 - E aí a sua... E a sua filha, a sua primeira filha?
R - Ficou com a minha mãe.
P/1 - Mas você ainda via... Aí você não via mais?
R - Não via porque minha mãe foi embora.
P/1 - E aí você nem viajava pra ver ela?
R - Eu fui umas duas vezes. Só que eu fui muito mal recebida por ela, e aí eu não voltei mais. Eu falava com ela pelo celular, ou eu tipo, mandava carta e mandava as coisas, que eu mandava por Sedex.
P/1 - E aí como que seguiu, você... Quem foram seus... Aí você teve outros casos amorosos?
R - Tive. Aí eu larguei do Leandro, aí eu conheci o pai dos meus dois filhos, da Julia e do Enzo, a Julia tem 12 e o Enzo tem 10.
P/1 - Você conhece onde?
R - O Willer?
P/1 - É.
R - Eu conheci ele por uma amiga minha. Por uma amiga. Ela ia sair, aí ela falou: “Ai, Tati, o meu namorado tem um amigo, vamos sair?", aí eu peguei e fui. Aí eu topei de sair. Aí eu conheci... Aí ele foi na minha casa, me buscar, aí eu sai. Foi onde que a gente ficou junto. 12 anos da minha vida também.
P/1 - Ficou, daquele dia, 12 anos.
R - 12 anos.
P/1 - E aí, o que você lembra, o que foi bom, o que foi ruim desse casamento?
R - Dele, que foi bom? Só os meus filhos. Só meus filhos.
P/1 - Sério? Só, a única coisa boa foram os filhos?
R - Só meus filhos.
P/1 - Eita. E o que foi ruim?
R - Olha, ele... Ele trabalhava na época... Porque tipo assim, o primeiro mês, dois meses, é tudo uma maravilha, né? Até nascer o primeiro filho. Aí já vem as mudanças, porque tipo assim, eu vivia pelos meus filhos. Aí tipo assim, aí começaram a agressões, começou a agressão dele, sabe?
P/1 - Começou como? A primeira agressão, como é que foi a primeira?
R - Por causa da minha filha. A primeira agressão dele foi porque, por causa de um computador. Ele foi mexer no computador, a minha filha, a Júlia, filha dele, ela estava com... Quatro anos? Quatro anos. Dois... Não, três, quatro anos. E ela foi mexer no computador. Aí, filho, pra que, nossa, ele saiu correndo atras dessa menina, essa menina veio atras de mim, e ele querendo bater nela, eu falei: "Você não vai bater nela", filho, ele me bateu tanto, tanto, ele me jogou rasgada na rua. Rasgada na rua. Aí nisso, eu liguei no mercado, eu falei assim: "Tais", que era minha fiscal na época, que foi... Era outro mercado, falei: "Tais, eu não vou poder ir porque o Willer quer bater na minha filha", aí ele falou assim: "Não, você pode ir trabalhar, só que na hora que você chegar ela vai estar morta, porque eu vou matar ela". Nisso, o meu gerente, que era o gerente da onde eu trabalhava, ele foi lá na minha casa. Ele foi lá na minha casa, ele falou assim: "Ou você dá um jeito nessa situação ou eu vou entrar e eu vou matar ele".
P/1 - Nossa.
R - Verdade.
P/1 - O seu gerente falou isso até na porta?
R - Falou pela porta, porque ele não entrou dentro de casa. Só que nisso, ele já veio me dando problemas, ele foi preso.
P/1 - Foi preso?
R - Foi preso. Ficou... Porque assim, quando... Vamos voltar um pouquinho lá atras. Quando eu sai do Paulistão, porque eu trabalhei no Paulistão oito anos, só que chegou uma época da minha vida que eu falei "Não dá mais", não era o que eu queria mais para mim. Aí eles me mandaram embora. Peguei meu acerto, na época foi um bom acerto, eu comprei um carrinho de lanche e comprei uma moto. Aí a gente foi trabalhar com lanche lá na frente de uma boate que chamava ... [pausa] Aí, era uma boate gay, eu não lembro o nome, era gostoso até trabalhar lá, mas eu não lembro o nome. Nós fomos trabalhar lá. Tipo assim, nós aprendemos a fazer lanche e fomos pra lá trabalhar, então nós íamos toda noite. Só não ia acho que dois dias, que não funcionava. Só que daí, eu peguei e falei para ele, falei assim: "Willer, eu não aguento mais ficar trabalhando à noite inteira, eu quero outro serviço". Aí eu entreguei currículo no mercado, me chamou, que foi o Confiança, eu entrei lá como operadora. Aí eu entrava lá quatro e meia e saia às dez.
P/1 - O que a operadora faz?
R - Operadora de caixa. É. Aí, tá, eu comecei a trabalhar e ele começou a (traficar?) no lanche sozinho. Tipo assim, o que ele ganhava à noite era o que ele colocava em casa de dia. Só que daí eu comecei a perceber umas mentiras dele. Ele falava que estava em tal lugar, ele não estava. Teve uma vez... Aí eu fiquei sabendo que estava tendo roubo de carro lá, lá... Ah, o nome da boate era Labirintos. Estava tendo roubo de carro. Eu falei: "Você não tá envolvido nisso", ele: "Não, é o Fulano que tá, não sei o que", eu falei: "Willer, eu não quero mais ver você andando com esse menino, ele vai te colocar em encrenca", ele: "Não, que não sei o quê". Aí teve uma vez que ele chegou em casa, eu falei assim: "Onde você estava?", ele: "Eu estava em tal lugar". Eu falei assim: "para de mentir, você estava na casa do fulano", ele: "não estava", e eu falei: "você estava". Aí eu peguei o celular e liguei pro fulano, eu falei assim: "O Willer tá aí ainda?", ele falou assim: "Não, acabou de ir embora", nisso filho, ele pegou o celular, nossa, ele destruiu o celular. Aí ele veio com as agressões dele, aí ele veio com as agressões dele. Aí nisso, tá, passou. Aí eu ia trabalhar no mercado...
P/1 - O seu celular que ele destruiu?
R – É, destruiu o meu celular, porque eu liguei pro menino. Eu falei assim: "Eu quero saber, o Willer tá aí ainda?", ele falou assim: “Não, o Willer acabou de ir embora", como que o Willer acabou de ir embora, ele falou que não estava lá? Ai, tá. Aí ele pegou... Tá, continuou trabalhando. Teve uma vez, ela pegou, foi trabalhar e estava um tempo de chuva, eu fui dormir até mais cedo, eu e as crianças fomos dormir mais cedo, porque nesse dia eu ia entrar sete e meia no mercado, eu ia entrar no mercado da manhã. Ele me ligou e falou assim: "Amor, põe a sua calça do serviço pra dentro porque vai chover, então recolhe o seu uniforme", eu falei: "Tá bom". Peguei, levantei, recolhi, ele estava lá na Labirinto trabalhando. Daqui a pouco, a hora que foi umas duas horas, me ligou um taxista que ficava lá também, o nome dele era Dejair. Me ligou e falou assim: "Tati, eu preciso ir na sua casa conversar uma coisa urgente", aí eu falei assim: "aqui em casa, uma hora dessa?", falei: "Não", ele: "Não, Tati, é uma coisa séria", eu falei: "Não, mas é tarde, eu tô sozinha, o Willer não tá aí?", "Então, Tati, é sobre o Willer". Aí ele pegou e foi, e eu com o maior medo. Ele falou: "Ai, Tati, eu tenho uma coisa muito triste para te contar", para mim o carrinho tinha pegado fogo, alguma coisa tinha acontecido. Ele falou assim: "Tati", ele no lado de fora né, que eu não abri o portão, e o portão era bem alto e era um corredor muito escuro, e eu morrendo de medo, ele falou assim: "Olha, Tati, sinto muito te falar, mas o Willer foi preso", eu: "Preso?", ele: “É, o Willer foi preso por tráfico de drogas", eu falei: “Aí, eu não acredito", "Foi". Olha, eu juro pra você, meu mundo caiu.
P/1 - Você não sabia que ele...
R - Meu mundo caiu. Só que assim, você, você não sabe, só que todo mundo ao seu redor, "Você sabe". Todo mundo achava que eu sabia, e eu não sabia. Aí ele me levou... Eu me troquei, peguei minhas crianças, fui lá na delegacia. Lá ele falava assim pra mim: "Pelo amor de Deus. Pelo amor de Deus, não conta pra minha mãe, me perdoa, me perdoa", eu falei assim: "Olha o que você fez", ele: "Não, pelo amor de Deus". Aí, filho, eu tive que contratar advogado, aí ele foi... Ele preso com um papelotinho assim, dentro do carrinho de lanche, só que ele estava com outros caras. Então deu associação ao tráfico. Só sei que ele ficou lá um ano... Ele pegou um ano... Dois anos e pouquinho e ele cumpriu um ano e oito. E eu tô... Todo final de semana eu levava (jumbo?) pra ele. Sabe, as vezes tirava da boca dos meus filhos para levar para ele. É, eu ia de sábado, quando não ia de sábado.... Tipo assim, eu voltava do serviço para levar (jumbo?) para ele, para levar comida para ele dentro da cadeia. Aí, filho, saiu, saiu pior. Lá dentro da cadeia, ele prometia mundos e fundos.
P/1 - Como é que era a cadeia?
R - Nossa, é horrível, gente. É horrível. Olha, eu falo, é um lugar que eu não desejo nem pro meu pior inimigo, se um dia eu tiver. Não desejo. É triste.
P/2 - Era lá em Bauru?
R - Lá em Bauru. Não, era... Olha, primeiro ele foi pra... Pra um negócio fechado lá que eles falam, que eles ficam lá de resguardo. Quando eu vi ele a primeira vez, gente, eu chorei tanto na minha vida, tanto na minha vida, ele tinha sido comido até por percevejo, porque eles ficam no isolamento onde não tem banheiro, não tem nada, é percevejo que come a pessoa, sabe? Gente, ele estava num estado crítico, crítico. É horrível, horrível.
P/1 - Ele estava comendo percevejo?
R - Percevejo, sabe? Que come a pele. Os percevejos estavam comendo ele, comeu ele, sabe? Mordeu ele enquanto ele estava nessa reclusão, que fala.
P/1 - Reclusão?
R - Reclusão.
P/1 - Que era como uma solitária?
R - Isso, isso.
P/1 - E porque ele foi parar na solitária?
R - Porque todos os... Todos os... Qualquer pessoa que vai preso, antes de ir pra uma penitenciaria, fica lá. Qualquer pessoa, qualquer um, qualquer um, independente do que você fez.
P/1 - Arram.
R - Você fica lá.
P/1 - Quanto tempo que ele ficava lá?
R - Ele... Nesse negócio? Ele ficou lá umas duas semanas.
P/1 - E aí depois, e depois, que mais que você podia contar desse, da cadeia, que ele te contava, como era?
R - Não, ele não contava não, eu via mesmo.
P/1 - Ah, você via mesmo.
R - Eu via mesmo.
P/1 - O que você viu?
R - Aí quando ele foi pra penitenciária, aí eu tive que arrumar umas papeladas, porque você tem que provar endereço, que você tem residência fixa, tem que provar um monte de coisa. Você tem que fazer até exame pra entrar dentro da cadeia, até exame. Tudo, tudo, você faz tudo. Quando eu entrei pela primeira vez, eu não conheci ele. Ele estava com a cabeça raspada igual bandido mesmo, sabe? Igual como se ele fosse bandido mesmo. É horrível.
P/1 - E ele, você sentia que ele ia mudando também, a personalidade, assim?
R - Olha, gente, dentro da cadeia ele ficava lendo Bíblia, me prometia mundos e fundos quando ele saísse de lá, só que, olha, ele saiu a pessoa pior do mundo.
P/1 - O que ele te prometia?
R - Me prometia casamento, prometia... Nossa, me prometeu muitas coisas, muitas coisas. Uma vida melhor, que nunca mais ia fazer isso, que foi uma burrice. Aí ele falava assim, que ele vendia droga por causa da gente, falei: "Não, por causa da gente não, porque eu nunca vi dinheiro de droga dentro da minha casa, porque se você fosse um bom vendedor de droga", falei pra ele, "era pra gente estar rico, não pra gente estar na situação que a gente estava". Eu falei pra ele, falei, não, falei: "E outra, você não precisava disso. Você nunca precisou disso, a gente, eu sempre trabalhei, você trabalhava, nunca a gente precisou disso". Só sei que ele ficou, eu fiquei um ano e oiro meses, foi quando ele ganhou a liberdade dele. E quando ele foi preso, eu já estava grávida do meu menino, de três meses.
P/1 - Nossa.
R - Olha, eu dormia na porta de cadeia para poder entrar, porque é uma fila enorme, gente, vocês têm que chegar lá umas 8 horas, montar barraca e ficar lá, com um monte de mulher, pra poder entrar. Senhora, um monte de gente. Na hora que da cinco horas da manhã, você já tem que ir pra fila. É horrível, horrível. Aí você passa por revista, comida é tudo revistada. Gente é... Às vezes você vê senhorinha passando humilhação, sabe? É triste, triste demais. Pessoas que você vê que não era pra estar ali e estão.
P/1 - E você ia toda semana?
R - Toda semana, não faltava uma.
P/1 - Mesmo quando sua barriga foi crescendo?
R - Mesmo quando minha barriga foi crescendo. Eu ia, nossa, eu ia. Eu ia.
P/1 - E você levava sua filha, pra poder ver?
R - Não. Eu levei uma vez, levei a Stephanie e levei a Julia. Nossa, elas... Elas se agarraram nele, não queria soltar ele, nossa. "Não, pai, vamos embora, vamos embora", e eu não levei mais. Levei uma vez. Criança passa por revisão também, tudo, tudo, tudo.
P/1 - E aí como foi nascer essa outra criança?
R - O meu menino? Eu trabalhava no Confiança, igual eu te falei. Aí eu... Quem me levou pra maternidade foi uma amiga minha do mercado. Porque eu também não tive apoio da mãe dele, do pai dele, de ninguém. Não tive. Nunca, nem uma família dele, família dele nunca quis ver ele, não quiseram. Não passava por humilhação, nada, nunca ninguém quis. Os que sempre estiveram do meu lado foram sempre os meus amigos. Eu tive muitos amigos. Aí foi onde eu ganhei meu menino.
P/1 - Os seus amigos. E o seu pai?
R - Meu pai estava viajando, aí quando ele chegou de viagem que ele ficou sabendo, foi o primeiro que pegou meu filho no colo, tanto é que meu menino tem até o sobrenome dele, é Enzo João.
P/1 - E aí depois... E aí como é que foi sua vida depois que nasce, que você estava sozinha, né?
R - Sozinha, continuei sozinha.
P/1 - E aí como é que você... Deixava a criança, com quem você deixava a criança?
R - Pra eu ir trabalhar?
P/1 - É.
R - Aí eu não trabalhei mais. Por que, eu comecei a receber um auxilio, auxilio... Como é que chama? É um auxilio que...
P/1 - Maternidade?
R - Não, é um auxilio que o preso recebe. Tipo assim, quando eu procurei um advogado... Eles falaram, o advogado falou, que eu não tinha direito, é o auxílio reclusão que chama. Ele falou que eu não tinha direito. Então eu procurei um advogado particular. Ia fazer um ano que ele tinha abandonado o serviço dele, o antigo, pra trabalhar com lanche. Eu consegui, dentro da maternidade o meu advogado falou assim: "Tati, você acabou de conseguir o seu auxilio", eu pegava mil e um pouquinho. Então eu pedi a conta do Confiança. Tipo assim, como eu não tinha com quem deixar meus filhos, eu tipo assim, eu falei "Não, então eu não vou trabalhar, eu vou viver com o auxílio". Aí eu comecei a viver com o auxílio. E como eu pagava aluguel, eu era sozinha, aí eu comecei a trabalhar na creche ondes meus filhos ficavam também, eu ganhava dez reais por dia. Cuidando das crianças da creche.
P/1 - Ah, e aí você...
R - Eu comecei a trabalhar mesmo assim, trabalhando na creche que meus filhos ficavam.
P/1 - E como é que era esse trabalho na creche?
R - Ai, era gostoso. Nossa, as crianças gostavam de mim. Aí, as professoras então, nem se fala. Nossa. E aí eu estava perto dos meus filhos e estava com outras crianças também.
P/1 - E isso, o que você sentiu, deu uma dissolvida nesse maridão, o que ajudou, assim, você sentiu que ajudou alguma coisa a creche, estar em contato com tanta criança?
R - Ah, é gostoso, é totalmente diferente. Só que eu ganhava muito pouco, aí foi quando ele também saiu da cadeia, aí eu falei "não"... Aí parou de pagar o auxílio, parou, então eu precisava trabalhar.
P/1 - Mas nesse período, você ainda visitava ele, logo depois que nasce?
R - Visita, visita. Só que daí, quando o meu pai foi levar ele pra registrar o menino, ele foi transferido pra Pirajuí. Quando eu cheguei lá, gente, ele já estava saindo com esses carros de preso pra Pirajuí, eu não consegui pegar ele. Aí pra entrar em Piraju é outra burocracia, na cadeia de lá. Aí é mais exames, você tem que provar, nossa, lá é até pior para entrar, até pior. Aí meu pai que me levou, foi ele que me levou.
P/1 - E aí... Nossa, e aí você visitava toda... Continuou visitando lá em Pirajuí?
R - Continuei visitando.
P/1 - E aí ele ficou mais quanto tempo lá?
R - Lá acho que ele ficou mais uns oito meses, uns oito meses dele.
P/1 - E aí quando você visitava, você ficava um dia lá, você dormia na cadeia?
R - Não. Eu entrava... Lá tem horário pra entrar e pra sair. Você entrou tal hora, acho que é até quatro horas, você tem que sair. Deu quatro horas, se você não sair, você... Parece que eles recebem castigo lá dentro e você recebe também castigo de não poder ter visita.
P/1 - E você ainda via que ele estava sendo castigado, essas coisas, você percebia?
R - Sim, até no dia que teve a audiência dele, nossa, gente, é triste, você ver... Ele amarrado assim com um monte de preso, sabe? Eu fui no fórum, eu vi. Ele descer, ele e um monte de preso um amarrado no outro, nossa, é triste. Você fica lá o dia inteiro sem tomar água, eles não podem tomar água, não podem ir no banheiro, nada, até ter a audiência. Aí eu fiquei... Aí eu cheguei na prisão eu falei assim: "Nossa, você vai embora amanhã, né?" ele: "Nossa, você ficou sabendo da minha condenação, né?", eu falei: "Você foi condenado?", ele: "Eu fui". E o que estava vendendo coisas grande mesmo, foi solto. Ele foi condenado.
P/1 - Ele foi condenado?
R - Foi. Ele foi condenado, acho que a dois anos e dois meses ele pegou. E o que vendia mesmo...
P/1 - Foi solto?
R - Foi solto. Foi.
P/1 – Por que?
R - Foi solto.
P/1 - Você sabe?
R - Ele conseguiu provar que ele não estava vendendo. Ele foi solto. Verdade.
P/1 - Nossa. Ele tinha acesso a visita intima, você podia fazer visita intima com ele?
R - Na cadeia pode. Pode, no meio de todo mundo. Tipo assim, as camas são assim, tudo assim. Eles, antes de ter a visita, de qualquer pessoa, eles têm que tomar banho três horas da manhã, tem que deixar a cela limpinha. Aí eles colocam um monte de... Como que fala? Cortina. Não é cortina, é lençol. Todo mundo faz um monte de amarração e fica lá dentro das camas com a sua família. Com a comida que leva, com tudo. Criança, tudo, tudo, tudo no meio de todo mundo.
P/1 - Caramba.
R - Tudo. Gente, é triste. É triste.
P/1 - E aí ele ficou mais dois anos mesmo?
R - Dois anos... Não, ele cumpriu um ano e oito.
P/1 - Um ano e oito.
R - Um ano e oito. Ele saia pra... Como é que fala? Pra saidinha? Ele saia com a tornozeleira no pé, já tinha a tornozeleira.
P/1 - E nisso ele... Essa gravidez era o primeiro filho dele, né?
P/2 - O segundo.
R - O segundo.
P/1 - Dele?
R - É, o primeiro foi a Juju.
P/1 - E aí quando ele saiu, como foi?
R - Quando ele saiu, gente, eu fui buscar ele na rodoviária, eu fui sozinha. Nossa, ele parecia um cão sem dono. Porque tipo assim... Sabe quando você sai desesperado? Nossa, ele saiu assim meio atordoado, sabe? Ele saiu outra pessoa, gente. Saiu, nossa, um monstro mesmo. Saiu pior. Nossa, pior do que entrou. Pior.
P/1 - Mas você diz de machucado?
R - Han?
P/1 - Você diz de machucado? Ou você diz pior de caráter?
R - De tudo. De tudo.
P/1 - Como é que foi assim o primeiro mês com ele depois que ele saiu?
R - Nossa, ele... Ele se tornou uma pessoa violenta, tudo ele queria bater nos meus filhos, tudo, tudo. E eu tipo assim, eu sempre passei a mão. Tipo assim, passar a mão assim, eu não deixava, porque ele pegava meus filhos, ele machucava meus filhos. E eu não deixava. Sabe, ele se tornou agressivo. Aí ele começou a trabalhar de servente de pedreiro com o pai dele. Começou a trabalhar de servente, aí eu entreguei currículo, porque eu trabalhava na creche, entreguei currículo no polo... Do Panelão. Aí eu comecei a trabalhar lá de operadora, no Panelão.
P/1 - Panelão.
R - Panelão.
P/1 - Panelão é o que?
R - Supermercado. Da vila onde eu morava, com a minha mãe e com o meu pai. Aí eu comecei a trabalhar lá, entrei lá, aí eu trabalhava das quatro e meia também até dez horas, dez e meia. Aí a hora que dava... Na época eu não tinha... Eu não tinha carro, eu não tinha moto, então era longe da minha casa, eu ia a pé e à noite ele me esperava na rotatória, porque a gente atravessava um mato também, uma rua muito escura, então ele ia me buscar. E nesse período ele ficava com as crianças, as crianças falavam que ele judiava muito das crianças. Nossa, judiava muito. Ele trabalhava de servente, né? Aí ele... Aí ele me buscava a noite.
P/1 - As crianças falavam que ele... Batia?
R - Judiava. Tipo assim, é, eu chegava, dizia que ele batia, dizia que não podia fazer nada. As crianças diziam: "Mãe, a gente não pode fazer nada, a gente não pode fazer um barulho que tudo ele reclama, tudo ele xinga", sabe? Aí o que aconteceu, um amigo meu, que trabalhava no Confiança, trabalhou comigo, passou no meu caixa. Aí eu falei "Jé, (como?) você tá?", ele "Ah, eu sou encarregado de açougue". Falei "Nossa, Jé, dá uma mão pra mim, pro meu marido entrar lá, porque ele é açougueiro". "Ah, Tati, manda ele ir lá fazer um teste comigo". Ele foi, ele passou de primeira. Porque ele era, ele era açougueiro. Passou de primeira. Aí ele começou a trabalhar no confiança, começou a trabalhar lá.
P/1 - O seu marido.
R - O meu marido. Aí... Mas antes disso, eu consegui comprar uma moto, eu consegui comprar uma moto, aí eu ia trabalhar de moto, voltava de moto mais rápido pra minha casa. Só que daí as contas começaram a apertar, então eu fazia o que, eu levantava cedo, deixava as crianças na escola, trabalhava de faxineira até quatro e meia, das quatro e meia até dez e meia eu trabalhava no mercado.
P/1 - Ah, você arrumou um trabalho de faxineira também?
R - Arrumei, porque na creche onde eu trabalhava tinha as professoras e eu ia trabalhar... E antes, eu também fazia bico na casa delas, de passar roupa ou de faxina. Nossa, elas adoravam o meu serviço. Eu trabalhava lá de faxineira. Aí elas me chamavam, "Ai, Tati, vai hoje, não sei o que", e eu falava: "Ah, mas eu tenho que ir cedo porque quatro e meia eu tenho que estar no meu serviço", e elas: "Não, Tati, tá tudo bem". Nossa, elas iam ate me buscar no meu serviço. "Tati, amanhã você vai", e eu: "Ah, eu tenho que ver se vai dar tempo". Eu ia. Eu ia. Aí eu mudei meu horário do serviço, porque passou a ter integral. Aí eu comecei entrar... Eu comecei entrar uma hora e sair dez horas. Aí não começou a não ar, e o meu salário ia aumentar também, aí eu não precisava fazer mais faxina.
P/1 - E aí?
R - Então, aí eu comecei a trabalhar período integral no mercado. E ele começou a trabalhar no Confiança. Aí nisso a minha menina cuidava dos irmãos, porque ela já estava maiorzinha e ela sempre foi muito responsável. Nossa, nessa parte a minha filha sempre foi muito responsável, sempre me ajudou muito, muito mesmo. Muito mesmo.
P/1 - E aí nesse período ele já estava te agredindo?
R - Me agredia. Olha, ele chegava em casa, eu juro para vocês, gente, meus filhos estavam acordados, sabe o que ele falava? Ele abria a porta, ele falava assim: "Esses capetas estão acordados ainda?". Falava. Meus filhos não podiam falar, nada, nada, nada, tudo ele xingava, ele já queria vir com agressão, e eu entrava na frente mesmo, eu não deixava bater nos meus filhos, falava "imagina". Meus filhos... Meus filhos sempre foram um doce, meus filhos, nossa, eu não tenho o que falar dos meus filhos. Eles fazem as travessuras deles de crianças, de crianças. Que qualquer criança faz, só que estando perto dele não podia, não podia. Aí começou a trabalhar, só que aí eu comecei a sentir o que, que ele não parava mais em casa. Eu mudei de horário no meu serviço, a Jô lá conseguiu me colocar, eu entrava às oito da manhã e sair às cinco, cinco e meia. E ele começou a trabalhar no confiança e falava para mim que a noite ele estava fazendo mototáxi. Tá, tá fazendo mototáxi, tudo bom, só que você nunca via dinheiro dele, nunca se via, era só o meu dinheiro dentro de casa. Era muito raro você ver dinheiro dele, às vezes para pagar um aluguel, colocava uma coisa ali, uma coisa aqui, e dinheiro dele não via. Sabe, a gente brigava muito por causa disso. Aí teve uma vez que tipo assim, ele já... Aí ele virou encarregado de açougue, ele virou encarregado, ele cresceu dentro do mercado.
P/1 - E ainda trabalhando de mototáxi?
R - E trabalhando de mototáxi. Ele cresceu dentro do mercado. Ele... Ele passou a ser o que esse meu amigo que arrumou para ele, era. Então os dois começaram a fazer a mesma coisa. Teve uma vez que ele chegava à noite ele deitava, ele chegava duas, três horas da manhã, quatro horas, falando que estava trabalhando de mototáxi. Só que a gente não estava mais naquela relação boa. Aí ele pegava, levantava assim, correndo, abria a porta e falava... Sabe? Eu fiquei... Aí uma vez eu cheguei no mercado, eu falei assim "Jô, tá acontecendo isso e isso na minha casa, eu não sei o que tá acontecendo". Aí ela falou assim: "Tati, o Willer não tá mexendo com droga não?". Falei: “Droga, Jô? Não." aí, gente, vocês não sabem, o que eu fiquei, foi eu e uma amiga minha, eu me vesti de homem, ela com o carro dela, que ele não conhecia, porque se eu fosse com o meu ele ia conhecer. Me vesti de homem, gente, fiquei, esperei ele sair do mercado, esperei ele lá na lanchonete onde ele ficava, que era um trailer lá. Aí ele pegou, deixou... Chegou lá, nós seguimos ele do mercado até lá, ele chegou lá, deixou a bolsa dele, pegou não sei o quê na mão e saiu, saiu. Eu falei: "Ju, onde que esse homem foi?", ela: "Ai, Tati, não sei", falei: "Juliana, esse homem tá aprontando", ela: "Calma", não sei o que. Aí ele chegou. Aí eu fiquei passando assim perto dele assim, menina, aí eu vi que ele derrubou um negócio no chão e ele procurava esse negócio, e não sei o quê, não sei o quê. Aí tá, eu falei assim: "Nossa, Ju, ele tá mexendo com droga" ela: "Não", eu falei: "Ele tá". Chegou em casa, menina, eu fingi que estava dormindo. Logo ele chegou. Ele tomou banho, nisso que ele tomou banho eu fui mexer na carteira dele, tinha um pino dentro da carteira dele. Eu deitei, ele deitou, daqui a pouco ele começou tendo alucinação, ele levantava, ele falava assim: "Tem gente aí". Nossa, no que ele fez isso gente, eu bati a porta do quarto com tudo, eu falei: "Tem quem aí? Fala para mim quem tem aí?". Aí ele deitou, eu falei assim: "Olha pra minha cara." eu falei: "Willer, olha, olha para mim". Ele: "O que você quer?", eu falei: "Eu quero conversar.", eu falei assim: "Você acha bonito você mexendo com droga?", ele: “Você tá louca?", falei: "Eu tô louca?", falei "você acha que eu não vi você derrubando um pino no chão e você tentando procurar. Eu aqui com as crianças faz muito tempo que a gente não come lanche, você no Kaká comendo lanche bom né?". Menino, ele virou assim, eu pensei que ele fosse me bater, eu falei assim: "Você acha que a sua vida vai melhorar você usando droga? Você acha? Olha aí a situação que você tá, tendo alucinação", ele: "Tem gente no quintal", eu falei: "Você tá louco que tem gente no meu quintal? Quem vai entrar aqui no meu quintal uma hora dessa? Comigo, com você aqui? Não tem ninguém no quintal". Eu falei: “Você acha que é bonito, você acha bonito você passar isso para os seus filhos?", sabe, conversei muito com ele, tudo, aí no outro dia ele foi trabalhar, quando ele chegou aí ele veio com a ladainha me pedindo desculpa, que não ia mais acontecer, que não sei o quê, não sei o quê. Só que acontecia, gente, ele vendia droga. Ele trabalhava no mercado e vendia... Ia buscar droga, não sei, alguma... Ele fazia as coisas, porque vira e mexe eu encontrava ainda droga. Até aí tudo bem, gente. Aí nós estávamos até bem... Aí tipo assim, ele nunca ficava comigo, nunca saia comigo. O que eu fazia? As meninas do mercado me chamavam, eu pegava meus filhos, não pensava duas vezes, eu ia, eu ia pro cinema com minhas amigas, com meus filhos, tinha festinha eu ia, tinha aniversário eu ia, eu estava em todas, ele nunca podia ir.
P/1 - Mas você ficava com outros homens, não?
R - Não. Isso não. Não, por ele... Eu já levava meus filhos para nunca dar motivo para ninguém. Meus filhos sempre estavam junto comigo. Sempre
P/1 - Mas ele, você acha que ele ficava com outras mulheres?
R - Não, vai escutando, aí vai chegar ainda (risos). Nós vamos chegar ainda lá. E tipo assim, eu sempre levava meus filhos para nunca dar motivo, porque eu sei que se eu fosse sozinha era... Era, isso daí é fato. Mas não, eu sempre tirava foto com as minhas amigas, a gente sempre estava no cinema, sempre estava comendo, sempre. Aí teve um... Teve, como que foi? Um aniversario meu, ele começou a não lembrar mais também. Eu sempre que comprava, eu que vestia ele, roupa, calçado, sempre fui eu. Ele precisou usar óculos, eu fiz empréstimo, eu comprei óculos pra ele. Eu sempre fiz de tudo, de tudo, de tudo, era qualquer data, eu sempre dei de tudo para ele, sempre.
P/1 - Ele ajudava na casa assim?
R - Muito raro. É o que eu falava, eu nunca via o dinheiro dele, era muito raro, eu ralava, gente, vocês não têm noção de como eu ralei na minha vida, de como eu ralei na minha vida. Aí, tá. Teve um dia, ele começou a dormir na sala. Aí eu peguei e liguei para ele no mercado e falei assim: "Nossa, o que tá acontecendo que você tá dormindo na sala, não me fala mais nada?", aí ele falou assim: "Aí, quer saber? Não tá dando mais certo. Acho bom cada um ir pro seu lado", eu falei: Mas por que? O que que tá acontecendo?", ele: "Não, a gente tá brigando muito", eu falei assim: "Brigando? A gente nem tá brigando", falei "agora que tá melhorando, a gente nem tá brigando" ele: "Não, que não sei o quê, não", mas isso antes, ia umas amigas dele... Eu conheci uma amiga dele que era mulher do melhor amigo dele, do mercado. Ela começou a frequentar minha casa. Cabelo rosa, tudo, o nome dela é Bete, no começo eu não fui muito com a cara dela, não fui. Mas em respeito a ele, porque eu também trazia meus amigos para casa, né? Eu acho assim, se eu trago os meus, ele pode trazer os dele também. Ela começou a frequentar minha casa, fiz muita amizade com ela, com o marido dela, Nossa, pessoa... Ele sempre foi muito bom, ela também, sempre foi. Nunca... E tipo assim, quando eu queria descobrir alguma coisa, eu perguntava para ela né, que ela trabalhava no mesmo setor, né? Tipo assim, eu colocava... Eu expunha a minha vida para ela, sabe? “Olha, Bete, não tá bem, o que tá acontecendo aí no mercado, descobre para mim", né? Ela: "Não, Tati, pode deixar que eu descubro sim", não sei o quê. Aí ele pegou e me ligou e falou isso, "não dá mais certo, eu vou pegar minhas coisas e vou pra casa da minha mãe" e eu fiquei sem entender. Só que aí ele ia para casa da mãe dele, só que ele estava dentro da minha casa, eu chegava do serviço ele estava deitado no sofá, eu falei assim: "Não, você vai pegar suas coisas, você vai sair. Só que eu ainda vou descobrir o motivo". Ele: "Não, eu não quero mais", não sei o que. Tá. Aí essa mesma, a Bete, que frequentava minha casa, falei: "Bete, tá acontecendo alguma coisa, descobre para mim, ele tá com alguém". Ela: "Não, Tati, pode deixar". Aí teve um... Aí eu estava esperando minha filha na escola, ela me ligou, ela falou assim: "Tati, eu já descobri. O Willer tá ficando com uma tal de Gabriela, e não é de agora, é de tempo". Nossa, o meu mundo caiu, o meu mundo desabou. No final aí eu queria ir lá no mercado, nossa, ela: "Tati, não adianta você nem ir, porque os dois estão de folga hoje". Nossa, aí eu não sabia, nossa... Aí eu fui na casa do que era encarregado, eu falei: "Jé, fala que não é verdade", conversei com a mulher dele, ela: "Tati, a gente não tá sabendo", falei: "Jé, tá todo mundo sabendo, como que você não tá sabendo?", ele "Não", falei "A Bete me contou", sabe, falei, ele: "Não, Tati", aí a mulher dele: "Não, Tati, acha? Ele não deve estar não", falei "Tá, Andreia, ele tá me enganando", ela: "Tati, a gente vai descobrir".
P/1 - Com quem você estava conversando isso?
R - Com a Andreia. Com a Andreia e com o amigo... O meu amigo que arrumou para ele no mercado, eu fui lá na casa dele.
P/1 - Ah sim.
R - Porque lá é tudo do mercado, então ele ia estar sabendo. Porque se a Bete tá sabendo porque ele não ia estar sabendo, sendo que faz tempo que eu fiquei sabendo que os dois estavam juntos? Aí ela pegou... Ele falou: "Não, Tati, eu acho que não, mas com a Gabriela? Ainda mais com a Gabriela". Filho, eu só sei que eu... Olha, eu juntei uma turma do mercado, eu ia botar fogo nela, eu ia. Eu arrumei uma turma pra dar nela, aí eu liguei... Pelo facebook, na época eu tinha facebook, eu falei assim... Eu mandei mensagem pra ela, eu falei assim: "Você é uma safada, menina, como você pode?" ela: "Você tá louca, ele não estava mais com você", eu falei: "Ele não estava mais comigo? Tá todo mundo sabendo que você tá a mais de seis meses com meu marido", "É, mas ele não... Ele falou que não estava", falei: "Você é uma safada, sem vergonha", ela falou assim: "Aí, não fala isso de mim, pensa nos teus filhos", eu falei: "Você não põe meus filhos no meio. Você não põe, porque eu vou acabar com a sua vida". Ela falou assim: "Aí, não fala isso não", falei assim: "Você não é mulher de nem criar teus filhos, porque você tem uma filha criada pelo seu ex-marido, porque você nem capacidade, agora você vai entrar na minha vida e destruir meu casamento?". Aí, eu só sei que eu falei um monte para ela, um monte. Aí ela falou assim para mim, depois de eu ficar... Tipo assim, aí eu falei assim: "Eu vou tacar soda em você", gente, eu comprei até um pote de soda, eu ia tacar soda nos dois. Eu ia. Só que do meu lado...
P/1 - Soda?
R - Soda. Só que do meu lado tem pessoas muito boas, que eram as minhas fiscais, sabe? Minhas amigas do mercado. Elas falaram assim: "Tati, pensa bem, não faz isso, pensa nos seus filhos", sabe? Menina, eu... Olha, eu emagreci, gente, 15kg. Eu fiquei muito mal. Porque tipo assim, negócio de traição não passava na minha cabeça. Porque eu... Vamos supor, é uma pessoa que eu praticamente coloquei... Independente dele ser o que ele era, eu colocava a minha mão no fogo por ele. Na época eu (via?) ele falar assim, que estava trabalhando, nós dois trabalhando... Aí tá, tudo bem. Ela falava... Uma vez ela falou assim pra mim: "Você está me ameaçando, só que quem tá falando as coisas com você tem culpa no cartório". Eu falei assim: "Mas como que você tá falando isso, de quem você tá falando?", ela falou assim "Você sabe de quem que eu tô falando, de quem tá te passando informação", que era minha amiga e amiga dele, a Bete, que é a mulher do melhor amigo dele. Eu falei assim: "Você tá louca?", aí ele, ele me ligou, ele me ligou e falou assim: "Você quer saber da verdade, Tatiana?", eu: "Que verdade, Willer?", "Eu peguei a Bete", eu falei: "Você tá louco?", ele falou assim: "É. Quando você foi ficar com o Enzo no hospital, eu peguei a Bete em cima da sua cama". Eu falei: "Você não tem vergonha na tua cara", ele falou assim: "É, e ela tá te passando informação sabe por quê? Porque ela tá com ciúmes da Gabriela, porque ela pensou que ficando comigo eu fosse assumir ela". Olha, foi um auê, foi um auê.
P/1 - Nossa.
R - Você entendeu? Você entendeu?
P/1 - O Enzo é o seu filho?
R - Não, o Enzo é o meu filho.
P/1 - Que aí quando você foi ficar com o seu filho... E ele falou assim na sua cara, assim mesmo?
R – É, porque ele... Teve um dia que ele teve um problema de respiração que eu não sabia que era bronquite. E ele passou a noite no hospital. Ele me ligou, ele falou na minha cara, na minha cara. Ele falou assim: "Eu fiquei. Por isso que ela tá te infernizando, porque ela tá com ciúmes da Gabriela", que era a que ele estava, que ele é casado hoje. Ele... "Ela pensou que eu fosse ficar com ela, eu fosse assumir ela. Só que eu não tô ficando com ela, eu tô ficando com a Gabriela", aí ele assumiu com a Gabriela.
P/1 - Nossa. E aí ele já estava morando onde, você já tinha...
R - Com a mãe dele. Ele estava morando com a mãe dele e eu estava na minha casa. Com os meus filhos, sabe. Mas eu fiquei... Aí, nossa, gente, eu fiquei mal, a minha fiscal ficava tudo preocupada comigo, "Tati, você tá emagrecendo a cada dia", só que nisso eu também estava subindo de cargo, nisso elas estavam me ensinando a ser fiscal, sabe? Eu... Nossa, eu aprendi muito, muita coisa, muita coisa. Aí nisso ele pegou, casou com ela, ele casou, de papel passado com ela, tudo. Casou. Aí tempo atrás eu encontrei com esse amigo que era casado com a Bete. Tipo assim, ele ficou até sem reação, né? De me ver, porque querendo ou não ele era o melhor amigo do meu ex-marido, e aconteceu uma situação dessa, eu fiquei sem reação, ele também. Aí aconteceu isso.
P/1 - E aí como você tocou sua vida?
R - Como eu toquei minha vida? (risos)
P/1 - É.
R - Aí a pessoa mais importante da minha vida entrou, que é ele. Ele me ajudou a superar tudo, tudo de ruim na minha vida [choro].
P/2 - Vocês se conheceram lá em Bauru?
R - Lá em Bauru. Aí eu comecei a sair, só que tipo assim, eu não estava... Eu não estava bem, eu comecei a sair com as minhas amigas, só que eu saia e eu não estava bem. Aí teve uma amiga minha que sempre saia comigo, a Marleide, sempre estava na minha casa, sempre, ela: "Tati, vamos no pagode", eu: "Ah, Marleide, eu não vou, eu não sou chegada mais em pagode", ela: "Não, Tati, tudo que você pede pra mim eu vou com você, vamos comigo". Eu falei: "Ah, Marleide, tá bom, eu vou, mas sabe que eu não gosto", ela: "Não. Tati, vamos". Aí a minha benção estava lá.
P/1 - E aí como é que foi o encontro?
R - Ah, ele é maravilhoso (risos). Ele é maravilhoso, tudo de bom na minha vida. Tudo de bom. Foi tipo assim, no meu ponto de vista foi amor à primeira vista.
P/2 - Aí vocês se conheceram lá e como vocês mudaram pra Santos?
R - Aí eu conheci ele, a gente namorou, nossa, ele... Namoramos, aí eu sempre falei "Esse é o preto mais lindo da minha vida, você é tudo na minha vida". Aí ele conheceu meus filhos, mas depois de um tempo também, ele já não foi entrando na minha, depois de um tempo. Ele veio para cá para Santos, porque a mãe dele morava aqui.
P/1 - Mas de cara? De cara que você ficou com ele?
R - Não, não fiquei com ele de cara não. Eu fiquei com ele lá, aí depois ele começou a me perseguir (risos). Eu dei meu número pra ele, só que eu nem sabia que ele ia me ligar. Aí ele me mandou mensagem. Começou a me mandar mensagem, e tipo assim, eu não queria ninguém na minha vida, só que sei lá. Aí ele marcava de se encontrar comigo, só que as vezes eu estava fazendo alguma coisa, aí numa segunda-feira deu certo. Aí eu fui, conheci ele e tudo, aí nós começamos a ficar.
P/2 - Como é o nome dele?
R - Edilson. Aí nós pegamos e... Tipo assim, ele falou assim: "Ah, em tal dia eu tenho que ir pra Santos, porque eu combinei com a minha mãe de passar o Natal e o Ano Novo com ela", e eu: "Tá bom", tudo. E tipo assim, aí a gente ia pro cinema, sabe, gente? Ele abriu a porta do carro assim pra mim, a coisa foi... Me encantou, me encantou. Ele é educado, ele é o que é. Sabe, ele é sincero mesmo, ele é rancoroso, chato, mas ele é o que é. Mas foi, é a pessoa, nossa...
P/1 - Aí vocês começaram a namorar?
R - É. Aí não, aí ele veio pra cá. Eu nem sabia, porque ele nunca me pediu em namoro. Mas tá bom.
P/1 - Pra cá pra Santos?
R - É. Ele veio aqui ficar com a mãe dele, passar as férias.
P/1 - Mas isso ele estava há quanto tempo?
R - Não fazia duas semanas.
P/1 - Ah, logo.
R - Não fazia duas semanas, eu conheci ele dia 8 de dezembro, dia 18 ele veio pra cá. Aí quando ele falou... No dia que chegou, do dia dele vir embora, que ele falou que ia vir né, falou: "Olha, amanhã eu tô indo", filho, eu chorei a noite inteira. Eu chorei, eu chorei, eu falei: "Não vai, não vai", ele também chorou. Ele: “Olha, eu só vou porque eu..."... Sabe quando parece que... Vamos supor, um pedaço do seu tá saindo de você? Foi isso. Aí ele veio, eu chorei, gente, o dia inteiro, dia inteiro, no meu serviço eu chorei, nossa, chorei. Aí tá, ele vinha, mas ele falava comigo todo dia, todo dia ele fala comigo, no almoço ele me ligava, Nossa, toda hora. Ele me ligava, sabe, sempre foi muito cuidadoso. Aí ele falou assim: "Você nunca conheceu a praia ainda vou te levar". Quando foi dia das mães do ano passado... Acho que foi do ano passado, ano retrasado... Ele falou assim: "Aí, eu vou levar você", aí eu comecei conversar com a mãe dele por telefone, sabe. Aí comecei a conhecer mais ou menos a família dele, ele começou a me levar também para conhecer a família dele, pessoas muito boas. Aí tá. Aí eu vim para cá, conheci ela, tudo, no Dia das Mães. Foi uma pessoa muito boa comigo, com meus filhos. Aí tá, eu falei assim: "Ana, nas minhas férias eu volto", eu sempre tirei minhas férias em julho, por causa das férias do meu filho também. Aí a gente veio para cá e ela, tipo assim, queria trabalhar com... De marmitas, vender marmita, e ela falou assim: "Ah, ela tem um lugar aqui que vende marmita", que não sei o quê, sabe? Aí ele começou tipo assim: "Aí, amor, nós podíamos vir para cá né, para ajudar, né? Quem sabe a gente consegue fazer as coisas né?" Aí ele falou assim... Daí eu falei: "Nossa, mas vai ter que pedir a conta", ele: "Não nós pedimos a conta do serviço, tudo, nós vimos para cá". Aí foi isso, eu pedi a conta lá, nove anos, ele também pediu uma conta de nove anos lá, aí a gente... Aí ele vendeu as coisas dele que tinha, trouxe minha mudança para cá, trouxe a mudança dele, aí a gente veio para morar com ela. Aí nós começamos trabalhar tudo junto, né? Mas aí não deu certo, ela voltou para Bauru e deixou nós na mão. E eu nunca tinha cozinhado na minha vida, gente? Nós dois aprendemos assim ó, no sufoco, a cozinhar.
P/1 - É, você nunca tinha cozinhado e topou vir na marmita?
R - Nunca. Nunca, nunca cozinhei... Aliás, eu nunca gostei de cozinhar.
P/1 - Não, mas quem cozinhava (pra vocês?)
R - Era ela. Não, quando eu morava com os outros?
P/1 - Não, para os seus filhos.
R - Pros meus filhos?
P/1 - É.
R - Quando eu morava com o Willer, ele que cozinhava, eu não cozinhava.
P/1 - Ah, o Willer que cozinhava.
R - Ele cozinhava, eu não. Não, não gostava de panela. Imagina.
P/1 - E aí você topou vir trabalhar de cozinheira?
R - Imagina. Imagina, ou eu comia lanche, não, eu não cozinhava. Gente, juro por deus, eu nunca aprendi a cozinhar na minha vida. Eu nunca gostei, para falar a verdade. A mãe dele veio e foi embora para Bauru né, que a filha dela teve criança, e ela nos deixou na mão, na mão. Mesmo a gente com dívida, eu e ele com dívida, sabe? Que ela deixou a gente... Ele muito endividado, ele veio... Ele chegou aqui bem, hoje eu não vou mentir, a gente tá endividado, mas por causa dela. Ela foi embora...
P/1 - Dela quem?
R - Da mãe dele.
P/1 - Mas por que?
R - Porque ela... Porque pra investir na marmita, ele... Ele tipo assim, ele fez empréstimos, sabe? E ele deixou de pagar muitas contas dele pra investir na marmita pra ajudar ela. E tipo assim, no começo ela deu corpo mole pra mim e pra ele, entendeu? No começo gente, a gente levava dez marmitas, a gente voltava com marmita.
P/1 - Como foi o primeiro dia trabalhando com marmita?
R - Nossa, foi horrível, gente. Eu colocava ele pra abanar, ou ele me colocava pra abanar, porque assim... Lá no porto, nós trabalhamos no Porto aqui de Santos.
P/1 - Sim.
R - Nos somos em... Hoje nós somos ali em quatro carros, né? Assim. Então fica um lá na frente, depois vem a minha amiga Thais, depois vem a outra, depois vem nós. Hoje somos nós, porque antes era uma gordinha que ficava lá na frente, ela não deixava a gente vender, ela não deixava, ela nos tirava de lá. Aí teve uma vez que eu falei assim: "Edinho, ela não vai nos tirar de lá, ela não vai". Gente, eu briguei nesse dia lá (risos). Eu e ele. Nós brigamos lá, "Não, daqui a gente não vai sair, não vai sair". E a gente tá até hoje no nosso lugarzinho que a gente conquistou. Ela saiu.
P/2 - Vocês deixam as marmitas no carro?
R - É assim... É assim, a gente faz a marmita cedo, deixa no isopor pra ficar quentinha, aí a gente fica abanando, aí os caminhoneiros que sobem ou que descem, que é do lado dele, quem quiser pegar comigo para o caminhão, a gente vai lá, fala as misturas, aí a gente vai lá, pegar a marmita, dá a marmita com suco, eles pagam e vão embora. A gente começou com dez marmitas. Hoje eu e ele a gente tá com 100 marmitas.
P/1 - 100 marmitas por dia?
R - Por dia.
P/1 - E então, você aprendeu a cozinhar como?
R - Gente, quando a mãe dele foi embora, tipo assim, que ela falou que ela ia viajar mesmo, ela foi para passear. Ela deixou a gente com um aluguel que ainda pagava na ponta da praia, nós estávamos já com dois alugueis atrasados, cada um, três mil reais. Nessa época a gente estava com 30 marmita ainda. Eu e ele a gente levantou de madrugada, fomos para as panelas, tipo assim, um pouquinho que a gente pegava dela, que ela deu uma explicada, que ela ainda deu uma explicada para mim, que a gente foi fazer. Gente eu levei uma gororoba que vocês não têm noção (risos). E teve uma mulher que voltou esses dias e falou assim: "Tati, meus filhos voltara porque eles querem comer da sua comida, eles amaram a sua comida", e eu falei assim para ela: "Você não tem noção que a primeira gororoba quem comeu foi você e seu marido" (risos). Te juro, ela voltou no porto, ela falou: "Tati, meus filhos amaram a sua comida", e eu pensei comigo, né, eu tive que contar para ela, gente, eu aprendi a cozinha naquele dia. Aí a gente foi começando cozinhar sabe, tipo assim... As coisas que a mãe dele foi fazendo, eu fui me aperfeiçoando mais. Porque tipo assim, os caminhoneiros não gostavam muito assim da comida dela, porque tipo assim, ela fazia totalmente diferente, e eu não, eu já fui me aperfeiçoando, sem olhar nada, eu fui me aperfeiçoando, sabe, eu e ele, ele faz o arroz, gente, o arroz dele, nossa, é maravilhoso. O arroz dele, tudo, nossa, tudo que ele faz é maravilhoso. Aí eu faço as misturas e a gente tá lá, hoje a gente tá com 100 marmitas.
P/1 - 100 marmitas, mas quando vocês começaram qual que era essa história que você falou, que a mulher não deixava vocês venderem, como é que era isso?
R - É, tipo assim, que são carros que ficam lá, eu sou o quarto carro. Então, tipo assim, cada um brigava ali pelo seu espaço, só que ali tinha muito espaço e sempre que nós colocávamos num lugar, ela chegava lá e tirava eu e ele. Ela: "Não, aqui você não vai vender, você vai vender depois do trailer", eu sei que depois do trailer não vende, entendeu? Não vende, o povo quer a comida lá de baixo, eu vou vender depois do trailer onde que ninguém me vê abanando? Ela me colocava, e sempre ficava um espação. Aí ela falava: "Não, você não vai, você não vai ficar aqui", não sei o quê. Aí um dia eu vim embora com um monte de marmita, gente, debaixo de chuva a gente veio embora com um monte de marmita. Aí no outro dia eu falei assim: "Edinho, ela não vai tirar mais a gente lá", eu e ele, gente, a gente ficou sem dormir, sem dormir. Cheguei... Chegando lá, ela foi tirar a gente de lá, eu falei assim: "Não, daqui você não vai tirar a gente, porque a gente não vai sair. Aqui tem espaço para todo mundo". Aí ela foi lá chamar os caras lá da frente, eu falei assim: "Eu não vou sair daqui, não vou sair daqui, Serginho, aqui eu vou ficar, não vou sair daqui", sabe, e eu sou meio encrenqueirona, gente, eu sou meio... Sabe? Falei: "Eu não vou sair daqui". Eu persisti, eu e ele, a gente ficou lá, a gente tá lá até hoje. Hoje ela não está mais lá e a gente tá. E o que tem de gente tentando tirar a gente dali, você não tem noção.
P/1 - Eu não tenho, mas você pode me contar pra eu ter uma noção. Como é, tem gente que tenta tirar vocês de lá?
R - Tem, tipo assim, hoje eu fiz amizade com as meninas debaixo, que são os dois carros, é a Carol e a Thais. Eu sou muito amiga da Thais, da Thais e do Serginho, eu e ele, nós somos muito amigos dele, e eles são um barato. E tem o carro que fica no meio que é um Escort, que é uma menina fedorenta e o marido dela pior que ela. Eles vendem dez marmitas por dia. Dez, gente, juro por Deus, dá pra nós contarmos. Eu não, eu e ele e as meninas lá debaixo, nós vendemos muito, graças a Deus, eu glorifico a Deus todos os dias por isso. Então, ela caça encrenca, sabe? Ela pirraça, ela fica assim com o cabelo, ela dança, ela fala que ele dá em cima dela. Aí, gente, só que eu... Meu pavio é curto, sabe? Ela fica pirraçando. Aí teve um dia que ela passou, eu gritei assim: "Dez?", eu só gritei isso. Aí, filho, ela desceu do carro. Aí ela veio, aí, no que ela veio eu dei um murro no meio da cara dela. Aí ela veio, filho, foi uma... Olha, veio o marido dela, eu bati nele, esse daqui não conseguia me tirar de cima dela, nem a Thais que veio de lá debaixo, nossa... E nós ali no asfalto mesmo, cheio de caminhoneiro. Nós ali, brigando. Eu peguei os cabelos dela e não soltava, cai no chão ainda segurando os cabelos dela. Peguei assim no olho dela, falei "meu Deus, acho que eu arranquei o olho dessa menina", que eu senti o olho dela na minha mão. Peguei, o caminhoneiro até filmou. Filmou (risos), filmou.
P/1 - E aí, o que deu?
R - E bati, bati nela. Apanhei também, mas ela apanhou também. Bati no marido dela, aí ela falou assim, que eu era recalcada porque o meu marido dava em cima dela (risos), eu falei assim: "Filha, meu marido não quer lixo, olha você. Suja", falei "olha a sua situação, você vende suas dez marmitas você acha o que?" nossa, filha, eu falei assim: "Filha, aprende a tomar banho", aí ela vinha, nossa, foi maior engraçado esse dia. E até hoje, ela inferniza nós pra nós saímos, nós não saímos.
P/1 - Mas depois desse dia?
R - Ela nem olha pra mim, filho. Ela tem um medo de mim, nossa. Ele eu arranhei ele inteirinho, ele segurou ela assim e ele gritava assim: "Segura a sua esposa, negão, segura a sua esposa", ele eu bati nele também, arranhei ele inteirinho, bati nele também.
P/1 - Nossa.
R - Mas, nossa, bati nos dois.
P/1 - E que outra história você tem do porto de santos? Assim, não precisa ser assim, mas... Pode ser assim também, mas o que mais você viveu nesse (lugar?)
R - Ah, eu e ele fizemos muita amizade com os caminhoneiros, são pessoas muito boas, pessoas muito sofridas também, são homens muito sofridos, né? A gente vê o dia a dia deles, de cada um. Eles falam, às vezes ele relatam para nós o que eles passam, às vezes chega a ser triste, às vezes eles perdem amigos também na beira da pista, a gente tem muita amizade, nossa, a gente conquistou muita gente, muita gente.
P/1 - E você sente que já sentiu alguma discriminação por você ser mulher, alguma coisa assim, no porto?
R - Não.
P/1 - Não.
R - Não, nenhuma.
P/1 - Você gosta de trabalhar lá?
R - Agora eu gosto.
P/1 - Agora você gosta.
R - Gosto.
P/1 - Você tá há quanto tempo lá?
R - Um ano... Um ano e um pouquinho.
P/1 - E aí nesse tempo que você tá lá, aí você... Como é que você faz com os seus filhos?
R - A minha menina cuida deles, a minha menina de 16. Apesar que eles são tudo... Nossa, eles são independentes, gente, demais. Demais.
P/1 - E a sua primeira filha?
R - Não falo com ela.
P/1 - Não fala?
R - Não, ela não fala comigo. Ela não fala comigo. Ela até me colocou na justiça, eu pago pensão pra ela. Ela não fala comigo. Acho que por conta da minha mãe, ela não fala comigo.
P/1 - E só pra gente fechar o porto de santos, qual que é a melhor... O melhor dia que você teve no porto?
R - No porto? Melhor dia?
P/1 - É.
R - Ah, eu acho que todo dia é dia, eu não...
P/1 - Mas teve algum momento especial que você viveu, alguma coisa?
R - Ah, acho que foi quando... Acho que quando eu fiz amizade, com a minha amiga Thais. Sabe, que eu conheci ela, que foi por causa de fofoca mesmo, mas essa fofoca ajudou a gente a se aproximar.
P/1 - E acho que é isso. Tem mais alguma coisa da sua história que você quer contar?
R - Não, a minha história é isso, é isso.
P/1 - Qual que é o... o que você, você ainda tem algum sonho de vida, algo que você pediria a Deus, assim, que você quer que aconteça?
R - Ah, eu tenho, tenho... Ah, sonho de viver bem com o meu preto, da gente conseguir a nossa casa, porque ele pensa muito nisso, as vezes eu sou egoísta, sabe? É que eu sou assim, eu sou muito ciumenta, gente, acho que por tudo que eu passei, eu sou muito ciumenta. Eu não escondo isso dele, eu sei que eu erro muito, mas eu sonho, e ele sempre pensa em mim, nos meus filhos, meus filhos são apaixonados por ele, principalmente a minha menina de 12 anos, sabe? Parece pai dela mesmo e ela parece até... Em tudo os dois se combinam, se complementam os dois. Ele trata bem meus filhos, sabe, o que meus filhos pedem, ele não pensa duas vezes para comprar, para dar. E ele sempre fala "olha, a gente vai conseguir nossa casa, a gente vai conseguir nossas coisas aqui". Sabe, às vezes a gente briga, ele fala "aí, eu vou embora eu vou deixar você aqui", só que eu sei que ele não tem essa coragem, porque eu sei, eu sinto que ele gosta de mim e eu falo para ele: "Eu te amo todos os dias da minha".
P/1 - E você falou que vocês querem ter a casa, mas agora vocês estão morando onde?
R - Nós moramos no casqueiro, nós pagamos aluguel.
P/1 - Como é o Casqueiro?
R - Ah, é uma delícia, é tudo tranquilo. Nossa, ali parece... Não é movimentado, assim, sabe? Parece vilazinha de interior mesmo, é gostoso ali.
P/2 - É perto do porto?
R - É perto do porto. É gostoso.
P/1 - Como foi para você contar a sua história aqui hoje?
R - Ai, bom. É bom desabafar um pouco (risos). É gostoso
P/1 - Muito obrigado. Te agradecemos
P/2 - Muito obrigada.
R - Eu espero que tenha ajudado vocês.
P/1 - Nossa, foi muito forte.
P/2 - Com certeza.
P/1- Muito, muito obrigado mesmo.
R - Eu espero que vocês tenham gostado, mas é isso, gente, minha vida é isso. Minha vida... Eu falo pra ele, minha vida é isso, eu não tenho...
P/1 - Nossa, que entrevista maravilhosa. Muito obrigado.
Recolher