Projeto Ponto de Cultura
Depoimento de Maria Helena dos Santos
Entrevistado por Karen Worcman e Juliana __________________
São Paulo, 27/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: PC_MA_HV020
Transcrito por Augusto César Mauricio Borges
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Então nós vamos começar de novo a entrevista.
R – Com certeza.
P/1 – Eu queria perguntar o seu nome completo, local e a data do seu nascimento?
R – Maria Helena dos Santos, nascida aqui em São Paulo, capital, do 8 de junho de 1948.
P/1 – E me diz o nome completo também dos seus pais e onde eles nasceram?
R – O meu pai, Orlando dos Santos, nascido também aqui na capital, São Paulo. Minha mãe é Albertina Soares dos Santos, nascida também na capital de São Paulo.
P/1 – E Dona Maria Helena...
R – Pois não.
P/1 – A senhora sabe como foi que eles se conheceram? Como eles se casaram?
R – Um pouco da história. Morávamos nos Campos Elíseos na época e, se eu não me engano, se conheceram na rua, no ponto de ônibus. Foi por aí e começaram na época de hoje uma paquera. E depois começaram a namorar e se casaram. Nesse ínterim a minha mãe já morava aqui na Vila Madalena quando eles se casaram.
P/1 – E eles tiveram quantos filhos além da senhora?
R – Três. Além de mim, mais dois. Mais duas moças.
P/1 – Como elas se chamam? São mais velhas, mais novas?
R – Eu sou a mais velha e logo após a mim tem a Sonia, a Sonia Maria e depois Regina, Regina Maria.
P/1 – E a senhora conviveu com os seus avós?
R – Convivi com a minha avó paterna e depois com o meu avô e com a minha avó materna. Foram poucas, pouco tempo.
P/1 – Eles não moravam juntos então?
R – Sim. A minha mãe morava aqui nessa casa na Vila Madalena junto com os pais.
P/1 – E o que a senhora lembra da casa? Como é que era a sua casa?
R – Era uma casa antiga, na época, enorme, um terreno grande e os cômodos bem divididos, enormes e ao fundo...
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Depoimento de Maria Helena dos Santos
Entrevistado por Karen Worcman e Juliana __________________
São Paulo, 27/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: PC_MA_HV020
Transcrito por Augusto César Mauricio Borges
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Então nós vamos começar de novo a entrevista.
R – Com certeza.
P/1 – Eu queria perguntar o seu nome completo, local e a data do seu nascimento?
R – Maria Helena dos Santos, nascida aqui em São Paulo, capital, do 8 de junho de 1948.
P/1 – E me diz o nome completo também dos seus pais e onde eles nasceram?
R – O meu pai, Orlando dos Santos, nascido também aqui na capital, São Paulo. Minha mãe é Albertina Soares dos Santos, nascida também na capital de São Paulo.
P/1 – E Dona Maria Helena...
R – Pois não.
P/1 – A senhora sabe como foi que eles se conheceram? Como eles se casaram?
R – Um pouco da história. Morávamos nos Campos Elíseos na época e, se eu não me engano, se conheceram na rua, no ponto de ônibus. Foi por aí e começaram na época de hoje uma paquera. E depois começaram a namorar e se casaram. Nesse ínterim a minha mãe já morava aqui na Vila Madalena quando eles se casaram.
P/1 – E eles tiveram quantos filhos além da senhora?
R – Três. Além de mim, mais dois. Mais duas moças.
P/1 – Como elas se chamam? São mais velhas, mais novas?
R – Eu sou a mais velha e logo após a mim tem a Sonia, a Sonia Maria e depois Regina, Regina Maria.
P/1 – E a senhora conviveu com os seus avós?
R – Convivi com a minha avó paterna e depois com o meu avô e com a minha avó materna. Foram poucas, pouco tempo.
P/1 – Eles não moravam juntos então?
R – Sim. A minha mãe morava aqui nessa casa na Vila Madalena junto com os pais.
P/1 – E o que a senhora lembra da casa? Como é que era a sua casa?
R – Era uma casa antiga, na época, enorme, um terreno grande e os cômodos bem divididos, enormes e ao fundo interligado mesmo tinha a casa onde a minha mãe morava com o meu pai e com nós.
P/1 – E na parte da frente?
R – Na parte da frente os meus avós. Mas era uma casa interligada, porque antigamente tinham aqueles casarões enormes com aqueles cômodos enormes.
P/1 – E isso ficava onde?
R – Aqui na Vila Madalena na Rua Rodésia.
P/1 – E o seu pai fazia o quê?
R – Na época de criança ele trabalhava, tinha onde é a MTV agora a Rádio Tupi, e eles, não sei o certo o que é, só sei que os autores faziam as novelas, aquelas novelas de rádio, aquelas coisas, e ele datilografava. Umas coisas assim. Eu não sei dizer ao certo. Depois, mesmo continuando ao longo do tempo, ele prestou um concurso e foi ser contador do Hospital das Clínicas, o primeiro negro contador dentro de uma repartição pública.
P/1 – E a sua mãe, o que ela fazia?
R – A minha mãe era enfermeira do Hospital das Clínicas, também. Quando a gente era menor foi costureira, trabalhou pela Prelude, foi costureira muitos anos da Prelude e, depois, com o passar do tempo o meu pai (também já?) se encontrava no hospital e ela entrou no Hospital das Clínicas.
P/1 – Vamos tentar voltar à sua infância?
R – Vamos.
P/1 – Qual que é a sua memória mais antiga? Qual é a sua primeira lembrança da vida?
R – Quando a gente era pequena, a casa onde vivíamos, aquele quintal enorme, as brincadeiras. A gente era livre e solta dentro da casa em si pelo terreno ser grande. Acho que essas... Não sei, não sei lembrar. Eu sei muito das brincadeiras das horas boas, das coisas boas que aconteciam de primos, parentes irem visitar a gente, vir até aqui. Aqui que eu digo é a casa e aquelas brincadeiras com os primos. A gente achava o máximo também quando eles tinham muito essas coisas “no fim de semana você vem e no outro fim de semana você vai pra minha casa”. Então eu tinha uns parentes na Casa Verde e a gente... Nossa, era bárbaro, bárbaro ir pra lá. E era um sacrifício, porque na hora de ir era tudo bem e na volta só tinha condução até a Teodoro Sampaio, que era o bonde. Então a gente vinha da Casa Verde. Tudo isso eu estou te falando quando a gente era pequena. É o pouco que eu lembro. Daí tinha que subir de lá da Teodoro até aqui em cima na Rodésia que toda vida, vocês conhecem a Vila Madalena e são esses altos e baixos. Nossa, era a nossa morte porque a gente já vinha chorando desde lá da Teodoro até aqui em cima por causa de subir cansada. E havia muito cachorro, muito cachorro.
P/1 – Mas cachorro na rua?
R – Na rua. É. Muito cachorro na rua e a gente passava e eram aquelas... Latiam, aquele barulho, isso à noite já quando a gente estava voltando. Então essas lembranças pra mim são primordiais, são muito boas. Muito boas. E depois a gente vê aqui e são coisas que quando a gente passa no bairro agora lembra: “Aqui foi isso, aqui tinha isso”, a gente andou muito a pé.
P/1 – Como que era o bairro depois que a senhora foi crescendo, foi vivendo sempre nesse bairro na Vila Madalena?
R – Não, não. Depois teve os casamentos, entre aspas. Daí me afastei.
P/1 – Os casamentos? O seu casamento?
R – Isso.
P/1 – Ah, não, mas aí eu ainda estou na sua infância.
R – Ah, ainda está na minha infância.
P/1 – Então nessa época de infância, além de ficarem na casa, vocês frequentavam o bairro, saíam?
R – Sim. É o que eu estou te contando dos parentes nossos, tias moravam na Casa Verde, em Santana, que a gente fazia aquelas visitas e visitavam. Tinha uma madrinha que morava aqui mesmo na Vila, na Rua Madalena, que a gente ia muito lá e ela vinha muito em casa. Frequentávamos, estudamos inclusive, aqui na Igreja Santa Maria Madalena, que aos domingos tinha o cineminha que era bárbaro. Então tinha que ir à missa no domingo pela manhã e daí eles davam um cartãozinho e a gente ia à tarde, tinha o direito de vir ao cinema. Mas tinha que ir à missa pra vir no cineminha. Era muito bom.
P/1 – E lá também era a escola?
R – Era a escola também. Era uma escola de barracão, um barracão. Não tinha a estrutura que tem hoje. Era num barracão de madeira, nossa, boas memórias. E antes disso, porque aqui já se fazia o primário, nós frequentamos como eu disse pra você, que a minha mãe trabalhava na Prelude que ficava na Oscar Freire. Na Oscar Freire não. Numa travessa da Consolação, eu não me lembro agora, ainda tem até hoje. Então nós frequentávamos um parquinho, ela deixava a gente num parquinho ali na Consolação que até hoje existe. Até hoje existe um parquinho infantil. Então a gente saía aqui da Vila e ela deixava a gente no parque ali na Consolação e descia para o emprego dela e na volta era o mesmo roteiro.
P/1 – Então, quer dizer, vocês não ficavam em casa enquanto ela ia trabalhar?
R – Não. A gente ia ao parque.
P/1 – Ela carregava vocês, deixava no parque?
R – Isso, isso. E saia e voltava para trabalhar.
P/1 – E aí depois vocês passaram a ir para a escola?
R – Ah, sim. Daí pelos conhecimentos, amizades e tal ela conseguiu. Tinha um colégio chamado Santa Mônica. Era uma travessa da Consolação também, se eu não me engano era até a Rua Augusta, era um colégio particular de freiras e pelo conhecimento nós fomos matriculadas lá, eu e a minha irmã do meio e ficamos também. Depois nós saíamos do parquinho e íamos para lá, para esse colégio.
P/1 – E era um colégio particular?
R – É. Era um colégio particular de freiras, muito bom. Nós passamos depois, eu acho que por cargo do destino, não sei ao certo porque ela saiu do Prelude e tal e daí que nós, talvez seja esta mudança, por causa de que ela começou a trabalhar no hospital, prestou concurso, tudo isso. Daí que nós viemos pra cá, para o Olavo Pezzotti.
P/1 – Ah, era o Pezzotti.
R – É, o Olavo Pezzotti.
P/1 – E quem cuidava da escola? A senhora lembra quem era o diretor?
R – Ah, não lembro.
P/1 – E como era a escola? Tinha muitas crianças?
R – Tinha, tinha. As crianças aqui da redondeza; praticamente só tinha ela lá em cima para o primeiro ano, segundo ano. Na época se dizia assim. E depois mais tarde que havia o Brasílio Machado, só tinha o Brasílio Machado aqui em baixo.
P/1 – Então foi as duas escolas que a senhora fez?
R – Isso. O Olavo Pezzotti e o Brasílio Machado.
P/1 – E eram todos moradores da Vila que ficavam?
R – Isso. Isso.
P/1 – E como eram os moradores em geral? Eles eram imigrantes? Eram que tipo?
R – Havia muito português, muito português. O português aqui era o dono da quitanda, da venda, do açougue. Nós éramos rodeados mesmo porque, inclusive, é importante falar que nós somos, tanto a minha família como tem uma outra vizinha, somos de família negra que permaneceu, porque a gente sempre foi rodeada pelos portugueses.
P/1 – Mas não tinham mais negros no bairro?
R – Tinham poucas famílias. Só sobreviveram duas até agora. Mas tinha mais. O que aconteceu? Foram vendendo as casas. O bairro foi expandindo; na época quem tinha o dinheiro eram eles querendo abrir os negócios e então foram vendendo as casas, quer dizer que foram indo pra Casa Verde, Pompéia e daí mais lá pro fundo ou se não aqui, Vila Sonia, Caxingui. As famílias foram tudo atravessando a ponte, eu digo, atravessou a ponte e foram vendendo. Uma judiação.
P/1 – Ficaram poucas famílias mesmo. Tinham poucos negros, era a maior parte...
R – Poucos negros. E isso por quê? Porque é que nem eu estou te falando: eles vendiam. O bairro estava ficando muito caro com a vinda dos portugueses. Que nem a nossa casa, as pessoas quem tinha era aquele, como se diz? Que vem de família?
P/1 – Herança.
R – Heranças. A nossa é assim. Heranças e, então, pra manter o padrão de vida quando a gente era pequena era muito difícil com a vinda deles pra cá. Então o que eles foram fazendo? Vendendo. Tinham as propostas e vendiam e iam embora do bairro.
P/1 – A sua lembrança da sua casa nessa época tinha alguma dificuldade econômica? A senhora lembra disso?
R – Não, não, não. Não, não, não. Porque o meu pai sempre trabalhou, independente da Rádio Tupi ele tinha outro trabalho também, que agora eu não me recordo, e quer dizer que ele sempre manteve a família bem estruturada. Graças a Deus não havia problemas nenhum e a Tupi era uma estação, um emprego que mantinha bem os funcionários, como cooperativas, festas de natal eles davam presentes, bonecas, aqueles presentes. Seguravam bem os funcionários. Eram bem remunerados.
P/1 – A senhora disse que lembra muito das brincadeiras nessa casa. Que brincadeiras eram essas?
R – Por a casa ser no meio do terreno, que na época se construía muito, deixava aquele terreno enorme na frente e a casa lá no meio, então a gente brincava de dar volta no quintal de pique, de roda, porque tinham muitas meninas também na vizinhança. A gente brincava muito de cantar. Nossa, aí ficava na rua, tinha época que a gente já era mais crescidinha e ficava na rua com os meninos, que depois se tornaram grandes homens aqui na Vila Madalena, como açougueiros na época, quitandeiros, saíram pra jogar bola, um monte de coisas. Se tornaram um povo legal. E as brincadeiras eram essas de ficar na rua brincando de pique. Não tinha outra coisa se não pique, roda, brincar de cantar. Todo mundo queria ser artista. Era isso.
P/1 – Já tinha uma influência, todo mundo cantava samba, alguma coisa assim? Ou era que tipo de...
R – Não, não, não. Pelo contrário. Era mais a música que a gente ouvia na época na rádio que os adultos ouviam.
P/1 – Que era qual?
R – Por exemplo, Dalva de Oliveira, sei lá, não lembro artista assim. Mas tinham muitos artistas e a gente, o meu pai por trabalhar lá na Tupi. Germano Mathias. Ele tinha um programa do Homero Silva, que eles chamavam. Era um produtor e um apresentador e tinha um programa de criança que criança podia ir lá cantar, tipo calouro. Então a gente, nossa, pra nós era festa. O meu pai nos escreveu lá e a minha mãe arrumava as três negrinhas tão bonitinhas e íamos participar do programa. E a gente ia a pé porque não tinha condução. Saia daqui da Rodésia e ia até lá em cima na Tupi.
P/1 – Hum, hum.
R – Esqueci o nome da rua na Alfonso Bovero, mas é lá perto.
P/1 – Então a senhora foi crescendo, entrou na escola?
R – A história da escola eu já contei até adiantado.
P/1 – É. Chegamos na escola. Qual foi o seu maior impacto na escola? Foi um lugar agradável de ficar? Tinha muito estudo, tinha muitos amigos ou era incômodo de estar?
R – Não, não. Foi sempre muito bom, o por quê? Quem estava na escola era o mesmo pessoal quando não tinham outras estranhas, não tinham outras crianças estranhas. Eram aquelas mesmas que a gente brincava quando estava dentro de casa quando não tinha aula. E não sei por que cargas d’água também tudo era concentrado ali na minha casa. Tudo era concentrado ali. Não tinha essas da gente sair e ir pra casa de outras crianças. Então era ali na minha casa e na calçada. Quer dizer que nós fomos crescendo e fomos no colégio da escola todo mundo com a mesma idade praticamente. Quer dizer que não teve problemas de adaptação porque muita gente já se conhecia, todo mundo.
P/1 – E a sua mãe não era brava? Deixava todo mundo ficar em casa? Como era?
R – Para ela, ela preferia. Nós tínhamos um cachorro e fazíamos um batizado do cachorro, era aquela festa, fazia tudo. Tinha um gatinho e aparecia uma das crianças e “vamos fazer o batizado”. Nossa, ela era bárbara. Ela fazia os bolos, fazia os doces e era aquela coisa. Festas juninas ela promovia também. Quer dizer que, talvez, pela minha mãe é que tinha tudo, natural. Até hoje em dia é natural por ter três filhas mulheres. Então era preferível nós estarmos ali e ela fazer tudo e estarmos ali debaixo dos olhos dela.
P/2 – Posso fazer uma pergunta voltando só um pouquinho? É que a senhora falou do programa de calouros da Rádio Tupi. A senhora participou?
R – Participei.
P/2 – Como que era o rádio? Você entrou no estúdio de rádio? Como é que foi isso?
R – Então, era um auditório, era um auditório. Então o apresentador chamava e a gente já em casa ensaiava, porque a minha mãe fazia a gente ensaiar e cantar e cantar e tal, e chegava lá e ela tinha, umas das vezes que ficou muito gravada na minha lembrança, foi que tinha uma das músicas que era uma negrinha toda estilizada com vestido curtinho e tal e minha irmã vestida de homem, de hominho. Então tinha uma contracena. E, nossa, muito bárbaro, muito bárbaro!
P/1 – E como era a música, a senhora lembra essa que vocês ensaiavam muito e foram participar?
R – Sei, lembro.
P/1 – Como era?
R – Eu não lembro quem cantava. Eu lembro quem cantava sim. Foi o Germano Mathias que gravou essa música. Ele é vivo ainda. É assim, eu chegava ou ela chegava, não sei: “Não sou de briga, mas estou com a razão/ ainda ontem bateram na janela do meu barracão/ saltei de banda peguei na navalha e disse ‘pula moleque abusado/ deixa de alegria pro meu lado’/ Minha nega na janela disse que está tirando linha/ eita nega tu é feia que parece macaquinha/ olhei pra ela e disse ‘vai lá pra cozinha’/ dei um murro nela joguei ela dentro da pia/ quem foi quem disse que essa nega não cabia?”
P/1 – (risos) Muito bom!
R – (risos) Muito bonitinha né? Você imagina a cena. Isso a minha mãe ensaiava a gente e nós íamos pela música, a gente ia do jeito que era. Era uma história de um menino contando.
P/1 – Era um menino e aí vocês iam vestidas de menino?
R – Não. Eu de menina e ela, a outra irmã, de menino. É a música.
P/1 – E essa coisa de cantar, de ensaiar e o canto, era a sua mãe que fazia?
R – A minha mãe quem fazia. Ela que fazia a roupa e que arrumava a gente e tudo. E era aquele divertimento, porque sair daqui da Rodésia e subir até lá o Sumaré, nossa, a gente ia toda... Verdadeiras artistas. Muito bom. As lembranças são muito boas.
P/1 – Nessa época vocês queriam ser artistas?
R – Eu gostaria.
P/1 – Era?
R – Ser sim. Era uma das coisas que ficou. E por falta de oportunidade, ou talvez, por causa deles mesmos, porque nesse ínterim a gente foi crescendo e continuando o meu pai trabalhando lá e a gente tinha acesso a tudo praticamente. Então o que acontecia? Era gravação de novela já depois, então a gente tinha contato com a Débora Duarte. Vamos falar das pessoas da minha idade agora que estão aí em evidência. Débora Duarte, muitas artistas. A gente ficava parada e a gente tinha contato com elas, conversavam. Era uma coisa só, não tinha distinção nem de cor e nem de nada. Então eu falava pra mim “Nossa, quero entrar”. “Nossa” não digo minhas irmãs, mas eu por mim eu estaria lá dentro. Mas por destino da vida, sei lá, foram se afastando.
P/1 – Por quê? O que aconteceu?
R – Não. Não aconteceu nada. Eu acho que acredito que talvez fosse por causa de escola, sei lá, eu não sei dizer o por quê. Mas estava sempre junto com esse pessoal.
P/1 – E era rádio na época que eles faziam? Não era televisão?
R – Sim. Já havia televisão. Nesse tempo já havia. Elas eram, que nem eu estou dizendo, Débora Duarte e muitas outras aí. Elas têm a minha idade, quer dizer que todo mundo era criança. Não é que tinha aquele glamour que tem hoje. Eram crianças. Então a gente tinha contato com Lima Duarte, nossa, todos os artistas que a Rádio Tupi foi a promissora. Ela quem trouxe a televisão pra cá.
P/1 – Hum, hum.
R – Então, quer dizer, você imagina que tudo era concentrado ali, tudo era concentrado lá em cima.
P/1 – Vocês tinham TV em casa? Por exemplo, acompanhavam os programas?
R – Tínhamos, tínhamos. Tínhamos. A minha avó foi a primeira a comprar e é aquela coisa, o maior barato. E a gente criança e não tem sossego. A gente parava e ela punha a gente sentada. Tinha uma mesa na sala, uma sala de jantar e com uma mesa enorme e a gente ficava sentado tudo assim no pé e não na cadeira. No pé da mesa, porque a televisão ficava baixa e dava pra alcançar. Nós ficávamos assistindo. Tínhamos televisão sim.
P/1 – E era costume ver muita televisão? Ver à noite? Qual era o tipo?
R – Não. Eram rígidas. As coisas não eram assim não. A gente assistia só à tarde um pouco de televisão, fazia a lição, estudava até o caso deles chegarem do serviço, (depois?) chegava do serviço e dar a janta, tomar banho e dormir.
P/1 – Enquanto eles estavam no serviço vocês ficavam com a sua avó?
R – Com a minha avó.
P/1 – E ela era muito rígida?
R – Era. Era bem, nossa, bravíssima. Apanhamos muito.
P/1 – Ah, ela batia em vocês?
R – Batia com palmas de São Jorge.
P/1 – Como é que era isso?
R – Nossa, mas que a gente “pintava” também. Imagine três crianças praticamente com a mesma idade. A gente “pintava”, deixava ela louca. Daí ela pegava e ia no quintal, tinha muita palma de São Jorge, aquelas coisas de antigos: alecrim, arruda, era bastante mesmo, bastante pé. E ela pegava palma de São Jorge e batia. Nossa Senhora! E aquilo era duro de esfarelar porque ela não quebra, a palma de São Jorge. Ela vai desfiando e não... Nossa, ficava com as pernas tudo cheia de vergão. (risos)
P/1 – (risos) E ela batia na perna?
R – Na perna.
P/1 – Ela não tinha essa coisa que batia no bumbum?
R – Não. As pernas e pra baixo. Não pegava e punha a gente no colo e batia não. Ia dando, ia distribuindo.
P/1 – Correndo atrás.
R – E ia distribuindo. Claro, a gente não ia ficar parada também esperando. (risos)
P/1 – (risos) Voltando nessa sua vida de escola, rádio, canto, como foi? O que você veio fazendo, foi crescendo, começou a namorar? Como que foi esse início da juventude?
R – Ah, não. Espera aí. Deixa assim um pouquinho mais distante aqui na Vila Madalena. O meu pai sempre trabalhando em dois serviços, como eu passei pra vocês, e aqui na Vila Madalena havia uma escola de samba que no caso não era escola, era cordão na época. Fio de Louro, se eu não me engano chamava. E quando chegava a época de carnaval o meu pai sempre aboliu. Nunca gostou, nunca gostou. Nossa, morreu o ano passado e não gostando de carnaval. E quando era época de carnaval eles passavam ensaiando e fazendo as bagunças. Hoje a gente sabe que é ensaio, mas na época a gente falava que passava fazendo batucada e passavam com um livro, com um livro de ouro pedindo pra ajudar para eles comprarem fantasias. Pra nós era a festa, porque a gente saia de dentro de casa e era à noite, e ela não tinha chego do serviço ainda, e a gente ficava assistindo a escola passar. Era muito bom. Isso na época de carnaval.
P/1 – O que é exatamente um cordão?
R – Um cordão carnavalesco é um grupo de pessoas que uns tocam com os chamados batuqueiros, tinha a baliza na época: uma pessoa que com um cabo de vassoura fazia mil malabarismos e as cabrochas, as moças que pegavam e dançavam no pé que hoje dizem passistas. Na época eram cabrochas. E os rapazes também. Tinham homens também que faziam esse mesmo papel da mulher, davam no pé. Eram passistas. E era um grupo menor de pessoas e você vê a dificuldade que era aqui, a gente voltando atrás, falar como foi difícil pra eles porque, como eu disse, não havia famílias negras. Você imagina querer conquistar, aqui na Vila Madalena, esse povo, os portugueses, que ficavam e saíam e ficavam escondidos olhando na cortina o povo que tinha passado.
P/1 – O pessoal do cordão eram todos negros?
R – Isso. Não que fossem todos. Assim, uns dois ou três. Então eles iam e passavam pedindo. Para quem que eles pediam? Para quitanda, os comerciantes. Eles passavam __________ pedindo para os comerciantes pra quando chegasse o carnaval eles comprassem as suas fantasias, comprassem os seus instrumentos.
P/1 – Então eles pediam contribuição?
R – Contribuição. Isso.
P/1 – Lembra de alguma música que eles passavam cantando?
R – Ah, não lembro.
P/1 – Isso marcou na sua lembrança?
R – Marcou, marcou. Marcou porque foram um dos primeiros contatos que eu tive com relação a essa lembrança.
P/2 – E a senhora saia nesses cordões ou só assistia?
R – Não. Imagina!
P/2 – O seu pai não deixava?
R – Ele não deixava. O que se passava a gente via, porque a gente ia escondidinha, porque a gente não podia pra ver eles passarem, assistir a eles passar.
P/2 – O seu pai não gostava e ele tentava proibir?
R – Ah, com certeza. Com certeza. Não deixava mesmo. E quer dizer que nessa hora que a gente ia assistir é porque eles estavam trabalhando. Então estavam fora de casa e a gente podia ver.
P/1 – Isso é bem na época do carnaval que acontecia?
R – Antecedia.
P/1 – Pra pegar o dinheiro para comprar a fantasia.
R – Pra pegar o dinheiro para comprar as coisas.
P/1 – Os portugueses ajudavam?
R – Ajudavam.
P/1 – Tinham um bom relacionamento no bairro?
R – Tinha, tinha.
P/1 – Depois, como foi o início da sua juventude?
R – Nós mudamos daqui da Vila Madalena e fomos morar aqui na Vila Sonia Pazini, aqui no Pazini eu e a minha irmã do meio. A minha irmã mais nova ficou morando, continuou morando, aqui com os meus avós por eles trabalharem e nós termos mudado daqui da Vila, então ela ficou morando e nós sabíamos nos defender e tomar conta de uma casa. Então eles saiam pra trabalhar e nós ficávamos estudando, até que eu estava com quatorze anos para completar quinze a minha mãe faleceu e ficou aquela coisa. O meu pai pegou e nos levou pra morar lá com os familiares dele no Jabaquara e assim foi. São as lembranças mais tristes. Coisas que eu procuro... Foi lição de vida, mas eu procuro apagar. Não gosto de ficar lembrando, mas foi lição de vida porque praticamente nós duas, eu e a minha irmã, nos criamos sozinhas para o mundo.
P/1 – Deixa eu entender melhor, quando você tinha quatorze anos sua mãe faleceu. Ela faleceu de quê?
R – Coração.
P/1 – Como foi? Foi de repente? Ela já estava doente?
R – Foi de repente, num dia que é muito marcado pra mim, que parece que é uma saga porque tudo o que tem que acontecer acontece no mês de maio e junho. Mês de maio e junho. E foi no Dia das Mães. E a minha avó estava chegando com a minha irmã.
P/1 – Vocês estavam morando na Vila Sonia?
R – Isso, no Pazini. A lembrança que eu tenho, ela chegando com a minha irmã pequenininha e isso a polícia e a ambulância tudo lá na porta e não sei o quê. E foi assim. E daí o meu pai pegou e nos levou pra morar no Jabaquara com essas tias. A gente tinha tia, mas eram tias dele, a gente criança e a outra tinha, a outra irmã, doze anos. E daí o que aconteceu? Não teve adaptação. Nós nos adaptamos a ficar com eles e daí foi aquela...
P/1 – Mas por quê? Eu preciso fazer uma pergunta: por que vocês não voltaram pra casa da sua avó?
R – Ela achava que era muito tomar conta das três.
P/1 – Ela era mãe da sua mãe?
R – Ela era mãe da minha mãe. Ela achava que... Ah, eu vou falar assim o que eu acho agora no momento. É que tomar conta de três mulheres, é porque daí já estamos mais mocinhas, nós já estamos umas mocinhas e pra ela era muito. Então ela optou. O que não é muito diferente de muitas coisas que acontecem hoje. Hoje um filho vai pra casa da tia, outro vai pra casa da madrinha e outro vai pra não sei aonde, foi assim. E essa família era umas das pessoas, umas das tias lá era madrinha da minha irmã, a do meio.
P/1 – E aí vocês foram morar lá? O que era tão diferente assim que não houve adaptação?
R – Ah, tudo. Tudo, tudo. É outra casa, outro mundo. Não eram pessoas que a gente convivia. É outro mundo. O que aconteceu? Nós pegamos e saímos para a rua. Saiamos pra rua assim, quando a gente, – é coisa de criança mesmo porque quatorze anos na minha época era criança mesmo –, a gente não tinha maldade. Não tinha maldade principalmente pela educação que nós tivemos em casa que era bem rígida, eu acabei de contar pra vocês. E então o que a gente fez? Nós pegamos e saíamos se ela mandava ir na venda ou qualquer coisa ou no açougue, a gente ia procurando lugar pra falar assim: “Você está precisando de alguém pra trabalhar?” Imagine, a gente não tinha experiência porque a gente não fazia nada dentro de casa. “Ah, pode”. Imagine, o povo gostava. Imagine mais uma pra lavar louça ou fazer qualquer coisa. E assim a gente foi indo.
P/1 – Quer dizer, vocês perguntavam.
R – Se separamos e eu e a minha irmã...
P/1 – Arrumaram um emprego de doméstica?
R – Isso.
P/1 – Cada uma numa casa?
R – É. Mas assim, é aquela coisa de criança mesmo porque elas colocavam a gente pra lavar uma louça, davam comida e depois o que elas faziam? Pegava e mandava: “Ah, agora você vai embora para a sua casa”. A gente não contava realmente a história, que era que nós fugíamos da casa da tia porque a gente não se adaptava.
P/1 – E a sua tia não reparava que vocês sumiam?
R – Não, mas a gente não voltou mais.
P/1 – Me explica tudo isso melhor.
R – Nós não voltamos mais. Saímos uma vez e não voltamos mais.
P/1 – Então quando ela mandava vocês voltarem pra casa de noite vocês iam pra onde?
R – Quem mandava?
P/1 – A moça.
R – Ah, sim. Ficava andando na rua. E muitas, muitas e muitas vezes dormimos ali na porta da Igreja de São Judas Tadeu. Nossa, quantas vezes disputando lugar com um mendigo. Até que nós fomos crescendo e daí arrumamos com outras coisas maiores porque daí a gente... Mas foi uma vida assim, sabe?
P/1 – Isso tudo no Jabaquara, vocês estavam no Jabaquara?
R – No Jabaquara.
P/1 – Então cada uma arrumou um emprego.
R – Isso.
P/1 – Ficavam lá trabalhando e de noite vocês dormiam na rua. Vocês se encontravam?
R – Nos encontrávamos, nos encontrávamos.
P/1 – E a sua tia não procurou por vocês, o pai? Não houve uma ruptura?
R – Não. O meu pai eu acredito ele nunca nem tocou no assunto, mas deve ter ficado louco, acredito, procurando a gente. Eu acredito que sim. Eu acredito que sim porque foi uma separação. Uma coisa brusca mesmo. Na certa.
P/1 – Quanto tempo depois de morar na casa dessa tia que vocês foram sair pra fora da casa dela? Vocês ficaram quanto tempo lá?
R – Acho que nós chegamos a ficar... Olha, se disse pra você um ano ou um ano e pouco acredito que foi isso. Mas triste, triste, triste. Muito nada a ver com a gente. E eram umas casas, assim, era um terreno enorme, maravilhoso e tudo de bom. Mas são as pessoas, porque a gente não tinha contato e então é difícil você, pra nós, se adaptar. Foi difícil, foi difícil.
P/1 – Mas elas eram bravas? Elas batiam em vocês?
R – Não. Não batia não. Não eram bravas não. Mas a liberdade que nós sempre tivemos já não tinha mais. Até cair e entrar na nossa consciência o que era certo e o que era errado. Porque quando você tem mãe e pai a vida é uma coisa. Você leva a vida de um jeito dentro de uma casa. Agora já perder e não tendo os dois já é bem diferente, bem diferente.
P/1 – Se a senhora não se incomodar, eu queria retomar um pouquinho esse momento que vocês estavam vivendo e trabalhando na casa de pessoas e dormindo na rua sem nenhuma experiência.
R – Isso.
P/1 – Como é que era esse dia-a-dia? O que acontecia, o que a senhora lembra desse período? Porque dormir na rua é uma coisa difícil.
R – É. Não é nem dormir, é se encostar. É você achar um canto e ficar, porque aí dá um medo de tudo que possa acontecer à noite.
P/1 – Então que canto vocês procuravam? Como vocês foram descobrindo como sobreviver na rua, como vocês faziam?
R – É o que eu disse pra você. Durante o dia sabe o que a gente fazia? Vinha pra cá, ia pra casa dos coleguinhas e de pessoas que a gente já conhecia. Geralmente na hora do almoço a gente chegava. E a gente sem consciência que estava sem tomar banho, que estava feia e sem trocar de roupa. Sem consciência disso, mas a gente quer sobreviver, não é verdade? Então a gente um dia vai à casa de uma pessoa e no outro dia vai na casa de outra. E ninguém aceita, imagine, filha de Albertina. Filha do Orlando. Não imaginava e a gente também nem passava que a gente estava na rua, nem passava para as pessoas isso.
P/1 – E aí chegava de noite?
R – A gente ia e procurava um cantinho. Passando isso muito tempo e depois eu comecei, o que era? A gente começa a procurar onde tem mais gente, onde tem mais pessoas. Então tinha a TV Record na Consolação. E ali era uma meninada, até hoje eu tenho vários amigos que eu conquistei ali. Daí você não sabe da minha vida: “Ah, então...”. Aquelas coisas de tietes, Roberto passa e não sei o quê e você grita, Golden Boys passavam e não sei o quê e os artistas passavam e a gente ficava. Era aquele tumulto e ninguém sabia a vida de ninguém porque a gente vivia aqueles momentos ali. Isso à noite.
P/1 – Vocês passavam à noite ali em frente à TV Record?
R – É, porque tinha bares abertos, que os artistas frequentavam. Ali é perto da Augusta e a Augusta sempre foi point de tudo. Quer dizer que já foi outra vida, já foi outra mudança até onde eu vou entrar onde você quer: nós conhecemos namorado. Começamos a namorar, no caso eu. Conheci um rapaz e daí eu cheguei pra ele e falei: “Não, não tenho.” “Onde você mora?”, claro, a primeira pergunta: seu nome e “aonde você mora? Pra eu te levar pra casa”. “Não tenho”. “Como não tem?”. “Não, não tenho”. Daí contei a minha história e ele alugou, depois de uns dias que a gente já tinha se conhecido, negócio de dias, conhecido que tinham vários, na época ali naquele pedaço da Consolação, Augusta, essas coisas tinha muito cortiço, daí ele alugou um quarto com o Seu Sebastião e me levou pra este quarto onde ele mesmo foi montando. Uma cadeira, uma cama de solteira, uma coisa pequena.
P/1 – E foi morar contigo?
R – Isso.
P/1 – Ele foi morar contigo.
R – Foi.
P/1 – Nessa época qual era a sua idade?
R – Eu já estava com quinze, dezesseis ___________________.
P/1 – Então vocês estavam com essa vida de morar na rua o que, um ano, dois anos?
R – Eu digo na rua não que foi assim totalmente jogada. Mas na rua porque você não tem uma casa.
P/1 – Você vai andando.
R – É. Você vai andando. Um dia você dorme aqui e outro dia você dorme ali ou na casa que nem eu te falei. E daí já começamos a pegar novas amizades e aí “vamos pra sua casa e não sei o quê, vamos dormir lá na minha casa e amanhã a gente sai”. É isso. Eu digo assim: na rua o por quê? Porque quem não tem casa e não tem uma família mora na rua.
P/1 – Mas e a roupa, por exemplo, onde vocês arrumavam uma roupa pra trocar?
R – Mas é aí o que eu estou te falando. Eu não passei pra você que daí pra gente era difícil ir nas casas dos conhecidos porque a gente não se dava conta que a gente estava com a mesma roupa há uma semana e sem tomar um banho, sem estar cheirosa e perfumada. O jeito que a gente sempre viveu. Então era difícil ir na casa das pessoas desconhecidas, dos meus avós, da minha mãe, essas coisas. A gente não ia, por isso da gente não ter ajuda. “Como que a gente vai chegar lá na casa da comadre Inês, por exemplo, desse jeito?”.
P/1 – Então vocês iam mais pra casa de novos conhecidos.
R – É, de novos conhecidos. Ia fazendo amizade e como eu estou te falando, a gente também não deixou de pegar. Aí já foi mais sólido, porque com mais idade já passou um tempinho, mais experiência de vida e de sofrimento porque tinha dia que a gente não comia. Então a gente, nossa, a minha irmã arrumou numa casa e eu também arrumei e a mulher só dava banana pra comer pra ela. Nossa, aquela coisa! E eu também arrumei um lugar pra ficar e daí elas vão dando roupa, elas dão roupa pra gente tanto que elas não querem ninguém muito na casa delas porque ___________ roupa de semana assim. E foi assim. E daí a gente foi comendo e não sei o quê até que chegou esse ponto de eu conhecer esse rapaz lá na Record.
P/1 – E ele era da Record?
R – Não. Era mais um que estava lá para curtir. Era mais um que estava lá.
P/1 – E aí? O que foi acontecendo na sua vida neste momento?
R – Ah, sim. E aí fomos pra lá, dois quartinhos e daí ele que foi me conhecendo, contando a minha história de vida. Ele tinha muitos discos, ele dava baile, era o chamado hoje DJ, mas antes era Disque Jóquei e não sei o quê. Dava um bom dinheiro e falou assim: “Eu vou levar você lá pra onde a minha mãe mora”. Eu me grudei, falei: “Nossa, tudo de bom”, agora eu falo tudo de bom me levar pra casa da mãe dele. E daí a mãe dele morava lá em Botucatu e ele me levou pra lá pra morar junto, ficar junto com a mãe dele e daí morei um ano lá, morando em Botucatu, porque realmente não tinha condição aqui dentro, aqui dentro, de São Paulo, no quartinho porque tem que comer, tem que fazer alguma coisa. É onde eu engravidei, Botucatu. Lá em Botucatu eu engravidei do meu filho Sidnei, mas mesmo assim eu muito briguenta, muito ciumenta, sempre fui. Depois de um tempo lá, de um tempão já lá eu vim embora. Eu deixei todo mundo lá e vim embora. Eu vim embora pra cá.
P/1 – Com filho ou sem filho?
R – Eu nem sabia que eu estava grávida, eu nem sabia. Quer dizer, pra mim era a primeira experiência, foi a primeira experiência. E vim embora aqui pra São Paulo, mas aí eu já tinha contatos, já tinham pessoas da família dele que já me conhecia e vim pra casa de uma tia dele e fiquei aqui, e daí que eu fui descobrir que estava grávida e aquela coisa.
P/1 – E ele?
R – E daí ele veio. Depois de um tempo ele veio. Tempo que eu digo é coisa de semanas. Claro, ele veio atrás de mim e daí ele alugou outro quarto lá na Bela Vista, na Rua Treze de Maio e me colocou dentro outra vez. ____________ daí a minha avó veio e já chorei no ouvido da minha avó, eu já contei e a minha avó começou a ajudar, por exemplo, comprando coisas para dentro de casa até nem sabendo o que estava se passando com nós.
P/1 – O seu pai nessa época, onde é que ele estava? Sumido?
R – Sumido, mas é fácil. Ficou viúvo. __________________ já tinha porque ele sempre foi negro, lindo, maravilhoso, mulherengo. O trabalho dele no Hospital das Clínicas contador é “dois palitos” pra arrumar outra. E é claro que tem que sobreviver, não ia ficar na barra do povo lá da família dele. Logo já se enturmou com outra aí e foi levar a vida dele. Foi levar a vida dele. E aí ele alugou um quarto lá na Bela Vista, na Rua Treze de Maio e nós ficamos morando lá, foi onde o meu filho nasceu. Daí a minha avó já dava uma forcinha, viu que nós estávamos independentes, já não tinha mais onde segurar a gente e prender a gente, no caso digo eu.
P/1 – E da sua irmã, ela estava já com outra pessoa?
R – Não, não. Ela sempre foi mais tranquila em relação... Não tinha não. Mas assim, eu com quarto, com tudo, já era outra vida. Podia ficar junto comigo mesmo que não morasse junto comigo, mas vinha, passava dias e ia embora porque, como eu acabei de falar, ela arrumou serviço e continuou trabalhando numa boa, numa boa.
P/1 – E aí o seu primeiro filho nasceu lá na Bela Vista?
R – Isso.
P/1 – E o casamento? Aí vocês casaram e moravam juntos.
R – Não. Não casamos, moramos juntos, ficamos morando juntos lá. Nós dois da mesma idade, eu tinha dezessete anos.
P/1 – E ele dezessete anos?
R – Ele também. Da mesma idade que eu.
P/1 – E ele ganhava dinheiro sendo DJ?
R – Isso. E também ele fazia artesanato, acho que chama quando faz sandálias de couro, essas coisas. Ele sempre trabalhou com isso. Escultura, essas coisas. E tinha uma mãe maravilhosa também, que depois ela veio aqui pra São Paulo e, como mãe, como sempre dava a maior... Eu odiava, mas a mãe dava a maior força e dinheiro e não sei o quê. Eu estou falando __________________. Aquelas coisas, eu gostava que ele saísse para a batalha e ganhasse o dinheiro, trabalhar. Mas a mãe está sempre ali “ai, filhinho”, passando a mão na cabeça. Até hoje eu odeio isso: “ai, a minha mãe”. Nossa, eu odeio. Fica falando “ai, minha mãe”, parece que nunca se desprende.
P/1 – Mas ela ficava ali perto de vocês? Morava por ali?
R – Não, não, não. Sempre morou na cidade. A Maria Augusta sempre morou na cidade, mas ela estava sempre junto com a gente. Vinha trazer dinheiro, fazia feira e ajudar a fazer as coisas.
P/1 – E como é que foi então essa sua vida sozinha com filho nessa cidade? Você não trabalhava, como é que foi esse início?
R – Que nem eu estou te falando, ela segurava tudo. O filho dela me pôs no quarto e ela segurava tudo. Eu não trabalhava e não fazia nada, só ele trabalhava. Foi maravilhoso, pra mim foi maravilhoso. Era tudo o que eu queria na vida.
P/1 – E como que era a sua vida nessa época? Era cuidar do menino?
R – É. Porque eu tinha ela que dava tudo, e era ficar só com a criancinha. E curti, aquelas coisas de... E daí já tinha modificado. Já tinha um quarto, uma casa, bem dizer, uma casa. Eu já saia, eu já saia com o meu filho e vinha pra casa da minha avó. Mudou completamente, foi o que eu falei pra você que eu tinha, eu vou repetir, eu não sei se foi gravado: eu tinha tudo pra ser uma pessoa de rua, uma drogada, uma ladra ou se não nem estar aqui para contar a minha história. Estar morta. Então hoje eu dou valor a um prego que eu ponho dentro da minha casa por tudo isso e muito mais que eu tenha passado. Agradeço a Deus e a tudo por ter chegado até aqui. E, por isso, que quando eu soube daqueles depoimentos eu falei: “Nossa, eu preciso passar”. Porque isso aí tem que ficar gravado. Tem que ficar gravado porque é coisa que fica só dentro da gente ou também ____________ do coração e ninguém sabe.
P/1 – Com certeza. Vamos voltar para a sua epopéia então. Estávamos ali vencendo esta etapa de uma vida difícil, agora um pouco mais tranquila, esse tempo durou quanto? Você veio a ter outro filho?
R – Sim. Acho que nós convivemos juntos uns sete anos, foi uns sete anos. E, para mim, me amadureceu então como mulher. Eu larguei de ser menina. Eu larguei de ser mocinha, eu sou uma mulher com um filho, com uma criança. E daí a gente já não morava mais na Bela Vista. A mãe dele alugou, que ela era artista, ela era cantora; trabalhava em boate nessa época e então tinha muita convivência, muita influência. Então arrumaram uma casa pra ela em Higienópolis, era um palacete, era um palacete enorme, uma casa enorme. E, além do filho, desse rapaz, ela tinha mais duas filhas e daí levou todo mundo, todo mundo. Todo mundo tinha seu quarto, cada um o seu quarto, aquela maravilha. Mas foi aí que terminou com tudo, porque nesse palacete ele não queria mais saber de nada, de trabalhar e tudo o que eu precisava eu precisava pedir pra ela, para a Dona Maria Augusta. Até vez de calcinha, essas coisas, porque não estava vindo o dinheiro dele, o respaldo dele.
P/1 – Por que ele largou?
R – Ah, claro, a maior mordomia. Largou mesmo, mamãe segurando tudo. E havia muita briga e ele saia e ia dançar.
P/1 – ____________________________________?
R – Era.
P/1 – Ele era bonito?
R – Ele é ainda lindo. E daí foi que nós desmanchamos. Eu falei: “Ai, não”.
P/1 – Muita briga? Foi uma separação?
R – Sim, foi muito...
P/1 – Como eram as brigas?
R – Mais negócio de ciúmes mesmo.
P/1 – Você tinha muito ciúmes dele?
R – Tinha, tinha. Ele era uma gracinha.
P/1 – E aí enchia ele de paulada?
R – Nossa, opa, com certeza. De eu unhar (risos).
P/1 – (risos).
R – Dar unhada no rosto dele, de grudar, e ele não sai e não sei o quê. E daí é pior, porque eu com a criança pequenininha eu não podia acompanhar. Eu não podia. Eu tinha que tomar conta, como é que eu ia para a madrugada com ele? Daí ele deitava e rolava e a mãe interferia. Nossa, foi uns (rolos?). Aí foi melhor. Foi melhor. Antes que a gente se mate ou eu mate ele ou ele me mate porque essas confusões... Aí nós nos separamos.
P/1 – Mas era isso, ele gostava do quê? De sair toda a noite, ir para a noite?
R – É. Você está numa idade de 18, 19 anos, queria ir pra rua, boate. Na época era muita boate. E a mãe dele já com essa influência de ser cantora de boate, imagine: “Eu vou lá ver a minha mãe”. Imagine. Voltava no dia seguinte de manhã. A mãe dele estava já cansada de dormir e ele estava chegando.
P/1 – E aí quando ele chegava o que...
R – Ah, o que você acha que acontecia?
P/1 – Descreve pra mim.
R – Imagine: bem cansado, bem amarrotado. E eu ia em cima. “Onde é que você estava, onde você deixava de estar, onde que você passou, com quem você ficou?” Às vezes a camisa suja de maquiagem, cheirando perfume, nossa, eram aqueles rolos. Até que, foi o que eu disse, “melhor a gente parar”. ____________________. E sempre na perspectiva de vida parar e ir, parar e ir, parar e ir. E fazer o quê? Eu vou para onde? Aquela rotina agora já com a criancinha.
P/1 – E aí como foi?
R – Mas eu fui rápida também. Não é que eu fui, é a vida que faz a gente ficar rápida. E daí como eu já falei pra você, a casa era no Higienópolis e Higienópolis, onde a gente morava, para a Barra Funda é “dois palitos”. Aí eu fui para a casa de uma senhora na Barra Funda, uma senhora que eu já conhecia e fiquei lá. Eu cheguei com a roupa do corpo com a criancinha. E o que ele fez, o que ele fez? Ela pegou toda a minha roupa e escondeu. Sumiu, sumiu, só fiquei com a roupa do corpo. É uma saga mesmo. Pra eu não sair de casa, ele não estava acreditando. E com a criancinha eu cheguei lá na casa da Mariquinha e falei pra ela: “Ai, que não sei o quê tia”, eu a chamava de “Ti”. “Pode ficar lá dentro com o neném, pode ficar aqui”. Daí o que aconteceu? Ele pegou e ela dava comida pra fora, ela servia comida pra fora. Tudo de bom porque eu comecei a ajudar ela na cozinha, a fazer marmita, e tinham pessoas que iam entregar a comida e a gente ficava trabalhando com ela. Foi tudo de bom.
P/1 – E o seu filho?
R – Junto comigo. Até que conheci lá dentro mesmo da casa, conheci outra pessoa, que foi o Hélio, que nessa época já era mais um “malandriado”, porque era uma pessoa já bem relacionada aqui dentro de São Paulo, vivido aqui. Catorze ou quinze anos mais velho do que eu.
P/1 – Então nessa época a senhora tinha o quê? Dezoito anos?
R – Dezoito anos.
P/1 – E ele tinha trinta?
R – Isso, acredito que seja, eu não sou desse negócio de conta. E daí eu conheci e contei já a minha história e não sei o quê nessas de conversa lá dentro da casa. “Ah, pode deixar que eu te dou uma força, eu te ajudo e não sei o quê”. E foi isso mesmo. Ele quem me ensinou muita coisa na vida. E aí digo pra você que era mais “malandriado” por quê? Ele era um cara que sempre viveu aqui na noite. Trabalhava na noite. Na época tinha o “_____________ Dance” lá na Barra Funda e ele tinha um conjunto de samba. Foi o primeiro homem, precursor aqui de São Paulo, que trouxe a roda de samba. Ele quem fez a roda de samba aqui em São Paulo. Trouxe pra cá. Porque no Rio sempre houve, mas ele que trouxe aqui pra São Paulo trabalhando com os estudantes daqui da USP. E foi dando depoimentos que nem eu estou fazendo agora. Um cara muito cabeça. Muito inteligente mesmo, e aí eu fui ser mulher dele, fui ser mulher dele e para mim era aquela coisa, “nossa, nossa”. E eu fiquei importante. Mudou completamente a minha vida que nem eu acabei de dizer, me ensinou muito.
P/1 – Mas o que efetivamente mudou? Mudou de casa, mudou de cotidiano, me explica melhor?
R – Mudei de casa e daí ele alugou uma casa pra mim na Barra Funda mesmo, linda e maravilhosa. Antes disso teve a briga, a confusão. Eu estava com o menino. Entre os dois. O pai da criança e ele e a avó, que daí: “Poxa, você já está com outro homem e levou o meu filho?”. Foi lá e pegou e teve aquela pequena confusão.
P/1 – Como é que foi essa confusão? Ele ficou com ciúmes?
R – Ficou bravo porque a criancinha começou a chamar o Hélio de pai. E ele ficou sabendo por boca de outras pessoas, daí ele foi lá e levou a criança junto.
P/1 – E ficou com o menino?
R – Ele ficou, ficou.
P/1 – Quanto tempo?
R – Todo esse tempo até... Ele é falecido, o meu filho. Todo esse tempo, a vida toda. A vida toda.
P/1 – Ah, ele pegou e não devolveu?
R – _________________________.
P/1 – E senhora não conseguiu pegar de volta?
R – Não, eu não tive na época, na época dos meus dezoito, dezenove anos, na vida aqui não era briga de tapa. Não é nada diferente de hoje, briga de dois homens de soco, um dar rasteira. Não era nada disso. Já se existia revólver. Eu tinha muito medo. Os dois eram muito violentos, os dois.
P/1 – Eles batiam em você?
R – Não. Não é questão de bater. Eu tinha medo deles dois, acontecer alguma coisa. Claro que eu tentei, fui atrás do meu filho, claro. Mas toda vez tinha um conflito. Toda vez tinha briga com o pai da criancinha e com a avó e não sei o quê. E do outro lado eu estava começando a vida com um homem que eu nem conhecia e ele já tinha tudo. Ele já tinha tudo com a avó dele, com a Maria Augusta e com o pai. Então sentamos, raciocinamos, sentamos e conversamos: “Mas não é melhor e que não sei o quê, e não sei o quê e não sei o quê?”. “É, de fato é melhor pra ele, é o melhor pra ele”. Porque eu estou começando outra vida, você está entendendo o que eu estou falando? E eu quero o melhor e no momento era a criação que a avó ia dar para o neto.
P/1 – E assim foi?
R – E assim foi.
P/1 – E aí a sua vida começou. E você já começou a cantar, a mexer com samba? Foi aí?
R – Foi daí que tudo começou. O Hélio tinha este conjunto e eu sempre andando com um homem boêmio, na época nunca tinha morado. E a gente fazia questão de falar que ele morava dentro do sapato, porque hoje está aqui e outro dia está ali. Não tem lugar certo. Então ele montou uma casa pra mim e trabalhando, sempre trabalhando com isso e trabalhando com isso. E na época, hoje a escola de samba Camisa Verde, mas na época era cordão e sempre trabalhando com isso, foi fundador da escola e trabalhando no São Paulo Chic, foi onde eu falei pra você que ele conseguiu abrangir todos os estudantes, USP, PUC e fazer as rodas de samba aqui dentro de São Paulo. Cada dia num lugar. Grandes festas.
P/1 – Ele tocava?
R – Tocava e cantava também. E foi pra fora aqui do Brasil. Chegou a ir para a África fazendo trabalho em navios, Estados Unidos, nossa, ele...
P/1 – Ele pesquisava o samba assim? Quais os tipos de samba que ele botou nas rodas? Eram que autores, que compositores?
R – Ah, sim. Lupicínio Rodrigues, Cartola. E era o que o povo curtia, o que os universitários curtiam na época mesmo. Cartola, Lupicínio. Ah, tem mais, tem mais. Aos poucos eu vou lembrando e eu vou passando.
P/1 – Tá. Essa cultura estava vindo do Rio, quer dizer, os compositores também uma parte estava no Rio.
R – Era dividido Rio e São Paulo.
P/1 – Já tinham aqui mais pessoas?
R – Mas acontece o quê? O que acontecia aqui? Aqui São Paulo sempre, sempre, e continua sendo aquela coisa fechada. Então na época me relação a samba a esse trabalho que o Hélio fez é que não tinha ninguém em São Paulo. Até hoje os artistas que tem o samba eles vêm fazer show aqui em São Paulo. Até hoje é assim porque lá no Rio, não sei, acho porque não tem espaço, não sei como que funciona, não sei como que funciona, mas até hoje é assim. Eles saem do Rio de Janeiro pra fazer show. Aqui é o que dá. Aqui que tem o conhecimento, aqui é que tem tudo. E foi esse trabalho que ele fez.
P/1 – E vamos entender melhor esse trabalho.
R – Ataulfo Alves, eu falei que os poucos eu ia lembrando e falando pra você. Então, não que cantasse o choroso igual ao Ataulfo, mas mudava em ritmo, mudava o ritmo. Já punha em samba.
P/1 – A senhora consegue mostrar pra gente um exemplo dessa mudança de uma música? Como é que ele retrabalhava esse ritmo?
R – Então o Ataulfo Alves, a “Amélia”. A “Amélia”. Então o Ataulfo cantaria assim: “Nunca vi fazer tanta exigência/ nem fazer o que você me faz...” Isso é o Ataulfo cantando, o autor da música. Agora o que ele colocou já “nunca vi fazer tanta exigência...” Já incorporava mais, já passava para um outro ritmo. Não fica um choroso que Ataulfo cantava. É isso.
P/1 – E nessa época a senhora começou a participar das rodas de samba como cantora?
R – Não assim como cantora. Ele era a atração de tudo. Bom capricorniano era a atração de tudo. E sempre o que acontece? Tem o coral. Tem os meninos que tocam e tem o coral, e eu era uma dessas, (vinha a parte?).
P/1 – E era bacana assim? Você foi aprendendo os ritmos, as músicas, isso era novo, não era da cultura da sua família, não é?
R – Não. Para mim era tudo novidade. Daí essa casa que eu tinha na Barra Funda era aquela coisa: era um estúdio, era um estúdio. Ia todo mundo pra lá. Ensaiavam, ficavam, jantavam e quem não tinha onde morar morava também. Quer dizer que era uma loucura, mas uma loucura muito boa, muito sadia.
P/1 – Então foi uma época feliz de novo?
R – Foi. Foi uma época feliz. Eu vivia rodeada de pessoas. No começo era aquela coisa, no começo também deu uma passadinha. Sabe por quê? Artista e ia fazer não sei o quê e ia fazer show antes de eu entrar. E voltava no outro dia. Show nunca acaba, sempre vai até o dia seguinte. Na realidade a gente já era mais, assim, eu vou dizer a gente vai crescendo, a gente vai mudando. “Outra vez acontecendo a mesma coisa? Não, então deixa eu ser artista também, eu vou começar”. E toda vez que eles iam ensaiar eu estava lá junto e fui aprendendo e eu sempre me metendo: “Vamos se vestir assim, vamos fazer com a roupa assim e não sei o quê”. Eles estão ensaiando e eu estou junto cantando e foi onde que eu falei: “Se não pode com o inimigo, se junte a ele”. Não tem o ditado?
P/1 – (risos) Muito bom!
R – Quando eu me juntei a ele também é artista.
P/1 – E ele não sentiu ciúmes? Achou bacana?
R – Achou bom. E aí tinham três moças, tinham umas três moças: a Cleusa, a (Amarante?) e a Sueli.
P/1 – E vocês então participavam da roda de samba? Faziam shows?
R – Isso, isso. Eu lembro, nossa, como eu tremia.
P/1 – Como é que foi?
R – Foi lá na Faculdade Getúlio Vargas, foi lá na Nove de Julho. (Deus?), ai que horrível! Que medo, eu tremia tanto, mas foi muito bom. Depois aí isso é a primeira e a segunda música. Depois... Isso é na minha participação, a primeira participação. Depois foi tudo de bom. E daí todos os lugares que eles iam... Eu só não cheguei a viajar por quê? Engravidei da minha filha Fernanda e foi na época que eles pegaram e surgiu esta oportunidade de sair fora daqui do país e eles foram com tudo. Mas pra mim foi muito bom porque eu fiquei aqui tomando conta das coisas da casa, de tudo. Daí também rodeada de outras amizades. É outra vida, é outra vida.
P/1 – Então quando a sua filha nasceu ele nem estava aqui?
R – Estava, estava. Quando ela nasceu ele estava aqui no Brasil. Esse negócio de viagem foi antes, foi antes.
P/2 – Conta pra nós ______________________?
R – (A Fernanda eu tinha, aí você me complicou?). A Fernanda eu acho que eu tinha uns 27, 28 anos. Nasceu no dia 12 de junho, Dia dos Namorados. Maravilhosa, maravilhosa.
P/1 – Foi diferente do nascimento do primeiro filho? Foi outra sensação?
R – Mais segurança, mais segurança. É outra cabeça. Mais segurança eu digo assim porque como eu contei da outra vez da minha gravidez foi o maior tumulto. Nessa aí eu estava mais estabilizada, assim eu achava. A gente quando tem uma casa com um companheiro e com tudo dentro da casa a gente está estabilizada. Então pra mim tudo de bom. Logo após que a Fernanda nasceu, questão de meses, ele foi para os Estados Unidos e de lá comprou tudo o que via, estava encantado, apesar de ter vários filhos já. Artista você sabe como é que é. Mas comprou tudo para a Fernanda. A Fernanda tinha babá. Tinha, nossa.
P/1 – _________________________________________________________.
R – Bem ao contrário da primeira gravidez. ____________________.
P/1 – Mas aí a vida do samba, à vida noturna, demorou para acontecer? Como é que foi?
R – Depois do nascimento da Fernanda não fui mais trabalhar com ele e nada. Eu ficava só dentro de casa mesmo, com ela, cuidando de casa. Cuidando das coisas deles, mas nesse sentido ________________ fora, entendeu? Não trabalhando mais. Foi assim.
P/1 – Mas como é que foi a retomada dessa vida de fundação da escola? O que veio acontecendo?
R – Daí essa casa com esse trabalho ____________ 75 24__________ fazia para os universitários, o que aconteceu? Tudo era combinado dentro de casa ________________________________________________________ e uma reunião dentro de casa com os estudantes, “vamos fazer uma escola de samba?” E na Vila Madalena.
P/1 – E por que na Vila Madalena?
R – Por que na Vila Madalena? Porque eu sou originária daqui, e na Vila Madalena não havia nada. Porque aí o que _______________________________________ já tinha acabado do cordão que eu tinha contado já tinha acabado e aqui não havia nada. Mas o que acontecia? Aqui havia resistência. Por quê? Por causa era _______________________________ os prédios subindo. Já estão outras coisas e onde que trabalhando pela _________________________ achamos, eles acharam, uma (casa?) ou alguma coisa assim aqui em cima no Sumaré. E daí isso começou a servir de sede e começamos a trabalhar a escola lá.
P/1 – Como é que é isso de montar uma escola de samba? O que tem que fazer?
R – Primeiro tem que ter a... Nossa. É muito emocionante. Todo mundo respeitar porque nós temos aquilo...
P/1 – Então a gente retoma, mas a senhora queria retomar alguma coisa que não ficou gravada?
R – É, sim. É que eu não podia deixar de passar. Nessa época que eu contei pra você que morava na Bela Vista eu deixei de desfilar umas três vezes ainda no cordão na época: Vai-Vai. Desfilei na ala da Dona Olímpia que hoje é um ícone da escola, uma senhora idosa, maravilhosa. E bom, se passou todo esse tempo e daí retorno a história que vim morar aqui em Higienópolis. Falei que a casa era perto da Barra Funda, mas continuava sendo Vai-Vai porque quando a gente entra numa escola, a gente já que escolheu, é aquela escola. E o que aconteceu? Vim pra cá pra Barra Funda, aqui na Barra Funda tinha o quê? Camisa Verde e Branco que o Hélio fazia parte. Eu te contei que foi um dos fundadores. Então vim morar aqui, quer dizer, saia daqui da Barra Funda pra ir para os ensaios e para ir para as festas da Vai-Vai? Não. Quando o homem me pegou ele me raptou, entendeu?
P/1 – (risos).
R – O Hélio foi lá e me raptou da escola de samba Vai-Vai e me trouxe para a Camisa Verde e Branco, onde eu comecei a desfilar. Mas foi um rapto na mão dura mesmo, sabe? Porque eu estava pronta, era uma época perto do carnaval, com a roupa e a fantasia praticamente pronta para desfilar lá, quando tudo isso do lado de fora da escola estava acontecendo, tudo isso com a minha vida, tudo isso com a minha vida. Daí ele foi lá e trouxe fantasia e pegou a minha trouxa, trouxe a mulher e as fantasias e trouxe tudo e eu desfilei no Camisa Verde com a fantasia da Vai-Vai.
P/1 – Não acredito!
R – Você imagina a confusão que deu. Na época a gente chamava de Buraco do Ademar que era lá no Anhangabaú que as escolas de samba desfilavam. Quer dizer que eu desfilei escoltada no Camisa Verde e Branco porque o pessoal da Vai-Vai estava querendo tirar a minha pele (risos).
P/1 – (risos).
R – “Como é possível?”. Porque existia essa rivalidade entre as escolas, principalmente Vai-Vai e Camisa Verde e Branco.
P/1 – Qual era a grande diferença entre as duas escolas? A origem? O que... É pelo bairro?
R – É o bairrismo. É o bairrismo. Até hoje é assim. Já é mais civilizado. Mas na época era coisa de dar tiro, dar facada, de bater.
P/1 – É mesmo?
R – É. Não podia, não se cruzavam.
P/1 – Tinha uma competição.
R – O pessoal daqui da Barra Funda e da Bela Vista não vinha pra cá para a Barra Funda, entendeu?
P/1 – Ah, é? Era assim?
R – Era assim. Tanto com futebol, com tudo. Agora você imagina uma componente sair da escola e ir para a escola rival.
P/1 – Nunca mais você pôde voltar também pra Bela Vista?
R – Demorou, demorou pra eu voltar.
P/1 – (risos).
R – E desfilei escoltada porque o povo estava querendo... E era assim: não é o que acontece com o carnaval de hoje. No Anhangabaú era uma escola atrás da outra. A concentração de uma passa e já tem outra em seguida pra ir. Então imagine.
P/1 – Onde que era o desfile?
R – No Anhangabaú.
P/1 – Na parte de baixo?
R – Isso, na parte de baixo.
P/1 – Ali era a avenida.
R – Isso.
P/1 – E era lá em baixo e o pessoal ficava assistindo de onde?
R – Tinham arquibancadas de madeira. Não é arquibancada. Corda.
P/1 – O pessoal ficava em pé?
R – É. Ficava de pé atrás da porta.
P/1 – E quem eram os jurados?
R – Isso aí eu não te respondo porque nessa época não se sabia não.
P/1 – Mas quem ganhava mais nessa época? A Vai-Vai, a Camisa Verde e Branco, qual ganhava?
R – A Camisa Verde é a campeã. Tem mais título do que a Vai-Vai.
P/1 – A Camisa Verde e Branco tem uma relação, desculpe, tem uma relação com o Corinthians?
R – Não. Não tem nada a ver.
P/1 – Nada a ver nem com o Palmeiras?
R – Não, não.
P/1 – Não tem nada a ver com futebol?
R – Não tem nada a ver com futebol, não tem nada a ver. A única coisa que tem a ver com futebol é que na época era um time de futebol, os rapazes que jogavam e com essa mesma ideia: “vamos fazer um cordão e qualquer coisa assim” e daí foi formado. Mas não tem nada a ver com torcida de futebol de hoje.
P/1 – Não está relacionado.
R – Nada, nada, nada.
P/1 – Está ótima essa história. Vamos voltar à fundação da Tom Maior.
R – Vamos.
P/1 – Então quer dizer, tem várias reuniões. Uma reunião pelo nome.
R – Não tinha uma pauta específica.
P/1 – Sei.
R – Então se teve a ideia.
P/1 – Quantas pessoas estavam ______________ nessa ideia?
R – Não imagino.
P/1 – Mais que dez?
R – Ah, sim. Tinha mais de dez, mais de dez.
P/1 – Todos que estavam onde? Nessa roda de samba ou na Camisa Verde também?
R – Eles também desfilavam na Camisa, mas tudo isso através do Hélio, porque como eu te disse: ele que foi fazer esse trabalho que nem, por exemplo, ele fazia panfletos e eu, ele e muita gente deixar e sair distribuindo vir pra cá pra USP, vai pra PUC e deixar os... “Roda de samba em São Paulo” e não sei o que dizendo onde é que era o local. Esse trabalho. E sempre o que acontece? A gente vai se apegando porque tem sempre que... Ainda mais estudantes naquela época, eles grudam mesmo, revolucionou São Paulo, entendeu? Então tinha o Aníbal, falecido, Marcos dos Santos que é o meu compadre, padrinho da minha filha, Maria Elisa. Hoje são engenheiras do metrô, pessoas bem relacionadas, graças a Deus.
P/1 – Eles eram estudantes nesse momento?
R – Na época eles eram estudantes.
P/1 – E eles ficavam com vocês na roda de samba?
R – Ficaram, ficaram.
P/1 – E nós estamos falando do quê? De 1970, mais ou menos?
R – Isso, isso. E daí foi formando aquela coisa. Quer dizer que as festas eram feitas para e por universitários, entendeu? Não que não fosse aberta, mas eles eram ícones de tudo, um vai passando para o outro e o que aconteceu? Estourou São Paulo. Tudo.
P/1 – Quer dizer, tinha mesmo uma relação com a universidade.
R – É.
P/1 – Muito diferente do Rio?
R – Ah, é bem diferente, bem diferente. Bem diferente mesmo. É que é outro povo, outra cultura, o Rio de Janeiro. É outra cultura. E bom, daí aquelas coisas. Então que nem eu te disse que vai se apegando. Tem uns e outros que vão, no meio de tantas pessoas, vão se apegando e tem aqueles até que o sonho era tão grande que chegou a morar dentro de casa, a ficar dentro de casa. E daí que foi indo e então: “Vamos procurar um local e não sei o que e nome e cor” e que deu tudo certo que veio aqui para o Sumaré.
P/1 – O dinheiro vinha de onde?
R – Qual, você quer me explicar agora?
P/1 – Por exemplo, para a sede.
R – Ah, sim. Aí o povo traz. Como eu te disse: antes o Hélio trabalhava, aliás, foi um dos motivos de muitas brigas porque tirava de dentro de casa para jogar na escola de samba. E ganhava-se e era dinheiro porque ele trabalhava e ganhava e jogava mesmo dentro da escola. E daí também tem aquelas coisas de patrocínio e um homem muito bem relacionado vai atrás, vai fazer um enredo e vai atrás e precisa de patrocínio e que não sei o quê. É assim que funciona. Até hoje funciona assim. E foi assim que nós fomos levando a vida que está aí.
P/1 – A cor da Tom Maior, quais são?
R – Vermelho e amarelo.
P/1 – E como ficou decidido por essas cores? O que levou vocês a optarem por isso?
R – Não tenho ideia agora uma lembrança assim a fundo. De várias escolas acho que na época não sei quantas tinham, não lembro quantas tinham. Umas dez ou doze escolas.
P/1 – Nesse momento?
R – É. Acredito que sim. Então, quer dizer, tudo já vem, cada escola tem uma cor: azul e branco, verde e não sei o que, verde e rosa. E na época acho que não tinha ninguém vermelho e amarelo. Eu estou jogando, mas na época não tinha ninguém de verde e amarelo. Então acho que foi por isso. E é uma combinação maravilhosa, é uma combinação muito boa o vermelho e amarelo. Branca e o dourado e o prateado que é livre você pode usar à vontade.
P/1 – Sempre, né?
R – Pode usar à vontade.
P/1 – E vocês começaram os ensaios, como é que é?
R – Começamos os ensaios ali debaixo da ponte Paulo VI, não sei como que se chama esta ponte que tem aqui em cima no Sumaré.
P/1 – Ali na Rua João Moura?
R – É. Não tem uma ponte lá?
P/1 – Hum hum.
R – Então! E os ensaios eram ali debaixo. Era tudo terra que fizeram a ponte, mas fizeram a parte de cima e embaixo eram aqueles “terrão”, aquelas coisas, pegar na enxada pra deixar tudo plaininho e arrumar e limpar. Nossa, foi um trabalho enorme. E daí conseguir instrumentos, essas coisas. Aí tinha que sair numa batalha.
P/1 – E quem é que saía nessa batalha?
R – O Hélio.
P/1 – Ele que ia atrás?
R – É. Uma por ser o velho e outra pela experiência que ele tinha e já sabia em quem chegar: Contemporânea, que é uma firma que trabalha com instrumentos, Gope, ele já sabia de tudo por já trabalhar com isso, com esses instrumentos.
P/1 – E como é que foi, vocês fundaram um ano e já saíram no carnaval?
R – É.
P/1 – É?
R – É.
P/1 – Qual era o enredo nessa?
R – Ai, não lembro.
P/1 – Não lembra?
R – Não lembro. Eu sei que tem “A Feira”, mas eu não sei se “A feira” foi o primeiro enredo. Acho que não. Acredito que não. Não lembro.
P/1 – E foi muito árduo conseguir todos os instrumentos, fantasias?
R – Ah, sim. Costureira. Tem coisas assim que... Costureira não entrega roupa. Baiana sempre foi um item que dá pontos e costureira não tem aquela manha de fazer todas as fantasias. Acontece até hoje, acontece até hoje de não darem conta, aquelas coisas.
P/1 – Muito trabalho?
R – Muita loucura. E o trabalho maior, independente disso, o trabalho maior é trabalhar com as pessoas. Então nós estamos chegando com um pouco mais de experiência de lá da Barra Funda aqui para o Sumaré e acontecia o que aqui em cima no Sumaré? Não tinha nada. Você imagina. Daí chega uma batucada, porque isso daqui você tem que chamar o povo. Então o que começamos a fazer? “Tom Maior vem aí, conheça a Tom Maior”. Essas chamadas. Essas chamadas. “Tal dia”, e não sei o quê, “tal local”. E assim, claro, quem é curioso e aquelas chamadas em vermelho e amarelo “o que será isso, o que será isso?”. E o povo foi chegando, o pessoal da Pompéia.
R – O pessoal começou a vir. Pompéia, redondezas. Vila Madalena. O porquê eu estou dizendo isso? O pessoal mais humilde porque ___________________________. Tomaram conta da Vila Madalena.
(PAUSA)
P/1 – Você estava falando como é que trazia o pessoal...
R – Isso, isso. Então, com essas chamadas. Então o que acontecia? Nessas alturas a Vila Madalena já estava modificada tanto como o Sumaré. Sumaré também sempre foi um local que nem é hoje, que teve grandes mudanças e pessoas mais bem relacionadas. Vários casarões. Então começaram a vir pessoas da Pompéia que também não tinha escola de samba e não tinha nada. Daqui da Vila Madalena um pessoal mais...
P/1 – Mais pobres.
R – Mais humildes, vamos dizer. Mais humildes. Os melhores relacionados iam mais por curiosidade: “O que é isso?”. Mas sem participar, mas depois foram chegando. Daí que foram chegando depois de anos.
P/1 – Então no início o público era de pessoas mais humildes?
R – Sim. E que não tinham nem ciência de como tocar. Daí vinha os meninos do conjunto e tocavam a bateria. E tinham vários outros também que faziam parte do bairro que tocavam alguma coisa. Mas, as mulheres, as meninas, no caso dizendo, não sabia o que era “dar nas cadeiras”, a gente falava.
P/1 – Não sabiam sambar?
R – Não. Não sabiam sambar. Então eu falava: “Meu Deus, como que vai para a avenida desse jeito?”. E samba-enredo e cantar, nossa, é um trabalho árduo. Mas é lindo, é maravilhoso porque tem a compensação agora, tem toda a compensação agora, mas que foi trabalhoso foi. E várias mudanças.
P/1 – E vocês faziam o quê? Tinham que ensinar as pessoas a sambar?
R – A sambar, a tocar, que não sabiam também e cantar, que é o essencial, é essencial.
P/1 – O pessoal: eram mais negros, mais estudantes, mais imigrantes do Nordeste?
R – Isso aí então o que aconteceu? Não. Daí abrangeu tudo, por quê? O que eu falei pra você: pela roda de samba que ele estava fazendo, pelo trabalho que ele estava fazendo ele trouxe os universitários. Eles vieram, chegou a ter que foi a Elisa, a Virgínia a ser presidente da escola logo depois do Hélio; que ele foi o primeiro presidente. Então, quer dizer, isso daí já fez a miscigenação. Já não tinha a cor certa. Era tudo mundo a mesma coisa. E pegando os universitários e o pessoal do bairro, que nem eu estou te falando, abrangendo Pompéia, Vila Madalena. Até o pessoal do Campo Limpo chegou aqui. Abrangeu tudo. Não tinha nada, hoje sim tem Pérola Negra que é aqui na Vila Madalena, tem a Águia de Ouro que é na Pompéia.
P/1 – Isso aí veio depois então?
R – É. Vieram depois, apesar da Pérola ser um ano só mais velha se eu não me engano.
P/1 – E como a escola foi evoluindo? Vocês foram envolvendo mais pessoas e foram se estruturando?
R – Muito trabalho. Foi envolvendo mais pessoas e mudanças também porque não é a gente que toma conta. Tem uma base que na época era a UESP [União das Escolas de Samba de São Paulo]. Depois foram crescendo muitas escolas e aí houve uma divisão. Tem a UESP que trabalha com bairros e escolas menores e a Liga das Escolas de Samba de São Paulo que trabalha com os grupos especiais. Então, quer dizer, sempre tem uma hierarquia, tem algum pra dar satisfação, tem alguém que trabalha com o dinheiro que repassa para o governo e a prefeitura ajuda.
P/1 – Eles dão dinheiro para as escolas?
R – Eles ajudam. Dão dinheiro é uma... Dão uma ajuda de custo (risos).
P/1 – Dão uma ajuda.
R – É.
P/1 – Porque não sustenta a escola, não é?
R – Não. As escolas têm que sair e fazer o seu trabalho. Fazer o seu trabalho pra se segurar, como alugar, fazer shows. Tem várias atividades.
P/1 – E como é que opera hoje a Tom Maior? De onde vem a maior parte dos recursos?
R – Esse já é um detalhe que eu não gostaria de entrar, porque tem lá uma diretoria e, sinceramente, eu não sei como que eles trabalham. Saí depois de um tempo, o Hélio saiu, eu saí da escola e vieram outros presidentes e outras pessoas.
P/1 – Mas vocês saíram da escola?
R – Hum, hum. É porque é aquela coisa...
P/1 – Me explica.
R – Ser presidente de escola de samba é muito complexo. Eu, como mulher do presidente, sabia que na minha casa estava faltando arroz, feijão, que não tinha açúcar e a minha filha estava sem mamadeira e não sei o que, porque o montante que ele arrecadou que ele trabalhou, ele jogou na escola. Mas quem está lá fora, vocês que não participam, acham que a gente está ganhando muito. Então porque “fulano roubou, porque fulano ganhou, porque fulano pegou”. São essas confusões até hoje. Não é coisa de trinta anos atrás não. Até hoje é assim; que a gente mesmo, nós que frequentamos, eu nem discuto, porque eu já passei e eu sei como que é. Então quem é leigo numa escola e que só põe a fantasia e sai, ai, nossa, meu Deus: “Onde que está o dinheiro?”. É a pergunta. Como? Mas as coisas vão, as coisas acontecem, dinheiro vai, dinheiro se gasta. Então é difícil. É um trabalho muito difícil. Então foi o que aconteceu e nós nos afastamos.
P/1 – Isso faz quanto tempo?
R – Ele ficou dois anos na presidência. Isso faz... Minha filha está com 35 anos, faz 36, 37 anos. E continua até hoje essa mesma fala: “O que o presidente fez com o dinheiro que a prefeitura deu, que o Estado deu?”. Parece que é um dinheirão. Agora tem a Globo, que a Globo é exclusiva, é um canal exclusivo da Globo. Ainda tem.
P/1 – E a Globo dá dinheiro também para as escolas?
R – Com certeza compra. Compra a imagem.
P/2 – O seu marido saiu da presidência, mas a senhora continua desfilando ou se desligou totalmente dela?
R – Não. Me desliguei também, me desliguei também na época. Eu fui voltar há quatro, cinco anos atrás.
P/1 – A desfilar?
R – A desfilar. É porque é um resgate. Então a escola cresce e tudo evolui, tudo muda e hoje um dos itens das escolas de samba é que exista a velha guarda dentro da escola. Apesar de que a Tom Maior é uma escola jovem. Ela parece (Phonix?), ela renova muito, é muito jovem, é muito universitário. Continua aquela saga. O presidente é novo, apesar que ele já está há vários anos lá, o Marco Antonio. Mas ele é um rapaz novo, deve ter trinta e poucos anos. Tem que existir a velha guarda. Então o que foi? Eles saíram procurando e retomando as pessoas daquela época. Muitos faleceram, outros não quiseram voltar, outros estão magoados. Tem várias coisas que não é só na escola de samba que acontece. Acontece em qualquer lugar. E eu fui uma das pessoas que fui convidada e fiquei.
P/1 – Foi feliz para a senhora? Foi bom ter sido reconvidada para participar?
R – Foi, foi. Fiquei contente, estou feliz com isso. Claro, nossa! Muito bom, muito bom. Muito bom porque assim: tem quem lembra da gente, do trabalho que você tenha feito. Pra ser bem sincera: a vaidade que anda juntinho com nós. Eu fico feliz sim. Então vieram a velha guarda, apesar de que saiu bastante pessoas novas, pouca idade, mas é filho de filho. “Eu ia desde quando jogaram a primeira colher de cimento lá e que não sei o quê”. Sabe? Mas tudo bem.
P/1 – A sua filha é ligada também na escola?
R – Na Tom Maior não. Ela é Camisa Verde e Branco e ela é porta-bandeira.
P/1 – Ah, então ela foi direto.
R – É. Ela já mudou completamente, mas tem contato com a escola só que não está dentro da escola.
P/1 – E o Hélio?
R – Faleceu faz quinze dias.
P/1 – Ah, é?
R – Faz quinze dias.
P/1 – Quinze dias?!
R – Faz quinze dias. Teve uma complicação e a minha filha internou quando... A gente não estava mais junto.
P/1 – Ai, eu levei um susto.
R – Não, não.
P/1 – O que aconteceu então, me conta essa história?
R – A gente já não estava mais junto, mas você sabe, filha é filha. Filha é contato, não interessa o que a mãe tenha passado e nada disso. Ele teve uma infecção generalizada na bexiga e ficou 27 dias internado no Hospital do Servidor Público e de lá não saiu. Começou e ficou fazendo hemodiálise porque a bexiga não estava funcionando, essas coisas, e de lá não saiu.
P/1 – Então vamos retomar.
R – Foi uma perca muito grande pra São Paulo. A imprensa toda foi em cima por tudo um pouco do que eu te contei, pelo pouco que eu tenha contado pra vocês. Mas era um cara super conhecido em todos os sentidos.
P/1 – O nome completo dele é Hélio...?
R – Hélio Romão de Paula. Hélio Romão de Paula. E, nossa, foi um grande susto. Tem gente que até hoje não sabe. Ligam abismadas porque é aquela coisa. Eu digo por mim. Mas tem aquela coisa assim: tem pessoas que a gente acha que nunca vai acontecer nada porque a fortaleza é tão grande, a disposição da pessoa é tanta. Eu não sei nem o que eu posso dizer, eu sou até suspeita em dizer. Mas a pessoa transmite tanta coisa que parece que nunca vai ficar doente, nunca vai morrer, nunca vai acontecer nada. Porque até hoje ela como filha, claro que a ficha dela não caiu e a minha então... Entendeu? Está difícil, é gozado, muito gozado. É uma sensação muito estranha, muito estranha mesmo. Então até hoje, que nem eu disse, as pessoas perguntam querendo saber o que aconteceu e o que deixou de acontecer. Não acreditando, não acreditando. Que nem eu falei, a imprensa, foi o rádio, a televisão, anunciaram e falaram, jornal, tudo. E tem pessoas que ainda leem e ficam sabendo e não acreditam.
P/1 – Ele não estava doente antes?
R – Não. Não estava doente. Ele morava com outra família, outro filho, com outros filhos, e chegou e reclamou para um dos filhos que estava urinando sangue e então levou no médico. Mas do outro lado, o rapaz, ele entrou em contato com a minha filha: “O pai... Está acontecendo isso e isso com ele”, que eles são tudo muito ligado. Então ela: “Ah, então vamos levar no médico”. Começaram e levaram no médico. Quando internaram ele no Servidores Públicos, eu tenho essa linguagem, é minha linguagem... Já era tarde porque nisso a infecção já estava... Sabe aquelas coisas de homem que não quer fazer exame, não quer? Aqueles pudores que existe pela ignorância, falar a verdade, pela ignorância. E foi assim.
P/1 – Mas então vamos voltar pra eu entender como que chegou até aqui. Quer dizer, faz mais de trinta anos que vocês fundaram a Tom Maior.
R – Então, a minha filha está com 35 anos. Faz 34 anos.
P/1 – Trinta e quatro anos.
R – A Tom Maior tem 34 anos.
P/1 – Vocês ficaram com a presidência, a diretoria, por uns dois anos?
R – Dois anos. O Hélio ficou como presidente.
P/1 – E depois saíram.
R – Isso.
P/1 – Isso. E o que foi que vocês continuaram fazendo? Porque ele ___________ do samba, ele continuou com as rodas? O que ele fez? E me conta também um pouquinho como que foi a vida de vocês até vocês se separarem.
R – Ele continuou com o conjunto trabalhando. Daí por ele ser um homem muito dinâmico ele correu várias escolas: Barroca da Zona Sul, Peruche, nossa, várias escolas ele trabalhou. O que eu digo trabalho no samba? É você estar como presidente dando ideias ou ajudando, mesmo na hora de um ensaio, sendo diretor de harmonia. Às vezes até umas pequenas coisas que você faz é um trabalho dentro de uma escola de samba em prol da escola. Então ele correu várias escolas de samba e eu já não. Eu mais afastada e nisso a Fernanda foi crescendo e se tornou uma mulher e acho que eu vou passar um pouco na frente dela porque ela vem contar a história da vida dela, mas eu já vou adiantar a minha. Foi convidada pra ser porta-estandarte de um bloco lá na Vila Santa Catarina. Foi e depois de lá ela ficou cinco anos sendo porta-estandarte e daí foi convidada por uma escola. Como ela vem contar a história dela eu não vou me intrometer. E daí ela se tornou porta-bandeira. E o que aconteceu? Como mãe e em cada escola que a Fernanda passou eu estava junto. Foram três ou quatro escolas. Então a (gente estando?) eu não posso dizer: “Ah, porque eu sou Águia de Ouro, eu sou Camisa Verde, eu sou Peruche”. Não, não é. Eu estava acompanhando a minha filha. Porque eu sou Tom Maior como fundadora e Camisa Verde e Branco, são essas escolas que eu... E aí é esse trabalho que a gente desempenha até chegar a esse ponto que nem eu torno a dizer, que fui convidada pra fazer parte da velha guarda. E nesse ínterim depois que eu me separei do Hélio, já tinha lá a formação. Fui trabalhar na União das Escolas de Samba e sou jurada da (USPE?) e fiz um trabalho de uns cinco ou seis anos no Anhembi, trabalhando no Anhembi. Tudo isso carnaval porque a nossa vida é uma coisa, só reverte assim em carnaval.
P/1 – É o carnaval, não é, a sua principal atividade?
R – E quer dizer, todo esse tempo só nessas. Tem uma entidade que só faz carnaval no interior onde nós também somos juradas e é assim que nós vamos caminhando nesses trabalhos.
P/1 – E a sua separação do Hélio faz quanto tempo?
R – Há trinta anos.
P/1 – Foi logo depois que a Fernanda nasceu então?
R – A Fernanda então está com 35 anos. Ela tinha cinco anos de idade.
P/1 – E o que aconteceu entre vocês?
R – Eu te disse logo lá no começo. Artista é artista, meu bem. É muito assediado, eles são assediados. Não são eles que vão em cima de ninguém (risos). Eles são os santos, entendeu? Independente de tudo o que levou a nossa separação foi isso. Porque em relação ao ser humano e aprender a viver foi tudo com ele, foi tudo com ele. Tanto as malícias, como as malandragens, como as maldades e as coisas boas eu aprendi com ele, porque eu já estava vindo praticamente criança quando eu o conheci, e ele já um homem mais velho e experiente da vida, ainda pelo trabalho. Então tudo aprendi. Mas que é isso, a mulher tem aquela coisa de exclusividade. Então as fãs iam à porta de casa: “Não, é porque eu estou grávida, cadê fulano?”, aquelas coisas. Não dá pra aguentar.
P/1 – E aquele ciúme da época do primeiro marido voltou a aparecer, de brigar?
R – Ah, mas foi pior.
P/1 – Foi pior?
R – Pior.
P/1 – Teve pancadaria e tudo ou não?
R – Não, não. Não assim de eu ir em cima, fazer que nem eu fazia com o primeiro. Mas que eu ia, eu ia. E quando de repente eu chegava num lugar que tinha festa que eles estavam trabalhando e eu chegava. E daí já as coisas mudavam completamente.
P/1 – Já virava uma briga?
R – Ah, já. Virava, mas mais de bate boca do que de agressão mesmo.
P/1 – E aí vocês acabaram decidindo.
R – E daí a Fernanda já com cinco anos. E eu já com a minha vida com outra cabeça e tudo: “Não, não dá, não dá, não dá”. E graças a Deus foi sempre assim com conversa, entendeu, __________ os dois, sabe? Com conversa.
P/1 – São amigos?
R – Ah, com certeza. No primeiro momento fica aquela mágoa: “Porque eu sei que você está com fulana, porque você saiu com fulana”, aquela coisa de mulher. “Então vamos largar que não sei o quê”, mas sempre esperando aquela coisa assim: “Ah, não vai embora não, que não sei o quê”. Então deve ficar sempre esperando, mas em uma boa conversa resolvemos tudo, uma boa conversa. E assim nos separamos, mas continuamos, sabe? Na época, foi o que você perguntou, tem aquela coisa de ressentimento, de mágoa, não vou dizer que fiquei de beijinho não, que fiquei toda comovida com ele. Não. Fiquei ressentida, magoada, claro, mas depois foi passando. As coisas passam e tudo bem. Tudo bem. Nessa minha separação fui fazer curso. Trabalhava. Sempre gostei de arrumar as pessoas, de ver as pessoas bonitas e com maquiagem, com cabelo. Tudo isso na separação, porque até aí, como você está vendo, eu não trabalhava, não fazia nada. Era madame. Daí eu fui fazer curso no Senac de maquiagem e tudo. Fiz um curso e entrei no Hospital das Clínicas e fui ser funcionária pública. Passei, ___________ e passei. Mal eu entrei no Hospital das Clínicas eu já tinha que arrumar uma casa pra mim, pra minha filha. Vim morar aqui na Fradique, aluguei um quartinho e vim morar aqui na Fradique. Sempre aquela coisa assim de sofrimento, mas sempre independente. Sempre independente. Coloquei a minha filha no parquinho com cinco anos lá no parque do Hospital das Clínicas; então a gente vinha e ia juntas, estávamos sempre... E daí então aqui ficou muito pequeno e fui morar lá em Itaquera. Nossa, todo dia a Fernanda perdia uma conga. Quando não era uma conguinha era a sacola do parquinho por causa que vinha de trem e a gente entrava sete horas da manhã aqui no Hospital das Clínicas, Instituto do Coração, você imagina...
P/1 – Nossa, vida dura.
R – Opa, não é mole não. Outro dia eu peguei e comentei assim: “Tem pessoas que nunca sofreram na vida, porque não transparece.” Porque eu vejo uma ruga aqui e aquela coisa de cabeça e cabelo branco que não sei o quê. Tudo isso aí, claro que é genético porque faz parte da vida o cabelo branco, ruga. E a gente vai se desmanchando, mas tem pessoas que estão sempre bem. Parece que nasceu daquele jeito. Por que só comigo? Parece que ninguém nunca sofreu na vida, só quem sofreu foi eu; porque a gente olha, eu sou muito vaidosa, eu gosto muito da minha mão e cheia de ruga. Meu Deus, por que? E a mão de fulana... É. Mas é uma verdade. Você fica se questionando, você se questiona. É uma judiação ser assim e passar por isso.
P/1 – Mas cada ruga conta uma história também, não é?
R – Cada ruga conta uma história. Cada ruga. Eu falei: “Nossa, eu vivo comentando isso e é muito triste”. Tem coisas que a gente não procura nem lembrar. Daí quando vem na cabeça eu começo a cantar para desvirtuar.
P/1 – Falando de coisa triste, eu queria te fazer uma pergunta sobre o falecimento do seu filho. Há quanto tempo foi, o que aconteceu?
R – Então. Foi num Dias das Mães. Ele morava ______________.
P/1 – Sempre no Dia das Mães ______________________.
R – Eu tenho uma saga. Eu falei pra você que eu tenho um problema com maio e junho que diz que é o inferno astral; eu faço em junho o aniversário, mas o meu inferno astral é forte. Eu e a minha filha, nossa! Porque ela também faz em junho. E ele foi pra praia e lá numa briga por causa de mulher, por causa de uma garota, mataram ele.
P/1 – Nossa!
R – Você imagina o telefone tocando pra dar a notícia, tocando de lá. Nossa, foi uma loucura, eu fiquei louca, eu fiquei louca.
P/1 – O que você sentiu naquele momento, você consegue descrever pra mim?
R – Eu consigo descrever que eu não acreditava, porque eu falava assim: “Eu como uma profissional da saúde e trabalhando no pronto-socorro, quantas pessoas eu já vi chegar com tiro lá e saírem.” Com tiro até na cabeça e saírem do coma, saíram que eu quero dizer é sobreviveram. E dando até uma sensação assim: “Mas ele vai voltar, ele vai sobreviver”. Deram a notícia.
P/1 – Ligaram pra você?
R – Ligaram para a minha casa e então falaram com a Fernanda, mas a Fernanda não passou que ele tinha morrido. A Fernanda falou: “Ele levou um tiro”, entendeu? E nisso eu fiquei: “Não. Ele sai dessa, ele sai. Vamos descer, vai internar, traz ele pra cá para o Hospital das Clínicas” e fiquei naquela até cair na realidade que ele tinha... Agora a sensação.
(PAUSA)
P/1 – Então vamos lá. Tocou o telefone e não caiu a ficha na hora que ele tinha morrido, era isso?
R – Pra mim não, porque passaram a notícia para a Fernanda e ela me passou que tinha sido baleado. Não dá pra descrever, não dá para descrever tanto na hora da notícia quando depois quando eu soube que tinha falecido mesmo. Não dá, não tem uma sensação que possa passar para as pessoas o que é essa dor. É uma dor muito forte. É uma dor no peito muito grande. É uma... Nossa! É um acreditar, desacreditar. Até hoje eu fico assim. Não tem. Eu fui. Ontem foi dia da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, eu estava na missa e falei: “Mas será que a gente tem que viver a vida dentro da Igreja?”. Parece que dentro da Igreja, você estando dentro da Igreja, não vai acontecer nada pra você. Porque se você se apega a Deus nada de ruim vai acontecer. Eu estava lá na Igreja pensando nisso. “Mas será que a gente tem que viver aqui dentro pra gente ter saúde? Pelo o que a gente gosta não se afastar da gente, não morrer?”. É muito complicado, é muito complicado. Eu vivo falando também que eu não gosto de dinheiro. “Nossa, você é louca que não gosta de dinheiro”. Mas eu sou mais a fundo porque eu não gosto de dinheiro, por quê? Se eu tivesse dinheiro e todo mundo que eu amo tivesse juntinho comigo, não morresse, não adoecesse, não ficasse doente seria uma maravilha. Mas não. Não é isso que acontece. O que adianta eu ter dinheiro e eu ter uma tremenda de uma casa, ter tudo, e não ter quem a gente ama perto da gente? Então fica...
P/1 – Então quem seria as que você diz que foram grandes perdas da vida?
R – Em relação à família graças a Deus até agora, mas eu sei que um dia vai acontecer, mas eu posso ir antes, sei lá, mas que eu não tenha perdido foi um irmão, porque depois o meu pai casou pela segunda vez e tive mais três irmãos, dois rapazes e uma moça. Então, quer dizer que ao todo são cinco. Estão os cinco aí vivos com saúde e não sei o quê, porque o resto de experiência já passei por tudo.
P/1 – O seu pai também morreu?
R – Morreu faz dois anos. Faz dois anos. Morreu com 82 anos. Eu só não tenho experiência de irmão, mas o resto já tem _______________________ assim que a gente que cada dor é uma dor, cada dor é uma dor. Que nem de filho, não existe maior. E nunca tinha ficado viúva, fiquei agora entre... Mais uma experiência. Por isso que eu estava conversando hoje na Igreja: “Nossa, o que mais precisa meu Deus do céu?”.
P/1 – Mas eu ia fazer mais uma pergunta a isso, quer dizer, ontem a senhora estava na Igreja, mas a sua religião é espírita, como que foi sendo criada na Igreja e tendo toda essa relação católica, como foi que chegou o espiritismo na sua vida?
R – Pela perda do meu filho, se não vai pelo amor você vai pela dor. E eu fui pela dor. Onde eu encontrei consolo. Às vezes eu costumo até dizer, às vezes a gente fica amarga, fica dura. Por exemplo, você ouve uma notícia: “Ah, fulano morreu”. “Ah, fazer o quê? Está marcado, foi assim. Nós temos um tempo certo aqui na terra e não sei o que, e não sei o que e não sei o quê”. Hoje eu tenho uma outra visão do que é a morte, porque é o aprendizado que eu tive quando ele partiu.
P/1 – Como é que foi? Foi uma procura sua? O que aconteceu?
R – Foi. Foi uma procura minha. Eu quis, a gente que eu digo eu ia falar a Fernanda também, procurar alguma coisa que nos fizéssemos entender. Não que Deus... Eu vou responder a pergunta que você me fez, a Igreja católica não dá essa resposta. Não é que ela não dá, não tem nem com quem conversar, se eu chego com a minha dor, chorando com a minha dor, eu vou chegar e ficar no banco porque não tem ninguém pra me atender, ninguém pra me ouvir. Não é verdade o que eu estou falando? Então a gente procura um lugar de sentar que tenha alguém que eu possa chorar, que eu possa me dar o livre arbítrio pra eu falar o que eu quiser. E você depois não viu? Se der pra você explicar que vai entender tudo bem, se não você vai voltar outro dia e você vai me explicar tudo o por quê. Então você vai ver isso, você vai ver aquilo. “Eu vou estudar”. E foi o que eu fiz. Essa é a força que eu tenho.
P/1 – E isso mudou muito a sua vida?
R – Mudou. É o que eu ia falar. Aí parece que a gente fica amarga e fica dura, mas não é. A gente aprende. Nós não estamos aqui pra semente, entendeu? Que a gente tem um tempo certo pra ir, pra vir. Pra vir e pra ir. Então eu falava assim pra Fernanda todos esses dias: “Filha...”. É lindo, porque as pessoas interrompem a vida, elas não se matam? Interrompe aqui que ela pegou e se propôs a fazer aqui, sabe? Porque a gente está aqui por um propósito e as pessoas não aguentam as pressões e se matam. Acabam se matando. Então falei: “Fernanda o seu pai está aí, mas ele cumpriu a missão”. É lindo, cumpriu a missão. Cumpriu o que ele se propôs a fazer aqui na terra, entendeu? “O senhor vai Seu Hélio. Mas quando for 72 até 72 anos daí a gente se encontra”. É assim que está na nossa vida, só que a gente não sabe. Aí eu falei assim: “Se eu tiver que voltar antes eu vou ler, vou reler e vou tirar xerox e depois que eu vou assinar”. Porque a gente: “Você vai perder o seu filho, tudo bem?”; “Ah, pra mim tudo bem.”; “Você vai perder a sua mãe, tudo bem?”; “Tudo bem, imagine, eu tiro de letra”. Tudo você tira de letra porque você está _____________________________ plano. Então você fala: “Ah, imagine, isso passa”. A gente não sabe o baque que a gente leva aqui. A gente não sabe o que é dolorido essas perdas. Por quê? Porque a gente quer realizar certas coisas, a gente quer adquirir certas coisas, então a gente vai abrir mão de tudo? Não é por aí não. Nossa, a gente tem que sofrer, a gente tem que sofrer e a gente sofre. A gente sofre muito, muito. Por isso que dinheiro pra mim não me faz a cabeça. Pra quê?
P/1 – Mas hoje, tendo em vista essa sua missão, você diria que a sua missão está sendo feita? Qual é a sua sensação com a vida?
R – Foi o que eu falei. Daí eu respondi até antes de você fazer essa pergunta. Daí eu vou ler tudo, vou tirar xerox. Nessa prancheta aí. Vou tirar xerox e se eu concordar e saber que eu vou segurar os pepinos aí eu assino. Pode me mandar pra onde for que eu estou assinando, mas se for coisa muito pesada eu falo não, não, não. Vamos inverter isso daí. Vamos inverter porque isso não dá certo. Você sabe que até a beleza indica. Eu não sei qual é a religião de vocês, mas eu vou passar. Nós temos a nossa missão que nós estamos aqui e pra cumprir a missão e coisas erradas e construir família, entrar numa família, trazer a paz, qualquer coisa assim. E assim eu aprendi que Deus dá escolha: “Você quer vir vesga, com pé torto, quer vir temos ________________ ou você quer vir uma Vera Fischer linda com aqueles olhos?” Não. Claro que eu quero vir bonita, claro, mas essa beleza vai ter preço e tem preço. Vocês podem reparar no que eu digo. Eu fico muito atrás disso. Todas as pessoas que tem de ser bonitas acabam, Deus que me perdoe, mas acabam em desastre e se acaba toda, acaba o rosto, acaba a beleza e acaba tudo. Um é esportista, corre. Não sei o que acontece e quebra a perna. Se vocês pararem pra pensar vocês vão ver. Outro não sei o quê. Aquele outro que era navegador do barco lá acabou cortando a perna. O que precisa? Porque a gente usa, mas a gente acaba perdendo. Então: “Você quer vir bonita?”; “Eu quero vir bonita”. A nossa vaidade e eu não quero vir feia, nossa, mas tem um preço tão caro, tem um preço tão caro. Que nem ter dinheiro também. O preço é muito caro. Aqui a gente sofre muito. Ela é linda, maravilhosa, mas ela não tem paz, ela não tem sossego a Vera. Eu estou falando um exemplo, a Vera Fischer é um exemplo. Ela não tem sossego, não tem uma paz. É isso que leva. Então é esse aprendizado que eu estou passando pra você, é o que me fez ir para o espiritismo, entendeu? É o conforto que trás. Então aqui você está para aprender. Sabe que se você tiver que voltar para esse plano ou outro então você já (não vai cometer?) os mesmos erros porque você sabe que é ______________________________, e não é bom.
P/1 – A gente está caminhando para o fim da entrevista e eu queria saber agora pensando na frente, qual é o seu maior sonho? O que você acha que tem que viver ainda que gostaria?
R – Nossa, eu vou te responder uma coisa que outro dia eu tinha falado assim: “Nós estamos numa casa num quintal, uma festinha, aí o meu maior sonho é este. O meu maior sonho é que ele existe, pra mim existe o maior sonho. Porque eu não procuro sonhos grandes. Eu procuro sonhos pequenos que posso realizar.” Foi o que eu respondi e estou respondendo pra vocês agora. Então se eu quiser, um exemplo, comprar um tremendo de um apartamento eu sei que eu não vou poder comprar nem um jardinzinho, um apartamento. Então eu não vou sonhar com isso. Então daqui pra frente o ano que vem hoje. Hoje eu estou com 59 anos e em junho vou fazer 60. Eu vou voltar esses 60? Eu não vou voltar. Então é viver com saúde, entendeu? Junto com a minha filha. Por enquanto, graças a Deus está tudo de bom com as glórias. Coisas que eu nunca nem sonhei, nunca pensei. Ter que conquistar. Conquistar. Tem que conquistar com reconhecimento, conquistar com essa faixa agora esse reconhecimento pelo trabalho que eu tive no mundo do samba. Foi reconhecido. Nossa, isso é glorioso com 60 anos e falar “pô”. Nossa, é lindo, é lindo! É tudo de bom. É tudo de bom. Então eu preciso sonhar alto? Não precisa, sabe? Está tudo muito bom.
P/1 – E desse mundo só samba tem algum samba que te toca especialmente que seria bom de você cantar aqui e pra gente ter registrado?
R – Tem vários sambas assim. Eu não sei que samba que eu tocaria. Porque é gozado, a vida do sambista é gozada. Cada música é uma história na vida da gente. É um pedaço, é uma história. Então agora neste momento da história você quer que eu cante? Me dá uma coisa assim, vai.
P/1 – Então uma história. Se cada samba é uma história tem algum samba desse momento agora que o Hélio morreu, uma história que...
R – Acho que é melhor eu cantar uma música que ele cantava pra mim quando eu estava grávida da minha filha. Eu não lembro a letra toda, mas um pouco que _____________________________.
P/1 – Hum, hum.
R – “E há de ser sem dor. Ah, eu hei de ver, hei de ver andar a sorrir”. Essa música é do Martinho da Vila. Eu devo ter errado a letra. Porque ele cantava pra mim, nós cantávamos por causa da Fernanda, que essa música o nome dela é Tom Maior que foi que gerou o nome da escola Tom Maior.
P/1 – Era uma grande vitória.
R – Isso.
P/1 – Tem mais alguma coisa que você queria contar que a gente não perguntou?
R – Tem. Talvez eu tenha respondido. Nossa, falei até por demais – eu me perdi. De agradecer. Primeiro agradecer a Deus por tudo. Como vai ficar registrado. Eu acho que esse trabalho é a mesma coisa que... Ou é equivalente, sei lá, depois que eu mesma escrever um livro. Já que a gente não pode, não tem boas lembranças e escrever um livro e é a dificuldade. Esse trabalho é um trabalho ótimo e tem que ficar registrado para o resto da vida da gente, não é verdade? Então agradecer a Deus do céu por tudo o que tem me dado. Agradecer pela vida maravilhosa que eu tenho. Pelas pessoas que passaram pela minha vida. Tanto as pessoas boas como encontra pelo caminho. Não tem coisa mais importante do que agradecer a Deus e chegar que nem eu falei a pouco também, é isso que... Que a gente encontra pelo caminho nessa trajetória. Mas o mais importante é agradecer a Deus e chegar que nem eu falei a pouco também a esse ponto de merecimento das pessoas reconhecerem o trabalho da gente e a gente chegar ______________________ o Estado me condecorasse. Não é para qualquer um, ainda mais mulheres. É isso o que eu tenho pra dizer. Vontade de chorar, eu tenho muita vontade de abraçar e (desabar?) é muita. É uma pena que as pessoas não têm tempo, não reconhecem o amor que a gente passa pra elas. É uma pena muito grande. As pessoas perdem um tempo tão grande de brigar, falar alguma coisa do outro. Tem que ter harmonia. Nossa, eles perdem um tempo enorme com isso. Porque amar é tão bom. Chegar e beijar uma pessoa é tão bom, falar “eu te amo”. Igual dizer assim: “Você é bonita. Nossa, como você está bonita”. Como é bom ouvir e como é bom falar. Aqui dentro do coração, a partir do momento que você fala que vem dentro do coração. A partir do momento que você fala isso para outra mulher, nossa, como é gratificante. Eu gostaria que as pessoas que me rodeiam, que me abraçam, que me compram ou que me vendem amassem um pouco mais. ____________________________ que tivesse uma coisa mais importante na vida que é o perdão, mais importante. Nós perdoando e as pessoas nos perdoando. É a coisa mais importante da vida. Acho que foi isso que eu (tenho pra falar?).
P/1 – Legal.
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