NARRADORA (00:00:00 – 00:00:16)
Olá, aqui é a Janaina Sant´Ana, realizadora do podcast Radiola da Memória, que está reestreando. E essas edições só foram possíveis com o apoio da Fundação Bunge e do Museu da Pessoa. Esperamos que vocês se divirtam.
MÚSICA MODERN ATTEMPT + NARRAÇÃO (00:00:17 – 00:01:24)
NARRADORA
Radiola da Memória é um podcast que leva você a fazer uma viagem por aqueles sons que temos gravados na memória: O ranger da porta da sala de casa, que nos lembra a chegada do pai de mais um dia de trabalho; O dedilhado de uma música espanhola no violão, que nos leva ao estúdio do avô, com suas paredes grafitadas e cheias de aparelhagens sonoras; O som dos passos seguros da mãe vindo nos tirar da cama pela manhã; E aquele do apito que anunciava a chegada da paçoca quente e cheirosa na porta da casa da avó, numa rua de Santos. Sonoridades as mais diversas que nos trazem de volta sensações, desejos, amores, afetos, os mais íntimos e delicados. E é por isso que queremos saber: O que toca na radiola da sua memória?
MÚSICA + NARRAÇÃO (00:01:25 – 00:01:39)
Radiola da memória. Episódio 1: O Alto-falante da Igreja Matriz
MÚSICA AVE MARIA, DE GOUNOD + NARRAÇÃO (00:01:40 – 00:02:28)
NARRADORA
É fim de uma tarde chuvosa de domingo, quando começo a conversar com o poeta e escritor César Augusto de Carvalho.
NARRADORA
Não, querido ouvinte, ainda não são seis horas da tarde, mas achei que adiantando um pouquinho o relógio, ficaria mais fácil para entendermos como funcionavam, e ainda funcionam, os coretos das praças das pequenas cidades espalhadas pelos interiores do Brasil. Ou melhor, como funcionava um em particular: o coreto da igreja de Franco da Rocha, cuja sonoridade ainda ecoa na radiola do nosso contador de histórias.
MÚSICA + NARRAÇÃO: (00: 02:28 - 00:02:49)
NARRADORA
Meados dos anos 50. Fim de tarde na casa do alfaiate Brasilio e sua mulher, Laura. Os filhos, Cesar e Afonso, jogavam...
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NARRADORA (00:00:00 – 00:00:16)
Olá, aqui é a Janaina Sant´Ana, realizadora do podcast Radiola da Memória, que está reestreando. E essas edições só foram possíveis com o apoio da Fundação Bunge e do Museu da Pessoa. Esperamos que vocês se divirtam.
MÚSICA MODERN ATTEMPT + NARRAÇÃO (00:00:17 – 00:01:24)
NARRADORA
Radiola da Memória é um podcast que leva você a fazer uma viagem por aqueles sons que temos gravados na memória: O ranger da porta da sala de casa, que nos lembra a chegada do pai de mais um dia de trabalho; O dedilhado de uma música espanhola no violão, que nos leva ao estúdio do avô, com suas paredes grafitadas e cheias de aparelhagens sonoras; O som dos passos seguros da mãe vindo nos tirar da cama pela manhã; E aquele do apito que anunciava a chegada da paçoca quente e cheirosa na porta da casa da avó, numa rua de Santos. Sonoridades as mais diversas que nos trazem de volta sensações, desejos, amores, afetos, os mais íntimos e delicados. E é por isso que queremos saber: O que toca na radiola da sua memória?
MÚSICA + NARRAÇÃO (00:01:25 – 00:01:39)
Radiola da memória. Episódio 1: O Alto-falante da Igreja Matriz
MÚSICA AVE MARIA, DE GOUNOD + NARRAÇÃO (00:01:40 – 00:02:28)
NARRADORA
É fim de uma tarde chuvosa de domingo, quando começo a conversar com o poeta e escritor César Augusto de Carvalho.
NARRADORA
Não, querido ouvinte, ainda não são seis horas da tarde, mas achei que adiantando um pouquinho o relógio, ficaria mais fácil para entendermos como funcionavam, e ainda funcionam, os coretos das praças das pequenas cidades espalhadas pelos interiores do Brasil. Ou melhor, como funcionava um em particular: o coreto da igreja de Franco da Rocha, cuja sonoridade ainda ecoa na radiola do nosso contador de histórias.
MÚSICA + NARRAÇÃO: (00: 02:28 - 00:02:49)
NARRADORA
Meados dos anos 50. Fim de tarde na casa do alfaiate Brasilio e sua mulher, Laura. Os filhos, Cesar e Afonso, jogavam bolinha de gude no quintal. Laura começava a preparar o jantar enquanto Brasílio examinava uma costura que não tinha saído do seu agrado:
CESAR/ENTREVISTADO (00:02:49 – 00:03:19)
Ele estava com um paletó na mão. Colocou o braço, a mão esquerda, no ombro, olhou assim... ele tinha acabado de costurar. E manga naquela época era tudo manual, né. Linha passada na mão, mesmo. Não era máquina. Aí ele olhou, e demorava umas duas horas para fazer isso. Ele olhou: “não está bom”. Fez, olhou de novo, agora tá bom.
MÚSICA + NARRAÇÃO (00:03:20 – 00: 02:53)
NARRADORA
O quase inaudível som da agulha furando o tecido se misturava ao do rádio, companheiro de trabalho do alfaiate. Mas não se fundia com o do alto falante da igreja matriz, que, pontualmente às seis da tarde, tirava o lugar do samba Obsessão, cantado por Carmem Costa no radio, para, durante as próximas duas horas, comandar as transmissões propagadas por toda a cidade.
MÚSICA + NARRAÇÃO (00:03:53 – 00:04:21)
Nota de falecimento. Faleceu o senhor José Roberto das Neves e Souza, aos 78 anos, conhecido na intimidade por Zelão. A família convida para o sepultamento hoje às 17h, no cemitério da Paixão. Nota de falecimento...
NARRADORA (00: 04:21 – 00:04:50)
As notas de falecimento e missas de sétimo dia eram corriqueiras no alto falante do coreto. Assim como as de cerimônias de batizado e, eventualmente anúncios de núpcias de alguns casais apaixonados, que aconteceriam naquela igreja. Cesar não tem muita memória de participar nem dos casamentos, muito menos dos funerais, mas lembra claramente da geografia do largo da matriz.
CESAR/ENTREVISTADO (00: 04:50 - 00:05:28)
Tem a porteira, na época eram aquelas porteiras ainda de subir e descer, né. E aí tinha um largo, que hoje não tem mais, esse largo foi praticamente coberto por outras coisas, e a igreja, né. Então nesse espaço, porque assim, tem a linha férrea, tinha um espaço aqui né, a rua, aqui a igreja. Então esse espaço, passando essa rua aqui que limitava com a linha férrea formava um largo, na frente da igreja, onde tinha um coreto. E era um coreto legal, era um coreto convencional, aquela coisa, e o alto falante... numa altura sei lá de quantos metros.
MÚSICA + NARRAÇÃO (00:05:29 – 00: 06:04)
NARRADORA
À época, Franco da Rocha era uma cidade bem pequena e muito conhecida por um aspecto pouco feliz. É ali que se encontra o Hospital Psiquiátrico do Juqueri, para o qual alguns parentes do Cesar trabalhavam. E outros, voluntariamente se internavam. História que só não foi ouvida pelo alto falante do coreto, porque não caberia na programação. Mas aqui, o Cesar vai contar.
CESAR/ENTREVISTADO (00:06:05 – 00:06:55)
Você tá me fazendo lembrar do meu tio na época em que morei em Franco da Rocha. É um tio que, de vez em quando, desaparecia. E na época eu não entendia os comentários do pessoal né. Eu era muito criança. Porque o que acontecia, na verdade quando ele sumia, ele não sumia. Ele percebia que ia surtar, então ele se auto internava. Ele ia lá para um pavilhão lá, um dos pavilhões que existiam em Franco da Rocha, se internava, né. Ficava lá um tempo e depois voltava. Só que ele era barbeiro. E o que que ele fazia, quando chegava lá no pavilhão? Ele ia cortar, fazer barba e cabelo dos malucos, né. É, enfim é uma lembrança que eu tenho deles, de um tio muito querido... genial! E felizmente nuca aconteceu nada, nunca teve nenhum incidente. É uma grande figura.
NARRADORA (00: 06:56 – 00: 07:29)
Ali do coreto não se ouvia nem o som da navalha que passeava cuidadosamente pelo rosto do cliente do nosso excêntrico barbeiro, nem os tapinhas dados em seu rosto para aliviar a sensação de ardência da loção pós-barba. Assim como dali, de dentro do hospital, também não se ouviam as mensagens do coreto da praça, o que é uma pena. Sim, querido ouvinte, porque as transmissões não eram feitas somente de bodas, enlaces e mensagens fúnebres.
MÚSICA+ NARRAÇÃO (00: 07:29 – 00:09:53)
NARRADOR
Esta música é dedicada à Elisa Maria. E quem a envia é o Bem-te-vi enamorado que diz que desde que se separaram, o rapaz se sente uma alma solitária.
NARRADORA (00:09:54 – 00: 10:50)
Sim, querido ouvinte, querida ouvinte. O que deixava os finais de tarde na cidade muito mais alegres e animava o footing que acontecia na rua de cima da igreja, eram os correio-elegantes transmitidos pelo alto falante do coreto. Por vezes a dona Laura deixava o bife queimar e o seu Brasílio espetava uma agulha no dedo ao ouvir as mensagens apaixonadas que permitiam aos rapazes tímidos falarem de seus sentimentos, e levavam as mocinhas a sonhar com histórias de amor. Muitas vezes os rapazes nem eram tão tímidos assim e as histórias de amor.... bom, isso é assunto para outra hora. Fato é que esse coreto foi tão marcante na infância do Cesar, que até hoje ele reverbera nos seus escritos.
CESAR/ENTREVISTADO (00:10:50 – 00:11:09)
É o tal negócio, né, a gente transmuta a memória em outras coisas, mas essa imagem, esse cenário da igreja lá de Franco da Rocha é um cenário que eu já usei acho que umas duas ou três vezes nos meus textos. Claro que cada vez num contexto diferente, mas...
NARRADORA (00:11:09 – 00: 11:19)
E essa história até hoje toca na radiola da memória do César. E o que toca na radiola da sua memória?
MÚSICA + NARRAÇÃO (00:11:19 – 00:12:01)
NARRADORA
Radiola da Memória. Um programa produzido por Janaina Sant’Ana e o Núcleo Café com Biscoitos. Edição de Sílvio Puertas. Esse episódio contou com a participação de Renato Hermeto, como o locutor do alto-falante do coreto da igreja matriz. E além de nossas referências musicais, também contamos com um trechinho da música Love Shak Samba, do músico Jeris.
Radiola da Memória é um programa produzido por Janaina Sant’Ana e o Núcleo Café com Biscoitos. Edição de Sílvio Puertas. Esse episódio contou com a participação de Renato Hermeto, como o locutor do alto-falante do coreto da igreja matriz. As nossas referências musicais foram: Ave Maria de Gounod, com a Wiltener Sängerknabe e regência de Johannes Stecher, Obsessão, cantada por Carmen Costa, Neste mesmo lugar, cantada por Dalva de Oliveira, Mocinho Bonito, por Dóris Monteiro, História de um amor, por Los índios, e também contamos com um trechinho da música Love Shak Samba, do músico Jeris.
Este episódio teve apoio do Museu da Pessoa e da Fundação Bunge
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