Projeto Memória dos Brasileiros - Brasil que precisa mudar
Depoimento de Antônio José Ferreira Lima Filho
Entrevistado por Júlia Basso e Cláudia Eleonor.
Açailândia, 01/11/2007
Realização: Museu da Pessoa.
MB_HV078_Antonio Jose Ferreira Filho
Transcrito por Paula Leal.
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1- Filho, para começar, eu queria que você me dissesse seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento?
R – Antônio José Ferreira Lima Filho, nasci aqui na Açailândia, dia 23 de abril de 1975.
P/1 - E os seus pais, o nome deles?
R – Minha mãe é Maria Lucia Barros Lima e o meu pai Antônio José Ferreira Lima.
P/2 - E quando você era pequeno aqui em Açailândia, onde que você morava?
R – Quando eu nasci aqui em Açailândia num povoadozinho aqui perto, aqui da cidade chamado Cajuapara, em 1975, nasci aqui e cinco anos depois, saí da cidade e fui morar em outra cidade.
P/2 - Aqui do Maranhão mesmo?
R – Aqui no Maranhão mesmo.
P/2 - Qual cidade?
R – São Pedro da Água Branca e morei lá por três anos e depois vim para outra cidade com minha família, Bom Jesus das Selvas, fica aqui daqui a 100 quilômetros e aos 17 anos voltei para cá e estou aqui até hoje.
P/1 - E quando você ainda estava, quando você mudou para, desculpa qual foi a primeira cidade?
R - São Pedro da Água Branca.
P/1 - Para São Pedro da Água Branca foi sua família toda?
R - Foi minha família toda. A gente morava aqui também. A família, tias, tios, todo mundo morava. Na época em que venderam as terras e a gente foi para lá, outros foram para outro lugar. A gente foi com nossa família para lá também, que era a cidade do meu pai, dos pais dele.
P/1 - E sua família eram compostas por quem? Você tem irmãos?
R – Tenho, na época era eu e outra irmã minha, somos os dois mais velhos, meu pai e minha mãe, éramos quatro.
P/2 – E o que seus pais faziam nessa época?
R – Nessa época eles eram agricultores, cuidava, trabalhavam com a roça.
P/2 - Vocês tinham roça no quintal?
R – Tinha, a gente tinha roça, trabalhava com roça, plantação nessa terra que a gente morava. E quando o dono vendeu, o proprietário, a gente foi morar na cidade, em São Pedro da Água Branca, onde meus pais, os pais dos meus pais moram, moravam e lá eu continuei trabalhando de roça.
P/2 – E o que eles plantava?
R - Plantava arroz, feijão, macaxeira, milho, essas coisas. Banana, frutas também, verduras, essas coisas.
P/1 – Quais frutas que você lembra-se de comer?
R – Eles plantavam tomate. Tinha muita plantação de cana, me lembro de caju, jaca, essas coisas assim.
P/2 – E vocês comiam as frutas, qual que você gostava?
R – Sim, cana gostava mais da cana.
P/1 – E como você pegava a cana?
R – Na época que tinha outros primos meus, que moravam lá também, e a gente, eles sempre iam buscar, cana e dividiam com a gente. E a gente cortava juntos na época.
P/2 - E a cana que caía dos caminhões? Cana que caía do caminhão?
R – Não era pertinho a plantação de cana, assim como se fosse no quintal de casa, e a gente fazia a festa.
P/2 – E conta mais sobre essa casa, esse espaço. Onde vocês iam pegar cana?
R – Era um... Tinha a cidade, e depois ficava cerca de três quilômetros da cidade, onde a gente morava, para onde ficava as roças. E a rua na cidade onde a gente morava, já depois, algum tempo que eu voltei lá novamente, o meu pai me mostrou onde era que a gente morava, uma casinha feita de madeira. A gente morou lá e a roça ficava a uns três quilômetros. A gente pegava uma estrada, perto tinha um rio, quase todo dia a gente estava indo para lá mais por causa do rio, então a gente ficou lá um bom tempo. Eu não lembro por quantos anos a gente morou lá, em São Pedro da Água Branca, e a gente veio embora e nossos tios ficaram lá. Os pais do meu pai e nós viemos para essa outra cidade. Na época, vendemos a casa lá e viemos para outra cidade.
P/1 – E era rio de nadar?
R – Era não era muito grandão, aqueles pequenos que passam nas fazendas, mas era muito bom.
P/2 – E vocês brincavam do quê?
R – Rapaz, (risos), a gente brincava de muita coisa, na água, de bola na frente da casa. Eu me lembro que tinha um campinho, um espacinho onde a gente brincava com os meninos, com os meus primos. Eu sei que na época que a gente morava, quando eu era criancinha ainda, mas depois que eu vim embora para outra cidade, já estava adolescendo um pouco, a gente sempre ia lá. Eu tenho muita mais lembrança da época que a gente voltava lá, por exemplo, a cada seis meses. Um ano meu pai ia para lá, e a gente ia com ele. Eu tenho muita lembrança desse período, uma coisa que eu nunca esqueci, que a gente tirava muito aquelas madeiras para fazer gaiolas, para colocar passarinho. A gente chamava buriti. Tinha muita na época, toda vez que eu ia para lá com meus primos, a gente fazia gaiola, na época.
P/1 – E você ia para a escola já nessa época?
R – Eu, quando comecei a estudar, já estava na outra, morando em outra cidade. Lá ainda eu não estudava, já vim estudar na outra, quando eu mudei de lá para outra cidade.
P/1 – E como era com as outras, com seus primos? Vocês saíam para brincar sós, se um adulto que ia, se um cuidava do outro?
R – A gente sempre brincava só. Nós éramos era eu, tinha o Renato, tinha o Raimundo, éramos seis, tinha outros coleguinhas também vizinhos amigos deles. Um grupo de seis mais ou menos. A gente sempre brincava juntos, de peteca, aquelas coisas de criança.
P/1 – Só homem?
R – Era só homem, logo depois tinha uma prima minha que veio morar lá também, morar em nossa cidade. Nunca mais vi essa prima aí, nessa primeira vez, tinha duas primas minhas que moravam lá, na época, lá em São Pedro.
P/2 – E como é que vocês faziam aquele barco que você me falou, a gaiola?
R – A gente tirava a madeira, as folhas, os talos de buriti, botava para secar e depois o meu primo fazia, porque era ele que sabia. Fazia gaiolas para por o pássaro, passarinho, ele que fazia.
P/2 - E vocês caçavam os passarinhos?
R – Caçava, a gente... Eu nunca criei nenhum. Ele fazia mais para vender, sabe? Para comercializar as gaiolas, ele vendia para os colegas dele lá. Eu fazia mais era aquelas arapucas para pegar nambu, rolinha, que a gente bota no mato armada. A gente também fazia muito aquilo, aquelas ali sim, a gente brincava muito, de pegar passarinho e caçar, porque a gente ia caçar. Era pegar passarinho no mato. Eu não tinha muito afinidade com mato. Eles já moravam lá há muito tempo, então eu ia com eles, era muito divertido na época.
P/2 – Tem alguma história que você se lembra de vocês indo caçar?
R – Eu lembro de uma história que nós estávamos indo tomar banho no rio e tinha uma preguiça numa árvore. Eu me lembro bem que eu estava indo na frente e quando eu vi aquele bicho, eu me assustei e saí correndo, sabe? Saí correndo até em casa e ele foi, depois voltou e me trouxe de volta. Eu vim com o meu tio também para mostrar a preguiça. Eu nunca tinha visto uma preguiça na época, eu me lembro desse episódio nesse dia também.
P/1 – E vocês voltaram e a preguiça estava lá ainda?
R – Estava lá ainda, ficou lá um bom tempo, depois de uns dois dias que ela foi embora,
P/2 – (risos) E você lembra assim, de contarem histórias dos adultos, como você via os adultos nessa época, seus tios, seu pai?
R – Meu tio era... Eles contavam assim, quer dizer, não me lembro agora dessas histórias, mas eu me lembro que eles contavam muitas histórias, entendeu? Histórias assim de roça, de coisa, essas lendas, então eu me lembro bem. Eu lembro que quando era noite, eles ficavam reunidos, porque na roça a gente tinha duas casas, o meu avô morava em uma delas, e praticamente a gente passava a semana lá na roça com ele. Só nos finais de semana que a gente ia para a cidade, ficava pertinho, meu avô contava histórias com minha avó. Contavam histórias de mais, histórias do meu pai, como ele era quando era pequeno, e era gostoso de mais, divertido. (risos)
P/1 - E lenda do mato, assim tinha?
R – Tinha, eles contavam, eu não me lembro, entendeu? Mas eles contavam, na época quando eles eram jovens, que o pessoal contavam para eles. Sei que tinha umas histórias que eles contavam, que depois a gente tinha até medo de sair para fora da casa, pro mato. A gente ficava lembrando dessas coisas.
P/2 – Tinha luz?
R – Tinha não, na roça não. Só na cidade.
P/1 – E como era esse ambiente deles contarem a história?
R – Era gostoso, geralmente era meu tio, tinha o meu avô, minha avó, tinha a esposa do meu tio, tinha meus dois primos, tinha um primo que morava em outra cidade, que quando a gente ia para lá, ele vinha também. É um ambiente bem gostoso, dessa época lá. Eu me lembro dessas histórias aí.
P/1 – Dava medo por quê?
R – Dava medo porque a gente era criança, adolescente. A gente ouvia aquelas histórias e depois a gente ficava com medo de saír, daquilo ainda existir, ainda ter, naquela época, aquelas coisas, então, mas eram histórias interessantes, aquelas que ainda hoje, os pais contam para os filhos, aqueles que ainda moram nas roças, é interessante.
P/1 – E vocês mudaram para a cidade?
R – Fomos. Nós moramos lá um tempo, depois viemos para cá, para Bom Jesus da Selva, a gente morou um tempo.
P/2 – E tinha festa? As pessoas se reuniam?
R – Tinha, eu me lembro que tinha um padre que morava lá. É um padre muito querido, muito. Sempre teve muitas festas na igreja, essas coisas, ele era muito animado, era rico demais esse padre, tinha muito dinheiro. Ele ajudava muita gente lá. O povo era muito querido, muito querido dele, minha tia mesmo era muito ligada à igreja, às comunidades. Eu me lembro dessas festas.
P/2 – Como eram essas festas?
R – Que eles faziam essas festas de, como é que chama? Aniversário de santo, essas festas de igreja, de escolas também onde meus primos estudavam, na época que a gente ia para lá, eles convidavam a gente para ir para essas festas, e outras também que as pessoas faziam naquela época por alguma coisa na roça, por alguma festividade. Sei que sempre tinha alguma coisa para comemorar, para festejar, tinha muita comida por conta de atividade. Era o lugar que eu mais gostava de ir, quando o meu pai ia para São Pedro, porque lá tinha rio, tinha roça, tinha essas coisas e eu sempre gostei então até os quinze anos, dezesseis anos. Toda vez que ele ia visitar o pai dele eu ia com ele.
P/2 – E nessas festas o que você comia? Você falou que tinha uma mesa grande de comida.
R – Tinha aquelas pamonhas de milho, tinha umas. Eles fazem com azeite de coco, com leite de coco babaçu. Minha tia fazia uns peixes fritos com aquele leite de coco e era muito gostoso, eu me lembro, e outras comidas, bejú, tinha milho também, então era muito bom. Doce de coisa, que elas faziam de caju, de mamão essas coisas assim, garapa de cana, esse tipo de comida aí de roça.
P/2 – Que que você curtia mais assim? O que você esperava pra comer?
R – Eu gostava muito do mingau, porque minha vó fazia canjica, mingau de milho, com leite, muito bom, gostava demais. A gente fazia farinha lá também nessa época, farinha pra consumo mesmo, da família na casa.
P/1 – Farinha de quê?
R – Farinha de mandioca.
P/1 – Tinha algum santo que era padroeiro da cidade?
R – Eu não me lembro, quer dizer, ter tinha, mas eu não me lembro, não. Nós tínhamos não me recordo, não, mas minha vó, meus tios, eu sei que eles eram muito religiosos, e eles tinham lá, mas eu não me lembro qual era o santo que eles tinham em casa assim que gostavam, não.
P/2 – Você frequentava a igreja?
R – Frequentava, sempre. Meu pai foi sempre... É ligado à igreja, e aonde ele ia eu estava atrás, então fui seguindo os passos dele.
P/2 – Parece que seu pai é uma figura importante assim.
R – É muito importante pra mim, ensinou muita coisa boa (risos).
P/2 – É? Tipo o quê?
R – Porque sempre estive com ele a me levar. Viajava pra todo lugar que ele ia, reuniões, pequenininho, desde que comecei a andar sempre estive junto com ele, como todo lugar que ele ia, então eu via que as coisas que ele fazia e como é que ele trabalhava. Me lembro também que ele trabalhava de pedreiro depois que a gente veio aqui pra cidade, então ele ia pro serviço, às vezes eu ia ficava com ele, pra igreja, pras reunião de sindicato, ele era delegado do sindicato, aquelas reuniões com um monte de trabalhadores, hoje ainda eu me lembro de coisas que ele ia realizando, fazendo, que no fim aprendi algumas coisas, me lembro de algumas coisas, então é uma grande igura para mim. Foi, não é?
P/1 – Como ele era?
R – Ele era um cara calmo, falava um cara muito conversador, falava pouco e um cara tranquilão, entendeu? Uma figura bacana.
P/1 – Legal, e quando você foi para outra cidade, você entrou na escola?
R – Foi e a gente foi para __________selva, lá já morava uns parentes da minha mãe, moravam lá. E a gente foi para lá, e lá eu sei que a gente ficou já tinha outros irmãos nessa época. Nós éramos dois, a minha mãe teve mais um e morreu, e depois das outras minhas irmãs. Hoje somos sete irmãos. Os outros todos nasceram lá em Bom Jesus da Serra, ficamos lá. Eu fiquei lá até os 17 anos. Eu completei os 17 anos e vim embora para Açailândia, mas praticamente alfabetização, ensino fundamental eu fiz lá em Bom Jesus da Serra, lá foi também onde eu cresci, minha juventude, adolescência pra juventude, os movimentos, igreja, pastoral juventude, catequese, essas coisas todas e aos 17 anos eu vim embora para cá.
P/1 – Lá em Bom Jesus, você morava na cidade?
R – É na cidade mesmo, morava na cidade. O meu pai tinha roça, ficava próxima à cidade, e quando era o período que ele não estava na roça, ele estava na cidade, estava trabalhando de pedreiro. Ele era construtor.
P/1 – E como era sua cidade, Bom Jesus?
R – É uma cidade que hoje tem 17 mil habitantes. A cidade hoje, na época, era bem menos. Uma cidade na época era município de uma outra cidade, Santa Luzia, me lembro que não tinha nada, não tinha água, não tinha energia na época. Educação era muito precária, hospital não tinha, tinha que levar para outra cidade, não tinha nada, entendeu? Água nas casas não tinha, só sei que lá foi um período que a gente sofreu muito. A falta dessas coisas, a gente ia buscar água com cinco quilômetros de distância, naqueles jumentos, para lavar roupa também ia no rio Pindaré. Pindaré ficava quase oito quilômetros da cidade, umas duas vezes por semana as mulheres, todo mundo ia lavar roupa no rio e buscar água naquelas cacimba, então era bastante difícil lá, mas foi um lugar onde a gente, eu e também meus irmãos crescermos e hoje a gente tem uma ligação. Eu gosto muito de lá, sempre que tenho oportunidade eu vou lá para ver meus amigos, foi lá onde eu fiz amizades, quer dizer, essas coisas todas, e nós tínhamos um grupo lá, cerca de uns oito amigos, que hoje praticamente está todo mundo fora de lá. Eu estou aqui, não tem mais quase ninguém lá da minha época, daquela época de 16, 17 anos, 18. Todo mundo já foi embora. Uns foram estudar e voltaram, outros foram e não voltaram mais, e os que ficaram da época lá, ainda hoje estão lá.
P/1 – Como que vocês se divertiam lá?
R – Em Bom Jesus? Não tinha muita opção de diversão porque não oferecia. A coisa que a gente mais fazia lá era jogar bola mesmo, jogar bola, jogar peão, soltar pipa, jogar peteca, essas coisas assim, passarinhada, caçar passarinho no mato, as atividades que a gente fazia lá na época.
P/ - E quando você já era um pouquinho mais velho, nos seus 17?
R – Eu comecei a trabalhar com meu pai. Quando eu estava de férias, eu ia para roça com ele, ajudar na roça. E quando ele estava na cidade, eu ia ver o que ele estava fazendo na construção e ia ajudar ele, carregar material para ele, ajudar. Quando foi para eu vir embora para cá, que eu tinha 17 anos, que eu tinha terminado o ensino fundamental, a 8ª série e não tinha lá o ensino médio, o primeiro ano, eu vim pra cá morar com minha tia. E a minha família ficou lá, mas quando eu voltava pra lá, o que eu fazia era estudar, e quando estava na época fora da época da escola, eu ia trabalhar com meu pai e ajudar em casa a minha mãe. Minha mãe quando ia lavar roupa, e eu ficava em casa cuidando dos meus, das minhas irmãs que na época eram miudinhas, só tinha eu e a outra, então ela ia para o rio com a outra, e eu ficava em casa cuidando das meninas, das três.
P/1 – E você falou da CPT, já era em Bom Jesus que você... Ah, não é CPT, é Pastoral da Juventude?
R – É. Pastoral da Juventude tinha. Eu comecei na catequese. Na época meu pai era animador na comunidade, eu ia para catequese, depois.
P/1 – Animador, você disse?
R – Sim, animador da comunidade, como se diz, dirigente que chamava na época, da comunidade, fazia aquelas celebrações, quando não tinha o padre, aquela coisa toda. Foi catequese e tinha um grupo de adolescentes, até os 12 anos, depois dos 12 fui pro grupo, com 14 anos fui pro grupo de jovem da PJ, aonde eu fiquei durante uns cinco anos mais ou menos. E quando eu saí de lá, foi quando eu vim pra cá, mas passei por esses três grupos, lá na comunidade, e aprendi muita coisa nesse período. Hoje minha base foi assim. Aprendi na Pastoral da Juventude, nos grupos lá na comunidade, então ainda hoje quando eu volto lá, a gente tem muita referência do período que a gente estava lá. Hoje não é mais nem os que estavam, mas ainda hoje eles, hoje está um pouco diferente porque a Pastoral está um pouco desanimada. Os padres então hoje tem um outro pensamento, que depende muito de quem está na frente da liderança, mas nessa época lá foi muito bom, uma época de 15 a 17 anos que eu mais se diverti, fiz amigos, aprendi muita coisa, nessa época na Pastoral.
P/2 – O que você fazia lá na Pastoral? O que o grupo fazia?
R – A gente se reunia uma vez por semana, num salão lá da comunidade, e a gente tratava de assuntos ligados a nossa cidade, nossa juventude, temas ligadas ao jovem. Falávamos de tudo, sobre essa questão da juventude. Tinha na época Dona Raimunda, que era nossa coordenadora, então a gente fazia passeios, fazia eventos, torneio de futebol. A gente fazia eventos para ajudar outras pessoas, nessas áreas, nessas questões sociais, participávamos de seminários. Fui pra muitos seminários, assim em outras cidades, encontros _______, então a gente fazia esse tipo de trabalho além de ajudar na organização lá da igreja, nas missas, nas celebrações. O padre ia celebrar nos interiores. A gente tinha sempre um grupinho que ia com eles, fazer as desobrigas, que chamava na época, e por aí.
P/1 – O que você gostou mais de fazer dentro dessas ações, essas ações da PJ?
R – Na época, as atividades que eu mais gostava era participar dos seminários, dos encontros, e o momento que eu mais gostava mesmo era das reuniões (risos). Era nos sábados à noite, então era (risos) a gente contando as horas pra chegar o momento, porque ali a gente, durante a semana, não via todo mundo, os amigos. Mas lá a gente aproveitava pra fazer amizade, então os momentos das reuniões eram muito bons, muito gostosos. E eu gostava muito dessas atividades, e a outra coisa que a gente sempre fazia que eu também gostava era fazer as leituras, quando tinha missa, lia aquela partezinha do jornalzinho ________do padre, eu gostava dessas atividades.
P/1 – (risos) Legal, você veio para Açailândia estudar o ensino médio?
R – Foi, eu vim pra cá em março de 94. Quando eu vim, eu tinha que vir porque lá não tinha mais como estudar e também lá não oferecia nada para a juventude. Não tinha emprego, estudo, então quem ficava lá a tendência era ir para a roça, entendeu? E eu não queria crescer, não queria trabalhar na roça. Queria estudar, queria fazer outras coisas, e eu vim pra cá, terminei a 8ª série e no ano seguinte eu vim pra cá para Açailândia, morei com minha tia, comecei estudar aqui. Quando eu vim, já estava matriculado. Eu me lembro que veio eu e um amigo meu. A gente era muito amigo, que ele também, a família dele morava lá e ele também tinha muita vontade de sair de lá para vir pra cá trabalhar, aquela coisa, de ir pra outra cidade. Eu me lembro que o dia que era pra vir, eu e ele, ele não tinha o dinheiro pra vir, e eu fui e peguei meu dinheiro e dei para ele, pra ele vir. Ele veio na frente procurar a casa da tia dele que não sabia onde era ainda, depois eu deixei para eu vir na outra semana. Nós chegamos aqui, eu nem tinha o contato dele nem nada. Eu sei que nós passamos quase um mês para poder se encontrar aqui na cidade. Acabou a gente se encontrando, ele foi morar na casa da tia dele, e eu na casa da minha tia. Eu sei que aqui ele ficou ainda uns dois anos, depois foi embora. No começo que eu vim estudar, o objetivo era estudar, mas tinha que trabalhar também para comprar material, naquela época eu tinha 17 anos e foi difícil, porque eu não consegui, não sabia fazer nada, entendeu? (risos) Pouca coisa, fui trabalhar numa serraria aqui, trabalhei um período lá, eu sei que eu consegui terminar o ensino médio, o 3º ano terminei. Não consegui também trabalhar logo, eu sei que quando eu aqui cheguei, tinha esse amigo meu que tinha encontrado um colega dele aqui que era construtor. Trabalhava em construção, nós dois fomos trabalhar, mas ele, de ajudante de pedreiro, eu sei que nós trabalhamos um ano e meio, e nesse período que a gente estava trabalhando, eu tinha muita curiosidade, eu estava sempre atento às coisas, aprendi a construir também. Ele me classificou lá como pedreiro já, passei mais um ano e meio trabalhando de pedreiro, tem muitos prédios aqui na cidade que eu ajudei a fazer, e depois nessa época eu já tinha terminado, eu estava terminando o ensino médio e depois que eu terminei eu fui e convidei meu pai para vir pra cá com a minha família, porque era ruim demais morar na casa dos outros, era muito difícil e ficava longe de casa. E eu queria ir toda semana lá, mas não tinha como. Eu convidei meu pai para vir pra cá, arrumei um serviço para ele de pedreiro, ele veio, não me lembro mais qual foi o ano, só sei que veio todo mundo. Nós estamos aqui, depois que ele veio, um ano e meio depois ele faleceu. A coisa ficou difícil porque era eu mesmo que tinha que dar conta. Eu sei que a gente conseguiu ficar aqui na cidade. Hoje meus irmãos está todo mundo casado, meus irmãos todos estão casados, só tem dois dentro de casa (risos). Meu pai, eu me lembro que estava com ele na roça, ainda hoje eu conto essa história para os meus amigos. Esse colega meu estava com ele na roça. Nessa época a gente estava de recreio, de intervalo da escola. Ele, nós estávamos almoçando. Começou a sentir um rolo de gente, assim debaixo do barraco. Ele tinha uma mulher que perguntou: “Seu Antônio, por que o seu filho está aqui, por que ele não está estudando?” Ele disse: “Não, ele está aqui para... Mas ele está estudando. É que quando ele se formar, é para ele não esquecer que o pai dele foi agricultor e tal, mas ele está estudando, entendeu? Inclusive ele vai. Quando ele se formar, ele vai ser um grande advogado, entendeu?” (risos) De vez em quando eu conto essa história. Eu não estou só realizando um sonho meu, do meu pai também, então eu agradeço muito a ele, sim, pelo que ele me ensinou. E acho que ele deve ter muito orgulho de mim e dos meus irmãos por conseguir com que todos meus irmãos e minhas irmãs estudassem. Hoje nós temos uma união muito grande, tem outro meu irmão, que é o mais novo, também está fazendo faculdade, está estudando, vai se formar também. Então eu agradeço muito a ele, o meu pai pelas coisas que ele ensinou para gente, nesse período que ele me ensinou. Bom demais, acho que o trabalho que faço hoje aqui no Centro, eu me identifico muito, com ele, meu pai, cabra bacana ele (risos).
P/2 – E você estava me contando, essa trajetória da Pastoral, tem o seu pai Sindicalista aqui, foi uma figura importante, está aqui no Centro. Você se lembra dele... Então voltando um pouquinho para sua vinda para Açailândia. Nesse período você continuou fazendo ações coletivas para a comunidade, logo que você chegou? Como foi?
R – Quando eu vim pra cá, eu fui morar na casa da minha tia, e a minha avó, na época ela era também muito parte da igreja. Quando eu vim pra cá, eu me liguei ao grupo de jovem daqui, da Pastoral da Juventude, participei uns quatro anos ainda, foi no grupo de jovens aqui da PJ, que eu conheci o Centro, na época o Centro _______não era criado ainda e tinha o Padre Carlos, que inclusive é irmão da Carmen, ele de vez em quando ia às reuniões lá do grupo e me convidava para ir pra alguns encontros das CEBES aqui no Estado. E a gente estava sempre participando e na época do grupo, que foi que o pessoal começou a discutir a criação do Centro em 96, eu me lembro que um dia eu, foi um rapaz aqui do grupo, do Centro, que estava na época da discussão para criação do Centro, foi no grupo de jovens falar o que eles estavam querendo fazer e qual era o objetivo do Centro, aquela coisa toda. E também só escutei naquele momento que eles estavam fazendo, conversando, e eu me identifiquei. Mas também não falei nada, e depois participando lá da comunidade, foi o Danilo com a Carmen e me convidaram para participar – pois naquela época estava sendo feita a discussão - de uma reunião. Eu não sabia nada, o que era os Direitos Humanos, não sabia de nada, entendeu? E eu fui para essa reunião. Foi lá no bairro, ainda me lembro, tinha muita gente. E eu acho que o único garoto que tinha lá na época era eu, um menininho ainda. Eu escutei eles falarem do Centro, apresentar o que eles queriam, qual era o projeto e como eles queriam, que tipo de contribuição eles queriam do pessoal e, a partir disso, os meus momentos de folga que eu tinha no trabalho, de pedreiro, eu vinha por aqui pelo Centro. Isso aqui não é nada do que era hoje. E durante isso, já foi durante o ano de 97, e quando tinha encontro aqui deles, reuniões, eles me convidavam para vir para as reuniões aqui do Centro e eu não falava nada ainda. Quer dizer, eu sempre fui muito calado, eu não sou muito de conversar, e me lembro da reunião que eu vim aqui, que é quando eles foram organizar as primeiras equipes de trabalho, que vim que fiquei na primeira reunião foi essa equipe de trabalho escravo. E depois, já no ano de 98, eles, o Danilo um dia conversando comigo, perguntou se a gente, se eu não gostaria de ficar aqui no Centro e trabalhar aqui. Eu não sei fazer nada, entendeu? “Não, mas...” Hoje ele fala. “Mas eu percebo que tu tem alguma identificação com o que a gente quer fazer e tal, então se tu topar, a gente está aqui para te ajudar, entende?” E eu comecei a vir para cá, trabalhar, estudar, entendeu? E quando foi em outubro de 98, eles me perguntaram se eu queria largar de trabalhar de pedreiro, para vir pra cá para o Centro, e se eu vou na hora (risos). Eu gostava, vim e comecei aqui em outubro de 98 e de lá para cá aprendi muita coisa. Eu sou assim, praticamente outra pessoa, e estudei, estudando. E hoje eu estou aqui, no Centro como um dos coordenadores, do Centro Defesa, e praticamente aqui é minha segunda família. O Centro da Defesa, os amigos, as pessoas, a Carmen, o Danilo que passou por aqui e os outros que vieram. Então é um espaço muito... Não me vejo trabalhando em outra coisa. Não me vejo fazendo outra coisa, se não for aqui no Centro Defesa, então me sinto muito à vontade, independente de qualquer coisa, questão financeira, é bom demais estar aqui no Centro. É minha família hoje e eu divido o tempo que eu tenho com a família e com o Centro da Defesa, então é bom demais. Então o que eu pensava que eu queria fazer quando eu era ainda menino, na adolescência. Eu acho que hoje eu consegui, quer dizer, estou no caminho. Porque eu quero ainda muito mais. Eu acho que a gente pode, e a gente já tem contribuído com esse trabalho do Centro, não sei, para ajudar muita gente a procurar seus caminhos, descobrir. Então eu sou muito realizado trabalhando aqui no Centro da Defesa, muito mesmo.
P/2 – O que você está estudando?
R – Eu estou fazendo direito, estou no quinto período já, gosto demais do curso também, não me vejo fazendo outro qualquer outro curso não me vejo fazendo, e gosto demais da faculdade do curso, entendeu?
P/2 – Por que você escolheu direito?
R – Porque eu já, meu pai falava, eu via meu pai naquela luta dele, e que onde estavam as pessoas, como que era para fazer, se organizava a questão da terra, aquela coisa toda. Isso veio me motivando. Ele também de vez em quando me perguntava - os pais sempre perguntam para os filhos - e o que quer ser quando crescer. E eu fazia assim que eu queria ser um grande advogado, e de lá pra cá eu fui conhecendo, vendo o que era que um advogado fazia, o que é que faz. Aqui dentro do Centro, o Centro me perguntou no que eu queria me formar, estudar, e eu disse que queria fazer direito, e hoje eu estou fazendo. Daqui a três anos termino e tem que continuar aí. (risos )
P/1 – Filho, quando você chegou aqui no Centro, essa história do trabalho escravo, você já tinha pensado sobre isso, como foi seu contato com essa ideia?
R – Quando eu cheguei no Centro, que foi organizado os primeiros trabalhos aqui no Centro, tinha dividido por equipe, tinha equipe que cuidava das questões das mulheres, crianças no trabalho escravo. O Centro praticamente surgiu por isso, essa violência que as empresas faziam com os trabalhadores. Hoje está uma maravilha, pode se dizer, mas isso aqui há dez anos era uma exploração muito grande e eu fui para essa equipe de trabalho escravo,. Era eu, era a Carmen, tinha uma outra menina, a Luciana, a Neide e Ivonete. Éramos cinco a equipe e a gente começou a sentar para planejar, qual eram as primeiras coisas que a gente ia fazer. E, na época, a gente fez um planejamento do que a gente queria fazer, e a primeira coisa era conhecer como era essa realidade, desses trabalhadores. Trabalhavam em carvoaria e fazendas, essa realidade que a gente escutava as pessoas dizerem, tinha os padres da Paróquia São João que emprestavam o carro para nós, e a cada final de semana, a cada quinze dias, a gente pegava o carro e passava o dia nos interiores por aí, onde tinha carvoaria, conversando com os trabalhadores e vendo a situação. Porque eles diziam, só sei que a gente passou seis meses nesse trabalho de investigação, eles não sabiam quem era a gente. Então não tínhamos problemas de chegar e entrar. A Carmen dizia que era freira, que estava na região conhecendo, e a gente estava como ajudante, então eles deixavam, falavam como que era tudo, tiramos fotos, fazia as imagens. E com isso aí, depois de seis meses, montamos um relatório de fotos, com imagens, depoimentos dos trabalhadores, e assim foi a primeira atividade concreta do Centro, que eu participei diretamente da realização onde apresentamos um dia aqui no Centro de Defesa, o resultado desse trabalho. E daquelas equipes que foram criada na época, é a que ainda hoje foi a quem deu direcionamento do trabalho do Centro, ou, vamos dizer assim, que naquela época que era a equipe de conscientização dos Direitos das Mulheres, hoje é a equipe de conscientização que cuida de tudo. E o trabalho escravo foi desde 97 pra cá,. Eleita assim como uma prioridade do Centro. O Centro, se tivesse que deixar de fazer outras coisas, essa seria uma prioridade que a gente não abriria mão. Assim desde então que a gente está nessa equipe de trabalho escravo, onde tem sido feito um trabalho interessante. Muito difícil no princípio e porque aqui na região o setor de carvoaria gera muitos empregos indiretos, seja na forma precária que for, e na época que foi feita essas denúncias, que foram paralisadas carvoarias, interditadas, as empresas, os empresários e os produtores de carvão pressionaram muito o Centro naquela época, dizendo que a gente ia acabar com a economia do município, com os empregos, as empresas iam embora. Então eu me lembro muito bem dessa época porque era bastante conflitante esse problema, mas que hoje se a gente for olhar e fazer uma análise do que era há dez anos e do que é hoje, está muito melhor. As empresas já reconhecem que existe o problema. Estão enfrentando. Os trabalhadores sabem que existe uma organização que dá apoio a eles. Eles mesmos já sabem se organizar. Já não se deixa ser explorado assim dessa forma, as condições de trabalhos e de alojamento melhorou muito. E há muita coisa ainda a se fazer, mas houve um grande avanço com relação a esse trabalho, e se não está ainda, vamos dizer assim, solucionado o problema, é porque não depende de governo, de justiça, da sociedade de um todo, pelas condições econômicas também do Estado, é uma demanda de mão-de-obra muito grande de trabalhadores. Se tem um que reclama que não vai, mas tem outro que vem, então é uma questão bastante complexa. Estrutural mesmo.
P/1 – Você falou de outros trabalhos precários que estão ligados ao trabalho escravo, quais são eles? Que outras atividades aqui da região que se ligam com o trabalho escravo, mas não são necessariamente o trabalho?
R – Dentro do processo de produção carvão existe vários, várias etapas. Tem um grupo que deve ser cerca de uns mil, mil e quinhentos trabalhadores, que são os que carregam os caminhões, gaioleiros chamados. Eles não são os que fazem carvão, são os clientes, então é uma outra categoria que quer dizer, que não é trabalho escravo. Eles não ficam lá dentro em retina na carvoaria, mas é uma atividade altamente exploradora. Um homem não consegue se manter naquela atividade por mais de um ano. Ele adoece, causa muitos acidentes porque tem que subir aquelas escadas. É uma atividade dentro das próprias fábricas. Havia muita exploração. As condições de salário, de trabalho dentro das próprias eram... Quer dizer, hoje estão melhores porque tem um sindicato da categoria agora que cobra bastante, mas se você for na casa de um trabalhador que trabalha dentro da fábrica, é uma vida que tem um salário que não dá pra se manter. Então, em casa de madeira, mora em casa de aluguel, não existe essa oferta de emprego, de salário e de desenvolvimento que as empresas divulgam ter. Você vai encontrar entre dez e doze que tem uma casinha boa, e que já são funcionários há muito tempo nessas empresas. Com isso, tem as outras empresas, outras atividades que também se instalaram aqui em decorrência da siderúrgica, que acaba explorando: trabalho em exploração da criança, do adolescente, dentre outras atividades. Antigamente _____ em toda carvoaria você encontrava adolescente trabalhando e com isso a exploração da mão-de-obra infantil, hoje é mais difícil. Você vai ter que andar bastante pra encontrar uma criança trabalhando numa carvoaria, porque aqui próximo da cidade não tem mais nessas parece. Essas “escalizações”, então na própria exploração da mulher. Na questão do ______ é muito, das adolescentes também, então é muito utilizado na questão da dor eucalipto. É utilização dos trabalhadores numa vez na limpeza da terra, pra plantação de eucalipto, então tem todo uma a cadeia produtiva que se instalou devido ao setor siderúrgico, que pouquíssimos são os que realmente conseguem ter uma estabilidade financeira igual eu. Já estou bem porque as empresas se instalaram aqui. É difícil você encontrar alguém que esteja só com degradação ambiental aqui do município, a poluição é muito grande, então se a gente for analisar economicamente, o município com certeza, muito mais perdeu do que tem ganhado com essas empresas aqui na região. A pecuária é muito grande aqui no município, essa região nossa aqui é uma região onde tem a maior produção de criação de gado. E entra a questão do trabalho nas fazendas, que é a exploração também. É muito grande, só aqui no município existe nove fazendas que constam na lista suja, trabalho escravo, e conseqüência também dessas atividades. Então agora politicamente também muito explorado, entendeu? A cidade de - vamos dizer assim - cinco prefeitos que foram eleitos para governar, acho que dois conseguiram tirar o mandato fora, os outros envolvidos com corrupção, com tudo. Então agora é que parece que começa a cidade a ter uma cara diferente. Você já vê as ruas pavimentadas, mas a Açailândia do ponto de vista industrial, assim que tenha aqui em Açailândia, de tudo, era para ser uma cidade bonita. Mas Açailândia é uma cidade feia, é esgoto, é buraco, você vê aqui na frente do Centro, como é que é na frente, então a cidade ainda é feia, mas eu acredito tem um grande potencial. Para crescer, e eu acho que tem agora, precisa a classe política se mobilizar e se conscientizar disso. Essa área é formada de muita gente que veio de fora, que veio ganhar dinheiro aqui dentro, seja com a madeira, com carvão ou com a pecuária. São poucas as pessoas que nasceram aqui e são filhos da cidade. Então vieram pra cá, para explorar. Eu me lembro quando o Centro começou, cerca de dois, cinco anos depois, a gente andava procurando advogado para trabalhar, para nos assessorar, mas ninguém queria. Ninguém queria, porque os interesses e os objetivos do Centro eram outros. E eles vieram pra cá, chegou uma época aqui de ter 60 advogados inscritos na OAB, mas nenhum queria. “Vocês vão mexer com siderúrgica, vocês vão mexer não sei com quem, não, assim eu não vou, eu vim pra cá foi para ganhar dinheiro”. Então é muito explorada a cidade, mas a gente já vê algumas mudanças. Seja esse trabalho de conscientização, depois que o Centro foi fundado aqui. Às vezes a gente escuta falar por aí, que os movimentos aqui na Açailândia, depois do Centro é outro. É outro do que era antes e hoje tem praticamente todos os segmentos de uma sociedade civil, tem dentro dessa gangue, na área da criança, do idoso, direitos humanos, conselho tutelar, tem todos. E isso, com esse trabalho que o Centro vem fazendo de forma diferente, então fez essa motivação nesse jeito diferente de trabalhar com os problemas sociais.
P/2 – Nas siderúrgicas, qual que é a questão do trabalho?
R – Dentro das fábricas existe dois tipos de mão-de-obra, os que trabalham no escritório, na questão administrativa, e os que trabalham na fábrica mesmo, que é mexendo com carvão. Lá dentro, ou com os fornos onde produz o ferro ______, hoje nas cinco empresas, deve estar trabalhando cerca de mil funcionários dentro da própria fábrica, que faz esse trabalho de produzir o ferro, das empresas pra mandar pra fora aí. O trabalho praticamente lá é esse.
P/2- Mas tem alguma questão assim de trabalho degradante, mal pago?
R- Quer dizer, as pessoas que conheço e eu tenho muitos amigos que trabalham lá dentro... Os trabalhos que não são, que te maltratam, são aqueles de chefia, de supervisor, de encarregado, mas os outros, todos tem essa degradação. É um homem sadio que vai trabalhar num forno daqueles, seis meses depois ele está totalmente deteriorado. Meu pai chegou a trabalhar numa empresa dessas, mas ele não aguentou, ele só ficou seis meses, e uns cinco meses depois ele faleceu. Ou seja, ele não aguenta e eu conhecia bem como é que era esse realidade, então se você chegar com oferta de emprego pra um outro que está lá, ele vai. Porque lá é realmente muito pesado, pela própria quentura, trabalho, aquela coisa toda. Então na época que eles foram se instalar aqui eu me lembro muito bem, que eles prometiam que não estavam aqui naquela época mas a história diz que eles prometiam três mil empregos diretos da fábrica. Nunca chegaram esses três mil empregos, hoje é mil, mil e duzentos. No ágio, quando está no ágio, chega a mil e duzentos trabalhadores na fábrica. Agora nas carvoarias aí, existe milhares, dessa exploração que tem, então, é um trabalho degradante tanto pro homem quanto pro ambiente.
P/1 - Filho, agora que você está estudando direito, e está participando daqui do Centro, o que você espera fazer como advogado de dentro? Disso que você está contando, desse conhecimento todo que você tem sobre área trabalhista, quais são?
R - Eu quero me formar. É me especializar em questão de direitos humanos e estar discutindo essas questões, porque hoje é uma grande deficiência que nós sentimos aqui. Por exemplo, no Seno, nós temos dois advogados, mas não são dois advogados que nasceram e que se formaram aqui dentro e que são militantes. Ou seja, vêm aqui duas vezes por semana, fazem aquilo que tem que ser encaminhado. E eu não, eu quero realmente começar um trabalho, um projeto, uma coisa, realmente fazer um trabalho baseado nessas questões, porque é preciso aqui na nossa cidade. Então, a minha formação, meu conhecimento que adquiri, eu quero é contribuir. Realmente pra gente estar discutindo esses problemas da Açailândia e da região no todo, em questões dos direitos humanos, seja criança ou adolescente, questão do meio ambiente, então a área que eu quero atuar realmente é nessa área, questão de direitos humanos, um contexto geral. A gente está fazendo esse trabalho porque eu vejo que há muita coisa que a gente pode fazer do ponto de vista jurídico. O Centro tem toda uma atividade política, uma força política muito grande, mas às vezes quando chega na hora da gente atuar juridicamente numa área, nos falta força, elemento. Não tem quem faça esse trabalho, e foi aí que surgiu esse projeto de Centro. É de formar seus próprios quadros, é para estar fazendo esse trabalho, que é diferente, uma atuação minha como advogado de um cara que a gente contrata pra ele ir até ali, quer dizer, ele não vai conseguir olhar aquele problema, aquele desafio com mesmo horário de quem está...
P/1 – “Argânico”.
R - Arrogante, quando é aqui dentro então, é diferente. E hoje ainda está na metade do caminho, e eu vejo que a gente já consegue ver muita coisa, porque é possível a gente estar organizando pra comunidade, pra estar capacitando as lideranças, outras pessoas. Nesse ponto de vista, porque as pessoas conhecem muito pouca ainda desses direitos, de alguns instrumentos que a comunidade possa utilizar; que cidadão comum possa utilizar. O abuso ainda das pessoas que detém o poder administrativo é muito grande. E às vezes as pessoas não sabem como se sai disso, então eu quero trabalhar nessa linha aí.
P/1 - Tem um exemplo assim de alguma coisa que você já identificou e que você tem uma resposta jurídica, mas que ela não aconteceu por...
R - A gente vê aqui, por exemplo, em 2002, o prefeito aqui da cidade, ele foi afastado do município, em partido de desvio de verbas do Fundef. E o centro entrou com ação civil pública na justiça, e ele foi afastado e a grande atuação que eu tenho é que essas pessoas nunca foram punidas, porque a demora judicial é muito grande, a demanda é muito grande. E, mais ainda, não tem alguém que vá lá doutor, marque a audiência pra julgar o cara, o cara que tem 27 processos. Igual esse cara que tem, ele nunca foi condenado por nenhum. Porque falta alguém pra ir lá, pra cobrar, pra dizer: “Vou marcar a audiência, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo”. Então nessa área das políticas públicas, entendeu? Tem muita coisa que a gente pode está cobrando, tanto cobrando por omissão do estado quanto também a gente está “ajuizando” contra eles por ______ a utilização, seja de recursos, seja do que for. Há um campo aí muito grande com relação a essas questões, porque os políticos ainda fazem de forma errada ou não fazem por falta de conhecimento do povo. Essa área eu gosto muito. Eu sou meio assim, cargos que sou meio político, eles relam, chegam e eu digo: “Está bom. Vamos lá.” Aquela base toda então eu gosto muito, entendeu? Então pega essas questões e entra fundo mesmo, questões políticas públicas, direitos humanos, e a gente poder fazer esse trabalho, essa área. E a fundo mesmo, mostrar que é possível a gente conseguir. O estado não tem defensoria pública, município, as pessoas falam acesso a justiça é igual a todos, como que vai ser igual a todos? E eu não pretendo me formar pra ser advogando pra todo. Todo mundo resolvendo uma causinha ali, outra ali, outra ali, não. Eu quero fazer com que o estado faça seu papel para que as pessoas tenham acesso. Tem como eu fazer papel de promotor, de delegado, de isso, de isso, não. Vou fazer com que trabalhar pra que eles façam seu papel, pra que o ministério público funcione, pra defensoria pública seja instalada, funcione, pra que essas instituições, pra que essas organizações administrativas municipais funcionem, para que as pessoas tenham acesso a esses lugares, a essas instituições, porque tem que trabalhar bem. É um abuso muito grande por parte dessas instituições com relação ao povo, juiz, promotor sair daqui na sexta, voltar na terça-feira. Passam aqui apenas três dias, quer dizer uma coisa...
P/1 - Eles não moram, eles tem medo de estar aqui?
R - Eles não moram aqui, não sei por quê. Não sei, é no estado todo, eles passam...
P/1 - Ameaçados será?
R - Não, não é por isso, não. Acho que é porque São Luis oferece mais estrutura quando eles estão lá, não sei, e nunca vi a história de um que não ficou aqui por causa de ameaça. Só teve um que foi embora para Imperatriz, por causa das questões de ameaças, mas não é por isso, não, então a justiça que o ministério público funciona é terça, quarta e quinta, sexta-feira eles já vão. Você pode ir hoje no fórum no ministério público que não tem ninguém pra atuar e dar as respostas que eles dão aos problemas seja ambientais. Seja trabalho escravo, seja das contrapartidas que essas empresas deveriam deixar pro município, não existe uma atuação no ministério público nesse sentido. Nunca ouvi falar numa ação civil pública que o promotor tenha entrado contra a empresa tal, que está poluindo o município, está poluindo o rio, está poluindo aquela coisa. Não é uma atuação nesse sentido do ministério público, então há uma dívida muito grande, tanto judicial como política dessas instituições com o povo da Açailândia.
P/1- Filho, pra finalizar, eu queria que você contasse um pouco pra gente como foi essa experiência de você lembrar da sua história, de você contar ela pra gente.
R - Foi, foi muito boa, tinha até coisa que nem me lembrava mais, (risos) que foram surgindo. E essa é minha história. Costumo sempre falar pros meus amigos: “Da paz eu não desisto” Porque eu já também passei por isso, já fiz isso, então foi bom lembrar, e a gente dificilmente pra falar sobre isso. Uma correria muito grande e até me emocionei, falar do meu pai, é muito bom mesmo contar essa história, falar da família, dos amigos, dos pais, dos tios, essas coisas de infância, eu acho que é, foi muito bom.
P/1- Legal, a gente quer agradecer você por contar, compartilhar com a gente essa história, agradecer pelo Museu da Pessoa também e desejar tudo de bom. Que você consiga aí por se formar e continuar essa luta, continuar um pouco rabicho que seu pai deixou pra você (risos) na luta dos trabalhadores, na luta de...
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