Projeto Memórias do Comércio 2020-2021
Entrevista com Roberto Trabulsi
Entrevistado Por Luís Paulo Domigues e Daiana Terra
Bauru, 18 de fevereiro de 2021
MCHV_028
Roberto, pra começar, é de praxe, a gente gostaria que você dissesse seu nome completo, a data de nascimento e o local que você nasceu.
R1 – Meu nome é Roberto Trabulsi, nasci em Bauru mesmo, né? Eu nasci dia 30 de setembro de 1969.
P1 – Ah, legal. Qual o nome do seu pai e da sua mãe.
R1 – Meu pai é Raduan Trabulsi Filho e minha mãe é Sueli Toledo Trabulsi.
P1 – Legal. E você teve contato com seus avós, assim? É… qual é o nome deles? E da onde eles vieram?
R1 – Meu avô materno eu não tive contato. Ele é Militino Martins, né? Ele foi comerciante também. Ele foi farmacêutico, na Vila Falcão, no tempo que a Vila Falcão não tinha nem contato com a cidade ainda, você está entendendo? Foi vereador. Aliás, um historiador amigo nosso levantou que ele foi eleito por duzentos e sessenta votos, na época. E lá ele era farmacêutico e tipo médico, né, da região e era reconhecido como um médico. Ele tomava conta das pessoas, pelo motivo de... olha só! A Vila Falcão não tem acesso, aqui, pra cidade. Minha mãe conta que era só uma pontinha que ligava aí, a Vila Falcão à cidade. A minha vó materna, Dulce Martins, né, ela era… foi educadora, né? Mamãe também foi educadora. Por parte de pai, os meus avós paternos eram Raduan Trabulsi Filho, de origem libanesa e da minha vó Salua Trabulsi, né? Minha avó teve uma pensão aqui em Bauru, aqui na Rodrigues Alves, muito conhecida na época. Aliás, tem muitos amigos do meu pai que falam que era a melhor pensão. Minha avó cozinhava muito bem a questão da culinária árabe, né, e muitos desses empresários de hoje aqui em Bauru, de… até políticos, né, passaram lá pela pensão da minha avó.
P1 – Qual era o nome da pensão, mesmo? Você lembra?
R1 - Dona Salua.
P1 - Dona Salua.
R1 - Pensão da Dona Salua. Se você começar a falar da pensão da Dona Salua, muita gente conhecia: “Poxa vida, fui lá e já comi”. A família Tobias toda, quando migraram pra… pra... pro Brasil, minha vó que recepcionou eles aqui na cidade, né, na pensão deles, né? Então, a gente tem um tipo de um… de uma convivência bem familiar com eles, né? Minha vó... primeiro foi ‘seu’ Ibrahim Tobias, aliás eu recomendo fazer uma entrevista com ele, que é pioneiro do comércio aqui, também. Daí veio toda a turma: a Moussa, o José e o Pedro, por último. O ex-deputado estadual aí, o Pedro Tobias. Todos frequentando aí a pensão da vovó.
P1 – Ah, que legal! E fala o nome dos seus irmãos, pra ficar guardado aqui na entrevista.
R1 - O mais velho Ricardo Trabulsi; depois vem a Renata Trabulsi, também atua no comércio, né? Inauguramos no shopping lá e ela ficou tomando conta da loja do shopping, até dois anos atrás, onde nós encerramos por lá. E eu, Roberto Trabulsi.
P1 – Ai, legal. E você falou, então, dos seus avós. Você tem lembrança dos costumes que vieram lá do Oriente Médio, né? Eles vieram do Líbano? Foi Líbano?
R1 – Na verdade, eles eram mais brasileiros do que árabes, né? Assim dizendo. Mas assim, costume de comércio, não. Quando eu já tive contato com a minha vó, a pensão já tinha acabado já, entendeu? O que eu tenho mais, assim, contato de todos, direto, até hoje as pessoas vêm aqui na loja, a gente conversa e é lembrado com muito carinho da pensão da minha vó, entendeu? Minha vó teve... tinha esse lance materno, de receber todos aqueles representantes, viajantes que passavam pela cidade, entendeu? E sempre também despontando pela culinária aí árabe, que até hoje tem a fama aí e olha que faz tempo que vovó faleceu, faz mais de dez, quinze anos já, né? Até teve uma curiosidade: outro dia eu estava aqui, entrou um cidadão que eu não conhecia e veio agradecer, né, através da gente, a vovó, que tinha ensinado ele algumas coisas em questão de comida árabe e ele tinha montado um restaurante numa cidade aí que não me lembro, de tão, assim… de tanto carinho que ela tratava os clientes dela, os hóspedes.
P1 – Ai, que legal! E você tem conhecimento de porquê eles vieram pra Bauru? Tanto seus avós maternos, quanto paternos?
R1 – Ah, os maternos já eram de Bauru, né?
P1 – É.
R1 – O Biro, o vovô Militino e a vó Dulce, de Bauru, né. Agora, eu vou falar pra você: eu acho que também, na época, tinha uma migração natural pra cá, descoberta, país novo e etc., né? E Bauru era entroncamento ferroviário, atraindo bastante viajantes, né, e essa questão do comércio também aumentando através da ferrovia, eu acho que foi atraído mais por esse lado também. Eles passaram por várias cidades: Andradina, Iacanga - meus avós paternos, tá? – e, por fim, Bauru. Meu avô… meu pai é natural de Iacanga… meu pai é natural de Iacanga.
P1 – E o seu avô era comerciante, como aqueles caixeiros-viajantes? Porque o pessoal que vinha da Síria e do Líbano, geralmente, é... pegavam essa profissão, né?
R1 – Sim. Mais ou menos isso. Faziam alguns negócios dele, sim. Mas tudo engajado, mais, também, na pensão, que era o forte. Teve… Meu avô teve mercearia aqui em Bauru. Meu pai conta que ajudava bastante meu avô na mercearia, carregando sacos, entregando compras em cestas, aquela coisa bem antiga, mesmo. Pé no chão, né, a cavalo etc.
P1 – Muito bom! A joalheria já é da fase do seu pai, né? A joalheria.
R1 – Isso. A joalheria é da parte do meu pai, já.
P1 – Tá, e você sabe como é que...
R1 – Se você quiser, eu posso até contar a história, também.
P1 – Sim. É, por favor. Pode falar.
R1 – Então, a loja ela ficou… a loja, ela foi inaugurada em 1963, né, em 1963 com o meu tio, meu tio, cunhado do meu pai, casado com minha tia Salua. É, e coincidiu com o nascimento da minha prima Márcia. Então, aí que vem Márcia Joias, entendeu? Até então, estamos emprestando o nome da minha prima, até hoje, né? E, no começo, a Batista, o Centro da cidade era muito... era bem diferente de hoje, lógico, era uma cidade menor, né?
P1 – Sim.
R1 – E a loja era bem pequena, na frente, tal, meus avós moravam... meu.. meu pai morava com a minha mãe no meio da loja e, nos fundos, os meus avós. Todo mundo junto, tal, né? E, com o decorrer do tempo, meu pai… foi nascendo os filhos, meu pai saiu, comprou uma casa, tal, foi… se transferiu do Centro e ficou o vovô, né, e a vovó morando aqui, ainda, no prédio da loja e a loja foi se expandindo, crescendo, conforme havia espaço pra isso, né? Meus avós, é… meu avô, que já estava mais que aposentado nessa época… meu avô fazia muito bem pastéis. Ele vendia pastéis pras escolas, as cantinas das escolas aqui do Centro: Liceu Noroeste, São José, né? E aquele pastel que a gente comia no São José era do vô. Então, sempre vinha um especial pra gente lá... (risos) e tinha uma saidinha lateral, aonde saíam os meninos pra entregar, depois se transformou hoje no cafezinho, não sei se você conhece a nossa cafetaria aqui.
P1 – Sim.
R1 – A gente pode falar mais pra frente, que é bem mais novo. Novo, não, tem 18 anos já, o cafezinho. E… enfim, daí foram crescendo os negócios, mas lembrando um pouco da curiosidade daquela época, meu pai conta e eu vivi também: a loja tinha um outro perfil, né, um outro layout, certo? E uma outra estratégia de vendas. Pra você ter uma ideia, eu me lembro que não tinha porta de ferro antigamente, era só porta de vidro e.. meu pai fechava mais cedo na sexta-feira, pra poder fazer vitrines diferentes, assim, porque o pessoal passava à noite vendo, porque eu acho que eram poucas opções sociais, de passeio, tal, que eles tinham e uma das mais importantes era passear na Batista, está entendendo, pra ver as vitrines. Pra você ver como era tranquilo a gente trabalhar… a gente, eles, né, trabalhar naquela época, né? Então naquela época era assim, né? Meu pai tinha, por exemplo: ele comenta que vendia muitos anéis de formatura, que hoje não tem muito o hábito, né? E tinha uma vitrine na loja exposta, sem proteção, aonde eram colocados os anéis ali, de ouro, brilhantes, tal e as pessoas experimentavam: “Eu gostei desse”. Ele passava pelo caixa e pagava, né? Hoje é impossível você fazer um negócio desses, é impraticável. Enfim, eu me lembro também, quando eu era pequeno, meu pai sempre gostava muito de… de fazer… de investir em decoração de Natal, né? Então a gente... o finado Paulo Keller, que tinha uma afinidade muito grande com a minha mãe, Dona Jú, né, que era… a mãe dele, criou minha mãe na Vila Falcão, ali. Ele era da Vila Falcão, o Paulo Keller, né? Ele era o responsável pra fazer toda a decoração da loja e era bem caprichado, né? Ao ponto de algumas famílias tradicionais, eu me lembro da família Nolasco, pedia pra vir com a família fotografar a mesa da Márcia Joias, pra fazer o cartão postal da família... o cartão de Natal da família, do final de ano, entendeu? E assim era a vida. Acho que a gente… As árvores de Natal a gente ia pegar no Horto, porque não tinha essas artificiais. Fazia tudo manual, tudo artesanal lá...
P1 – Sim…
R1 – … a decoração, né? E tinha aquele glamour no final do ano e tal... O calçadão passava carro, né?
P1 – Sim.
R1 – Tinha parquímetro. Poxa vida, difícil ser velho! (risos). Eu me lembro perfeitamente. E, no final de ano, tinha um esboço de calçadão. Não sei se você lembra, fechava a rua, né, colocava-se uns bancos ali e tal, e ao ponto do meu pai ter tanto ânimo de fazer a decoração, que ele... teve um ano que ele decorou o quarteirão inteiro. Ele pegou o Paulo e falou: “Olha, não vai ser uma árvore, vão ser cinco”. E fizemos a árvore de Natal toda na... no quarteirão inteiro. Ficou muito bacana, muito bonito. São lembranças aí da gente, algumas diferenças de hoje em dia, né? É mais ou menos isso aí.
P1 – No passado, esse cuidado com a vitrine, em todo comércio, ele era quase como uma arte, né? Era a vitrine que chamava, muito mais do que hoje, né?
R1 – Sim, sim. A vitrine, hoje, ainda é, né? A vitrine bem caprichadinha, ela é atrativa. Mas nós estamos numa era de internet, entendeu, onde as coisas são bem diferentes, né? Pra você ter uma ideia, tenho clientes aqui de anos, que faz anos que não vêm aqui, na loja, né? A gente faz contato por whatsapp, né? A pandemia, também, veio nos aproximar do atendimento em domicílio, né, que já estava crescendo no nosso ramo e aumentou. Aprendi muito com a pandemia, viu? Mudou um pouco o nosso esquema de trabalho, aqui, devido a essa pandemia. A gente mudou, lapidou alguma coisa. Mas é... hoje a vitrine virtual é importantíssima também, né? Mas a física é bacana também. Tem… você tem que ter uma apresentação, né? Tem que ter uma apresentação. Mas como antigamente, não. Antigamente era tudo, né? Antigamente o programa, era... a atração era: “O que nós vamos fazer hoje?” “Vamos ver vitrines”. Não sei se você se lembra desse termo, né?
P1 – Me lembro, sim. Passear na Batista e ver as vitrines.
R1 – Até… até, puxa vida, até virou verbo, como ‘batistar’, né?
P1 – Batistar!
R1– Virou verbo, né?
P1 – Exatamente. Isso mesmo. Ô Roberto, e você sabe por que que a família… porque eles resolveram por esse ramo, de joias?
R1 – O papai, ele sempre foi envolvido em esportes, tá? Sempre, a vida dele, até hoje, esportes. Até hoje, agora, ele esteve numa reunião de basquete ali embaixo. E ele não era ligado a questão de comércio, mas sempre teve um tino comercial muito forte. Meu pai está com 84, ele enfrenta balcão comigo até hoje e vende muito bem, entendeu? Meu tio, Marcelo, era do ramo… era do ramo joalheiro. E meu pai, casado de novo, estava precisando, né, dar um up aí na vida. E meu tio o convidou ele pra participar aí da joalheria, entendeu? Então, foi aí que meu pai começou a fazer parte e gostou muito da coisa e se deu muito bem, tanto é que nós estamos desde 1963, acho que são 58, né? 58 anos aí de janela. E graças a Deus ele pegou o gosto, foi indo, daí meu tio logo saiu da sociedade e meu pai continuou aí com a loja. Mas a influência foi do meu tio. Meu pai sempre foi relacionado mais com esporte, ele gostava mais de esporte.
P1 – Ah, legal. E você, quando você nasceu, vocês ainda moravam no comércio, ali atrás da loja?
R1 – Não. não, não. É… era no meio. Loja, papai e mamãe e vovô atrás, né?
P1 – Ah tá…
R1 – Não. Quem morou aqui no prédio foi o meu irmão.
P1 – Sim.
R1 – Logo que meu irmão nasceu, houve-se a necessidade de ir pra uma casa, entendeu? Eu não, mas desde que eu me dou por gente, eu venho pra Batista de Carvalho, entendeu? Eu me lembro que, nesse corredorzinho que eu comentei pra você, que se transformou em cafezinho, o portão tinha um metro de altura, só pra cachorro não entrar, entendeu? A gente brincava, de domingo. O comércio fechava às onze da manhã pra almoço...
P1 – Sim
R1 – … e abria uma da tarde. No sábado era até meio-dia. Comprou, comprou; não comprou, não comprava mais. Eu lembro o desespero da minha mãe de ir no supermercado Santo Antônio, pra fazer as compras de final de semana, porque até meio-dia, o que você tinha que comprar, comprava, senão tchau, você não comprava mais, né?
P1– Sim.
R1 – Então, eu tenho essa lembrança desde pequeno, da Márcia Joias aqui no Centro. Tanto é que inauguramos… eu montei a loja no shopping, Bauru Shopping, fomos pioneiros, do Bauru Shopping, ta? A Márcia Joias foi lá, adquirimos a loja lá, tal e eu não consegui, assim, trabalhar lá. O meu negócio é Centro. Eu gosto do Centro, entendeu?
P1– Sim.
R1 – Eu costumo falar que eu não tenho trabalho, né? Se você associar a palavra trabalho, você associa alguma coisa meio, assim, cansativo, né? Nossa, trabalho. Eu não tenho trabalho. Eu tenho uma sala de visitas aqui na minha loja, entendeu? Ninguém me procura aqui com dor de cabeça, ninguém me procura aqui com tristeza, você entendeu? A gente sempre tem o convívio de pessoas com o astral muito bacana. Então, o prazer é muito grande, de trabalhar aqui no Centro, certo? Não é por nada que eu sou o primeiro comerciante a chegar (risos) aqui no Centro e um dos últimos a sair. Não falo pra você que eu sou o último, mas um dos últimos a sair, porque eu tenho um grande prazer. Não que eu tenha necessidade. Tenho necessidade, sim, de trabalhar, mas o prazer é bem maior do que a necessidade, entendeu? Eu vivo aqui o calçadão há muitos anos.
P1 – Legal. E quando você nasceu, Roberto, vocês moravam aonde? Em que bairro de Bauru? Você nasceu em qual casa?
R1 – Altos da Cidade… altos da Cidade. Rua Capitão Gomes Duarte, esquina com a Azarias Leite. De frente pro famoso salão do Badu, cabeleireiro, barbeiro. Não sei se você já ouviu falar dele?
P1 – Sim.
R1 – Famoso ali do Altos da Cidade. Éramos vizinhos de muro na Azarias Leite com Alcides Franciscato.
P1 – Ah.
R1 – Ali do lado, alí.
P1 – Certo. E como que era, né, na época que você nasceu? Como é que foi sua infância ali, o que vocês faziam? Era uma cidade muito diferente de hoje, né?
R1 – Muito diferente. Nossa, era uma delícia! Ali tinha o ‘seu’ Badu, alí na frente, que tinha um… a barbearia, mito na cidade também. Tinha… criava passarinhos. Também famoso por prender passarinhos, ali, né? Tinha...acho que a infância foi aquela raiz, né, que a gente chegava do São José às cinco da tarde, pegava a bicicleta e, se a gente chegasse um pouco mais cedo, a mãe ficava preocupada pelo motivo de ter chegado cedo. Não né... A hora de chegar era sete e meia, oito horas, sujo, de jogar bola, andar de bicicleta, tal. Eu me lembro que a gente morava na Capitão Gomes Duarte, umas três ou quatro quadras pra baixo do BAC, né, que hoje é o Tauste, certo? Onde o Pelé jogou, tal, ali e nós, tinha o poço artesiano onde a cidade inteira ia pegar água lá, que era também um programa gostoso: “Vamos pegar água no BAC”, né? E dava oito horas da noite - olha que coisa! – a gente pedia pra um amigo subir, ficava no BAC e outro ficava aqui, pra gente fazer... apostar corrida de carrinho de rolimã. Não tinha carro na rua.
P1 – Sim.
R1 – Não tinha carro na rua,né? O supermercado era o Santo Antônio ali, do Estoril e o Olímpico, era o supermercado Olímpico, ali na Gerson França, né?
P1 – Certo.
R1 – E a gente viveu jogando estilingue, guerra de mamona e a nossa brincadeira de polícia e ladrão demorava uma semana pra acabar, né? Enfim, essa era a infância da gente, não sei se nós estamos fugindo um pouco do tema do comércio, mas você me pediu pra relatar, eu estou contando mais ou menos, né.
P1 – Não, não. É uma entrevista de história de vida. Isso é importante contar, pra compor, né, todo o visual que a pessoa vai assistir, depois.
R1 – É a mudança da cidade...
P1 – Ah, desculpa. pode falar.
R1 –… É a mudança do tamanho da cidade, né? Hoje meus filhos têm vinte e poucos anos, já não teve oportunidade de fazer isso, mas dentro de um condomínio de prédios, eles aproveitaram da forma deles lá, também, entendeu? Eu acredito que em cidades menores existe a possibilidade de fazer isso ainda, entendeu? De você sair na rua e sair pra brincar, que é muito saudável.
P1 – E a cidade acabava onde, ali, na Capitão com Azarias? Logo depois já era terra, né?
R1 – Não, não, não. Já era... Tinha, ainda. A Vila Falcão já tinha comunicação, já era...
P1 – Sim, sim.
R1 – ...minha mãe… minha mãe lecionou ali no Manoel de Almeida Brandão, né? Alí na… acho que é esse o nome da escola infantil, ali na Bernardino de Campos…
P1 – Sim
R1 – ...já tranquilamente, eu visitava lá e a cidade já estava grandinha, já. Higienópolis já estava bem estendido. O que não estava dando acesso era pro lado ali daqueles condomínios Paineiras, alí já não tinha, ali já parava. Ali, a Getúlio Vargas não existia, praticamente, entendeu? Ali a gente tirava racha de bicicleta. A gente ia com as bicicletas tirar racha ali, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – E… ali não existia, não. Campo de futebol eu lembro que era difícil chegar no campinho do Jacó. Difícil, não, era mais distante. Que não é distante, é ao lado da Maternidade Santa Isabel, ali, né?
P1 – Sim.
R1 – … campinho do Jacó, jogava muita bola ali. Eu tentava, porque eu sempre fui muito ruim de bola. (risos) Tentava jogar bola com os amigos, ali, também. Enfim, já estava um pouco grande, sim, já pro lado aqui do Centro também, né? Bela Vista já estava bastante grande, né? Não existia Mary Dota, não existia Geisel, não existia... isso já estava longe de existir na época quando eu tava, que eu era criança, né? Eu acompanhei toda essa evolução aí, graças a Deus!
P1 – Ah, legal. E você foi estudar onde, então? Começou a escola onde?
R1 – Então, eu estudei no Cisne Real, no Patinho Feio, na verdade, era no maternal, ele se transformou em Cisne Real, né, fui já pro São José. Ele tinha uma base boa...
P1 – Certo.
R1 – … até o colegial, né? Até o colegial… daí fui pro Anglo e acabei no Preve Objetivo, né? E eu cursei até o meio curso de Economia na ITE. Não me formei em Economia.
P1 – Ah, entendi. E na escola, o que você gostava mais, assim? De quais matérias? Você lembra de algum professor...
R1 – Matemática, Exatas. Exatas, né? Sempre foi Exatas, sempre gostei bastante de Exatas. É sempre ...Número sempre fui, assim, tive mais facilidade. Gosto de estatística. Eu acho que estatística, se você entender bem, que não é o meu caso, estudar bastante, você… tem tudo a ver com a sua vida, entendeu? Tudo é baseado em estatística. Não tem como você fugir dela. E número é uma coisa exata. Não dá pra você interpretar. Não tem discussão, com número. Então, eu sempre tive esse norte, essa ideia, pra gostar de Exatas, entendeu?
P1 – Sim. E no seu dia a dia, quando você era criança e depois jovem, adolescente, você… como que era? Você ia pra escola e depois você ia pra loja também ou você tinha outras atividades...
R1 – Eu comecei a trabalhar aqui com 16 anos.
P1 – Hum.
R1 – 15 pra 16 anos. Eu estudava de manhã e vinha pra loja após o almoço, né, e, assim, passei por todos os tipos de serviços, de trabalho aqui da loja: eu fazia, no começo, trabalho de Banco, que seria trabalho de contínuo, do meninozinho se iniciando, né?
P1 – Sim.
R1 – Daí comecei a colocar mercadoria na vitrine, tirar mercadoria da vitrine, né, esses serviços básicos, entendeu? Daí a gente… teve, teve um... estava tendo muito, eu lembro muito bem que as vendas estavam aumentando, as vendas a prazo, então a parte do crediário estava precisando de uma força. Peguei, aprendi tudo, fazer o crediário. Eu tenho grande satisfação, privilégio, na verdade, de fazer parte de uma geração que informatizou as empresas, entendeu? Minha geração, ela trabalhou tanto no papel, como no computador, entendeu?
P1 – Uhum.
R1 – Então, você pode pegar os empresários de 54, 52 anos, cinquenta anos, eles tiveram esse privilégio, de fazer a informatização da sua empresa, entendeu? Porque hoje um garoto aí pra trabalhar não sabe como faz pra trabalhar sem computador, entendeu? Nem dá pra trabalhar, também. Mas não sabe como era antigamente. Então, fazer uma contagem de estoque, por exemplo, através de uma tabela no papel almaço.
P1 – Sim.
R1 – Era assim que fazia. Fichinha de crediário era feita na máquina de datilografar. Tenho até a máquina...
P1 – Certo.
R1 – … que eu comecei a trabalhar guardadinha como lembrança, entendeu? Eram fichinhas, então eu tinha um caderno com o nome dos clientes. Proteção de crédito. Você tirava referência com colega. Fazia assim as fichinhas do cliente, né, e falava pra ele: “Onde você costuma trabalhar, comprar a prazo?” “Compro na Casa Burgo” “Ah, tá, obrigado”. Daí você enrolava, pra não ficar meio constrangedor, daqui a pouco ia lá e ligava pra Casa Burgo: “Você conhece fulano de tal? Compra bem?” “Compra”. Falava: “Beleza, vamos vender pro cidadão”.
P1 – Sim.
R1 – E sempre assim. E os caras que trabalhavam, os clientes que trabalhavam no Banco do Brasil e na ferrovia, não se tirava, praticamente, referência, tinha crédito aberto, eram pessoas diferenciadas, eram clientes diferenciados, só pelo motivo de trabalhar nessas duas empresas. Eram referências, entendeu? Trabalhava na Fepasa, ferrovia, tal e Banco do Brasil, nossa, era uma maravilha, porque sabia que você comprar e você ia vender com bastante tranquilidade. E aí eu comecei na loja, a fazer esse tipo de serviço, daí comecei a participar de feiras com meu pai, né? Meu pai começava a atender os representantes, porque tinham muitos representantes naquela época, né, e eu ficava do lado deles, né? E era o único acesso nosso à mercadoria, né? Daí vieram as feiras. Acabaram… as feiras acabaram com a profissão do representante comercial no meu ramo, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – Que daí concentravam as feiras em São Paulo e não tinha o porquê o cara pegar a mala e sair pra viajar e tal. Por um lado foi bom e pro outro lado, não. Eu prefiro atendê-los aqui. Tanto é que tem uma curiosidade: quando nós reformamos a loja aqui, eu fiz toda a reforma, levantamos dois sobrados aqui, nós fizemos um apartamento, né? Eu fiz um apartamento aqui...
P1 – Sim.
R1 – … fiz um apartamento pra poder hospedar os representantes, entendeu? Que seria uma entrada lateral naquele corredorzinho que hoje é o cafezinho, pra eles ficarem mais à vontade, pra poder ter maior trânsito, dentro… com esses cidadãos que iam sair pra estrada, pra viajar, entendeu? Isso acabou. As feiras enxugaram bastante esse tipo de atendimento, né? Questão de custo também, sair na estrada hoje não é fácil, né? E eu… eu comecei a frequentar feira, tal e engajar. Enfim, hoje eu costumo brincar que, nessa época da pandemia, o pessoal teve que ficar em casa, eu revivi tudo isso, né? Cheguei a fazer uma vitrine, né? Cheguei a limpar uma prata, atendi, peguei minha malinha e fui atender as pessoas aí que lembraram da gente, né? E... a única coisa que eu não consegui até hoje fazer é um pacote bonito de presente. Isso é fato. Eu tentei, juro que eu tentei, mas não consegui. O resto a gente consegue fazer de, desde limpar uma prata, até a parte contábil, a gente teve que aprender, senão a coisa não anda.
P1 – E, Roberto, quais são os produtos assim, que tem dentro de uma joalheria, obviamente fora joias, porque você falou que limpou prata, tudo. Vocês… vocês compram o que pra vender? O que o pessoal quer?
R1 – Olha, veja só: antigamente, naquela época que eu te relatei, das portas, que não existiam portas de ferro, que não tinha nem cofre, né? Não tinha um… você vê, não era prata. Se você vendesse uma joia em prata, você não era um joalheiro, entendeu? Eram coisas bem mais pesadas, coisas que hoje não se vende com tanta facilidade, né? Então, correntes pesadíssimas de ouro, anéis de brilhantes pesados, tal etc. Com o decorrer dos anos e a mudança - não falo nem questão econômica – mudança de hábito de consumo da sociedade, as coisas foram mudando, né? Nós trabalhamos também bastante com presentes, né? Antigamente não se fazia listas de casamento por internet, né, agora é… as pessoas deixavam a lista aqui na loja, né?
P1 – Sim.
R1 – Então... pratarias, era...era... como se fala? Faqueiros de prata, faqueiros de aço, baixelas. Nunca ouvi mais alguém falar em comprar baixelas de prata. Sousplats, né? São nomes que hoje não tem mais, né?
P1 – Certo.
R1 – Cristais tem alguma coisa ainda aqui, cristais da… importados, muito bonitos, né? Então, as pessoas deixavam a lista aqui e muitos clientes, por sinal, recebiam os convites de casamento e mandavam… ou algum funcionário ou pessoalmente vinham tomar um café aqui e punha, escrevia assim, descontava o valor que ele gostaria de presentear e eles deixavam os convites aqui. Era responsabilidade da gente fazer isso. Então, era uma responsabilidade muito grande. Você tinha que impressionar o noivo e a noiva. Aquela importância, aquela responsabilidade passavam pra nós...
P1 – Sim.
R1 – … entendeu? Então… e muitas vezes o cidadão nem sabia o que… o que dava pro noivo e pra noiva, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – A gente fazia o cartão, tudo, porque eram empresários assim... recebiam muitos convites e deixavam essa responsabilidade pra gente. Até teve uma ocasião engraçada, que o cidadão estava num buffet e o noivo falava assim: “Eu vou inaugurar o presente com você, hein?” e ele não sabia…
P1 – O que era…
R1 – … o que ele tinha dado. Daí ele pediu pra... o telefone, pra usar o telefone do buffet, porque antigamente não tinha celular e ele ligou pra nós: “Olha, por favor, me fala aí o que eu dei, porque eu estou ficando meio sem graça”. (risos) “Olha, você presenteou isso e isso” “Ah, beleza, então”. Daí ele foi lá, brincou com o noivo e tudo.
P1 – Sim.
R1 – Então, era… são curiosidades, entendeu, que acontecem, tal. Como datas também, até mais importantes de clientes aí, como aniversário de casamento, tudo, a gente sempre estava lembrando, pra… pra não passar em branco. Isso naquela época. Depois, com o decorrer da época, veio a prata, forte, tá? Então, é uma joia que é confeccionada com a mão de obra de ourives, né, não é uma coisa, assim, estampada, nada, são joias muito bem elaboradas, né, e alguma coisa também com folheado, mas muito pouco, né? E diversificou bastante. E a loja é muito grande também. Temos que sempre dar opções, bastante, aqui, né? Agora, uma joia que sempre vendeu e sempre vai vender, nunca saiu de moda, lógico, seriam as alianças de casamento, né? Essas, sim, eu tenho mais de duzentos modelos aqui na loja, a gente confecciona, até o modelo que a pessoa queira fazer com exclusividade, a gente faz também questão de joias, também, a gente consegue fazer, desenvolver. A tecnologia ajudou muito a gente agora nisso aí. Os profissionais… o profissional que eu trabalho é um cara muito competente, entendeu? Você pode pegar, sei lá, um grampeador, você me dá, ele coloca no computador, faz um negócio de 3D lá e sai em ouro, entendeu? Hoje está bem diferente a coisa.
P1 – Legal!
R1 – E as alianças assim... sempre foi. Hoje eu estou vendendo aliança pros netos dos caras que compraram aqui, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – Vendo aliança de bodas de ouro pro avô e noivado pro neto. Então, você faz parte da família,você trabalhando com joias, você está entendendo? Daí, você vende aliança de casamento pro cidadão, daí... não, primeiro começa pelo noivado, né? “Ah, estou namorando”. Começa o compromisso. Aliança de prata. Daí começa: “Vou ficar noivo”. O cidadão compra sempre um anel solitário, que é marca bem andada, né? Você vai fazendo parte da história, né? Daí o casamento. Daí vai nascer a filha: brinquinho, vem aqui, pulseirinha. Vai nascer o filho: anjinho da guarda. Isso você projeta isso pra 58 anos... Quantas famílias já não passaram aqui e a gente vendeu brinquinho, aliança, pingente, tudo fazendo parte da família, entendeu? Isso é muito gostoso, satisfatório, né?
P1 – Excelente! Fica marcado na história da loja e na história...
R1 – Da loja. Não, e assim, não tem um cliente que não vira amigo e não tem amigo que não vira cliente, né? Eu sempre falo assim, com todo respeito: existe uma diferença muito grande entre o comerciante de joia e o joalheiro. O comerciante, aquele… aquele empresário dinâmico, que gostaria de ser um pouco mais, assim, visando bastante a qualidade do produto, com aquelas… com todas aquelas características de empresário, mesmo, de comércio, né? Já o joalheiro é o cara que se envolve emocionalmente com o ramo. Eu acho que a gente se enquadra aí, entendeu? Eu não penso só em vender. Eu penso em passar uma certa informação, uma certa emoção no que eu estou vendendo, entendeu? Eu tenho muito prazer em falar de que tipo de ouro a pessoa está usando, de que forma foi confeccionada aquela joia, entendeu? O brilhante, o tamanho, lapidação, já é mais complicado, também é difícil saber tudo, né? Mas o pouquinho que a gente sabe, a gente gosta de passar a informação pro cliente, passando mais emoção, mais dedicação aí. Com todo respeito ao dinamismo dos empresários mais… mais enérgicos aí com o comércio.
P1 – Sim. E, Roberto, mudou muito da época que você nasceu, era... A estação de trem era o lugar mais movimentado da cidade, aí pertinho, né? Então, vinha muita gente de fora, tal. Mudou muito o perfil do consumidor, né? Talvez até pela mudança da cidade de Bauru, que foi tudo pra zona sul.
R1 – Isso, tá, legal, veja bem… Quando eu comecei a trabalhar aqui, com 16, a ferrovia já não estava legal. Estava fechada, entendeu? Meu primeiro emprego, na verdade, eu agenciei… eu ia fazer o recadastramento do seguro de vida da Fepasa, dentro da companhia de seguro. Já estava bem parado. Tinha 15, 16 anos na época. Tava bem parado… Quando... Com 16, quando eu vim pra loja, estavam extintas, praticamente, viagens eram muito poucas, entendeu? Mas, assim, a questão do consumidor, na época que eu trabalhei, era a Batista. Não tinha shopping, não tinha nada. Então, era uma sociedade menor, onde você podia conversar, você vendia uma peça pro cidadão hoje, você ia jantar no Tênis, no restaurante e às vezes encontrava o cara lá presenteando a esposa.
P1 – Sim.
R1 – Hoje é difícil ver isso, né? Nós temos N possibilidades de você jantar fora hoje, né? Antes, não. Era bem mais... e daí, conforme foi passando o tempo, foi não só aumentando o tipo de consumidor, os consumidores, mas como foi também... teve um grupo de consumidores que ficou rotativo, entendeu? Estudante, pessoal que fazia curso no Centrinho, por exemplo, comprava muito aqui. Vinha muito gente de fora, na Márcia Joias, comprar pedras… pedras brasileiras etc. Isso ficava rotativo. Não só o fixo, como também começou a aume ntar… Tem um grupo de consumidores que era rotativo, entendeu? Até hoje nós temos a Abrasel aí que tomou conta da cidade, praticamente, hoteleira da cidade. Tem hotel que está aqui na nossa cidade, popular. E não só popular, tem casas de condomínio sendo alugadas por diretores, tal. Então, já é um outro tipo de consumidor que girou, né? Enfim, mas antigamente era uma sociedade fechada, uma sociedade que você conhecia todo mundo, você saía na rua e era mais fácil questão de você negociar também, né?
P1 – Certo.
R1 – E… do que você... do que uma pessoa que você… você entra... uma pessoa entrava na loja eu sabia o que ela gostava: se era… tipo de joia, tipo de presente. Hoje você tem que fazer um tipo de uma entrevista, assim, com a pessoa, pra sentir rapidinho o perfil dela, pra você acertar na venda, né?
P1 – Sim.
P1 – Esse eu acho que é o grande diferencial que nós temos.
P1 – e a… e a… Ah, entendi. E a subida lá pro shopping? Quando vocês resolveram abrir, foi logo no início do shopping, né? Aí, como foi esse começo?
R1 – Então, o shopping, vinte, trinta anos atrás,né, novidade. Nós adquirimos a loja logo de começo que foi lançada, né, foi construída, fizemos lá, a loja ganhou um prêmio, a loja mais bonita que tinha na inauguração, né, foi bacana até. E, assim, como todo começo, a gente bate cabeça, você entendeu? Achávamos que ia ser diferente. Já tinha aí seus... nós estamos com trinta anos... tinha trinta anos, quase, a loja aberta e achávamos que íamos tirar de letra. Não. Shopping é um consumo totalmente diferente,entendeu? O shopping vendido é bem diferente do que o shopping comprado. Hoje, se você falar pra mim, assim: “Você quer abrir uma loja no shopping?” “Não”. Como eu falei pra você: eu gosto de Centro. Mas vamos ali? Vamos. “Eu te vendo uma loja ou você aluga uma loja no shopping, comprado? Eu preferia… ou de um shopping alugado?” Eu quero shopping alugado, com um dono só. O cara vai tomar conta e você é o inquilino, entendeu? Batemos muita cabeça no shopping. O shopping demorou pra aprumar, assim dizendo, entendeu? Na verdade, o shopping aprumou a partir… Depois que veio um investidor pra cá chamado Ricardo, um banqueiro, aliás tivemos o prazer de recepcioná-lo aqui na cidade, tal e aí teve o dinamismo profissional de shopping e aí o shopping foi embora, firmou, mas demorou mais de 15 anos, entendeu?
P1 – Eu não sei se eu estou certo, mas logo que abriu o shopping o pessoal ia mais lá pra passear. O público continuou na Batista, né? Demorou pra ir pra lá? Ou não?
R1 – Não tinha o costume… não tinha o costume de shopping, entendeu? E o formato que foi feito o shopping não era o correto, era todo mundo prematuro ali, entendeu? Não era certo. Era uma galeria grande, entendeu?
P1 – Certo. Entendi.
R1 – Daí hoje não. Hoje o Bauru Shopping é uma maravilha, poxa vida, né? Tirando a pandemia, lógico. Tem a sua vida, expande toda hora, existe investimentos, grandes marcas estão lá, puxando o consumo pra lá, é uma maravilha hoje, o shopping. Não tenho mais loja lá…
P1 – Sim.
R1 – ...mas eu tiro o chapéu, hoje, pro Bauru Shopping. Nossa, sem dúvida nenhuma. Valeu a pena esperar os 15 anos aí, pra colher os frutos, aí. Mas aprendemos, né? A gente nunca sabe de nada, na verdade, né? Entramos num comércio, depois de trinta anos de janela, sabemos alguma coisa? Não sabemos. Tivemos que aprender do zero.
P1 –Certo.
R1 – Entender como funcionava o mecanismo dos shoppings. Daí foi se encaixando.
P1 – Está certo, Roberto. E como é que funciona a propaganda, no seu ramo, assim? Porque propaganda é uma coisa importantíssima, né, mas que tipo de propaganda?
R1 – Olha, a gente nunca teve, assim, uma campanha forte, tá. Poucas vezes a gente investiu em propaganda. O ramo não tem muito hábito disso, entendeu, de você fazer propaganda em televisão. O meu ramo. Vamos falar do ramo joalheiro, não do comerciante de joias, tá? Então, a gente sempre, graças a Deus, aquele antigo ditado, a ‘propaganda de boba a boca’, né, sempre foi o nosso forte, entendeu? E, por mais que eu achasse estranho, está acontecendo agora com a entrada da mídia, né? Whatsapp está indo muito bem, no nosso, na nossa... porque você consegue manter a discrição do negócio e usar a modernidade aí, né? Então, a propaganda, a mídia, a gente nunca fizemos uma coisa forte, assim. Sempre uma coisa bem discreta, patrocinando alguma coisinha ali e outra ali.
P1 – Você acha que, mesmo que fosse em São Paulo, assim, não precisaria de propaganda? É mais nessas mídias sociais?
R1 – Em São Paulo tem, assim, os seus joalheiros, mais ou menos parecidos conosco, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – Existe… a gente conhece bem as pessoas lá, a gente tem bastante trânsito, 58 anos, né? E existe também os joalheiros que nem loja têm. Eles têm os ateliers e as pessoas vão lá, entendeu? É um outro tipo de mercado, do que aqueles joalherias... redes de joalherias que atuam em shopping center fortemente, aí, entendeu? Também tem e não são poucos, são bastante, maioria judeus né, que dominam aí, mais ou menos, esse mercado lá na capital. É outro tipo de mercado.
P1 – Sim. Voltando pra sua vida, né, pessoal, você disse que você ficou lá no São José até o terceiro colegial, começou a trabalhar com 15 pra 16 anos e foi pra faculdade, na ITE, fazer Economia, né? Quando que você descobriu que ia encarar a loja, mesmo? Que era isso que você queria.
R1 – Na reforma… na reforma, que estava precisando reformar a loja, entendeu? A gente tava... não estava dando certo mais a questão de cliente, o layout da loja e resolvemos fazer uma reforma muito grande, né? O vovô e a vovó não estavam mais aqui, né e daí eu parei a faculdade, pra ficar me dedicando à reforma da loja. E essa reforma demorou dois anos e, por incrível que pareça, em dois anos nós paramos de trabalhar meio período só. Eu fiz as reformas tudo, assim, dividido: reformava uma parte, passava a loja pra aquela parte, entendeu? E eu me lembro muito bem que, quando nós fechamos a loja pra fazer o forro de gesso, eu fiquei num desespero muito grande, porque eu tava… eu comecei a atender as pessoas na porta, que ia pegar conserto, ia deixar conserto e o gesseiro, na época, era o Nicolau, que hoje tem uma empresa muito grande de gesso, se sensibilizou comigo, disse: Você está desesperado, eu te dei um prazo, né, de uma semana pra fazer”. Eu falei: “É, não sei o que eu vou fazer”. Ele falou: “Não, fica tranquilo”. Daí ele chamou um monte de gente pra trabalhar e ele fez o gesso em meio período. Na segunda-feira nós já começamos a trabalhar novamente, né? Foi aí que eu parei a minha faculdade, eu falei: “Não. Aqui eu tenho que ficar” e daí começou um monte de coisa decorrente à reforma, né, começou já a informatização, já estava bombando, né e contratar mais gente e o dinamismo foi bem maior e eu fui esquecendo a faculdade e falei: “Não, é aqui que eu tenho que ficar, mesmo, né?” Enfim, daí ficou aquele corredorzinho parado lá, né?
P1 – Hum.
R1 – E aqui, no quarteirão sete, foi a primeira loja do Fran’s Café. Não sei se você se lembra, em 1974, o Zé Roberto e o Zé Francisco Conte inauguraram aqui a primeira loja Fran’s Café. E ali eu levava meus clientes, eu levava meus fornecedores, todos os dias. Eu tinha uma conta lá no Fran’s e a pessoa, conforme ela vinha aqui, os empresários, falava... e o Fran’s já começou a aumentar a franquia dele e expandir, conhecido no Brasil inteiro, aliás é uma referência de franquia. Se existe franquia de cafeteria no Brasil, deve ser o Fran’s, nosso, bauruense, aqui, né? O Zé... o Francisco Conte. Francisco Conte. Fran, Amigo, cliente nosso aqui da Márcia Joias.
P1 – Certo.
R1 – E… daí eu levava lá e falava: “Você vai tomar café no primeiro Fran’s do Brasil e do mundo”, que o Fran’s, se não me engano, teve projeto até pra abrir em Cancún, Miami, o caramba. Não sei, alguma coisa assim. E levava, fazia aquilo. Daí o Fran resolveu fechar o café. Eu falei: ‘Puxa vida, não faz isso. Transforma isso num Museu Fran’s Café” “Não, vou fechar, fechar”. Aí eu fiquei órfão de café, eu fiquei órfão de café... “Onde eu vou levar meus clientes, né? Vou montar uma copinha aqui na loja, botar uma máquina, tal, tal, tal”. E aí continuo, né, fazendo... atendendo meus clientes, toma um cafezinho aqui, dá aquele upgrade no atendimento, né? Daí eu fui ver custo, tinha que contratar, falei: “Nossa, não vai dar certo isso” e olhei pro corredorzinho do vô, onde passavam os meninos pra entregar…
P1 – Sim.
R1 –… os pastéis. Ele falou: “Olha, acho que vai dar pra montar um cantinho aqui, ó, faço… monto uma cafeteria, atendo o público externo e aí atendo os meus clientes”. E conseguimos montar o cafezinho, em 2003, né, 18 de outubro de 2003, aniversário da minha filha. Inaugurei o cafezinho ali naquele corredorzinho, não sei se você conhece, teve o prazer de tomar café ali.
P1 – Tomei muito café. Já fui, sim.
R1 – Quando você retornar, vou fazer questão de eu mesmo fazer o café pra você, tá bom?
P1 – (risos) Tá legal.
R1 – Daí começamos e eu estava com um problema, também, que não era problema: a Márcia Joias sempre foi ponto de encontro político na cidade. Sempre, a vida inteira. Aqui saiu prefeito, saiu vereador, saía deputado. Sempre foi, depois do cafezinho aberto, mais ainda, agenda de governador, de presidenciável, agenda de presidente da República, entendeu? Sempre foi. Tanto é que, de manhã, eu chego aqui, eu vejo uma viatura parada, eu pergunto: “E aí?” “Vai ter um político importante passando aí e vai querer tomar café aqui”. Então, eu já aumento gente. Então, sempre teve essa tradição aqui, na Márcia Joias. E isso estava atrapalhando o movimento da loja.
P1 – Sim.
R1 – Você imagina sábado de manhã, você vem com sua esposa, sua namorada aqui, senta num estabelecimento onde tem vinte homens discutindo política. Você vai embora. Não tem por quê. Então, o cafezinho veio a calhar. Eu joguei todo esse povo lá fora, nas mesas e o pessoal fica lá nas mesas discutindo política e é muito gostoso, né, você participar da cidade, isso aí, porque no Centro da cidade acontece de tudo. É daqui que saem as coisas, entendeu? Se for pra fazer alguma passeata, sai do Centro da cidade, entendeu? Qualquer novidade o pessoal vem pro Centro da cidade, entendeu? Político que se preze faz campanha onde? No calçadão…
P1 – Calçadão.
R1 – … você entendeu? (risos) Então, é legal você participar dessa vida, também. Não é ruim, não.
P1 – Sim.
R1 – Então, eu montei o cafezinho, né… eu montei o cafezinho, por causa do Fran’s, né, abandonou nós aqui e eu montei um cafezinho que foi um sucesso, cara. Hoje o cafezinho de hoje é o nosso… nosso xodó. Meu e de muitos, né? Que a gente abre aqui às seis e meia da manhã, fecha às sete e é uma alegria… é uma alegria servir o pessoal aqui.
P1 – Legal. E você me deu uma... um furo aí, porque todo mundo sabe da fama do encontro político do cafezinho, mas então quer dizer que foi antes… antes mesmo do cafezinho, na Márcia Joias?
R1 – Muito antes… muito antes. Eu fazia... eu fechava a loja meio-dia e meio, uma hora e já começava a servir o aperitivo no fundo, na ex casa do meu avô.
P1 – Sei.
R1 – Muitos já vieram aqui: Quércia, Fleury vinham direto aqui, enfim. Fleury gostava de ler jornal aqui no fundo da loja.
P1 – Sim.
R1 – Ele parava… parava lá, a comitiva chegava: “Ó, dá licença?” Pegava e ficava lendo jornal lá no fundo, entendeu? Campanhas de prefeito, governador, o pessoal gostava de usar: “Ó, o fulano de tal vai estar em campanha e precisa usar o banheiro, tomar um banho”. Já ficava por aqui mesmo, entendeu? Isso bem antes do cafezinho. Aliás, posso falar pra você? Os mais importantes foram antes do cafezinho, entendeu?
P1 – Sei. Anterior. Aí era com o seu pai, né? Eles vinham...
R1 – Eu tinha que correr. Por exemplo: meu pai ficava fazendo o social e eu tinha que correr atrás de água, atrás de salgadinho, pra atender o pessoal no fundo, porque era muita gente… era muita gente, entendeu? E queimava uma carninha também no fundo da loja, de sábado à tarde, já fazia aquele... também, ninguém é de ferro, né? A gente aproveitava um pouquinho também.
P1 – Está certo. E nunca deu briga política, assim, quando começou?
R1 – Não, não. Isso nunca. Sempre respeitado…
P1 – Sim.
R1 – … sempre dentro do humor também.
P1 – Sim.
R1 – Eu me lembro que briga, não. Teve acertos. Acertos teve muitos. De alguém que estava brigado e que o papai teve que intervir aí, pra unir… pra unir… Uma coisa que eu me orgulho muito do meu pai - além de muitas coisas… muitas coisas, eu devo tudo ao meu pai, meu pai hoje ele é… nossa mano, é uma referência minha e de muitos, né, devo tudo a ele e à minha mãe, sem dúvida nenhuma – é que meu pai, ele sempre foi politizado, mas ele nunca foi político, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – Meu pai sempre foi relacionado a esporte, mas nunca aceitou ser secretário de esporte, entendeu? Até ele teve o convite de ser secretário de esporte e falou: “Não. Olha, dá posse pra outro, mas me dá o trânsito, que eu faço a secretaria”. Isso me orgulha muito, do meu pai e eu acho que eu herdei um pouquinho: a gente é sempre politizado, mas longe de ser político, entendeu? Sempre apoiando, né?
P1 – Entendi. Roberto, e o seu pai não teve nenhuma resistência às mudanças que você implementou, né? Por exemplo: teve que informatizar a loja. Você que fez o cafezinho...
R1 – Sim. Teve muitas… teve muitas. Foi difícil. Não foi fácil, não. A informatização, por exemplo, foi uma briga. Eu precisava, queria, estava necessidade, falava: “Preciso comprar um computador” “Compra o computador”. Daí eu comprei o computador e falei assim, ó: “Temos que fazer o sistema” “Ué, como assim? Já investi no computador, esse troço aí tem que funcionar”. Cara, eu não posso nem mostrar pra você, daí eu pensei: “Como eu vou fazer?” Daí eu fui fazer um curso chamado Datapro. O Benedito, que hoje toma conta do meu sistema, ali da Innovae Computadores, até hoje ele toma conta do sistema da loja. Me deu um curso de dBase. Eu peguei livros na Jalovi, consegui um programa pirata e ali eu ralei. Comecei a fazer planilhinha, tal e outra: não tinha Windows, né? Era tudo no comando. Você dava o comando copy. Hoje você clica no copy, né?
P1 – Sim.
R1 – Era tudo no dBase, era tudo no DOS, né? Até hoje eu mexo com DOS. E que eu entendo pouco, mas pelo que eu percebi, Windows só pegou o comando do DOS e pôs teclas, né? Clips. Você não precisa digitar, você precisa clicar. E ali eu peguei. Fiz, informatizei a loja na raça. Daí teve, surtiu resultado, né, meu, a coisa foi andando e daí foi... fomos colocando aí o sistema certinho, tal, em HD, daí foi pra nuvem, foi toda uma transição, né? Mas tive resistência, muitas coisas… muitas coisas Até hoje a gente tem resistência, eu com ele e é salutar, é isso que faz acontecer, entendeu? “Ó, nós temos que atender tal cliente, vai pra aquele lado”. Eu falo: “Não é pra esse lado, é pra esse”. Aí a gente senta, conversa: “Ó, você tinha razão nisso e eu tinha razão nisso. Beleza, deu certo”. Se você viver mil maravilhas, alguma coisa está de errado.
P1 – É verdade. Roberto, e como é que foi a experiência ruim, né, da pandemia o ano passado e está perdurando até hoje? Como vocês encararam esse desafio, né?
R1 – Veja bem: eu relatei pra você agora, aí, que eu fiz uma reforma de dois anos na loja e eu fechei meio período. A loja tem 58 anos e fechou meio período. Então, no dia 19 de março do ano passado começou aquela história de fechar, não fechar. Eu fui almoçar junto com os outros empresários, daí chegou o pessoal do Banco, eu fiquei meio assim, já estava meio nervoso, meio perdido, vacilei, roubaram meu celular e eu fiquei sem celular naquele dia, fiquei sem interagir e as portas se fecharam no sábado, dia vinte. E não se abriram mais. Então, quer dizer: a parte psicológica da coisa foi terrível, foi terrível. Pô, eu sou um cara que só via minha loja aberta, você ver trinta dias aquelas portas fechadas, eu chegava aqui no calçadão, eu não parei de trabalhar, vinha todo dia que eu tinha que pagar conta, tinha que ver questão... então eu vinha na loja todo dia. Só tinha eu aqui no calçadão, mais ninguém. Parecia um filme de zumbi.
P1 – Sim.
R1 – Foi uma questão… foi horrível! A gente está aqui há tanto tempo, nós passamos por tanta coisa já, passamos por vários pacotes econômicos, onde você era jogado nos leões. Era tablita, depois veio o Collor e te deu só cinquenta reais pra você viver e aquilo era meio que te motivava a ir pra um outro lado. Agora, fechar portas! Você entendeu? Proibir você fazer o que você sabe fazer de bem, é um sentimento de impotência muito grande. E isso pegou bastante, entendeu?
P1 – E você…
R1 - Oi?
P1 – E o que você teve que fazer? Você teve que mandar os funcionários... pra casa…?
R1 - Sim, funcionários antigos. Funcionários… Todo mundo. Tivemos que tomar conta da saúde, né?
P1 - Sim.
R1 - Todos pra casa. Começamos a trabalhar através da internet. Não se vendia nada. Trabalhar, mas era uma coisa só pra falar que vendia uma coisinha aqui, outra coisinha lá, entendeu? Graças a Deus a gente tem uma carteira de clientes que nos prestigiou e deu pra tocar mais ou menos nessa época aí, entendeu? Mas está sendo muito forte agora também, entendeu? A pandemia, ela economicamente, foi terrível, entendeu? Isso a gente estava prevendo ano passado. O ruim era a cabeça da gente ano passado. Hoje vai ser o real, entendeu? Vai apertar o desemprego agora, entendeu? As lojas estão fechando. Fecharam duas lojas importantíssimas aqui na Batista de Carvalho. Importantíssimas. Essa é uma notícia muito péssima, entendeu? E, assim, graças a Deus, a gente teve formação dentro da loja. A gente… como eu falei, a única coisa que eu não sei fazer é o pacote. Então, eu, hoje, por exemplo, atendi uma pessoa de portas fechadas, pela internet, entreguei… levei na porta pra ela, que não pode ter essa... esse… esse contato, né?
P1 - Certo!
P1 - Mas, enfim, a pandemia… ela veio com uma crise totalmente diferente, que o mundo nunca teve, né? Que a gente estava acostumado, porque o brasileiro está acostumado com crise. Todo mundo... Não existe no mundo um país que sabe tocar uma crise, como o nós, entendeu? Qualquer tipo de problema que você vai ter no país, que esteja estável economicamente, por muito tempo eles se desesperam. Nós, não. A gente sabe tocar. Sabe, a gente sabe criar alternativas. A partir do momento que você esteja trabalhando. A partir de que você esteja fechado, trancado, você começa a entrar numa espiral descendente de conta, de falta de dinheiro e de cabeça ruim. Daí, como é que você sai? Eu costumo falar que o consumo não é uma questão econômica, é uma questão de estado de espírito. O cara pode estar duro, devendo o que for, entendeu, a menina aceita ele em casamento, ele vem comprar alguma coisa, ele pega dinheiro emprestado, ele vai lá. Ele está pra baixo, ele está deprimido, ele pode ter um milhão na conta, ele não vai sair pra comprar. Você lembra das torres gêmeas, 11 de setembro? O que nós tínhamos a ver com aquilo?
P1 – Parou o trabalho. (risos)
R1 – Acabou. Não vendi nada aquela semana.
P1 – Sim.
R1 – O estado de espírito estava todo mundo dominado por um pessimismo horrível. Ninguém gasta, ninguém consome triste, entendeu? E a gente foi induzido, certamente ou não, por um pânico, que é a tristeza agravada…
P1 – Sim.
R1 – … entendeu? Como que pessoa vinha... vai consumir em pânico? Ninguém. Você está me entendendo? Então, eu acho assim... o grande problema da pandemia, pro comércio, foi o pânico que foi instaurado.
P1 – Sim.
R1 – Com todo respeito à gravidade física, eu tenho um belo de um medo, me cuido muito, entendeu? O papai vem trabalhar? Vem, mas por questão de cabeça, entendeu? Ele ficou cento e vinte dias o ano passado em casa, mamãe faleceu, não de covid, graças a Deus, porque foi o tempinho dela e ele, se eu não trago meu pai pra trabalhar, perco meu pai também, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – Então, tem esse lado da pandemia que eu acho que tem que ser visto com um pouco mais de carinho, entendeu? Não é ganância, não é sabe: “Quer vender, é tudo mercenário”. Não é por aí. É exercer o trabalho. É você se sentir útil. É você escapar daquela sensação de impotência que você tem, entendeu? E eu acho que a pandemia foi muito dura nesse aspecto dentro do comércio, né?
P1 – Uma questão de saúde psicológica.
R1 – De saúde mental, que a gente tem que dar valor também. Não se falam aí, no mundo inteiro, que a doença do século é a depressão? A que mais mata. Por que nós vamos potencializar isso aí?
P1 – Sim.
R1 – Não podemos. Entendeu? Nós temos que tranquilizar. Fazer a gente… exercitar aquilo que a gente sabe fazer de bem, né? Pra mim, na minha opinião, o que mais pesou, na pandemia, foi isso. Com todo respeito às normas de saúde, eu acho que tem que se pensar também na saúde mental de quem vive, de quem tem que pagar a sua conta, de quem tem a sua família pra sustentar, que não é fácil, entendeu? A gente está sentindo na pele hoje, mais do que o ano passado, a gravidade disso aí. Deveria ter um pouco mais de equilíbrio, na verdade, entre economia e saúde, né? Com todos os cuidados devidos, né? A pandemia veio diferente de qualquer outro tipo de crise. A gente estava conversando isso outro dia. Afetou um monte de coisa, um monte... e você cria válvulas de escape dentro de uma crise, pra você se dar bem, entendeu? Por exemplo: numa… no Sarney, inflação de guerra. Tem coisa pior que isso?
P1 – Ele congelou.
R1 – Tinha que pagar pedágio pra comprar carne.
P1 – Sim.
R1 – Não era pra gente falar que nessa época era pior que hoje, a economia? Não.
P1 – Não.
R1 – Pra gente? Não. A gente vivia, naquela época. A gente saía. A gente brigava, a gente denunciava fulano que estava escondendo o produto no fundo do estabelecimento. Ganhava-se na compra, entendeu? Você trabalhava, você fazia o exercício do seu trabalho, entendeu? Hoje você fica trancado em casa, as portas fechadas, aquele sistema, aquele clima horrível. É a pior das piores crises pra economia. Pena… pior ainda: associada a saúde, né?
P1 – Sim. Roberto, são 58 anos de loja, né? Você...
R1 – Não que eu tenha 58 anos, sou segunda geração, hein?
P1 – Sim. (risos) Mas de loja, né?
R1 – De loja, de loja.
P1 - Então, teve um monte de outras crises. Teve a do Sarney. Qual outra que você se lembra? A hiperinflação foi ruim pra vocês? Lembra da...
R1 – A hiperinflação foi o Sarney.
P1 – Aí ele congelou tudo, né?
R1 – Eu lembro nessa época aí que a gente trabalhava baseado em indexadores. Você não tinha moeda, mais.
P1 – Sim.
R1 – O salário-mínimo virou uma moeda. “Ô, quanto você vai cobrar pra carpir o quintal... o terreno?” “Ah, meio-salário”. Você lembra disso?
P1 – Lembro.
R1 – Não tinha mais dinheiro. Tinha o dólar, tinha o ouro, tinha o Ufir, se não me engano, na época do Sarney. Então, era difícil, cara. Porque era assim: você ia comprar uma mercadoria baseado no ouro, né?…
P1 – Sim.
R1 – Daí o cara falava assim, ó: “Eu vou faturar pra você. Até as onze horas, se eu emitir a nota fiscal, é um preço. Daí nós não vamos trabalhar das onze a uma e da uma às quatro é outro preço. Você vai fechar que horas?” Era assim que funcionava. Puts, era horrível, mas da mesma forma, fazia você correr, entendeu?
P1 – Sim.
R1 – Fazia você trabalhar, você exercitar sua cabeça etc. Eu acho que o mais difícil foi a hiperinflação na época do Sarney e do Collor, que teve que fazer uma ginástica aí, que ele bloqueou o dinheiro… e daí você tinha… você podia pagar… e o dinheiro bloqueado só podia pagar conta, alguma coisa parecida. Foi assim: eu era muito novo e a gente tinha que estar lendo sempre, lendo, se informando. A internet não existia, praticamente, naquela época. Nem existia naquela época. Era jornal, era jornal... As notícias saíam na televisão e no rádio, né? Como é que chamava mesmo aquela ministra do Collor lá? Esqueci o nome dela.
P1 – A Zélia?
R1 - A Zélia Cardoso. Pelo amor de Deus! Quando aquela mulher aparecia na televisão, gelava a barriga.
P1 – Sim.
R1 - (risos) Você lembra disso? Então, enfim, lembro dela dando notícia dos cinquenta reais. Se eu não me engano estava no shopping. Enfim, as piores foram essas daí. Teve muitas, né? Até vir com o real, com o Fernando Henrique aí, que deu uma…
R1 - Melhorou.
R1 - ... estabilizada boa. Melhorou. Foi uma… foi uma... Posso até falar pra você que foi uma… uma época de ouro pra gente aí, né? que estabilizou, o ouro caiu barbaridade, né?
P1 – Sim.
R1 - ... e deu pra trabalhar bem.
P1 – Ah, legal. Roberto, voltando um pouco pra sua vida, né? Depois, como você conheceu sua esposa, se casou, você tem filhos, né?
R1 – Então, eu sou separado já há oito anos, né? Tenho uma relação muito boa com a minha ex-esposa, com meus filhos. Tenho uma… nossa, muito boa, mesmo. Posso falar pra você que nem é de amizade, é uma relação fraternal. Conheci a Renata, minha ex-esposa, no Anglo, no colegial, né?
P1 – Sim.
R1 – Família… nossa família se conheciam também, né? Namoramos durante dez anos, casamos, tivemos dois filhos, a Marina e o Tiago. A Marina é de 1997, 18 de outubro de 1997 e o Tiago 23 de fevereiro de 1999, né? E… ficamos juntos, aí casados aí por volta, mais ou menos, de uns 15 anos. Então, foram quase 25 anos de vida aí, mas começou no Anglo… começou no Anglo alí, onde, é… alí na… onde que era pra ser o Maksoud Plaza ali, tal.
P1 – Ah, tah.
R1 – Antigo Guedes de Azevedo, onde meu pai jogava basquete, ali.
P1 – Sim.
R1 – Foi uma época muito boa, que você aproveitava muito aquela época lá, né? Muito gostosa, época de boate, passear, de Mobilete. Era gostoso.
P1 – Legal. E você acha que algum dos seus filhos vai seguir a loja aí? Vai tocar à frente?
R1 – O Tiago ingressou na faculdade de Engenharia de Produção em Itapeva, pela Unesp, e a Marina… já fazem um ano e meio, dois e a Marina faz dois anos e meio, também está na Unesp, Ilha Solteira, Engenharia Civil. Eu os incentivei muito eles a partir pra esse lado aí, acho que os dois têm a cara de cada curso que está fazendo, né. Me orgulho muito disso, meus filhos se dedicaram muito pra passar, um curso muito difícil de passar. Foram dois anos de cursinho intenso que eles fizeram aí e só da aprovação nessa faculdade aí, que eu me orgulho bastante e já me dou por satisfeito, mas vão acabar o curso e vão se formar, se Deus quiser! Não vão ser que nem o pai, não. (risos)
P1 – E o que você acha do futuro, assim? Você tem planos por futuro? Talvez uma ampliação da loja, porque você já teve outra loja, né? Mas o que você pensa do futuro do seu ramo e do seu comércio?
R1 – Olha, o futuro a gente nunca prevê, né? Você falar do futuro numa situação como a que nós estamos passando agora é difícil, cara, entendeu? Ah, vamos ampliar? Não tem como a gente raciocinar pra esse lado, você entendeu? O objetivo agora é sobreviver, entendeu? Se você valorizar os conceitos da gente, os princípios, entendeu? Estreitar com nossas amizades, que são nossos clientes e deixar essa fase passar. Ela vai passar, tah? Infelizmente alguns sucumbiram, outros não, pretendem continuar na luta, entendeu? Agradeço a Deus, aos meus pais, a educação financeira que eles me deu, que está sendo muito importante nessa época, entendeu? Graças a Deus a gente não paga aluguel, se tivéssemos que pagar aluguel, não estaríamos aqui, mais, entendeu? Isso faz parte de uma conduta, de uma educação financeira que meus pais nos deram, né? Então, esse eu acho que é a grande herança da gente: a gente poder viver bem em qualquer época, em qualquer situação, em qualquer crise. É você pegar os seus valores, tirar fora da bolha da situação e falar: “Não, olha, eu conquistei, entendeu? Eu tenho isso, eu tenho família, eu tenho amigos”. Eu tenho… “Ai, não consigo sair mais”. Não, toma uma cervejinha na sua casa, liga pra um amigo, dá um pouco de risada, fala do Palmeiras, fala do Corinthians. É isso que eu agradeço muito aos meus pais, porque nos ensinaram, entendeu? É triste? É. Deixar de vender, de se… a gente vê as contas chegarem. Pô, não é fácil. A gente vive dentro disso aqui. A nossa… O dinamismo nosso é grande, né? Como eu falei pra você: eu quero trabalhar, exercer o meu trabalho, né? E, mas a grande… pensar no futuro é isso aí: ficar bem, pensar no futuro, é tentar sobreviver agora…
P1 – Está certo.
R1 –… entendeu?
P1 – Está certo. Ô Roberto, e quando você não está trabalhando, o que você gosta de fazer, assim? Jogar futebol, assistir filme? O que que você faz?
R1 – Olha só, eu moro numa chácara, tá? Tenho um cachorro, né? E, assim: na verdade, quando eu não estou trabalhando, eu gosto de estar com meus filhos, mas cada um tem sua vida, né? E ficar com o pai toda hora enchendo o saco também, eu entendo eles, que não é legal também, né? Então, eu curto bastante, ainda mais nessa época de pandemia aí, ficar em casa, entendeu? Eu gosto também de fazer alguma coisinha na cozinha. Não sou chef, não. Mas eu gosto de fazer a minha comida, de domingo eu faço alguma coisa com meus filhos: churrasco eu como, até eu faço, viu? E curto minha casa lá, faço alguma coisinha na chácara. Não que eu tenha habilidade com horta, essas coisas, muito pelo contrário, eu sou bem urbano, mas eu estou aproveitando bem, estou aprendendo a aproveitar a chácara bem agora, entendeu? Hobby eu não tenho muito, não. Eu trabalho doze, treze horas por dia, né? Então, não sobra muito tempo pra gente fazer muita coisa, não, né? Enfim. Talvez namorar, um hobby bom, que eu gosto. Eu tenho minha namorada em Dois Córregos, assim quando eu tenho tempo, eu vou pra lá e a gente fica junto e aproveita, curte bastante lá.
P1 – Muito bom! Roberto, eu queria agradecer muito pela entrevista. Eu gostaria...
R1 – Foi um prazerzaço.
R1 – Oi?
R1 – Foi um prazerzaço. O grande prazer foi meu. Poxa vida, que gostoso!
P1 – Não, o que é isso? O prazer é nosso. Por acaso, alguma coisa que você gostaria de dizer, que eu não perguntei, tem?
R1 – Acredito que não. Deu pra gente fazer uma... pegar bem, um pouquinho de cada assunto aí, né?
P1 – Legal.
R1 – E ver, passamos aí pela história do comércio, né?
P1 – Sim.
R1 – Vimos aí o calçadão se formar, o shopping se formar, né, informatizamos o comércio…
P1 – Sim.
R1 – … foi muito bacana. Foi bom relatar isso pra vocês, foi reviver, foi muito gostoso.
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