P/1 – Boa tarde, Maria Stella.
R – Boa trade, como vai?
P/1 – Eu vou bem e gostaria de agradecer da senhora ter aceitado o convite para essa entrevista.
R – Foi um prazer.
P/1 – E pra gente começar, eu gostaria que a senhora dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Maria Stella França, nasci em Pirassununga no dia dois de maio de 1930.
P/1 – Fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai, Cornélio Nogueira França e mãe, Druziana Fazini França.
P/1 – Agora, eu queria que a senhora contasse pra gente, um pouco, da origem da sua família, né, então o que a senhora sabe da origem dos seus pais.
R – Meus pais. Meu pai nasceu em São José dos Campos (SP) e só origem?
P/1 – Pode contar.
R – Ele veio para cá, depois de se formar em Direito e veio ser o delegado da cidadezinha, primeiro delegado daqui, de Ilhabela. Minha mãe é caiçara, nasceu aqui e depois de alguns anos de casada, ela se mudou para várias cidades na companhia do meu pai, que ele foi indo, trabalhando em várias cidades aqui do Vale do Paraíba, como delegado e depois, eles foram para São Paulo. Eu nasci em uma dessas cidades em que ele foi delegado, eu nasci em Pirassununga. Os meus irmãos nasceram aí pelo Vale do Paraíba, São Luiz do Paraitinga (SP), São José dos Campos, tem uma história assim com eles, eu já fui a penúltima a nascer, porque foi uma família de dez filhos, e eu nasci em Pirassununga, São Paulo.
P/1 – Tá. Eu queria que você contasse também, um pouco antes da família dos seus pais, né, então você falou da família da sua mãe ser caiçara, mas e a origem da família do seu pai? Eles já eram de São José?
R – A origem é daí, do Vale do Paraíba, de São José dos Campos.
P/1 – E você falou um pouco da atividade deles, né? Como que eles se conheceram aqui em Ilhabela? Eles chegaram a contar alguma vez?
R – Sim, eles se conheceram, ela era bem jovem, ele também, eles se conheceram quando ele veio pra cá como primeiro delegado aqui da Ilha, né? Eles se conheceram, casaram aqui e aí, começaram assim, a pegar a todas as cidades que ele era transferido, sei lá como é que era a coisa, mas ele foi para diversas cidades do Vale, Guaratinguetá (SP), acho que Taubaté (SP), essas cidades aí, algumas, São Luiz do Paraitinga. Eu tenho dois irmãos que nasceram em São Luiz do Paraitinga e foi assim. E onde ficaram mais foi Pirassununga e acho que seis de nós dez nasceram em Pirassununga.
P/1 – E a senhora conheceu os seus avós?
R – Não tenho mais.
P/1 – Mas chegou a conhecê-los?
R – Cheguei, cheguei. Meu avô por parte de mãe era italiano, veio da Itália, que cidade que veio? Por favor, me ajude… Ele era da Itália, é, perto de Nápoles e aí, conheceu a minha avó aqui e minha avó é daqui, era daqui, nasceu aqui na Ilha. Eles se casaram, os filhos nasceram, os meus tios também nasceram aqui, tudo. Agora, minha mãe saiu daqui pra acompanhar o meu pai, né, foram muito felizes até que ele faleceu em 1937 e ela ficou viúva, acabou de cuidar dos filhos, dos últimos, eu sou penúltima. Daí, ela sempre morou em São Paulo.
PAUSA
R – Eu tenho lembrança dele, mas assim, não muito lucida, assim, lembrança dele assim… porque eu tinha sete anos, eu me lembro do dia que ele morreu e tudo mais. Morreu muito jovem, ainda.
P/1 – A senhora acabou de contar pra gente um pouquinho da trajetória, da história da família da sua mãe. Eu queria agora que você contasse um pouquinho da história, da parte do seu pai, então um pouco da origem da família dele. Como é que foi, se a senhora conheceu esses avós, quem eles eram…
R – Eu nem me lembro dos meus avós paternos. Eu acho que quando eu nasci, eles já tinham morrido, eu tenho impressão. Não sei dizer isso. Meus tios, sim, meus primos, todos do Vale do Paraíba. Taubaté, Caçapava (SP), Roseira (SP), os parentes todos eram do Vale do Paraíba e a gente tem mesmo, a ascendência do Frei Galvão. A família Galvão de França. Não sei se isso interessa.
P/1 – Interessa, pode contar um pouquinho dessa história pra gente, então, qual que é a ascendência, como que foi desenvolvendo a família…
R – Eles… minha família… Eu lembro até sete anos de idade, depois eu não lembro mais, eu tenho assim, uma lembrança tênue, sabe, do meu pai. Ele ficou doente, morreu de câncer e, na época, era uma doença terrível que não tinha jeito. A gente já morava em São Paulo nessa época, na cidade de São Paulo. Nós saímos de Pirassununga, eu me lembro que ele… Ele, parece, que ainda passou por Mogi das Cruzes (SP) e depois, viemos diretamente para São Paulo e aí, ele faleceu, eu não lembro muito, muito dele. Eu sei que ele incentivava muito os estudos para os filhos e todos estudaram, todos fizeram faculdade, então foram muito bem orientados por ele, né? Ele tinha essa força de fazer todos estudarem. Meus irmãos mais velhos foram todos assim, pessoas que… como é que se diz? Se projetaram no que fizeram, minha irmã mais velha era química, todos… Faculdade de Filosofia, na época, né, minha irmã mais velha era química, o segundo era geógrafo, a terceira, era a Dedé, e a Ceci fizeram Educação Física, todos na faculdade de Filosofia na época. Todos, inclusive eu… Ele já não existia, mas também estudei, fiz uma faculdade e me formei em Biblioteconomia.
P/1 – Eu queria, antes de você falar da sua faculdade de Biblioteconomia, eu queria que você me contasse como é que ou o que você se lembra da casa de Pirassununga… você tem alguma recordação de como é que era?
R –Olha, tenho muita pouca, mas a gente voltou há pouco tempo, relativamente, pouco tempo, todos quiseram, assim, tipo uma excursão de ônibus particular para a família toda voltar lá. E aí, eu me lembro da casa, tudo. Ficava numa praça, tinha, na época que eu nasci, um convento e eu chamo Stella porque tinha uma freira chamada Stella que era muito amiga do meu pai e da minha mãe, então eu chamei Stella por causa dessa freira. Que mais? Eu mesma não me lembro assim, me lembro agora de Pirassununga porque eu fui pra lá, tal, mas eu não me lembro da minha infância lá, minha infância que eu me lembro mais já é de Mogi das Cruzes para São Paulo e São Paulo que eu me criei e estudei em São Paulo, né?
P/1 – E conta então de Mogi das Cruzes. Como é que era lá? O quê que você se lembra de lá?
R – Eu lembro que a gente morava numa casa muito grande, que era assim, estilo um castelinho, eu me lembro dessa casa, que ficava não sei que bairro (risos) e era perto desse colégio de freiras, não sei se era colégio… Tinham as freiras que eram amigas da minha mãe. Mais tarde, eu voltei para Pirassununga, era uma cidade assim, bem adiantada, tem muitas coisas interessantes para ver, mas de passagem só, que eu passei por lá, eu não me lembro de infância lá, assim, muito de longe, porque eu era bem pequena quando eu mudei para São Paulo. Eu tinha um irmão mais novo que eu.
P/1 – E como é que era essa família grande, né, na casa, como é que ficava a distribuição nos quartos?
R – Digamos, em São Paulo, era uma casa também grande, tinha quatro quartos e tal, mas tinha que dormir um junto com outro, assim, os rapazes num quarto, as moças no outro e as crianças no outro, digamos assim. São Paulo eu me lembro bem, porque eu fiquei até me formar lá e a minha vida foi maior lá em São Paulo do que em qualquer outro lugar.
P/1 – E na sua meninice, o quê que você gostava de brincar?
R – De casinha, essas coisas (risos), brincar de dona de casa, de tudo que uma criança, uma menina faz, né, nessa época, boneca, amarelinha (risos), normal.
P/1 – Com quem que você brincava?
R – Eu brincava muito com o meu irmão mais novo, a gente tinha muita afinidade, tinha uma idade próxima, né, e a gente brincava bastante, o Hélio.
P/1 – E o que você sentiu com a mudança de Mogi para São Paulo? Tudo bem, mesmo criança, assim, como que foi mudar?
R – Mogi foi muito rápido, né, que a gente passou por lá, pouco tempo, eu não me lembro da vida de Mogi, assim, eu sei que um dia, tinha que mudar para são Paulo, ele foi transferido para São Paulo e nós fomos para São Paulo, não sei… Mogi não lembro muito. Eu lembro da cidade, assim, que eu estive em Mogi, a casa que a gente morou em Mogi eu lembro, até eu falei, tinha um estilinho de castelinho, tinha muita fruta, um quintal muito grande, só isso aí que eu me lembro. Já meus irmãos teriam mais lembranças, os mais velhos, né?
P/1 – E em São Paulo, para que bairro que vocês foram? Como que foi…
R – Eu morei no bairro do Paraíso, tipo Vila Mariana, não sei se é Vila Mariana mesmo lá, acho que é, né? Bairro do Paraíso, Ibirapuera ainda não tinha, não era o Ibirapuera de hoje, chamava Ibirapuera mas a gente ia lá pra brincar, andar de bicicleta, mas não era o que é hoje.
P/1 – Então, vamos falar da escola agora. O que a senhora se lembra de começar a ir para a escola?
R – A primeira escola minha foi o grupo escolar Rodrigues Alves, que era na Avenida Paulista e eu fiz, na época, era quarto ano, não era quarta série. Quarto ano e de lá, eu já fui para o ginásio, né, depois fui para o ginásio. Aí, eu fui para o ginásio chamado Saldanha da Gama, que era uma escola, assim, experimental, o meu irmão mais velho, o Ari, era vice-diretor. O diretor era muito nosso amigo e eu fui para esse colégio. Era um colégio maravilhoso, pequeno, pouquíssimos alunos e eu achei assim, que foi a base mesmo dos meus conhecimentos foi esse colégio, que eram pouquíssimos alunos, então todos eram, digamos, importantes para todo mundo… Os professores se dedicavam muito a nós, os pequenos. Eu tive um professor que viveu aqui também, o professor de desenho, que era o Waldemar Belisário, importante aqui na Ilha, ele foi meu professor de canto nesse colégio. Depois, a gente veio se reencontrar aqui, ele era casado com uma também, ela é caiçara, a Celina? Não, né? Não. Era uma professora maravilhosa, depois ficou muito amiga da gente, a gente fazia coral com ela, mas aqui, já na Ilha.
P/1 – E tinha uniforme esse colégio?
R – Esse colégio não tinha uniforme. Era à vontade, você ia de qualquer jeito. Aliás, eu nunca tive uniforme, a não ser no curso primário, depois quando eu saí desse colégio, eu fui para o Colégio Bandeirantes, que também não tinha uniforme. Um ótimo colégio, também, não se vocês conhecem. Não sei nem se ele ainda está lá na rua Estela em São Paulo. Fiz o colegial lá.
P/1 – E tinha uma matéria que você gostava mais, assim, na escola? Fora esse professor, um outro professor também que tenha marcado na sua trajetória?
R – Tive grandes professores, já no Saldanha da Gama, mesmo, eu já tive ótimos professores de Matemática, Matemática não é a minha matéria preferida, não, eu sou mais das humanas, né? Eu tinha professor de Latim, Professor Salum foi o meu professor nos dois colégios. [Língua] Portuguesa gostava muito, o professor de Inglês também era bem interessante, bem bom professor, chamava-se Giliniandro e Francês, o professor… Como é que era, meu Deus? Não posso esquecer desse. Era Arnoult, também gostava muito… Eu sempre gostei dessa parte, Latim, Português, Francês, Michel D’Arnoult. Eu estive em outro colégio antes de ir para o Bandeirantes. Ou foi depois? Eu fiz o colegial no Bandeirantes, mas eu não me lembro qual colégio que eu fui… Chamava Colégio Paulistano, eu não sei se fui antes ou depois, agora, tô fazendo confusão.
P/1 – Qual que era nessa sua juventude, né, no percurso escolar, a sua relação com os livros?
R – Eu sempre gostei de ler. Normal, assim. E por quê que eu fui ser bibliotecária?
P/1 – É, um pouco de qual foi o caminho, né, o porquê dessa escolha.
R – Foi influência, talvez, de alguém, mas eu fui fazer o curso de bibliotecária lá na faculdade de meu Deus, aquela do largo São Francisco, como é que chama? Não Direito. Ao lado, como que chama?
P/1 – Escola de Sociologia e Política?
R – Sociologia e Política. Eu fiz lá. Esqueci. Sociologia e Política, que era a faculdade de Direito aqui e o colégio assim, quase em frente, não em frente, mas de lado. Acho que foi a primeira escola de Biblioteconomia que teve em São Paulo, depois gerou outras, o Des Oiseaux e tudo, mas aí eu fiz essa, mesmo. E de lá, quando eu saí de lá, eu já comecei a trabalhar com isso em São Paulo, primeiro emprego que eu tive como bibliotecária foi na São Paulo Light & Power, depois eu me casei, fiquei um pouco retirada, depois, eu voltei para trabalhar numa outra empresa que se chamava Bolsinha de Campos, era outro assunto, né? E daí, eu acho que eu já vim para cá. Ah é, trabalhei nas Industrias Villares também. Osmose-Pentox, eu trabalhei em várias firmas, na Osmose-Pentox eu fiquei uns meses só, não cheguei a ficar um ano, que era um lugar muito assim, tenebroso, né, porque eles lidavam com... Era uma fábrica de produtos... Como é que chama? Eram produtos tóxicos e tudo, então ficava lá meio… Saí de lá e fui para a Villares e da Villares eu vim para cá. Vim para cá sob pena da minha irmã brigar comigo (risos), porque a minha irmã, Dedé ela já tava aqui, fixada aqui, e ela fez muito aqui por Ilhabela, né, e ela começou a juntar os livros, umas doações e tal, e ficava me chamando para vir para cá, que tinha que ser aqui, não sei o que, mas eu tava casada naquela época. Quando eu me separei, é que eu vim para cá, para ilha. Já tinha casa, tudo, né?
P/1 – Vou querer voltar pra você me contar como foi o período da faculdade? Você sentiu diferença de responsabilidades da escola… Como é que foi esse período já mais velha?
R – Sempre a gente fica mais assim, se sentindo mais importante, né, porque tá fazendo curso superior e tudo. Sempre pra mim foi assim, normal. Eu gostava de estudar (risos) e daí, eu vim pra cá assumir a biblioteca… A biblioteca não, o monte de livros que tinha aí para formar uma biblioteca, eu formei a biblioteca, eu organizei, fui a primeira pessoa que organizou a biblioteca. Eu fiquei bastante tempo. Até 80 e… acho que 89. Aí, eu fui… eu trabalhei até aposentar, aí um belo dia, disseram que eu tava aposentada, eu tive que sair (risos). Mas aqui eu fiquei bastante.
P/1 – Vamos falar lá de São Paulo ainda, da sua mocidade, o que você gostava de fazer na cidade, assim, quando acabava a aula ou tinha um tempo de lazer com os amigos ou com o seu irmão mais novo?
R – Tinha assim, normal… Minha família era muito grande, a gente já se divertia em casa, mesmo, porque era uma família muito diversificada, tinha para todas as idades, né, quer dizer, eu tinha uma diferença muito grande da minha irmã mais velha. Depois, elas começaram a casar, não sei o quê, e a gente tinha uma vida assim, normal, meio com um pouco de preconceito, assim, da minha mãe que era muito cuidadosa, então, geralmente, eu me sentia um pouco presa, eu nunca tive muita liberdade. Tudo muito acompanhado de perto, porque era assim. Antigamente, era assim. Mas eu fui muito feliz, tinham bailinhos… Os bailinhos eram nas casas das pessoas, né, então era tudo mais fácil. Hoje são os clubes e tal. Mas eu ia muito a festinhas, festas de aniversário, tinha bailinho, tal. Normal, isso.
P/1 – E conta pra gente de como a senhora conheceu o seu marido, como é que foi…
R – O meu marido? Eu morava no Brooklin, numa rua do Brooklin … Eu já tinha o quê? Uns 19 anos. E na frente da minha casa começou uma construção, aí foi virando casa, não sei o que e mudou uma família para lá e o meu marido era filho dessa família. Minha sogra era gaúcha e o meu sogro era de onde que era o vovô? Do Paraná. E ele era general do Exército, era coronel, naquela época e eu conheci o meu marido assim, ele ficou me dando carona para eu ir trabalhar e tudo, a gente começou a namorar e acabamos nos casando. Eu tive, na realidade, somando, eu tive cinco filhos, mas eu perdi. Eu perdi três, fiquei com dois, a Claudia, minha filha e tinha um irmão que nasceu gêmeo e gêmeo com uma menina e a menina morreu, infelizmente, o meu filho também morreu agora, há pouco tempo. Então, eu tenho só a Claudia de filha.
P/1 – E conta pra gente como foi para a senhora parar de trabalhar para seguir a vida de casada, quer dizer, foi para a faculdade, fez um monte de coisa que…
R – Depois que eu parei de estudar?
P/1 – Depois que você casou, você falou que deu um tempo, né, de trabalhar. Então, como é que foi esse momento assim, para a senhora, né, que já tinha feito faculdade, já tinha começado a trabalhar…
R – Ah, foi normal, agradável. Eu gostei muito de trabalhar, aplicar aquilo que eu tinha prendido em bibliotecas diferentes, e assuntos diferentes, né, isso também foi bem interessante, porque primeira biblioteca era de engenharia, era a Light, serviços de engenharia. Eu sai da Light e fui para onde? Eu sai da Light e fui para Bolsinhas, né, eu fui para uma empresa de contabilidade, sei lá o que, não tinha muito interesse. Aí, eu fiquei pouco porque me tiraram de lá para levar para Villares, pras Industrias Villares. Daí, da Villares, eu vim para cá. Villares também foi bem interessante, era lá na represa, tinha que ir todo dia para lá, mas era muito bom. E da Villares, eu vim para cá. E aqui, eu fiquei até me aposentar, tomei um baita susto quando falaram que eu tava aposentada (risos), pra mim, eu tava continuando, já.
P/1 – Antes de vir para cá, então, morar e trabalhar, você costumava frequentar a cidade?
R – Costumava, desde pequena.
PAUSA
P/1 – Conta da sua relação com a cidade de Ilhabela da sua infância, né, como que…
R – A minha infância era era deliciosa, porque eu sabia que sempre eu vinha pra cá, né? Porque eu sempre, desde pequena, as nossas férias eram sempre aqui, né? Meus avós moravam aqui, a gente vinha visitá-los, né? E a gente vinha, naquela época era muito difícil vir, porque não tinha… Acho que nem estrada tinha, porque eu vinha de lancha. Até uma vez, eu vim de navio para cá. E ficava aqui, livre, meus avós e tudo. Depois, o meu avô faleceu e a minha avó foi morar conosco lá em São Paulo e lá, ela também faleceu um pouco mais tarde, ela faleceu. Aí, já não era assim… Mas continuou sendo, pelos primos que eram daqui, minha tia criava os meus primos, a gente sempre passou férias aqui. Era o lugar que a gente gostava de ficar. E era quando não tinha a estrada era um caminhozinho, a gente parava para tomar água no meio da estrada, porque tinha uma fontezinha na estrada, que tinha um alemão, tudo isso eu me lembro muito, tinha um alemão lá, que servia água pra gente, porque brotava da pedra e era uma estrada terrível também para vir de carro, né? Mas depois, foi melhorando e tal e hoje… mesmo depois de casada, eu vinha muito pra cá, né? Vinha, aprendi a esquiar, fazer os meus esportes, as crianças foram crescendo, querendo sempre vir para cá, né, eles não admitiam outro lugar para passar férias, tinha que ser Ilhabela, e amigos, a gente tinha uma casa bem grande aqui, trazia os amiguinhos deles e tudo. Foi sempre assim, Ilhabela sempre na nossa vida, toda.
P/1 – Onde que ficava a casa dos seus avós? O quê que você se lembra dela?
R – Eu lembro muito bem, porque era lá na vila, pouco antes de chegar para o centro lá, e eles moraram por duas vezes. Uma vez, eles se mudaram, mas eles moraram numa casa, depois ao lado, construíram uma outra que eu ficava mais. E a casa onde eles moraram por sorte, sei lá o que, a minha irmã Dedé, Dedé é muito famosa aqui, eu falo Dedé, é Iracema, conseguiu adquirir essa casa, tá até hoje na família dela. Uma casa assim, bem caiçara… Você conheceu a vila caiçara lá na vila? Aquela casa foi onde os meus pais se casaram, quando os meus pais se casaram, meus avós moravam lá. Era uma espécie de um hotel ou pensão, não sei, eles recebiam hospedes, naquela época, não tinha balsa, não tinha nada, a gente tinha que atravessar de canoa, de lancha. Essas lembranças foram muito marcantes também para mim, minha infância. Que mais? Eu tenho uma recordação muito triste daqui da região, porque eu perdi o meu irmão aqui. Meu irmão e um sobrinho, que desapareceram aqui no mar, isso é um ponto assim, muito triste para nós, para nossa família, né? Meu irmão mais novo. E fora isso, era só encanto, só felicidades vir pra cá.
P/1 – O que você sentia quando vinha pra cá? Ou quando chegava aqui?
R – Quando eu chegava aqui, era sempre um prazer íntimo assim, não sei dizer, vou ver meus avós e vou chegar aqui, tem mar, tem tudo aqui que a gente não tinha em São Paulo, né? Mas normal, assim.
P/2 – Vocês ficavam lá na vila? Onde que era, casa, onde era?
R – Quando a gente não tinha casa ainda, a gente ficava na vila, na casa dos meus irmãos, né? Casa do meu tio Anjolino, meu tio é irmão da minha mãe, era irmão da minha mãe, que ele era uma personalidade aqui, uma pessoa muito interessante, foi um amigo assim, que a gente teve. Sabia tudo (risos), e daí tem os meus primos também que moram até hoje aí.
P/1 – E esse seu tio era uma personalidade assim, por quê? O quê que ele fazia?
R – Ele gostava de contar histórias, era muito popular aqui, sempre sabia alguma coisa pra contar, uma história… Era muito simpático. Todo mundo… Não era só porque a gente era parente, mas na casa dele sempre se reuniam pessoas para ouvir o que ele falava, ele era engraçado, de bom humor, sempre. Muito legal. Guardo muita lembrança dele, também.
P/1 – A senhora conseguiria assim, lembrar de alguma história que ele tenha contado ou de alguma que ele sempre contava quando tava todo mundo junto?
R – Meu Deus! Será que eu lembro… A Cláudia lembra de todas as histórias dele (risos). Ele tinha umas coisas que ele inventava, umas palavras que ele inventava que ficavam assim, no popular, né, mas eu não sou capaz de contar uma história dele, eu acho. Não me lembro. Mas se você quiser entrevistar a Cláudia, ela te conta.
P/1 – Tá. E aí, como é que foi a decisão de aceitar assim, o convite da sua irmã Dedé pra vim pra cá, ver a biblioteca ou começar a dar esses primeiros passos?
R – A biblioteca não existia, era só um amontoadinho de livros que tinham um lugarzinho na vila com doações, que ela pedia. Ela que começou a biblioteca, na realidade, mas ela não sabia o que fazer com aqueles livros, mas ela tinha já um acervozinho e eu fiquei feliz, porque começar uma coisa, assim, do zero, né, é interessante, né? Interessante, porque muito diversificado, as doações vêm de tudo que é lado, todas as pessoas mandam o que não interessam mais, mas geralmente tem aquela pessoa que doou, né? E eu comecei assim, a organizar assim, o quê que eu tinha mais na época? Muito romance. A biblioteca, na realidade, começou mesmo, brotou mesmo foi com a doação de uma amiga minha, que se chama Vera, cujo pai morreu e tinha muitos livros, então ela trouxe assim, um carro lotado de livros, foi assim, o impulso que a biblioteca deu foi com esses livros, não foram os primeiros, porque como eu contei, minha irmã já vinha pedindo doações e tudo, né? Mas esses da Vera eram livros muito bons, estavam em ótimos estado, então eu pude começar a biblioteca direitinho. E aí, começaram a pingar muitas doações, acho que quase diariamente vinha alguém doar um livro, dois… e assim, aumentou. Quando eu saí de lá, não sei dizer exatamente, mas tinha uns 25 mil, por aí, não sei se eu tô certa, mas acho que tinha isso. E daí pra diante, depois que eu sai de lá, eu não tomei mais conhecimento de lá, não sei como é que tá, mas tem bibliotecária, tem… eu acho que tá em boas mãos.
P/1 – Em que lugar que começou a biblioteca?
R – Na vila. Ela ainda tá lá, onde hoje é a Câmara [dos Vereadores], mas a Câmara chegou a ser junto comigo, quer dizer, eu fui despejada de uma parte da biblioteca para ser a Câmara, né? Isso aqui acontece muito (risos), as prioridades. E aí, eu fiquei lá na parte de cima, era um sobrado, né, depois a câmara tomou meio que essa parte também, ficou só num pedacinho. Daí, eu saí de lá e tá aí até hoje, não sei como que tá e daí, brotaram algumas bibliotecas aqui, daí hoje, acho que tem umas quatro bibliotecas aqui na Ilha. Tem na Barra Velha, tem aqui na Itaquanduba, tem umas três ou quatro bibliotecas. Eu considerava a biblioteca um centro cultural, então a gente recebia, fazia alguns eventos, assim sabe, culturais, exposições que a Secretaria do Estado da Cultura mandava pra gente fazer e tal. Fazia exposições de quadros e em uma ocasião, a Claudia conseguiu reunir, ela é cartunista, os cartunistas importantes, que tem, bem conhecidos e tal e fizeram não foi exposição, né, o quê que nós fizemos mesmo com os cartunistas? Um encontro, né? Um encontro de cartunistas aqui na Ilha, foi muito interessante. Tivemos também teatro, ballet, tudo no mesmo prédio. Eram pessoas que se propuseram a dar aulas de ballet e disso tudo, também resultou que a gente montou uma sociedade, Amigos da Biblioteca, e não durou muito, porque a intensão era a gente proteger a biblioteca, né, para essas invasões, às veze, que tem, né? Foi o caso da Câmara que se mudou para a biblioteca, né, então coisas assim, políticas. E a gente teve essa associação, eu vinha aqui, a gente fazia reuniões mas isso também com o tempo foi acabando, as pessoas vão saindo, deixando de frequentar, mas era aqui em casa, mesmo, a reunião.
P/1 – Qual era o nome da biblioteca ou é o nome?
R – A biblioteca? Ela tem o mesmo nome até hoje, é Doutor Renato Lopes Correa, que é Biblioteca Pública Municipal Doutor Renato Lopes Correa e era em homenagem ao marido da minha irmã, que era a pessoa que mais se interessava por cultura aqui na Ilhabela que era… não sei se você já ouviu falar da Dona Dedé, ela movimentava tudo, tudo que era cultura, levava os caiçaras para se apresentarem aí para o interior, as danças e as coisas populares. Dedé era uma pessoa incrível, você não ouviu falar, mas todo mundo sabe, era uma pessoa bem importante aqui, faleceu, né? Mas era uma lutadora também pela cultura.
P/1 – E como foi por em pé esses livros, desse amontoado, de organizá-los e colocar… até abrir para o público, né, esses primeiros movimentos da biblioteca?
R – Sim, os movimentos da biblioteca e o acesso ao público foram praticamente juntos, porque enquanto se faziam as estantes e tudo, eu já tava emprestando livros e tal. Então, o pessoal ia muito para a biblioteca, tinham pessoas que liam um livro atrás do outro, assim, e o movimento foi junto assim, não teve solução de continuidade.
P/1 – E qual a sensação de ver as pessoas lá, entre as estantes, com livro na mão?
R – Era muito bom e tinham também as pessoas que pegavam livros e não devolviam, isso é normal, também, né? Tinha que correr atrás, mas de uma forma, era muito agradável, mesmo, muito bom. Tenho saudade.
P/1 – E como foi acompanhar todo esse processo, né, desde o começo e ver o acervo crescendo, ver as pessoas fazendo parte daquele lugar, não só como biblioteca, mas como centro cultural…
R – Eu via muito, muito mesmo, principalmente aluno de escola que chegavam assim, muito, até via umas curiosidades de uns alunos que chegavam com as perguntas que não tinham nada a ver, que faziam confusão, tomar nota e tomavam errado, né? Então, eu contava sempre a história … qual a história que eu contava? Assim: “Professora, eu quero um livro sobre a balsa… eu quero o livro da balsa”, livro da balsa? Pensava, pensava, depois eu tinha que descobrir o quê que ele queria dizer, né? Ele queria um livro da enciclopédia Barsa para ele fazer uma consulta. Todas essas coisas eu fui aprendendo, porque…
Claudia [filha] – Da antenas também, como que foi?
Clarissa [neta] – Foi assim, o menino falou: “A professora pediu para fazer uma pesquisa sobre as antenas no livro da balsa”, era sobre Atenas no livro da Barsa.
R – Sobre Atenas. E assim ia, né? Foi exatamente isso. Você lembrou. Ela era minha aluninha preferida que ia lá todo dia (risos).
P/1 – E como é que era isso, então, receber ela lá com você?
R – Era muito bom, elas até me ajudavam de vez em quando, né? A Clarissa era assídua, a Clarissa gostava da biblioteca, tem uma foto com ela dessa época, né? Não sei onde tá, mas saiu no seu jornal, não saiu?
Clarissa – É, que a gente fez uma entrevista, uma matéria para o jornal, na verdade, não era o meu jornal na época, era do meu marido, daí a gente fez a matéria sobre ela e por causa disso, eu casei, mas contando a história dela e tal, e aí, a história da biblioteca e quem escreveu a história fui eu e daí eu contei, assim, tudo isso eu vi e tal e eu frequentava a biblioteca, então participava…
R – E tem uma foto dela nesse artigo. Nos duas juntas. Ela frequentava.
P/1 – Aí que legal.
R – E tem umas criancinhas que frequentavam que agora são universitários e tem bastante gente que tá estudando para ir para São Paulo e tudo, universitário, mas eu fico muito contente de ver, né, que aproveitaram essa parte, né?
Clarissa – Era um tempo que não tinha computador, né?
R – É, não tinha. Não tinha computador.
P/1 – E ai, as pesquisas tinham que ser feitas…
R – É, as pesquisas… exatamente, eu tinha que ajudar, porque eles não sabiam procurar, né, na enciclopédia.
P/1 – Eles procurando as antenas na balsa…
R – (risos) Era muito engraçado.
P/1 – Daí, você veio morar aqui na Ilha, né, que é diferente de passar férias, que é diferente de fazer uma visita, então como foi a adaptação à cidade, ficar aqui?
R – Não teve diferença, pra mim, era meu lugar também, entende? Não senti nada, não tinha saudades de São Paulo, sempre me adaptei bem aqui. Fui me adaptando.
P/1 – E quais outras atividades que você fazia, assim, depois que saía da biblioteca…
R – A gente tinha um coral que funcionava em casa, eu canto em coral com a professora Celina, que era uma maravilha de professora, cantora lírica, sabe? E nós tínhamos esse coral aqui em casa, funcionava aqui. Eu cantava no coral, os meus netos, filhos, a Claudia cantava e a gente se apresentava nas festas e tal. Nas festas cívicas, né? Então, sempre tinha o hino nacional pra cantar e era muito interessante, também essa parte. Essa já não faz parte da biblioteca, né, era mesmo, uma coisa mais íntima, mas a gente era convidada para abrir alguns eventos cívicos, aí, a gente…
Claudia – Ela foi Diretora da Biblioteca, depois, Secretária da Cultura e promoveu muitos eventos de música aqui.
R – É.
P/1 – E qual que era o nome do coral?
R – Coral Celina Belisário, não…
Claudia – Coral Vozes de Ilhabela.
R – Vozes de Ilhabela, isso mesmo! E a Celina era a regente.
P/1 – E como é que era se apresentar para um público numa festa cívica…?
R – Era divertido, né? A gente abria as atividades assim, da prefeitura, hino nacional, não sei o e era interessante. Eu gostava de cantar também ali, no coral.
P/1 – Qual era a sua voz? Qual dos grupos vocais?
R – Eu era a primeira voz, como é que chama? Segunda voz? Não, eu era soprano, né? Soprano. Mas faz tanto tempo que eu nem me lembro mais.
P/1 – Teve alguma música que vocês ensaiaram que ficou marcada? Que foi muito difícil…
R – O hino da Ilhabela que era feito pela Celina Belisário.
P/1 – E você se lembra desse hino?
R – Você quer que eu cante (risos)? Eu não vou saber cantar, não.
P/1 – Ou declamar, falar a poesia dele.
R – Minha cidade, meu torrão… mas não lembro mais. Minha cidade, meu torrão, meu… não lembro. Não, pode tirar essa parte?
P/1 – Não, tudo bem, não tem problema.
R – Eu era soprano, a Claudia também, você era soprano, também, né? A gente tinha até que um grupo grandinho, sabe? Reunia aqui. Reunia acho que uma ou duas vezes por semana. Era um coral bem ensaiadinho.
P/1 – E quais foram os desafios, então, do convite ou da sua participação como secretaria da cultura daqui de Ilhabela?
R – Eu fiquei muito pouco na Secretaria [Municipal] de Cultura porque eu vi que eu não tinha aquele desembaraço que precisava ter, sabe, eu sentia que eu não ia conseguir muitas coisas, o que eu trouxe para cá? Um coral, também, de crianças do interior, trouxe alguns eventos, assim, da Secretaria da Cultura de São Paulo, mas eu não tinha muito jeito para a coisa, não, então manifestei o meu desejo de sair e saí. Eu não quis ser aquilo, entende? Pra mim, a biblioteca era mais importante, mas eu não sei lidar com verbas e coisas assim, para mim, é tudo difícil, não consigo, não tenho essa capacidade de procurar uma coisa pra melhorar, não sei o que… Então, eu vi que eu devia ser substituída, eu mesmo achei que não era pra ficar naquele quadro.
P/1 – Voltando então para a biblioteca que era mais importante, qual que era…
R – Eu não tinha deixado a biblioteca…
P/1 – Não, não. O assunto, assim… qual que era um livro do acervo que você considerava, assim, precioso que tava ali num lugar especial ou que…?
R – Várias coleções de escritores brasileiros, né, eu gostava muito de indicar sempre literatura brasileira, mas tinham coisas muito boas lá. De literatura assim, francesa, inglesa, tinha muita coisa boa e conforme a pessoa que fosse pedir, eu já sabia, mais ou menos, o perfil da pessoa, eu já encaminhava o livro, entendeu? Que isso aí foi uma coisa que fez com que as pessoas frequentassem mesmo a biblioteca, frequentavam muito, muito, mesmo. Tinha dias que eu não tinha mãos para medir, porque estavam assim, amontoados ali, esperando ser encaminhados por mim pro acervo, né? Era um acervo livre, eu fiz questão de ser, a pessoa ia buscar o que quisesse, mas eu também indicava, então, participava… foi um tempo bom.
P/1 – Eu queria que você contasse, assim, qual que é, no fim depois de tantos anos na biblioteca, né, qual que é a sua relação com a cidade, né, de alguém que teve a família aqui, vinha de férias, mas que aí depois decidiu…
R – Vinham pessoas de férias, frequentavam e vinham os alunos, principalmente, até hoje tem pessoas que eu já nem conheço porque eram pequenos e cresceram, têm outras caras, hoje. Mas que frequentavam muito a biblioteca, iam pra pesquisa, geralmente, e eu tinha que ajudar, né, porque se perdiam naquelas coisas todas, aqueles livros de informação e tinham as crianças pequenininhas também, que cresceram lendo livrinhos infantis e que hoje, estão moços, né, e continuaram gostando de ler e tudo. Era um belo começo, assim, para eles. Ruth Rocha, autora, né? Esqueci. Agora, eu esqueço tudo, né, mas eu dava aqueles livros… Monteiro Lobato, né? Todo mundo lia bastante naquela época. Agora, eu não sei como tá.
P/1 – Conta como foi ver a sua família se estabelecendo aqui, crescendo a família aqui também…
R – Foi muito bom, né? Foi muito bom ver as crianças nascendo, aí, meus netos e cada um também tomando o seu rumo, né, em faculdade, aí tinham que ir embora, mas sempre voltavam, né? E estão todos aqui (risos), praticamente todos. Eu tenho um neto mais velho que tá em São Paulo, ainda, mas os outros estão aqui… Não, a minha neta mais nova tá em Santos (SP), fez faculdade em Santos, mas ela vem muito pra cá … São todos filhos da Ilha, né?
P/1 – O que você acha que tem a Ilha que faz as pessoas voltarem ou querer ficar?
R – Isso aí é um segredo, aí, que eu não sei qual é. Tem alguma coisa, mesmo, porque as pessoas que eu conheço, já conheci quase que na minha infância estão até hoje, têm as suas casas, seus netos, não que eles venham morar, mas que eles estão sempre aqui, são casas de veraneio e tal, mas todo mundo gosta de Ilhabela. É um grupo, assim, todo unido, sabe? Todo mundo se conhece, de vez em quando, reúne assim, lá em São Paulo numa festa, vai todo mundo de Ilhabela, não de Ilhabela, dessa turma que vem para cá como turista, né? Até hoje, a gente vê esses grupos todos, tá vendo sempre que vem pra cá. Meus sobrinhos, filhos dos meus irmãos, das minhas irmãs. Têm casa aqui, tal. Todo mundo é apegado à terra (risos).
P/1 – E o quê que a senhora sente quando vê o mar?
R – Ah, é muito gostoso ver o mar (risos). O mar sempre dá uma serenidade, né, principalmente esse mar daqui que é tranquilo, né? Eu gosto muito de chegar, por exemplo, se eu tiver fora, chegar e a hora que a gente vê o mar … O mar é importante.
P/1 – E qual que você considera que tenha sido a sua contribuição para a cidade, assim, ou para a região?
R – Olha, eu acho que a contribuição foi ser bibliotecária e orientar o pessoal a ler, começar a ler mais e tudo, né? Mas fora isso, é só com a família, mesmo assim, minha família, a Clarissa já mora aqui, fico feliz deles estarem sempre em volta de mim, né, meus familiares. Minhas irmãs… Tem várias casas aqui que são da família, eles vêm, frequentam, tem uns que moram. É muito bom.
P/1 – E qual é a importância da leitura para a juventude, assim, ou para os pequenos, de repente?
R – Para os pequenos? Eu acho muito importante começar muito cedo, porque ganha aquela vontade de continuar, não é? Quando eles são pequenininhos e você dando uma boa literatura infantil para eles, eu tenho a impressão que vão sempre continuar a ler. Eu acho que é essa contribuição, mesmo, que eu acho que eu contribui com alguma coisa, porque a gente tinha bem noção do que isso significava.
P/1 – O quê que uma pessoa ganha sendo leitora?
R – Uma pessoa…?
P/1 – Leitora. Qual que é o diferencial dela, assim, o quê que… os benefícios assim…
R – O perfil da pessoa que lê?
P/1 – É.
R – É sempre bem diferente, quer dizer, uma pessoa que lê é uma pessoa bem informada, geralmente, né? Não sei, eu acho que traz muitos benefícios a leitura, eu acho que principalmente, entre os jovens, encaminhamento mesmo para eles continuarem a estudar, né? Muitos saem daqui para fazer faculdade e tal. Eu acho que isso é bem importante, mesmo. Leitura é importantíssimo, né? É uma das coisas que hoje eu tenho muita pena de mim mesma, porque eu não tô podendo ler, né? Mas, brevemente, eu acho que eu vou poder ler, porque eu vou me operar, mas eu perdi esses anos todos assim sem poder ler, eu perdi de ler muita coisa. É isso.
P/1 – A senhora se sente uma caiçara?
R – Não. Me sinto assim, eu me sinto como é que se diz? Bem em saber que eu sou descendente de caiçara, mas eu não me sinto uma caiçara, porque eu não fui criada aqui, né? Já minha filha é bem caiçara assim. Bem mais do que esse sentimento que você fala, ela tem mais do que eu, de ser caiçara. Eu vivi mais tempo lá, né? Em São Paulo…
P/1 – Quais são as coisas mais importantes para a senhora, hoje?
R – Hoje? Bom, eu não posso dizer ler porque eu não tô lendo, como você sabe, não tô podendo ler por causa da catarata que eu tenho. Importantes? Pra mim, é estar com a família, mesmo. Eu sou muito assim, de família, gosto quando eles moram fora e vêm pra cá pra passear e Clarissa mora aqui e eu adoro, porque eu gosto muito da minha família, da minha familinha eu gosto muito.
P/1 – E por que você escolheu ficar aqui na Ilha? Tudo bem, você veio, montou a biblioteca, mas podia ter ido para o mundo.
R – É, eu acho que eu fiz uma escola assim, já tinha os netos, né, fiquei achando que devia ficar perto deles, a Claudia sempre ficou por aqui, gosta, é uma caiçara nata, quase, não nasceu aqui, mas ela é muito envolvida com essa coisa caiçara. É mais assim, por osmose, mesmo.
P/1 – Das lembranças que você tem da Ilha de pequena pra as experiências atuais como moradora, assim, quais foram as mudanças pelas quais a ilha passou, né?
R – Foram muitas mudanças. A Ilha era assim, uma vila, né, uma vila e todo mundo se conhecia e tal e foram vindo os turistas para cá e foi se transformando, né, hoje é outra coisa bem diferente da infância. É isso que eu acho, porque eu gostava mesmo da Ilha selvagem, assim, como era, né, que a gente podia até dormir na praia, passar… Eu tive ocasiões que eu tinha os meus primos lá na vila e essas noites quentes e tal, tinha a casa bem assim, virada para a praia, né? Aí, a gente ia lá conversar, aí pegava uma cadeira, como é que chamam aquelas cadeiras? Espreguiçadeiras, né, ficava lá conversando, depois: “Vamos dormir aqui”, a gente dormia na rua, assim, na praia, sabe? Isso houve algumas vezes que aconteceram, mas era interessante que você não tinha medo de nada, né? Não acontecia nada de ruim, crimes, essas coisas que hoje vê, né? Era uma delícia, era muito bom.
P/1 – Mesmo no escuro?
R – No escuro (risos). A luz apagava uma certa hora quando a gente era criança, tinha horário para ter luz, então quando chegava uma certa hora, acabava a luz da rua. Ficava no escuro, mesmo. Isso daí aconteceu não muitas vezes, mas só para assim exemplificar como era tranquilo, né, você ter coragem de ficar assim, com os primos e tal, deitado na rua, dormir ali, acordar ali, era muito engraçado. Tomar a fresca, né, que a gente falava: “Vamos tomar a fresca”, né? E ficava lá, noites bonitas, estreladas, era muito bonita. Hoje tá diferente, né, claro. Muita construção, muita casa, muita coisa. Naquela época, era um passeio, assim, era um programa você vir da vila para o Perequê, você vinha por um caminho todo cheio de pitangas, nunca eu vou esquecer disso, que vinha comendo pitanga e tal e chegava aqui no Perequê, eu tinha, acho que era uma tia da minha mãe, não sei, que morava aqui no Perequê e a gente vinha visitá-la, aí onde é o hotel aqui, esse hotel aqui pertinho. E a gente vinha cantarolando, brincando de correr, de parar e vinha até aqui, Perequê, era um passeio vir da vila aqui a pé, né? Porque não tinha mesmo, carro, não tinha nada, não tinha balsa, né? Quando eu era bem criança, não tinha balsa, você atravessava de canoa ou vinha de Santos, já de lancha, lancha ou navio. Era bem diferente, né? Mas eu não acho ruim o progresso, acho muito interessante.
P/1 – Tá certo. Aí, pra gente ir encerrando, eu queria saber como é que foi para a senhora contar um pouco da sua história pra gente nessa tarde.
R – Ah, foi agradável. Não sei se vai te interessar, né, mas eu acho que pra mim foi ótimo. É bom até a gente voltar para os acontecimentos assim, foi muito bom. Eu agradeço.
P/1 – A gente é que agradece. Muito obrigada.
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