Projeto Conte Sua História
Depoimento de Neyde Rossi
Entrevistada por Luisa Gallo
São Paulo, 31/01/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV714
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Neyde, obrigada por ter vindo aqui contar a sua história. A gen...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História
Depoimento de Neyde Rossi
Entrevistada por Luisa Gallo
São Paulo, 31/01/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV714
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 –
Neyde, obrigada por ter vindo aqui contar a sua história. A gente sempre começa com uma pergunta de identificação para você falar o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome completo é Neyde Celeste Rossi Redorat. Nasci aqui em São Paulo, no dia 19 de julho de 1938.
P/1 – E você sabe a origem da sua família?
R – Quatro avós italianos, do Norte. Os quatro. Das cidades de Mantova, Pádova e Treviso. Na verdade, é um lugarejo perto de Mantova, colado - eu estive lá procurando familiares - chamado Bagnolo San Vito. E o de Pádova, também é um lugarejo colado a Pádova, chamado Piove di Sacco.
P/1 – E você sabe como eles vieram para cá?
R – Como imigrantes. Mas interessante, porque Rossi é um sobrenome muito comum na Itália. Então, só dessa cidade mínima vieram duas vertentes de Rossi para o Brasil. Eu cheguei a procurar os familiares, eu estava com a minha irmã nessa viagem - e a minha sobrinha - e até fomos à casa deles, eles ofereceram café, mas eu não tenho certeza se eles são, realmente, dessa vertente que veio para cá.
P/1 – E você sabe em que ano eles vieram para cá?
R – Ah, eu acho que bem no iniciozinho do século passado ou final do século retrasado. Foi bem nessa época.
P/1 – E você sabe como foi o nascimento dos seus pais?
R – A data de nascimento?
P/1 – É, a história de nascimento.
R – Então... O meu pai nasceu aqui. Ele vem de uma família de mais de… Deixa eu ver, ele era o único homem, o mais jovem - um, dois, três, quatro irmãs, quatro tias minhas, com o papai. Aí, uma delas ficou muito doente e os médicos aqui do Brasil recomendaram ao meu avô que tentasse a medicina na Europa. Então ele estava muito bem, porque apesar dele ter vindo como imigrante, ele não foi para a zona rural, ele era empreiteiro. Então, com o material que ele doou... A igreja Nossa Senhora do Brás foi feita por ele, com a doação dele. Então ele estava relativamente bem de vida, já tinha alguns imóveis no Brás, que era o reduto dos italianos naquela época. Todos os italianos iam… A maioria para o Brás e um pouco mais para a Mooca, também. E aí, então, toda a família foi para a Europa tentar solucionar o problema dessa minha tia e ela veio a falecer lá, não teve solução nem com a medicina da Europa. O meu avô voltou para cuidar dos negócios. Isso foi na Primeira Grande Guerra, que foi no início do século passado, não é? E papai era adolescente, devia estar com uns quinze anos, por aí, dezesseis. E o meu avô voltou. E eu não sei como, a minha vó ficou sabendo que ele estava fazendo muita bobagem aqui. Pelo que eu soube, que as minhas tias me contaram, ele doou os imóveis para os Mórmons, simplesmente. E aí, as minhas duas tias voltaram, duas delas - uma faleceu - duas voltaram para ver o que o meu avô estava aprontando aqui. Chegaram aqui, tiveram até que pagar dívidas dele. Foram trabalhar. Naquela época, trabalho para mulher era ou ser telefonista ou trabalhar em fábrica. Então uma das minhas tias, que tinha mais assim ligações com a Arte - tanto que ela cursou, na Itália, a Escola de Belas Artes, se formou - ela foi trabalhar como telefonista. E a minha outra tia foi trabalhar numa fábrica de tear. Para pagarem as dividas do meu avô. E o meu pai ficou preso na Itália, porque apesar dele ter nascido no Brasil, filho de italianos, não deixaram ele sair da Itália, porque ele poderia servir na Guerra. Então, minha vó ficou com ele, essas minhas duas tias voltaram, deixaram os grandes amores lá e depois... Eu tenho até correspondência delas com esses amores; e depois perderam o contato, provavelmente morreram na Guerra, porque eles foram servir. Italianos eram, não é? E elas ficaram solteiras e se dedicaram aos sobrinhos, que mais tarde você vai saber.
P/1 – E aí, quando o seu pai voltou para cá?
R – Eu não sei exatamente o ano. Essas datas eu não sei, mas depois o papai voltou para cá e casou com mamãe e teve todos os filhos aqui no Brasil. Eu tive três irmãos - uma faleceu com oito, nove meses, de crupe. E minha irmã mais velha ainda vive, ela é dez anos mais velha do que eu. Meu irmão já faleceu também e agora somos só eu e ela, não é? Eu era a caçulinha.
P/2 – Seus pais se conheceram aqui no Brasil?
R – Aqui no Brasil.
P/2 – Como foi?
R – Quanto tempo… Eu não entendi a pergunta…
P/2 – Como seus pais se conheceram?
P/1 – Como os seus pais se conheceram? Você sabe a história?
R – Não. Como se conheceram eu não sei. Mas nunca minhas tias comentaram isso comigo. Como eles se conheceram eu não sei.
P/1 – E quais os nomes deles? Dos seus pais?
R – Antônio Guilherme Rossi e a minha mãe, Celeste Bertoletto Rossi. Como a família da mamãe sempre foi uma família mais desunida, ao contrário da família do papai, com a qual eu tive muito mais contato, Bertoletto ficou uma coisa que ninguém sabe direito. Aí, quando a mamãe precisou do RG... Porque não tinha, não é? Era só Certidão de Nascimento. E eu fui com ela, eu marquei assim: Celeste B. Rossi. Porque a gente não sabe se é Bertoletto, Bortoletto, sabe? É uma confusão, ninguém sabe. Então eu fiz assim (risos).
P/1 – E você tem algum costume, algum hábito, alguma comida italiana da origem da sua família?
R – Bom, o forte assim... A mamãe fazia massa em casa. Então, é muito diferente aquela massa fresca. Mesmo hoje, se você compra em rotisseries boas e que fazem massa fresca, não é igual à da mamãe.
P/1 – Cozinhava muito bem…
R – E quando ela ia cortar, tinha a maquininha para cortar mais fininha, mais largo, e tal. Eu gostava da mais larguinha. Eu sempre pedia para ela cortar mais larguinha.
P/1 – Qual era o seu prato preferido?
R – Quando menina, assim?
P/1 – Uhum…
R – Acho que não tinha. Eu não era muito ligada com comida, inicialmente.
P/2 – Como você descreveria os seus pais? O seu pai e a sua mãe?
R – Como eu poderia descrever? O papai, uma pessoa muito autoritária. Ele tinha mais cultura que a minha mãe. Mas, com muita dificuldade de se expor. Então, quando eu morei no Rio de Janeiro, que vocês vão depois saber mais tarde, ele escrevia e eu sabia que para escrever uma frase ele demorava horas, uma letra muito linda, tal. E a minha mãe, que estudou muito pouco, escrevia assim sem pontuação. Você tinha que ler assim: “Uuuuuuu…”. Mas colocava assim muito espontânea. Mamãe, eu acho que tinha muito dom artístico, não é? Ela era muito mais assim... Muito mais expansiva.
P/1 – E o que os seus pais faziam?
R – O meu pai tinha um café, em sociedade com um tio, casado com uma das irmãs. Lá pertinho do largo São Bento, chamava Rubiacia. Então ele tinha essa sociedade. Aí, depois, eles venderam esse café e, mais tarde, ele comprou um restaurante em Campinas, que depois eu posso contar como ele comprou esse restaurante. Que eu soube não faz tanto tempo assim.
P/2 – Pode contar.
R – Posso contar então. Quando eu entrei no Ballet do IV Centenário eu tinha quatorze anos. Entrei como estagiária, mas já com salário. Mas não demorou muito, o maestro Millos acabou com essa história de estagiário, aspirante; então, ficamos todos corpo de baile. Então eu tinha um salário como estagiária, logo em seguida o meu salário foi aumentado para corpo de baile. Isso em dois anos e meio que eu estive na Companhia. Então, eu passei para corpo de baile, depois eu… Eu era corpo de baile com papéis de solista, então já recebi um aumento. Depois eu passei a solista, já teve aumento. Depois eu passei a solista com papéis de primeira bailarina, teve aumento. E como a minha vida era só dançar, mais nada, eu entregava todo o meu salário para o meu pai. E com tudo o que eu ganhei, ele entrou em sociedade nesse restaurante em Campinas. Paralelamente, quando eu entrei, como a minha irmã tem mais dez anos, a minha irmã começou a carreira dela de professora no Colégio Visconde de Porto Seguro, que era lá na Praça Roosevelt, ainda. Agora eles estão no Morumbi, com… Muito grande. E era um colégio particular, acho que o que melhor pagava. E eu ganhava mais do que ela então… Porque o nosso dinheiro mudou tanto, real, não sei o quê, não sei o quê, que fica difícil dizer quanto. Mas esse paralelo eu tenho, que mesmo não sendo corpo de baile ainda, eu já ganhava mais, o meu salário era maior que o dela. E com isso, o papai… Eu fiquei sabendo depois de muito tempo. Porque eu não queria saber, eu dava o dinheiro para ele, sabe? O meu negócio era dançar e acabou.
P/1 – E voltando um pouquinho para a sua infância, você lembra a casa em que você passou a sua infância?
R – Sim! Eu mudei para essa casa acho que eu deveria ter um ano, dois anos. E fiquei nessa casa praticamente até assim... Com uma interrupção, porque eu fui para o Rio, eu fiquei até uns dezesseis, dezessete anos.
P/1 – Onde era?
R – No Brás. Na rua Manoel Vitorino, 209. Ainda lembro do número (risos).
P/1 – E como era a casa?
R – A casa era… Essa rua, a metade dela era de casas e depois, a outra metade, era a Indústria Matarazzo, de tecidos. Então, eram casas simples, havia porão e o porão tinha ligação até com essa fábrica, toda assim. Então, era um problema porque tinha rato, essas coisas. Uma casa bem simples, eu me lembro de que quando chovia, chovia no quadro de luz, a gente colocava balde assim, porque pingava, tinha sempre muita goteira. Mas analisando hoje, eu sinto muitas saudades, porque era uma vida muito simples. O tempo, naquela época, rendia mais, sabe? Tudo era mais lento. Hoje em dia, você tem tantas coisas, tantos assuntos e você ganha melhor... Aí, eu tenho filha que mora na Europa, preocupação de ir para a Europa, sabe? Não, era tranquilo. Eu sinto muitas saudades dessa simplicidade da minha vida. Agora é tudo muito mais complicado, eu acho.
P/2 – E você falou que o tempo rendia mais naquela época…
R – Fale mais alto porque eu estou meio surda.
P/2 – Você falou que o tempo rendia mais naquela época. O que você fazia nesse tempo?
R – Nessa época... Então... Quando eu era menina, que eu morei nessa casa, eu estudava. Primeiro chamava-se Escola Padre Anchieta… Não, depois ficou Instituto Educacional Padre Anchieta, que eram as duas melhores escolas de São Paulo, que tinham ligações com a Caetano de Campos, que eram escolas do governo. Eu estudei pouco, porque quem entrou no Ballet do IV Centenário teve que largar os estudos. O nosso horário… Começava a aula às nove ou nove e meia e ia até às duas. Depois da aula tinha ensaio. Voltávamos às quatro e saíamos às nove, nove e meia da noite. Então, não tinha um período para estudar. Eu larguei os estudos quando passei para a oitava série. Eu não completei o colegial. Se vocês me perguntarem se eu me arrependo, não. Nem um pouco. O meu marido diz que eu escrevo melhor do que muitas secretárias com Faculdade. Eu acho que porque, naquela época, o ensino era melhor. Eu não era uma aluna exemplar assim, mas…
P/1 – E como era a sua rotina quando você fazia tudo isso? Estudava…
R – Então... Eu estudei nessa escola. Eu entrei, na verdade... Entrei no primeiro ano, no primário, no segundo semestre, porque eu fazia anos em julho. Mas aí eu não sei como conseguiram... Porque a prima de papai, que era vizinha nessa rua Manoel Vitorino, ela era formada professora e ela que me alfabetizou. Só que eu já tinha maturidade, então passei para o segundo ano, consegui passar para o segundo ano primário. E aí, no segundo ano primário, faltou um pouco mais de base do primeiro ano e eu repeti. Quando eu repeti, me puseram para o período da tarde e, com isso, eu não poderia ir ter as minhas aulas de ballet com Maria Olenewa, que era à tarde. Então eu sai da escola e fui estudar num colégio de freiras chamado Santa Rita, perto da minha casa. Eu ia também a pé e fiquei um ano lá estudando. E aí eu tirei de letra, porque a Escola Padre Anchieta era mais forte que o Colégio Santa Rita e eu já estava com mais maturidade. Então, foi tranquilo esse ano na parte de estudo, e aí mudei para um colégio chamado… Daqui a pouco eu lembro. Também perto de casa, para eu continuar com os meus estudos de ballet. Por conta disso é que eu tive essa mudança na escola. Aí, eu fiquei com Madame Olenewa até o ballet do IV Centenário. Parei os estudos quando estava com quatorze anos. Não só eu, minhas colegas. Porque eu era a mais nova, mas as mais velhas, assim, diferença de um ano, muitas dois anos. Aí, depois, tinha outras com bem mais idade, não é?
P/2 – A senhora pode contar um pouquinho do início do ballet? Foi junto com a escola?
R – Isso. Como eu comecei? Então... Como eu morava no Brás, reduto de italianos, talvez por conta dessa tradição europeia, a maioria das casas tinha piano. Era comum estudar piano ou, mesmo que não estudasse, tinha piano. E a minha irmã, mais velha que eu, já estudava piano. Então, nas festinhas dos vizinhos, de aniversário, tal, tal, a minha irmã tocava e pediam para eu dançar. O que eu fazia, eu não tenho a menor ideia. E não havia televisão para eu poder copiar. Talvez... Não sei se eu ia ao cinema, porque só podia ir ao cinema com cinco anos de idade. E se eu comecei com sete na Madame Olenewa, eu deveria estar com uns seis anos, por aí, quando me pediram isso. Quem sabe eu vi em algum filme, alguma coisa. Eu sei que eu dava uma de Isadora Duncan, sabe? Improvisava (risos), e sempre me pediam. E a minha irmã tocava. Abriam uma roda e me pediam para eu dançar, pequenininha desse jeito. E aí que viram que eu tinha talento para isso. Foi assim na minha infância, não é?
P/1 – Quantos anos a senhora tinha?
R – Ah, eu tinha… Deveria ter seis anos, por aí.
P/2 – A senhora falou que tinha uma tia que era ligada com Artes. Ela teve alguma…
R – É, então... Essas duas tias que voltaram para cá, uma delas, que foi a que estudou na Escola de Belas Artes - fez o curso completo - ela era bem ligada às Artes. Tanto que ela levava… Ela e a minha irmã iam ao Teatro Municipal, concertos, óperas, tudo! Eu era ainda muito pequena. E num desses espetáculos... As mulheres, nessa época, iam com chapéu ao Teatro Municipal. E a minha irmã, ainda muito jovem também, adolescente, estava sentada atrás de uma… Na plateia do teatro uma pessoa que estava com um chapéu muito grande e ela falou baixinho: “Titia, não vou enxergar nada”. Essa senhora se virou e disse: “Não se preocupe, quando começar o espetáculo eu vou tirar o chapéu e aí você vai poder enxergar tudo direitinho”. E começaram a conversar, e não sei, nessa conversa minha tia disse que tinha uma sobrinha que tinha jeito para dança. E ela recomendou, então, uma professora. Minha tia tomou nota do endereço, chamada Maria Saltenis. E foi com dona Maria Saltenis que eu comecei a estudar perto da igreja, ali perto do Largo do Arouche, que eu esqueci o nome dessa igreja. Na casa dela tinha uma sala... Como ela era lituana, tinha uma mentalidade mais europeia, o filho estudava dança na Escola Municipal de Bailados. Então eu comecei a estudar com ela, ela viu que eu tinha jeito e recomendaram que eu fizesse um teste para entrar na Escola Municipal de Bailados para estudar com a Madame Olenewa. Aí eu fiz esse teste, entrei com a melhor nota e fiquei lá com a Madame Olenewa e também com dona Maria Saltenis, tendo aulas com a Olenewa e com a dona Maria. E na Escola Municipal eu fiquei praticamente só um ano, porque Madame Olenewa já naquela época... Quem era o prefeito era o Prestes Maia, ele ia mudar, ia entrar um novo prefeito e eles mudam toda a equipe. E antes que ela fosse demitida do cargo, ela pediu demissão e abriu a sua escola particular. Como eu era de família pobre... Mas eu me lembro assim, mais ou menos da conversa, a Olenewa me deu meia bolsa. Então eu fui com ela e, durante muitos anos, quem pagou os meus estudos foi essa minha tia ligada à Arte. Porque o meu pai não queria saber, achava… Aquela mentalidade: bailarina é prostituta, não é? Então, depois que ele viu que a filha sempre tinha destaque, tinha essas críticas, enfim, tudo isso, ele começou a ficar um fã. Aí levava amigo para ver a filha dançar. Até que um dia a minha tia falou: “Agora você paga” (risos). Foi assim, mais ou menos, não é?
P/1 – E quantos anos a senhora tinha?
R – Então... Quando eu fui para a Escola Dona Olenewa, eu já deveria estar com uns sete, oito anos, porque se eu entrei na escola, só podia entrar com sete, não podia ser com menos, então eu já estava com oito anos quando ela abriu a escola particular dela que ficou, até mais recentemente, na rua Rego Freitas, perto do Largo do Arouche.
P/2– E nessa época, você já se apresentava?
R – Sim, sim! Porque, na verdade, quando eu comecei a estudar com dona Maria Saltenis, que o filho era bailarino, ele estudava no Colégio Anglo Latino, e no final do ano era comum, na colação de grau, fazerem um… Eles iam para um teatro, eu me lembro, na formatura da minha irmã foi no Centro Professional Paulista, que eu dancei também. Então assim... Uma aluna que estudava canto, cantava; outra que tocava piano, tocava. Era um advertisement, vamos dizer, para comemorar a formatura. Sempre tinha isso, que não é mais comum. E assim... Eu imagino que ele tinha estudo de graça no Colégio Anglo Latino. Em troca, ele e a mãe tinham que organizar isto. Então, eu estava com um mês de estudo, porque eu comecei tarde com eles e já entrei junto com umas crianças que eu não sei de onde eram, a dança holandesinha, que eu não trouxe a foto mas eu sei que tem uma foto, sim. Eu lembro até como é que era a música - a gente tocava e dançava: [cantando] “Como nós somos holandesinhas, com a nossa veste original…” (risos). Era assim. Então, eu achando tudo estranho aquilo. E isso era um teatro que vocês não conheceram, muito interessante, mas que na rua da Consolação, onde tem os Zarvos ali, tinha a sala vermelha e a sala azul, era cineteatro. Uma era grande e a outra era menor. E como todo cineteatro, passava filme lá. Então, a boca de cena bem larga e menos fundo. E depois, através deste espetáculo que tinha que ser no final do ano, já me puseram ponta, eu já dancei um solo que hoje eu mostro para as minhas alunas adiantadas, que não aguentam. Esse solo, eu não sei como que eu conseguia dançar aquilo, porque tinha tudo de difícil, tudo! E que começava no meio do palco, não é? Então, eu tinha que entrar... Mas eu me lembro - como se fosse neste momento - andar até o centro, que era uma boa caminhada porque o palco era assim, fazer a minha pose para dançar. E, lógico, hoje quando eu vejo meninos e meninas dançando, eu acho uma graça. E para entrar e chegar, eu escutava que a plateia ria. Claro, pequenininha, com titia andando assim e fazendo assim. E eu ficava uma fera: “Por que estão rindo?” E eu não esqueço! Eu não gostava: “Por que estão rindo?” (risos).
P/1 – E como foi para você o seu primeiro dia de aula de ballet?
R – Então... O meu primeiro dia de aula, eu lembro que eu subi numa escada, eu fui nessa salinha na casa de dona Maria Saltenis e ela ia me pedindo as coisas e eu ia fazendo, e foi aí. Eu nasci com aquilo que a gente chama de andeor. Andeor é essa abertura, eu tenho ela muito boa para a dança. Então, eu esticava o pezinho assim, na frente, e já o colocava bem andeor. Foi aí que ela viu que eu tinha condições físicas favoráveis para o ballet.
P/1 – E você gostou logo de cara? O que você sentiu?
R – Eu gostei logo de cara, já gostei sim. E é isso. Depois eu entrei na Escola Municipal, dancei “Flocos de Neve”, aí depois a Madame Olenewa saiu, na escola eu dancei a “Dança das Horas”. Foi quando ela montou... Porque, primeiramente, eu fui solista da parte da tarde e depois eu fui a tal da Princesa ao Luar.
P/1 – E como você se sentia antes de entrar para o espetáculo?
R – Como é que eu vou explicar? Eu não sei assim, exatamente. Eu gostava do que eu estava fazendo, mas não sei explicar. Era uma coisa que… Mais ou menos eu ia na onda, sabe? Não ficava pensando muito assim. Mas depois eu sempre tive destaque, não é? E a Olenewa foi sempre muito interessante na parte assim... Porque a escola, tecnicamente falando, que a Olenewa ensinava, era a escola russa, mas antiga. Já era antiga, porque a dança nesses últimos cinquenta anos evoluiu muito, não é? Houve uma diferença muito grande. Quando eu entrei no Ballet do IV Centenário, a gente já percebia que a escola, tecnicamente falando, da Olenewa, era uma escola antiga. Porque o Millos veio já com toda uma educação europeia, trazendo escola da França, escola italiana, que ele abocanhou e fez aquela mistura, então já era muito estilo Chequetti, que hoje em dia está voltando. Nos Estados Unidos agora, a Escola do American Ballet - ABT - adora toda a matéria do Chequetti. O Chequetti, que foi para a Rússia também e lançou o seu método, não é? E foi com o que, no IV Centenário, eu tive muita influência dessa escola, já ali. E uma coisa que eu acho que aconteceu, muito boa comigo - não sei se é mérito ou não - é que sempre eu fui primeira bailarina infantil, primeira bailarina juvenil... Aí, Madame Olenewa perdeu todas as suas alunas mais adiantadas, moças, me pôs para fazer papéis muito até maduros demais para a minha idade, então entrei no Ballet do IV Centenário e fui, pá, pá, pá… Não é? E eu lembro bem, porque o meu primeiro exame no Ballet do IV Centenário, que foi no Teatro Cultura Artística, na Comissão estava o maestro Millos, que era o diretor; Nicanor Miranda, que era o crítico de dança. Como não existia Companhia nenhuma, ele fazia críticas das escolas, que eram de Olenewa, dona Lina Bernaca, Kitty Bodenheim, Maria Melô, _____00:34:29_____, que eram as escolas. Carmen Brandão... As escolas mais importantes de São Paulo. E o Nicanor Miranda, como eu era sempre solista, primeira bailarina, fazia papéis, ele sempre me elogiava muito. E quando eu soube que ia acontecer essa Companhia foi no final... Em dezembro de 1952. E aí a Madame Olenewa já tinha uma viagem marcada e deixou a chave com a Edith Pudelko - que já era uma moça tarimbada, tinha sido do Ballet da Juventude, e que não tinha saído com o grupo das moças, tinha permanecido - a chave da escola. E então a Edith abriu para que nós fizéssemos a aula e nos preparássemos para o exame. E aí vieram alunos de outras escolas e, como Madame Olenewa tinha uma escola antiga, eu comecei a observar que as outras bailarinas cuidavam do quadril, isso, aquilo, coisas que eu nunca tinha nem escutado falar. E eu comecei a me sentir um lixo! Muito. Eu fiquei assim apavorada de não ter esse conhecimento. E, inadvertidamente... Não tive, também, quem me orientasse, esse primeiro exame, que foi no Teatro Cultura Artística, você tinha que dançar uma variação, e eu escolhi uma variação de Sylphides, que só tinha saltos, saltos e saltos. E o teatro tinha um defeito: se você jogasse um lápis, ecoava. E eu pus um sapato novo, Capezio, duro toe, duro, e cada salto que eu dava fazia aquele barulho. Eu fui me intimidando e não fiz o exame legal. Eu sei que não fiz. E sei que passei para a segunda fase porque, na banca, estava o maestro Ítalo Izzo, que me conhecia. Porque os espetáculos de escola eram com orquestra ao vivo e ele que regia. E por causa do Nicanor Miranda, que fazia críticas muito boas minhas, quando criança. Aí, saiu no jornal uma lista que eu logo percebi que era a turma boa e eu uma mixuruquinha lá. Mas Deus me deu uma cabeça, sabe, que, para mim, o importante era dançar, não era ser primeira bailarina, solista, isso ou aquilo. Tanto é que quando eu fiz o segundo exame, a mixuruquinha, eu fui muito melhor e quando eu saí, eu me lembro também... Agora eu estava assim, o Nicanor veio de um outro corredor falar comigo: “Neyde, olha, a gente gostaria muito…”. Assim, delicado para mim: “Muito da sua presença na Companhia e, olha, eu tenho ainda uma vaga para estagiária de primeiro grau”. Mal sabia ele que eu estava nas nuvens e ele preocupado porque eu sempre primeira bailarina, primeira bailarina não ia querer começar do nada. E eu estava assim, mais do que delirando. Porque eu tinha certeza de que eu não tinha entrado, que o meu exame tinha sido muito ruim. E aí eu fui galgando assim, e isso muito porque Madame Olenewa, ela falava assim: “Bailarina tem que saber todos os papéis, porque se acontecer qualquer coisa, alguém se machucar, não sei o quê, e o diretor ou o coreógrafo, ou o professor perguntar: ‘Quem sabe o papel?’, você fala…”. Ela fazia assim, parecia um Exército. “… ‘Eu sei’”. Eu não fazia de propósito. Não sei se aquilo ficou na minha cabeça... Veja bem, no IV Centenário foram dezessete ballets, muitos deles com toda a Companhia - cinquenta pessoas em cena muitos deles. E eu ficava… O que eu dançava, não é? Eu ficava assistindo aos ensaios dos ballets também que eu não dançava. e eu me lembro muito bem de que tinha uma solista, na Primavera, no Ballet Quatro Estações... Eu fazia corpo de baile... Não sei o que aconteceu, faltou, e o Millos perguntou se eu podia fazer. E eu sabia tudo e era uma coisa complicada, porque era ela sozinha com quatro rapazes. Então eu dançava com um, dançava com outro, vinha para lá… E eu sabia tudo, nem eu sabia que sabia tudo. Aí, a Diador, que fazia o papel principal nesse ballet Quatro Estações... Tinha dois Pas de Deux, um solo e mise-en-scéne dela. E ela faltou. Mas eu acho que foi de propósito, porque depois ela apareceu e assistiu. E eu morri de vergonha. E eu sabia tudo. Os dois Pas de Deux, o solo. Tanto é que depois, quando ela ensaiava, que ela esquecia, eu ficava atrás. Depois disso, ela olhava para mim (risos), eu que ensinava. Aí aconteceu, na renovação do contrato, que a Edith Pudelko casou, e ela não renovou o contrato. Ela era primeira bailarina, assistente de professora do Millos, não é? E o Millos tinha montado até um ballet, mais ou menos de última hora, e que eu assisti ao ensaio, mas eu não era substituta dela, eu era substituta de uma outra personagem menos importante, não é? E aí chamaram Bertha Rosanova, do Rio de Janeiro, para substituir a Edith Pudelko. E quem sabia tudo? Eu. E era um ballet muito complexo, vinte e cinco minutos em cena. Nem o maestro Millos sabia. Tanto é que a única vez que eu faltei foi porque o meu irmão casou numa quinta-feira de manhã e eu faltei de manhã. Como não houve recepção e nem nada assim, à tarde eu fui trabalhar. E quando eu fui assinar o meu ponto, a secretária, dona Maria José, me disse: “Neyde, o maestro nem conseguiu trabalhar porque você não estava aqui”. Então, ele começou a me chamar de arquivo coreográfico, porque eu sabia tudo: os papéis masculinos, os papéis femininos, tudo! Eu sabia.
P/1 – Sem ensaiar? Só de ficar observando?
R – É, um pouco porque Olenewa acho que ficou... Mas eu não fazia de propósito: “Eu vou aqui para aprender”, sabe? Não era assim. Eu assistia e eu sabia. Não sei, acho que eu ficava tão concentrada, dedicava toda a minha energia para aquilo, eu gostava tanto, eu
odiava quando a gente tinha domingo de folga, não via a hora que chegasse segunda-feira para trabalhar. Com essas substituições, é interessante que mesmo os ballets com sapato de ponta, o Millos não exigia que a gente ensaiasse com ponta. Porque muita gente se repetia muitas sequências, ainda mais que os rapazes eram bem difíceis naquela época, não é? Porque ele montou uma companhia em cima só de amadores.
Não era como no Rio de Janeiro, que era uma Companhia já antiga e que tinha tradição. O que a gente chama de tradição? Sai um ou dois elementos, entram dois novos, mas eles acompanham uma Companhia que já dançou aquilo várias vezes. Então você se encaixa e já vai abordando todo o esquema daquele ballet, não é? Era tudo novo. E os rapazes eram muito fracos, mesmo porque naquela época muitos poucos estudavam, do corpo de baile. Então, a gente repetia muitas vezes também isso. E aí eu substituí na ponta, eu senti que estava com a ponta fraca, porque a gente não trabalhava muito na ponta. Aí, eu e a Márica, além do que nós trabalhávamos... Eu voltava para casa, na hora do almoço, deitava e dizia para a mamãe: “Dez minutos, você me acorda”. Eu voltava para o ballet. Eu e ela numa sala, sozinhas, trabalhávamos a ponta. Que foi uma loucura. Tanto é que na morte do Ismael Guiser, no velório, ela foi, ela estava saindo, ela me abraçou e falou: “Neyde, só nós sabemos o que nós trabalhamos sozinhas”. Muito, muito, demais! Demais mesmo. Aí, o que aconteceu? Eu saí antes de terminar, a Márica ainda ficou aqueles três meses com a Companhia, fui para o Ballet Museu de Arte, que você já viu algumas fotos, o ballet durou só aquele semestre e aí, fomos para o Rio. No Rio, o que aconteceu? Voltei para corpo de baile, nem tchuns… Absolutamente! Isso me veio à mente por conta de festivais, contatos que eu tive com bailarinas que precisavam enfrentar essa situação que eu enfrentei. E aí, eu comecei a pensar: ‘Puxa vida, que bom que eu tive essa cabeça, não é? Porque eu poderia ser uma metida e não admitir: “Imagine, vou começar de baixo outra vez”. Como é a mentalidade de muitos por aí. Então, eu sempre estimulei alunos, e mesmo alunos não tão conhecidos, de que isso não é importante. O importante é você crescer. E fiquei um ano lá só, por conta da saúde de papai e porque eles atrasavam muito o salário. Apesar de pagarem, mas atrasavam. E eu tinha que pagar o aluguel, e essas minhas duas tias foram para lá comigo, senão o meu pai não deixaria. Então, era uma vidinha muito simples. Nessa época, o Jhonny Franklin, que era o primeiro bailarino, me convidou e convidou a prima da Didi, Cléa - que tem uma escola muito boa no Rio Grande do Sul - a fazer um programa de televisão aos domingos. E pagavam muito pouco mesmo. Eu sei que depois de dois meses de programa de televisão, eu reuni o que tinha e sabe o que comprei? Meia soquete. Imagine! Nas Casas Olga, que acho que é uma casa que ainda existe lá no Rio. Aí, depois, trabalhei mais não sei quanto tempo, juntei um dinheirinho e tinha uma malha assim para meia estação, numa loja lá que eu era apaixonada, bom, comprei a tal da malha. Na semana seguinte, entrou na liquidação pela metade do preço (risos). Que ódio (risos)! Então... Mas aí, no Rio, eu fui muito bem recebida pelos meus colegas, eu me dou muito bem com os cariocas, eu me divirto muito com eles, eu não tenho uma queixa, sabe, eles foram realmente muito amorosos comigo. Eu tive um problema de alergia lá, eu não podia pôr sapato de ponta porque eu tinha um eczema aqui e se eu pusesse sapato de ponta aquilo molhava a sapatilha e tudo. Aí, uma das bailarinas recomendou… Porque alergia não era uma doença muito comentada na época, não é? Me recomendou um médico, sobrinho do Monteiro Lobato, chamado Saião Lobato, pertinho do teatro. Aí eu fui lá e fiz testes. Então, eu não podia com leite e derivados e, na hora do almoço, a gente costumava ir a leiterias, porque tínhamos uma hora só de intervalo, não dava para almoçar, então eu tomava vitamina que, em geral, ia laranja… Eu adorava laranja, não podia. Aí, quando ele desmembrou carne, eu falei: “Bom, agora eu não sei o que eu vou comer, não é?” Graças a Deus era frango, deu assim uma erupção, que eu tinha nojo de frango. Ele falou: “A sua alergia é tão forte que, por isso é que você tem assim essa repulsa ao frango”. E aí, a minha tia, que era farmacêutica também - essa da Arte - tinha uma farmácia em frente à Escola Padre Anchieta, lá na Avenida Celso Garcia. Ela aplicou, durante todo aquele ano, noventa e oito doses intradérmicas - ia buscar a vacina - aqui na minha perna. Aí eu perguntei, no final do tratamento, se nunca mais eu ia poder… Ele falou: “Daqui um ano, tome leite. Mas ponha bastante café, porque o café vai neutralizar”. E hoje em dia eu posso com leite e derivados, laranja, frango. É assim: eu olho, se tudo bem, eu como; se não, eu não como. Se eu acho que naquele dia… Sabe? Mas não frango, frango assim. Um estrogonofe de frango, que está meio disfarçado, assim, eu ainda tolero, não é? Mas também pouco. E aí, eu estava com esse problema e que, graças a Deus, depois foi solucionado através disso. E a Companhia, como eu era nova, veio fazer uma turnê aqui para São Paulo e eu não vim. Eu fiquei lá e fiquei com dona Marília Gremo e mais os últimos que tinham sido contratados. E era temporada lírica internacional, e aí eu comecei a fazer papéis bons na parte de ópera, quando tinha dança solo, e tudo. E aí surgiu a ópera Aída, que tem o escravo e a escrava - em geral, são pintados de dourado - e era eu para fazer. E eu não podia me pintar de dourado. Aí, acharam que eu poderia pintar de bronze. Então, eu pedi para um bailarino que estava apaixonado por mim, que fizesse uma campanha junto aos colegas para dizer: “Ela é muito nova na Companhia e não pode dançar esse papel”. Porque lá tinha isso, sabe? De solista e de principal. E ele fez e veio me dizer que as bailarinas diziam: “Ah, ela é tão boazinha, deixa ela dançar” (risos). E assim eu não escapei, tive que me passar uma base escura para entrar de bronze para dançar o tal do papel principal. E eu fiquei só um ano lá, mas eu percebi que já estava ganhando alguns papéis. O que aconteceu? Foi um ano dos melhores que essa Companhia teve, porque como o Ballet do IV Centenário acabou estreando no Rio, em dezembro, porque o ano do centenário da cidade já estava acabando e o Teatro Municipal não ficava pronto, e a nossa cenografia era uma cenografia grande e não dava para qualquer lugar, a Comissão deu uma verba para acelerar as obras do teatro e essa verba sumiu, ninguém sabe o que aconteceu com a verba. Puseram no bolso ou na cueca de alguém, com certeza. E aí então, nós acabamos estreando todos os ballets… estreamos aqui, o Millos montou um ballet a mais, com três ballets, foi improvisado no Pacaembu, no ginásio de esportes, onde tem a quadra de basquete, um palco em quatro dias, quatro noites, forraram tudo com pano azul claro, puseram lustres de cristal e as cadeiras para que nós estreássemos aqui em são Paulo, justificássemos o motivo. Só com três e fomos estrear tudo no Rio. E o Rio estava acomodado e, de repente, eles viram aquilo e aí, no ano seguinte, no outro ano, que foi quando eu fui para lá, o Rio quis dar a resposta a São Paulo. Então contratou Léonide Massine, que era o nome depois de Nijinsky, era o nome, o grande nome na época para montar coreografias e tal, o ___00:54:16___, que era um russo radicado nos Estados Unidos, do nível de Balanchine. Aí contratou ____00:54:23______. Bom, enfim, eu tive a sorte de estar lá. Aí, o Léonide Massine montou “Capricho Espanhol” e, no papel principal, que era um casal, estava a Bertha Rosanova como primeiro casal, depois tinha a Rosemeire Brantes, e eu era o terceiro casal. E ele me chamava de Medusa, não sei por que, acho que Neyde era muito difícil. Medusa não sei o quê. Aí, um dia, nós fomos para o palco, então, sem cenografia, sem nada, tudo aberto assim. Então o primeiro casal lá, o segundo casal lá e eu era o último, com o Carijó. E começou a dança. A única que sabia quem era? Eu. Aí, os dois casais da frente pararam, porque não sabiam a coreografia, e eu sabia. E com esses detalhes é que eu ia chamando a atenção, tanto é que eu soube que o Millos dizia que eu era o melhor elemento, eu não era a melhor bailarina, não era assim. O elemento, a pessoa que produzia. Na despedida que eu tive dele, no navio, ele falou que iria me chamar para remontagem, porque ele ia para Milão. La Scala de Milão. Coisa que ele nunca fez. Mas também eu fico pensando: ‘Gente, eu tinha quinze anos. Como é que eu ia para uma Companhia com quinze anos?’ (risos) Acho meio difícil de acontecer. Mas, enfim, ele falou isso. Então, saindo do Municipal do Rio, eu tive que sair por causa da parte financeira, voltei para São Paulo e fiquei no ballet do Teatro de Cultura Artística, que era no próprio teatro. Nós tínhamos até o palco para ensaio quando necessário, não é? Que foi dirigido pelo Lívio Rangan, que eu falei para vocês, ele foi o precursor da moda, porque ele trabalhava para a Rhodia, a Rhodia lançava fio Rhodianyl, que fabricava depois os tecidos de nylon, enfim, tudo isso. E ele trazia expoentes que, depois, ficavam conosco. Então veio _____00:57:20_____, Oleg Briansky,
que era, junto com Margot Fonteyn, as duas principais, não do Royal Ballet... Naquela época chamava-se Sadler’s Wells. Depois vieram os principais da Ópera de Paris dançar conosco e o ____00:57:41____, que era a estrela lá na Companhia, dançava o Pas de Deux de Romeu e Julieta, coreografia de Sergio ___00:57:48____ com Verônica Milakar, que era do grupo, pequeno grupo. E aí, ele passou para mim e para o Raul Severo, que era o primeiro bailarino do IV Centenário, primeiro bailarino do Rio, depois primeiro bailarino do __00:58:03____, um bailarino e tanto, tipo Baryshnikov. Limpo, com uma técnica fantástica, meio baixo e tudo. Mas ele machucou depois o joelho e não pôde acho que se lançar internacionalmente. E aí, eles que passaram a coreografia que nós ficamos dançando aqui, de Romeu e Julieta, de Sérgio ___00:58:26____. Nossa, eu estou pulando coisas, não é?
P/1 – Então... Só para a gente resgatar assim, você foi para o Rio com o IV Centenário ou não?
R – Sim. A primeira vez que eu fui dançar no Rio foi com o ballet do IV Centenário.
P/1 – E como foi essa ida para o Rio?
R – Essa ida para o Rio foi maravilhosa, porque nós pudemos estrear tudo e é sempre assim... Por exemplo, muitas vezes ocorre que um ballet, em sala de aula, você acha que vai fazer o maior sucesso. E um outro que você acha que nem tanto, às vezes acontece ao contrário. E eu me lembro de que na “Loteria Vienense”, que eram dois quadros, no primeiro ato era num monte de gente dançando, eu era uma que dançava com um rapaz. Quando abria a cena, nós dançávamos aquilo, aquilo e aquilo e eu achava aquilo nada. Tivemos que bisar. Para a nossa surpresa, sabe? Nossa, bisar isso aqui? Tivemos que bisar, porque não deixaram... Enquanto a gente não bisou aquela parte. E quando eu fui para o Rio, eu dancei… Eu era solista na Ilha Eterna, que foi um ballet que ele montou para ser dançado no Pacaembu, porque as outras não cabiam. E dancei no papel da Lia Marques, na Fantasia Brasileira, no papel dela. Eu ensaiei... Sempre eram quatro baianas, eu nunca dancei essas baianas. Eu substitui a Lia Marques, aqui em São Paulo, depois eu substitui Edith Pudelko, quando a Edith Pudelko saiu, que eram as principais, não é? E baiana que é bom, nunca (risos), nunca dancei. Mas o Ballet do IV Centenário se originou… Acho que isso é importante eu falar, para as comemorações dos festejos da cidade de São Paulo. E a Comissão, que primeiramente era encabeçada por um dos Matarazzos, que depois saiu e ficou o Guilherme de Almeida no lugar, eles acharam por bem montar essa Companhia de dança para reunir os melhores artistas plásticos e os nossos músicos. Tanto que, em cada programa, obrigatoriamente, tinha que ter um ballet com tema brasileiro, com música de compositor brasileiro. Então, eles chamaram, simplesmente, Portinari, Noêmia Mourão, Darcy Penteado, Di Cavalcanti, Heitor dos Prazeres, Aldo Calvo, o the best que havia aqui. Eles que desenharam cenografia e os figurinos para fazerem parte dessa representação dos artistas plásticos junto com o ballet. Por isso que o ballet foi feito para reunir todas as demais Artes. Aí, usamos a música que foi composta especialmente para o ballet Cangaceira, do Camargo Guarnieri. Aí, o Uirapuru, que já tinha composição realizada pelo Villa-Lobos; nós tivemos, do Francisco Mignone, uma composição, feita também especialmente para o Ballet Guarda-Chuva. E uma outra foi feita, com tema brasileiro de uma lenda da Iara, dos rios, com figurinos do Di Cavalcanti. Gente, a coisa mais moderna que vocês podem imaginar, maravilhosa! Ela parecia uma egípcia, Cleópatra, sabe? A Iara. Uma coisa verde pintada desse lado, escuro; um verde mais claro aqui, uma malha inteiriça, mas muito atual. E a música era… Eu fazia parte do coro, então nós usávamos instrumentos assim, sininho e não sei o quê, tal, talo, tal… Mas começava assim
[cantando], ele que inventou, uma coisa assim, meio indígena, não é? E eu lembro ainda dessa frase. Depois, nós fazíamos a orquestra, era divertido fazer isso. E nós ficávamos na coxia com o microfone para que o som saísse para a plateia e para o teatro todo.
P/1 – E o que os seus pais pensavam de tudo que estava acontecendo na sua vida? Eles incentivavam ou não?
R – Ficavam quietos. Tudo que acontecia, quando eu recebia um elogio ou quando acontecia essa oportunidade que eu substituía, enfim, essas coisas que foram acontecendo no Ballet do IV Centenário e tal, eu contava para as minhas tias, porque era comum minhas tias irem em casa e ficavam jogando buraco. Então, quando eu chegava do ballet, ainda minhas tias estavam lá, eu chamava essa minha tia do ballet... Eu não falava para o meu pai e para a minha mãe... Chamava e ia no quarto e contava tudo para ela. Aí, ela que passava, eu acho, para os meus pais. Mas eu chegava do ballet e era muito mimada, minha mãe que tirava a minha roupa da sacola, tudo, mas não porque eu era assim, não. Eu era mimada. Tanto é que, em julho, no dia nove de julho, que tem uma comemoração, no dia da Revolução de São Paulo, aquela coisa assim, nós tivemos pela primeira vez uma folga meio prolongada e fomos para o sítio de uma das minhas colegas e o meu pai deixou porque a minha tia foi junto. Um grupo pequeno, não foram todos, não é? Em Atibaia. Eu cheguei e fui para a rede. Aí, veio uma colega e me disse assim: “Como você tem coragem de estar aqui deitada e a sua tia arrumando a sua cama?” Então... Eu era a mais novinha, mas de qualquer modo tive tanta sorte de ter colegas desse tipo... Eu vejo o meu neto e falo: “Olha que colegas que eu tive. Você tem amigos assim que te encaminham para o bem, ou só para a safadeza?”
(risos). Sabe, desse jeito. Então, realmente, foi muita sorte, muita sorte. E de eu ter escutado, não é? Aí, eu me lembro, no Museu de Arte, faleceu a mãe de uma colega, a Noêmia, e eu estava indo... Ela é judia, eu estava indo com ela assim, ela me abraçou e eu não me lembro... Porque eu reclamava dos meus pais, não é? E ela falou: “Está vendo? Você reclama da sua mãe, olha agora a minha situação”. Tipo assim, com outras palavras. Aquilo me deixou… E não era hábito, mas não sei o que eu fiz em casa que eu cheguei e pedi desculpas para a minha mãe. Nunca tinha acontecido. A minha mãe, eu percebi, ela ficou dura e petrificada porque eu pedi desculpas, não era costume. Então, foram coisas que eu aprendi através do ballet, através das minhas amigas, não é? Quando eu saí... Eu sempre tive perna grossa, então, sempre foi uma dificuldade para mim na dança, em termos, porque eu tinha técnica suficiente, mas para fazer carreira no exterior, não é? Tanto é que quando a Di foi para o American Ballet, ela perguntou lá se havia alguma coisa que eu pudesse fazer, mas a minha perna era músculo puro, não tinha uma camada de gordura. Porque o massagista, ele fazia massagem em todo mundo e dizia: “É músculo puro”. Não tinha nada, nem celulite, nem gordura, nem coisa nenhuma. Porque se fosse celulite, hoje em dia tem até cirurgia para tirar celulite. Não, era músculo puro. Então, eu não tinha solução. Fui até o médico para ver se tinha, ele falou: “Não, é assim”. Da parte da família do papai... Papai tinha perna grossa e minha tia, essa do ballet, também tinha perna grossa. Então, era uma coisa genética mesmo. E não foi por conta do ballet, não é? Mas mesmo assim foi bom. Porque, como diz Nureyev, trabalhe as suas dificuldades. Então, o que eu fiz para tentar vencer esse obstáculo? Eu procurei ter a técnica mais limpa possível. Por isso eu trabalhei muito para que não chamasse a atenção e trabalhei minha parte artística. Eu queria que as pessoas olhassem daqui para cima e esquecessem a técnica. Então, foi bom. É bom a gente ter uma dificuldade, sabe? Quando tudo é muito fácil, é difícil. E com isso, eu acho que… Ah, voltando um pouco atrás, quando eu fiz o exame e acabei entrando no Ballet do IV Centenário, que eu tinha visto aquelas outras bailarinas mexendo aqui, e tal, não sei o quê… Eu decidi que a minha perna não ia subir mais do que a gente chama 45 graus, para eu não mexer o meu quadril. Eu decidi, com quatorze anos e meio de idade. Eu acho que a partir daí, eu comecei a minha carreira de professora, sabe? Então, eu fiz isso durante um tempo até superar essa questão e depois eu fui subindo a perna, enfim, fui trabalhando de outro jeito.
P/1 – E a relação com os seus irmãos?
R – Era assim. A minha irmã, tudo bem, porque ela só não estudou ballet porque ela, desde cedo, tinha uma miopia muito forte num dos olhos - vinte e tanto de miopia. Tanto é que depois, agora com essa… Há anos atrás, teve uma cirurgia para diminuir miopia, ela quase que zerou, mas ela precisa usar óculos porque com essa miopia tão alta, o nervo ótico dela ficou meio frágil, meio mole, vamos dizer. Então, apesar dela quase não ter miopia, ela ainda precisa usar o óculos por isso. Então, ela não podia estudar ballet. E aí, sobrou para mim, não é? (risos).
P/1 – E ela que tocava piano?
R – Ela tocava piano. Ela chegou até a tocar em algumas aulas para a Olenewa, mas depois ela começou a seguir a carreira dela como professora, ela foi diretora da TG também, no Colégio Porto Seguro. Ela começou porque… Eu, quando casei, fui morar na Praça Roosevelt. O colégio ainda era lá e ela também estava morando lá. E na Gravataí tinha umas freiras que cuidavam de crianças sem pais, enfim, órfãs, tal, que estudavam… O colégio começou a dar estudo gratuito para eles. E o diretor ofereceu para a minha irmã trabalhar, porque ela trabalhava no período para quem pagava de manhã, no período da tarde, por isso chamava TG. E ela começou a
trabalhar com eles. Aí a escola mudou para o Morumbi e esses da Gravataí não podiam ir até lá. Então a TG ficou com os favelados dessa favela enorme que tem lá no Morumbi, como é que chama?
P/2 – Paraisópolis.
R – É. Paraisópolis. E ela conseguiu tudo para essas crianças, tudo! Além do ensino, material, assistência médica, dentária e o uso da piscina. A mesma piscina que os pagantes usavam. Ela, realmente, assim… E aí, a partir desse trabalho, os que se destacavam… Tem a história até de um menino que o diretor geral disse: “Vilma, ele tem notas altíssimas, então, vamos fazer um experimento”. Ele era filho de uma empregada de uma família que o aluno estudava na escola paga e aí, chamaram e ofereceram o seguinte: ele continuaria na escola gratuita, mas ele iria no outro período estudar com… Porque era mais forte o ensino, tinha que ser. A minha irmã disse que ele não sabia nem o que era sofá, pela vida que eles levavam, não é? E aí, ele almoçava no colégio e foi… A classe foi preparada para receber esse aluno, ele foi recebido assim. Imediatamente, não demorou um mês, ele estava ensinando os outros, ficou um aluno super querido, que quando tinha viagem assim, os alunos se cotizavam para pagar para ele ir também, de tão querido que ele foi. Hoje ele é, parece que dentista, sei que é uma carreira assim. A minha irmã ainda recebe ligações telefônicas de antigos alunos da TG que se destacaram. Então, um trabalho também assim, maravilhoso, que ela pôde exercer, não é?
P/1 – Eu queria retomar, retomando na infância. Quem administrava isso? Eram seus pais ou sua tia?
R – Então... Primeiramente os meus pais, não é? Quando eu entrei no Ballet do IV Centenário, como eu disse, eu entregava todo o dinheiro para o papai, tal. Naquela época, era muito comum se emprestar dinheiro a juros. E essa prima de papai, que eu chamava de tia, que me alfabetizou, que morava ao lado, ela pegou durante um tempo esse dinheiro que eu dava para o papai, porque ela precisava não sei do quê. E então ainda acrescentou juros. Depois ela devolveu. Então, esse dinheiro foi aumentando. E tinha uma coisa que não era poupança, Sul América, que também o papai aplicou… Enfim, ele juntou tudo isso e comprou a parte dele nesse restaurante em Campinas, chamado Rosário, no largo do Rosário. Eu acho que é um restaurante que até hoje ainda existe. Aí, quando ele ficou doente, ele voltou para São Paulo. Quando eu fui para o Rio, eu fiquei responsável pela…Não, desculpe. Antes de eu ir para o Rio, quando o meu pai foi para Campinas, eu fiquei no Ballet Museu de Arte, então, as minhas tias vieram morar na minha casa, no Brás, comigo. E com o que eu ganhava, eu pagava toda a despesa dessa casa, que era aluguel, água, luz, enfim, tudo. E a minha irmã, recém-casada, ainda com dificuldades financeiras, ia muito jantar lá, meu irmão, idem. Então, depois, minha tia dizia: “Você está sustentando três famílias”. Tudo com o dinheiro que eu ganhava. Eu não mandava para o papai, eu tinha que me sustentar aqui.
P/2 – Com que idade?
R – Isso… Que idade? Eu estava com dezesseis anos.
P/2 – Com dezesseis anos você já estava independente da família?
R – Sim, mas eu nem pensava se eu era independente ou não, sabe? (risos) Meu negócio era outro. Eu não estava nem aí. Muitas dessas coisas... Por exemplo, essa história que o papai usou o dinheiro, eu vim a saber muitos anos depois, eu já era casada, já com filhos e tudo, que, de repente, eu fiquei sabendo. Tanto é que a minha irmã, mais recentemente, falou: “Neyde, como foi que o papai conseguiu comprar…? Eu nunca entendi”. Aí eu contei para ela, ela também não sabia. “Foi com todo o dinheiro que eu ganhei”. “Olha, não sei o quê…”. E nunca liguei para isso, absolutamente, de jeito nenhum. Aí, quando eu voltei para São Paulo, que o papai, com a venda da parte dele, ele emprestou dinheiro. Então, ele recebia os juros e o que eu ganhava, eu pagava o aluguel novamente. Com o que o papai recebia de juros, a gente comia. Então, aquela vidinha assim. Eu ia a pé até o Teatro Cultura Artística, porque nós fomos morar num apartamento ali, então não gastava com condução e nem com coisa nenhuma, e a gente sobrevivia desse jeito. Até que o meu irmão,
já formado em Medicina, ele trabalhava no Hospital Vila Formosa. E abriu um consultório onde ele morava, na Avenida Álvaro Ramos, então era uma casa assim grande, o que seria o quarto foi o consultório dele. E estava difícil, porque início de consultório... E nos convidou a morar com ele para dividir as despesas, que tinha um quarto também vago, não é? E assim foi que nós fomos morar com o meu irmão e aí ficou melhor. Nessa ocasião que eu fui morar com o meu irmão, terminou o ballet do Teatro Cultura Artística, que eu tinha aquele salário fixo que dava para pagar o aluguel. E o nosso grupo, sem saber o que fazer, foi trabalhar em televisão, que foi uma experiência ótima, porque nós lançávamos apito no samba, sabe? Coisas desse tipo. No programa Folia Philips, por exemplo, que era um programa de variedades. Mas trabalhando duro ali, porque, de repente, pintava eu dançar o Pas de Deux do Cisne Negro, que é um desafio. E eu estava pronta, porque pintava na televisão. E com isso, nós ganhávamos muito bem, trabalhávamos na Tupi. Houve uma época em que a gente trabalhava na Record. E saíamos da Tupi, trocávamos de roupa, lógico, devidamente, no táxi, porque era programa ao vivo, não era videoteipe. Eu cheguei a fazer algum programa no início do videoteipe, tanto que eu nunca me vi dançar, porque era sempre ao vivo. Aí, o que aconteceu? Eu comecei com o programa de vídeo, já era casada, era um programa que o tema era Dom Juan e tinha atores. Assim... Várias outras tendências, todas usando esse tema e eu dançava um duo, um Pas de Deux com o Antônio Carlos Cardoso, que foi diretor do Ballet da Cidade. Lógico, era meio sensual, não é? Eu acho que dancei muito bem, porque eu sentei: “Bom, agora eu vou me assistir”. Passou o programa, cadê? Foi censurado (risos). Eu amo ter sido censurada porque aí eu estava vanguard. Eu não vi, acabei não vendo.
P/1 – Em que época foi isso?
R – Isso foi… Eu já era casada. 1961, por aí.
P/1 – E como era a sua relação com as amigas do ballet? Com os meninos? Você criava alguma amizade?
R – Muita amizade. Porque no Ballet do IV Centenário virou uma família. E por que eu estou aqui? Porque eu que sempre, depois que Yolanda, minha colega, morreu, os reúno. Eu que reúno os colegas na minha casa. Então, eu mantenho essa amizade viva, que agora, olha, muitos já se foram, muitos! Eu acho que vivos: eu, a Yoko, a Ruth, Paulo Leandro, Gil Sabóia, Maria Isabel, Vera Maia, Leonora Orlando, Lúcia Villar, Armando Mezzi, que está no Rio. Acabou. Acho que só. Nesses últimos tempos… Você pode imaginar que a mais novinha vai fazer oitenta e um (risos).
P/1 – Mas como vocês aproveitavam? Como vocês curtiam a juventude?
R – Então... Não sei se porque todos eram de escola e todos estavam maravilhados com aquilo, criou-se uma grande amizade, não tinha ciuminho. O que a gente queria era dançar e que aquilo fosse um sucesso. Principalmente isso. Tanto é que eu fui a única pessoa, depois do IV Centenário, que conseguiu encontrar o maestro Millos. Ele voltou para a Itália e aconteceu de poucos colegas irem para lá. Nunca ele estava em Roma, ou então, por exemplo, ele levou um grupo dele para dançar no Canadá, em Toronto, minha amiga que mora… Ah, essa também está viva - onze. Ela foi assistir o espetáculo dirigido por ele, foi depois nos bastidores para encontrar com ele, ele já tinha ido embora. Não dava certo. Aí, eu fui, fiz uma excursão para a Europa, a primeira vez. E o terceiro lugar que nós íamos parar era Roma. E na excursão, você acaba conhecendo as pessoas, vai conversando, não sei o quê, tá, tá, tá, tá, tá… E todo mundo sabia que eu queria chegar em Roma e tentar encontrar o maestro. Então, todo esse tempo, eu acho que nós giramos muito a cabeça nesse sentido. E um dos meus colegas, já falecido, Michel Barbano, ele tinha o telefone da Lia de Lara, que tinha... O maestro tinha importado a Lia, italiana, para cá, para, junto com a Edith Pudelko, ser primeira bailarina, professora e assistente de coreografia. E que, quando o maestro voltou, ela dirigiu a Companhia enquanto a Companhia durou. E eu tinha o telefone. Então, quando chegamos em Roma, fomos para o hotel, eu nem desfiz a mala, eu telefonei para ela e ela atendeu. E ela tinha escola. E eu falava Português, mas ela entendeu plenamente porque tinha uma pessoa que trabalhava com ela, na escola, que falava Português, então ela não esqueceu, não é? E aí eu falei que queria encontrar o Millos, tal, que eu tinha aquele telefone. Ela disse: “É isso mesmo, só que ele está doente. A última vez que eu o encontrei, ele estava doente, não está muito bem. Mas se você der certo, eu quero visitá-lo também”. Aí, telefonei para o Millos, ele atendeu. Combinamos não no dia seguinte, porque ele tinha médico, mas no outro dia para ir no palácio. Eu falei para o meu marido: “Ih, ele mora num palácio”. Mas palácio é apartamento lá, não é? Eu achando que era um palácio. E aí, então, fomos. Ele nos recebeu, terno e gravata, assim, porque muito vaidoso, não é? Tiramos fotografias, tal, tal, tal, e eu tive o privilégio de estar com ele, a única pessoa, assim. E chegando lá, o meu marido - eu não sabia - tinha escrito uma carta de agradecimento por tudo que ele tinha feito por mim, me ensinado; quer dizer, ele me formou profissionalmente, não é? E nós tínhamos uma característica de aprender as coisas com muita velocidade, era o nosso cartão de visita. Todos os elementos, pela maneira como ele trabalhava, ele fazia coreografia com a partitura na mão, então aquilo foi muito enriquecedor. E aí, o meu marido leu, a Lia de Lara traduzia em italiano para ele e ele falou assim que estava escrevendo um livro, mas que estava com dificuldades na vista. E a Lia falou: “Mas pede para alguém escrever”. “Mas não é a mesma coisa”. Ele queria escrever com a letra dele. E disse: “Sabe, eu estava agora no momento da minha passagem pelo Brasil e comecei a pegar material. Peguei um programa, parei na sua fotografia, estava pensando em você, toca o telefone…”, era eu. Acredite se quiser, de tanta vontade que eu tinha de encontrar com ele. E aí, eu recebi um elogio que não vou esquecer. Porque eu comecei a perguntar o que ele tinha feito esses anos todos e ele foi para a China trabalhar. Eu perguntei: “Como foi trabalhar lá?” “Eles são vigorosos, disciplinados e…”, não sei o quê, usou três adjetivos assim. E quando eu fui me despedir, abracei-o assim, em pé, ele falou: “Você sempre foi vigorosa, tá, tá, tá e tá, tá ,tá…”. E eu adorei ele ter reconhecido que eu fui uma bailarina dedicada, não a melhor bailarina, nada dessas besteiras, mas uma bailarina que, realmente, deu o sangue. Então, eu fiquei muito contente de ter sido reconhecida por ele.
P/1 – Uau!
R – E oito meses depois, ele morreu. Oito meses.
P/1 – E como você conheceu o seu marido?
R – Então... Quando eu tinha onze anos, num espetáculo da Maria Olenewa, ele foi assistir, porque num baile de carnaval ele ia dançar… Que como no Municipal do Rio tinha baile de carnaval, sei que o baile era lá no Municipal. Daqui, em São Paulo, uma bailarina chamada Norma Mazela, que se formou na Escola Municipal de Bailados, tal, ela já faleceu agora, e então ela convidou: “Eu vou assistir o espetáculo de Madame Olenewa, você quer assistir?” Ele foi e me viu dançando esse Ballet Mazela. Diz ele que, depois do espetáculo, a Norma me apresentou. Ele tinha quatorze e eu, onze. E ele se apaixonou por mim. E aí, ele foi acompanhando a minha trajetória. Ele foi ao IV Centenário assistir e me convidou para um café, só que eu estava com alergia. Nós tivemos a matinê e depois tinha espetáculo à noite; no intervalo, ele me convidou para um café, alguma coisa, ele foi lá. E eu sabia, porque ele morava também no Brás, o pai dele também tinha uma farmácia, só que mais para dentro, a farmácia que era da minha tia era para cá, a do pai dele era mais lá. Mais para dentro. E aí eu tinha que pôr água boricada porque eu estava com as pálpebras meio inchadas por causa da alergia da maquiagem e eu não podia aceitar. Aí, depois, ele foi acompanhando a minha carreira pela televisão e ele dizia para a mãe: “Com ela que eu vou casar”. Aí, um bailarino, que até o meu pai gostava, estava apaixonado por mim, no tempo da televisão. E como era programa ao vivo, eu morava no Belém e o programa era aqui em Congonhas, que era onde era a Record, ele tinha carro, ele me dava carona. Foi aí que ele queria namorar comigo. E ele foi falar com o meu pai, eles eram até amigos. E o meu pai deu um fora nele, dizendo que futuro que ele “podia dar para a minha filha?” Eu fiquei arrasada, total, pela maneira como o meu pai tinha ido com ele, mas eu não gostava dele. Eu gostava daquele, com quem eu casei, que era o meu fã, não é? Porque eu achava muito interessante um rapaz se interessar, curtir ver espetáculo de ballet, curtir ver concertos e essas coisas, usava óculos, um intelectual, era comigo mesma, não é? Então eu fui no dia seguinte na casa dessa tia que morava vizinha de onde eu morava, que eu chamava de tia, a prima do papai, desabafar com ela o que tinha acontecido. E ela falou: “Mas você gosta dele?” “Não, não gosto, eu gosto do…”. “Por que você não telefona para ele?” E estava acontecendo uma semana com filmes de ballet num cinema na rua Augusta, perto da Oscar Freire - era o Cine Paulista, acho que chamava, eu não sei. Era uma semana, assim. Aí eu telefonei para ele e falei: “Olha, você não quer assistir essa programação assim, assim?” “Sim”. Foi assim que começamos a namorar. E depois, viemos a casar.
P/1 – E como foi o casamento?
R – O casamento também foi de manhã, num dia de semana. Quando eu acordei, chovia a cântaros, greve de táxi. Mas os meus padrinhos, pais de uma colega do ballet, filha de ingleses... Ela é inglesa, tanto que eu escolhi os pais dela porque eles reuniam nosso grupinho na casa e eu adorava as reuniões deles, não é? A mãe dessa minha colega dava aulas de Inglês. Todo o Inglês que a minha filha aprendeu foi nesse curso com ela. E eu convidei para padrinhos. E ele, inglês, foi da casa onde eu ia sair - da casa da minha tia - até à igreja cronometrar quanto tempo ia levar, tal, tal, tal, tal… E eu, arrumadinha: “Neyde, está na hora”. Desci a escadaria da casa da minha tia, entrei no carro dele, dez horas em ponto eu cheguei na igreja. Linda. Que está num lugar meio ruim de acesso, que é no Glicério, chama Igreja Nossa Senhora da Paz. É uma igreja de italianos, muito simples mesmo e foi assim que eu acabei casando, mas mesmo assim tinha gente lá, conseguiu chegar.
P/1 – E como você estava se sentindo, você lembra?
R – No casamento?
P/1 – Nesse dia.
R – Muito feliz, achando que, sei lá, ia começar uma vida nova com quem eu queria casar, nada foi imposto, então muito bem. E aí, como toda boa bailarina que tem que fazer tudo muito perfeito, eu perguntei para a minha sogra, que vem de uma família que, com ela, são vinte e um irmãos: “Quem da família que melhor passa roupa?” “Fulana”. “É com ela que eu vou aprender”. Porque eu fiquei uma dona de casa, claro. O mesmo nível que eu queria ser bailarina. Dona de casa impecável. E aí, eu passava as camisas do meu marido, grossas, que ele gostava, secava no ferro… Vinte e cinco minutos eu demorava. Mas como aquilo que eu falo para os meus alunos: “O que vocês puderem aprender, aprendam”. Porque, vejam só, quando que eu iria imaginar que um dia eu iria ter uma lavanderia? Eu passei muita roupa no início porque eu sabia. Eu sei exigir e sei ensinar, que não tem nada a ver com a minha profissão verdadeira, que é ligada à dança, não é? Então, nada é jogado fora. Tudo que a gente aprende, vale. Aprendi a passar roupa, aprendi a cozinhar, porque nós fomos morar numa vila lá no Alto da Boa Vista e fizemos parte de uma equipe de casais com fundo religioso. E um dos casais também foi morar na vila porque gostou muito da nossa vila. E ela se casou com filho de sírio, e era uma competição com a sogra, no sentido de cozinhar bem, não sei o quê… E eu aprendi com a Olga a, realmente, cozinhar. Então, eu não cozinho porque eu demoro muito na cozinha. Antes de eu começar a cozinhar eu faço faxina na cozinha, aí é que eu começo. Então, demora muito. Eu evito. Mas eu também sei cozinhar por conta disso, fui aprender também com quem sabia direitinho.
P/1 – Quantos anos você tinha quando vocês casaram?
R – Com quantos anos eu estava? Ah, vinte e… Eu casei com quase vinte e dois, vinte e três, vinte e quatro, vinte e cinco, nessa fase, de vinte a trinta anos. Aí, a última vez que dancei profissionalmente eu estava grávida de cinco meses do meu último filho, já com vinte e sete anos. Me pediram para dançar num programa quinzenal, aos domingos de manhã, que chamava… Como é que chamava? “Concertos Matinais”, no Teatro Municipal. E eu falei: ‘Tudo bem, eu danço. Eu estava no início da gravidez, aí foi adiado, aí ficou para mais quinze dias, aí foi adiado, aí ficou… E eu fui perguntar para o meu médico... Como eu tinha tido dois já, e no segundo… Eu tive os três na ProMatre. No segundo, o doutor Andreucci chamou todas as pacientes da ProMatre para assistirem ao meu parto, por causa da musculatura, tive tudo parto normal, ele achava lindo. Então, todas as pacientes vinham assistir. E vinham me tirar da maca para me colocarem assim... Duas assim, eu levantava sozinha porque eu tenho uma musculatura abdominal impressionante. E que ainda, até hoje, eu consigo fazer abdominais sem menor problema, sem fazer aula, sem nada, que restou de tanto que eu trabalhei, não é? E aí eu acabei dançando entrando no quinto mês. Tudo funcionava, menos o fôlego, não é? Fôlego era uma tristeza, mas dancei a última vez assim. E quando o meu filho fez um ano, uma grande amiga, que faleceu precocemente, tinha escola na região em que eu moro, me convidou para dar aula. E eu tive minha filha, depois de dois anos e meio nasceu o meu filho e depois de um ano menos um dia, nasceu o outro. Eu estava com dois nenês em casa, não é? E aí, quando o terceiro fez um ano, que o outro fez dois, porque eles são de julho também, como eu, eu falei para ela: “Tudo bem, eu vou, mas você fica aí, porque se tiver qualquer coisa nessa fase... Criança tem dor de garganta toda hora, febre, essas coisas, eu sei que você está aí, você vai dar a minha aula”. Graças a Deus, nunca precisou. Eu comecei com uma aula, aí os meus filhos foram crescendo, fui acrescentando e foi assim que eu comecei a minha carreira de professora. Aos poucos eu fui, fui, fui e aí, fui assumindo várias escolas, fui dando aula no interior, fui dando aula para profissionais e depois comecei a dar aula também para professores, cursos para professores, que é o início, que eu tive também sorte uma época. Eu trabalhava no Cisne Negro para a Companhia, trabalhei mais de dez anos para a Companhia, no Cisne, e eu assumi a escola dessa amiga que morreu, que foi onde eu comecei a minha carreira. Então, eu comecei a dar aulas também para crianças. Eu dava sempre para a turma mais adiantada, para o terceiro ano. E tudo o que os profissionais têm, e os mais adiantados têm, como problema, são problemas de base. Então o que eu via ali eu ia sanar no terceiro ano. Foi muito boa essa experiência para mim. E a partir daí, o curso que eu dou é o básico essencial, que é a coisa mais importante - não criar defeitos no inicio, sabe? E fazer o negócio como tem que ser, porque senão, depois, você carrega e é muito mais difícil de voltar atrás, como eu tive que voltar atrás; não é impossível, mas... Outra coisa que a Olenewa fazia: usava um cinturão de elástico desta idade, cor de rosa, uns ganchos assim, elástico grosso. Primeira aula, o Millos mandou arrancar aquilo. Eu tenho cintura fina, por parte da mamãe, sempre teve família de cintura fina. Estava com a cintura desse tamanho com esse… E mole. Quando eu tirei o cinturão, eu estava assim. Por isso é que eu tenho… Lembrei de falar por causa da musculatura abdominal. Eu tive que fortalecer muito essa musculatura e aqui protege a coluna para me salvar, porque eu estava assim quando eu tirei o elástico.
P/2 – Para concluir a parte das apresentações do ballet, tem alguma que você considera mais marcante? Uma apresentação que lhe marcou muito.
R – O que me marcou muito? Bom, o que me marcou muito é que a dança, ela influiu muito na minha personalidade, eu acho. O que às vezes é bom e às vezes não é tão bom. Porque eu acabo sendo exigente demais com tudo, com todos. Meu marido que o diga (risos).
P/2 – Mas teve alguma apresentação específica?
R – Ah, você quer saber… assim, que marcou muito?
P/2 – Sim.
R – Uma das coisas que eu gostei muito foi quando o maestro Millos teve que montar um ballet a mais para caber naquele espaço, para justificar a nossa estreia em São Paulo. Era um ballet que se chamava Ilha Eterna, que fez o maior sucesso porque tinha as estátuas no Olimpo, todas com o rosto pintado de branco, cada uma representando uma deusa, e tinha os camponeses. E eu era a solista dos camponeses e o Millos montou aquilo especialmente, não era uma coreografia que ele tenha feito e trazido para o Brasil. Então era assim, ficava com a língua de fora, nunca resolvi esse problema. Quando terminava a dança dos camponeses, que nós subíamos, tinha assim os praticáveis em volta, onde os deuses começavam a descer, que a plateia fazia assim: “Ahhh”. Porque eles pensavam que era cenografia aquilo, ficava um monte de gente dançando a dança dos camponeses, não é? E aí, eu sempre assim… Nunca marquei, nunca deixei de fazer uma ponta, nunca e nunca solucionei. Eu vi uma grande bailarina falando de um ballet chamado Tema e Variações, coreografia de Balanchine, chamava ____01:47:47_____ , que falou a mesma coisa: “Eu nunca consegui solucionar o problema, mesmo fazendo, fazendo, fazendo…”. Então, como aquilo foi feito para mim, eu tive um carinho muito especial. Aí, quando a Edith Pudelko saiu, que a Lia de Lara me ofereceu fazer os papéis da Edith Pudelko, que eu fiz, porque era a única também que sabia a coreografia, eu não quis fazer o papel dela de estátua por dois motivos: primeiro, porque eu tinha um carinho especial em ser a solista; e depois, porque era todo de branco e eu cismava com a minha perna, então eu não quis assumir também por isso. Achei que não ficaria bem. Inclusive, ela perguntou: “Quem você acha?” E eu recomendei a colega que eu achava que poderia fazer bem, ajudei a Lia nessa parte. Mas então, uma das coisas que marcou muito, com muito carinho, foi esta obra que então era assim. Por que eu ficava sem fôlego? Dançava, dançava, dançava, aí o conjunto parava e eu continuava sozinha, não era muito longo, mas pá, pá, pá, pá. Aí todo mundo, eu também… Quatro vezes isso acontecia, então eu ficava… E era com música de Bach, e Bach é muita Matemática, não é? E aí era assim: tá, tá, tá, tá… Sabe, não era…Que dava para dar uma respirada, era muito assim. Então, eu tenho um carinho que me marcou muito grande esse ballet. Isso, nessa época. Depois, claro, eu adorava dançar Romeu e Julieta. Primeiro porque eu tinha sido ensinada por um grande bailarino da Ópera de Paris, e que ele dançava e eu dançava com um bailarino que, graças a Deus… Ele já faleceu, era uruguaio, quando ele veio aqui para o Brasil nós fomos para o Rio porque ele queria… Ele veio com a esposa, ele queria que ela conhecesse o Rio. E aí, lá no Rio - eu fui também - nós fomos ao Jardim Botânico, um lugar assim, eu fiquei sozinha com ele e eu falei: “Olha, você não sabe, eu quero te falar o orgulho que eu tenho de dançar com você”. Porque eu achava ele tão superior, sabe? Um bailarino fantástico mesmo. E aí ele me falou umas coisinhas, mas fica só para mim (risos). Não vou contar (risos).
P/1 – E quais foram as suas maiores dificuldades no ballet, desde a ponta até postura ou entrar no espetáculo…
R – Minha maior dificuldade foi ter perna grossa. Realmente. No Ballet do Cultura Artística, uma coreografia do Ismael nós dançávamos com uma túnica e tinha um momento em que eu entrava em cena na primeira coxia. Por exemplo, vocês são a plateia, não é? Logo aqui, bem perto do proscênio, entrava, fazia não sei o quê e ficava de costas. Depois entravam minhas colegas. E quando eu entrava, eu escutava um murmúrio e eu achava que estavam falando das minhas pernas. Aí eu comentei com as minhas colegas. Eu falei: “Vocês vão ouvir”. O dia que eu pedi para elas prestarem atenção, nem eu escutei o murmúrio (risos). Então, foi uma coisa. Eu não sentia prazer de experimentar figurinos por causa disso. A não ser que o figurino fosse longo e aí cobrisse as minhas pernas. E como eu sempre tive cintura fina, que eu sempre fui fininha, então eu curtia mais, senão eu não curtia de jeito nenhum! Mas aí, o que aconteceu? Quando eu casei, foi o momento de uma crise nas Artes e não tinha mais onde dançar. Nem programa de televisão. Era muito pouco. Então eu diminui substancialmente a minha dedicação à dança, não foi porque eu casei. E, com isto, eu comecei a menstruar. Porque eu não menstruava. E depois de anos de casada, eu li um artigo, que saiu no jornal, dizendo que para a mulher que semanalmente faz exercícios, um número x de horas fortes, pode acontecer de suspender a menstruação. Eu fazia muito mais do que aquela carga horária. E no homem, diminuir a ereção também. Diminuindo a carga horária, tudo voltava ao normal. Aí é que eu percebi, porque eu ia ao médico, eu ia no doutor Andreucci, que foi professor do meu irmão na Faculdade, e que eram ele e o Cerruti os melhores médicos na parte de Obstetrícia, que depois ele que fez os meus partos. Ele examinava, não tinha... Não tinha tumor, não tinha coisa nenhuma. Mas eu não menstruava, de excesso. A Márica também, mas ela menstruava. Tanto é que eu tomava remédio para aborto, eu lembro ainda dos nomes: Prometron, Prostiglimini, Ovocicline, e era horrível porque eu tomava a medicação e tinha que esperar tantos dias para menstruar, não é? E eu me sentia inchada. Aí eu fazia assim, estava tudo folgado, mas parecia que estava apertado. E para uma pessoa que trabalha com o corpo, era muito desagradável essa sensação, não é? Mas eu fiz isso. Aí eu fiquei noiva e contei para o meu marido: “Olha, eu tenho esse problema, acho que nunca vou engravidar”. “Tudo bem. Se isso acontecer, nós adotamos”. Então eu fiquei com a consciência limpa quanto a isso. Mas aí eu casei e, paralelamente, aconteceu de diminuir e aí eu comecei a menstruar, não é? Aí eu engravidei da minha filha. Quando eu voltei, depois de cinco dias que ela nasceu, que eu voltei para aqueles exames normais, eu já estava com menos peso do que quando eu fui ao consultório dele. Eu fiz assim… Agora, quando eu entrei na menopausa, eu dei outra engordada. Mas eu fiquei, dessa época até entrar na menopausa, bem magrinha. Porque eu menstruava. Então, eu não comia... Para o que eu comia, eu deveria estar seca. Não que eu fosse gorda, mas…
P/1 – Inchaço.
R – É, então... A minha perna afinou, tudo afinou.
P/1 – E como foi se tornar mãe?
R – Ah! Foi uma coisa assim natural, não é? Sei lá, eu vivi com o meu irmão, o dia que eu mudei, a minha cunhada estava chegando com a minha sobrinha, então eu vi como ela cuidava. Eu adoro cuidar de nenê. Eu teria tido mais filhos só para esta fase, não é? E com aquela influência da minha cunhada, com mania de limpeza. O que eu tive de problema foi amamentação. Porque eu não tinha busto e aí o meu busto ficava desse tamanho e eu não tinha bico. A minha filha, na mamada da madrugada, ela mamava sangue. Era um horror, um horror aquilo. Eu fiquei até com alergia, porque eu passava pomada, formava isso, fazia aquilo, fazia aquilo outro, não sei o quê… E nada, não é? Aí então eu falei com o meu irmão, que era o pediatra, e ele suspendeu - ela passou a tomar mamadeira depois de um mês. E eu enfaixei. Quando eu fui tomar banho, o meu bico estava pendurado assim. Porque aí eu já tinha diminuído um pouco, não é? Então, não foi uma experiência boa. Aí, quando eu esperei o segundo eu fiz toda uma preparação, fazendo massagem com uma pomada, não sei o quê… Só que eu cheguei da Maternidade, eu tive quarenta de febre. Aí fui falar com o médico, eu acho que tive alguma alergia de alguma coisa que deram no hospital. Aí, não amamentei porque eu estava com quarenta de febre. No terceiro, eu falei: “Sabe de uma coisa? Já vai com a mamadeira e pronto”. Mas eu desinfetava aquilo, como minha cunhada tinha ensinado. Então os meus amigos, que não eram do ballet, mexiam comigo porque era tudo desinfetado, tudo assim… Muito engraçada essa história, mas foi assim.
P/1 – E aí, você logo começou a dar aula?
R – É. Quando o meu último filho, aquele com quem eu dancei, fez um ano, eu comecei a dar uma aula na semana com as condições que eu pedi para essa minha amiga: “Você esteja lá porque qualquer coisa, eu sei que você está aí se eu tiver que voltar”. E eu fui aumentando, fui aumentando...
P/1 – E você gostava?
R – De dar aula? Tive essa grande felicidade, porque nem todo bailarino gosta. Mas na verdade, antes de receber esse convite, eu tive muita sorte de estudar e de passar por tudo que houve de melhor aqui em São Paulo. Tudo de melhor. Então, eu aprendi muito e eu pensava: ‘Ficar só comigo? Eu tenho que passar o que eu aprendi para os outros’. Eu comecei a minha carreira como uma missão, realmente, de passar tudo, porque nem todos tiveram a mesma sorte, não é? De passar tudo que eu aprendi. E com isso, eu fui fazendo, inclusive, cursos para me atualizar e tal, estou sempre querendo aprender coisas novas. Eu estive o ano passado visitando a minha filha, que mora na Europa, nós fomos a Milão e o trabalho dela me dá acesso ao Bolshoi, ela é amicíssima… Com possibilidade até de eu dar aula lá, se eu quisesse, assistir qualquer aula que eu queira, na Ópera de Paris, na Scala de Milão... Eu estive em Milão, então entrei na Scala de Milão, assisti às aulas que eu quis, livre acesso, por conta da abertura que ela tem com isso. E aí, trouxe já algumas novidades. Mas o bom é que eu vi a escola para formar para a Companhia, não é? A escola oficial. E eu não me senti nem melhor e nem pior, sabe? Eu achei assim... Que eu vi novidades, mas que eu também poderia trazer novidades por coisas que eu vi de correções, como o jeito de fazer a correção, tal, coisas assim eu também poderia contribuir. Então, foi legal, sabe, esse posicionamento que eu sempre tive, como bailarina, apesar de não ter ido para fora. Mas receber os de fora, sempre tive essa coisa assim.
P/1 – E como foi para você esse último espetáculo? Você lembra o que sentiu?
R – Como eu já tinha filhos, minha vida já estava um pouco mais endereçada assim... Não foi tão triste quanto vocês poderiam pensar. Porque grande parte da minha vida já estava muito dedicada à família. E por sorte, eu gostava de dar aula. Quando eu dançava, eu odiava dar aula. Eu não gostava porque é um outro tipo de cansaço e que, no meu caso, pelo menos, não combinava um cansaço com outro, sabe? Entrava em atrito no meu corpo. Outros bailarinos, por exemplo do Ballet Stagium, sobrevivem dando aula, também. Eu tenho uma admiração, tiro o meu chapéu. Porque para mim não era legal. Aí, quando eu só dei aula, tudo bem, tudo bem, não é?
P/1 – E como surgiu a ideia de criar a lavanderia?
R – Como surgiu? Então... Surgiu assim: um casal de amigos, muito amigos, um dia conversando os dois - o meu marido e ele, esse amigo - técnicos em Administração, trabalhando em multinacionais e tal, com ótimo salário, com viagens, etc., aquela coisa. E eles sabiam que isso não seria eterno. Então, nós, a princípio, pensamos, para no caso deles não terem mais, uma ajuda, montar uma loja de presentes finos. Ai, eu tenho um primo que lida com comércio, reuni para ele falar como era e nós chegamos à conclusão de que para ter uma loja de presentes finos, você tem que ter um capital de giro muito grande para repor um faqueiro de prata, para isso, para aquilo… E a filha desse casal tinha ido para a Inglaterra, para Londres, para estudar. E lá, ela usava muito esse tipo de lavanderia automática. Então a gente resolveu abrir uma lavanderia automática, que tinha mais aqui em São Paulo, não sei por que diminuiu isso. E era uma franquia de um argentino, o Juan. Ele mora, na verdade, no Rio, porque começou ali com as máquinas, com know-how absolutamente da Seed Queen, americanas. E aí, começamos. E eu me apaixonei por isso. Então, os meus colegas acharam: “Nossa, agora você vai deixar o ballet…”. E eu falei que não, que não tinha nada uma coisa e que eu sou famosa por exigir tudo limpinho, tudo… Eu falei: “Eu vou continuar a trabalhar com limpeza. A mesma coisa no ballet eu vou trabalhar na lavanderia”. E assim... Nunca me atrapalhou. A lavanderia nunca me atrapalhou.
P/1 – Você continua dando aula?
R – Sim, eu continuei o tempo todo. Sem nenhum problema. Vou para Joinville, organizo gente que fica no lugar. Quando eu tinha a minha sócia... Era minha sócia, depois ela foi para um outro tipo de trabalho, com a filha, não estava conseguindo juntar os dois, então ela saiu, ficou só com esse trabalho com a filha.
P/2 – Você pode falar um pouquinho da transformação do ballet no decorrer do tempo?
R – Fale mais alto.
P/1 – Se você pode descrever um pouquinho a transformação do ballet da época que você dançava para a época que você deu aula. As diferenças, tanto as que podem ser consideradas estéticas, ou talvez…
R – Não, tecnicamente por exemplo, a minha geração… Eu vou explicar uma coisa que vocês vão poder entender. A gente começa com exercícios na barra e todos os exercícios eram feitos só no apoio; e, às vezes, exercícios longos um pouco demais, só no apoio. Ai, virava do outro lado, ficava só naquele apoio. Então, foi uma das coisas que médicos ortopedistas, pessoas da minha área e, enfim, se reuniram e viram que era importante só um certo tempo ficar nesse apoio e depois mudar. Então, isso foi uma das coisas marcantes. Você vai fazer exercícios na barra, você intercala. Faz um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, aí pega a outra perna, faz, tá, tá, tá… E cria como uma pequena coreografia, mas não fixando só na mesma perna de apoio tanto tempo como era no nosso caso. Por exemplo, o que nós chamamos de rond de jambé em l’air, que é um círculo assim. Então, a perna vai ao lado, 90 graus. Na minha geração, nós fazíamos bem demonstrado isso. Agora, muito demonstrado para trás pode machucar a rótula. Então, é só um pouquinho e tudo mais para frente, e o retorno é igual. Então, foram mudanças que foram acontecendo: intercalar exercícios; a sequência como seguir... Hoje em dia, você sempre faz um aquecimento antes, depois vai para as coisas técnicas abertas. Você não começa já fechando a quinta posição, trabalha a primeira. Tem uma sequência mais delicada junto ao corpo, não é? E a gente tem que saber dosagens. Por exemplo, eu tenho um grande amigo, um grande professor americano, que esteve aqui, e que eu fazia as aulas dele... Até nessa época, ainda como professora, eu fazia as aulas, que eu adorava. Ele trabalhou muito tempo na Europa e era convidado para as melhores Companhias, inclusive, Companhias contemporâneas, como a Nederlands. Bom, enfim, todas essas Companhias, não é? Os últimos tempos, em que ele ia lá para uma temporada de aulas para o Nederlands, tinha um médico ao lado dele. Ele ia dando e o médico ia questionando com ele o trabalho. Então, para você ver como ficou uma coisa muito mais… Como é que eu vou explicar? Em torno da Medicina, mesmo. Antes, era mais aleatório.
P/2 – E a questão da rotina?
R – A questão da rotina? Por exemplo, uma coisa que, como eu trabalhei excessivamente... Eu, Márica especificamente naquela época, nós íamos fazer aula e, às vezes, tínhamos correções. E a gente não sentia. Sabia o que o professor estava pedindo, porque o corpo estava demasiadamente trabalhado, tanto que eu não podia... Eu sentia que não me fazia bem eu fazer o que os bailarinos hoje fazem - aquecimento antes da aula.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu já ia para a aula muito… Sabe? Porque eu trabalhava demais, então eu percebi claramente isso. E naturalmente também, eu já não fazia o que os bailarinos fazem hoje e que agora chegou-se à conclusão de que não se deve fazer. Os bailarinos começam a se esticar, esticar, não é bom fazer isso. E eu já não fazia, instintivamente. Porque eu sentia que depois eu não ia sentir o meu corpo, porque ele estava já… Tinha ultrapassado o limite do trabalho. Mas foram conclusões a que eu fui chegando ao longo do tempo, claro, eu não tinha maturidade para saber o porquê. Agora eu sei o porquê.
P/1 – Vamos encaminhar para o fim.
P/2 – Eu tenho uma questão ainda da infância, talvez, que você falou muito da sua vida no ballet, mas ao mesmo tempo você falou que tinha um tempo livre, que tinha muito tempo naquela época. Você tinha esse tempo livre? O que você fazia fora do ballet?
R – Olha, eu não tive juventude como minhas colegas com as quais mantenho amizade, foram colegas da escola. O máximo que eu podia fazer é se nós não tínhamos trabalho aos domingos, eu ia à matinê. No Brás tinha vários cinemas, eu ia à matinê aos domingos com essas duas amigas que não tinham nada a ver com o ballet e que eu sou amiga até hoje. Mantenho amizade. Agora em fevereiro, nós vamos nos encontrar, porque as duas fazem aniversário em fevereiro, então sempre a gente sai para comemorar. E então, eu não ia a bailinho, não ia a isso, nem aquilo, não ia a nada dessas coisas e nem tchuns. E se você me perguntasse: “Você voltaria atrás?” Eu voltaria e faria igual. Porque também o ambiente de trabalho era, como eu disse... Se fosse um ambiente carregado de ciumeira, disso, daquilo, quem sabe eu sentisse mais falta de um lazer. Mas lá, a gente também trabalhava muito, mas ria muito, dava muita risada com os bailarinos, brincadeiras. E até acho que uma forma natural de compensar o trabalho.
P/1 – Era prazeroso estar lá?
R – É. Então... Era muito divertido. Tanto que quando eu voltei a trabalhar com os profissionais, uma coisa que eu adorava fazer era assinar ponto, que eu comecei a… Como professora no Ballet da Cidade. Ai eu falei: “Acho que vou me divertir”. Só que antigamente os bailarinos eram mais divertidos, agora eles são mais sérios, não é? Então, não tinha as brincadeiras que existiam na minha época que a gente dava tanta risada, não é? Não é mais tão divertido como era.
P/2 – Quais eram essas brincadeiras?
R – Ah, assim... De repente, um bailarino muito alto, muito duro, fazia o final da morte do cisne. Então ele fazia assim, assim, assim; de repente, ele fazia assim... tchum, com a perna assim (risos). E ficava numa posição muito engraçada. Então, de vez em quando, a gente: ‘Faz, faz”. E a gente ria da mesma coisa. Um tipo assim, não é? Eram coisas que iam acontecendo assim, na hora. A gente dava muita risada.
P/1 – E quando você começou a namorar, você tinha tempo para namorar?
R – É, quando eu comecei a namorar eu estava trabalhando em televisão. Então, o que acontecia? O meu marido ia na TV, ele gostava porque ficava nos bastidores e quando era feita a filmagem, ele ia na sala… Então, ficava vendo. Eu nunca vi nada porque… Ele ficava vendo ali a função dos cameraman, etc., não é? E naquela época, havia também convenção. Convenção da General Motors, convenção da Philips, por exemplo. Então, nos convidavam. E começava de manhã, então ofereciam café da manhã para os concessionários. O que nós fazíamos no palquinho? “Com licença, um momentinho… Não sei o quê, do cafezinho…”. Fazia um cafezinho. Ai, na hora do almoço, nós éramos os padeiros que faziam comida, não sei mais o quê, e coisas assim. A gente se divertia com isso, não é? Fazíamos bem, claro. E ganhávamos um dinheiro que, depois, ficou com uma cooperativa - era o Amigos da Dança. Cada um fazia o seu figurino. O Darcy Penteado, que sempre foi muito generoso conosco, desenhava cenógrafa e tudo. Nós tínhamos o Teatro Cultura Artística de graça e íamos dançar o que a gente gostava, o que a gente queria, no Teatro Cultura Artística. Com o dinheiro que a gente ganhava em televisão, que era um bom cachê. E eu ganhava sempre um extrazinho, porque eu tenho muito boa fotogenia, então, se era para fazer qualquer coisa: “Tem um cantor muito chato”. Só o cantor, só o cantor, então eu ia lá e improvisava para ser filmada, por causa da minha fotogenia. Ai eu ganhei prêmio, por exemplo, por dublar o West Side Story, eu fiz o papel da Maria. Dublava tudo aquilo, e com perfeição. Então, ganhei prêmio. A mesma coisa com My Fair Lady, no Melhores da Semana. Tinha um programa chamado Os Melhores da Semana, eu ganhei com West Side Story, com My Fair Lady, com Romeu e Julieta, que eu dancei também.
P/1 – Então havia uma grande diferença entre o espetáculo, se apresentar no espetáculo, e trabalhar na TV?
R – Sim, muito diferente. Porque no espetáculo, em um teatro, você tem todo um clima, uma coisa assim. Na televisão, não. Você está aqui e os cameraman estão andando para lá, outras pessoas, diretores, enfim, é uma coisa misturada. Aliás, eu vou contar uma coisa engraçada que aconteceu. Nós estávamos num programa na Record, também de variedades, tínhamos essa dança e aí tinha um grupo que era um Coral que ia cantar a Estrela Dalva. E o diretor... Como é que ele chama? Depois eu vou ver se lembro... Ele era bem malucão. Ele achou o pessoal do Coral muito feio, então eles quiseram que os bailarinos ficassem na frente. A câmera assim, olha, um pouco menos que essa distância aqui. E nós não sabíamos a letra total da música, não é? Então, alguém escreveu a letra numa coisa assim, porque era ao vivo e ficava assim, com aquilo para… O ensaio foi assim. Quando chegou na hora, a pessoa esqueceu. Eu, a Márica na primeira fila, e começou: “A Estrela Dalva, no céu…”, não sei o quê. E aí alguém lembrou e a gente vendo, o rapaz correndo, correndo, correndo, aí ele chegou e pôs assim para nós lermos de ponta cabeça, a Márica, que era muito fácil, nós começamos a rir, claro! Pôs de ponta cabeça. E ela começou a fazer xixi e o xixi escorrendo (risos).
P/1 – Isso na TV?
R – É. A mesma coisa lá no Rio. Tinha a temporada lírica, não é? E, na Ópera Aída, eu não estava dançando, a Márica fazia compassaria, que chama. Ela estava no palco, a entrada triunfal, quando ele vem da guerra para falar com a princesa. E eu estava assim. Ele se chama Paulo Forte, desta idade, sendo carregado por quatro, não é? Uma coisa assim, saída do museu, sabe? Eu não sei se foi o meu pensamento, tomara que não. Eu pensei: “Deus, como isso está aguentando?” E não deu outra, aquilo tchum. Então, a cantora tinha que dar a introdução e ele tinha que responder na marcha triunfal. E ele virava e a gente só ria, ele rindo assim e a Márica ali. E o palco do Teatro Municipal do Rio era assim, tanto que nossa sala de aula era onde é o foyer assim. E nós íamos… Eu, Márica e Aurea íamos no palco… Então, por exemplo, vou fazer uma pirueta aqui. Nós tínhamos que fazer assim, de tão inclinado que era. Hoje em dia é menos inclinado, mas ainda é um pouco. O que é uma ótima visão para a plateia, mas quem está dançando, o eixo tem que mudar assim. Então, a Márica fazendo xixi, o xixi escorrendo, assim (risos), para a ribalta. Uma outra vez, também, foi muito engraçado. Um cantor que se apresentava muito na televisão, chamado Romeu Perez - acho que é isso - Romeu Perez, que cantava música árabe, então ele ia cantar uma música e nós tínhamos que dançar. Um negócio de lencinho. E recebemos a gravação, fizemos a coreografia e fomos dançar em Santos, num lugar lá, no Clube Independência, que tinha um palquinho. Estávamos dançando, terminamos e tchum, todas! Éramos cinco ou seis. E ele continuou a música. Imagine, todas nós improvisamos. Então, nós pegamos de um ponto e fomos tá, tá, tá, terminar, tchum. E ele continuava. Depois da terceira vez, nós começamos a sair do palco, não é? E a Márica fazendo xixi, claro, porque nessa altura ela não aguentava segurar. Aí nós fomos perguntar para ele: “Por que você fez isso? Nós tínhamos combinado tanto assim”. “Ai, estava tão bonito, então eu não queria que terminasse” (risos). Imagine só! Então, coisas assim engraçadas que acontecem em cena. E é isso. Lembrei agora que eu acho importante esse período que eu vivi no Rio, no corpo de baile, eu pude dançar repertório. Porque em São Paulo, no Ballet do IV Centenário, o Millos, muito inteligentemente, pegou bailarinos de escola e nós não tínhamos nenhuma tradição quanto à repertório, coisa que no Rio tem. Ele montou ballets novos e quando eu fui para o Rio, tive a oportunidade de dançar ballets de repertório: Giselle, Coppélia, Sylphide, todos esses grandes ballets, que são chamados ballets de repertório, universalmente falando, não é? Então, foi muito enriquecedor também para mim nesse sentido. Mas é isso. Acho que… Agradeço a vocês o convite. Um dos motivos pelos quais eu vim aqui é porque vivemos em um país absolutamente sem memória e, pior ainda, sem interesse pela memória. Eu vejo bailarinos… Eu fui falar, recentemente, em Salto, sobre a dança em São Paulo, tinha um número de pessoas... Porque eu sou a história viva da dança em São Paulo. O que eu posso falar de detalhes que eu nem falei aqui hoje são coisas que não constam em livros. Então, o interesse poderia ter sido muito maior do que foi. Eu lembro, também, que quando Ivonice Sati faleceu, eu dava aula para os profissionais do Cisne Negro. Quando terminou a aula, eu falei sobre ela e pedi um minuto de silêncio. Terminou, a pessoa que é
assistente até hoje lá, de coreografia, que fazia aula também, veio dizer: “Neyde, que bom que você falou, porque eles não sabem quem é Ivonice Sati”. E a Ivonice, quando faleceu, ela estava atuando, estava em evidência, ela veio com uma Companhia que ela dirigiu e criou, de Manaus, veio para São Paulo, ela foi assistente do Ballet da Cidade, foi diretora do Ballet da Cidade, não há quinhentos anos. E eu fiquei impressionada com isso. Então, agradeço porque pelo menos vão ficar registradas aqui algumas coisas - não todas senão teríamos que ficar mais tempo ainda nessa conversa - para se alguém, um dia, quiser saber alguma coisa, possa estar aqui registrado e ver. Eu recomendo que vocês utilizem Festivais que têm por ai e divulguem que aqui está registrado isso assim, assim, assim… Boa ideia?
P/1 – Boa ideia.
R – Não é a 51, mas é uma boa ideia.
P/2 – Agora, algumas perguntas que são de praxe do Museu. Queria perguntar para você quais os seus sonhos hoje?
R – Meu sonho? Bom, é assim... Em 1980 ou 1981, mas é ali, eu fui dar aula em Campinas. Eu dava uma vez por semana e tinha um colega meu, do IV Centenário, que dava aula no fim de semana. E tudo aquilo que eu encontrei foi fruto do trabalho dele. Eu encontrei um trabalho já pronto, mas esse colega, como tem outros professores também, ele só gostava de dar aula para quem tinha possibilidade, talento. Não é um defeito, é uma coisa dele. E eu não me incomodo com isso, absolutamente, eu dou aula para quem tem, quem não tem, eu não pergunto, eu nunca perguntei: “O que você vai ser?” Eu dou aula como se a pessoa fosse ser profissional, porque se, de repente, ela quiser, ela está preparada para isso, devidamente preparada. Então, eu estava dando aula para a mesma turma que ele, uma turma mais fraca e uma turma mais adiantada que ele recebia assim. E tinha uma aluna da turma mais fraca com uma postura, com uma lordose bem saliente. Quem tem essa postura não consegue ter essa abertura que se chama andeor. Aí, numa aula, eu pedi para ela deitar: “Deite-se de barriga para cima, feche os olhos e encoste a sua coluna no chão”. E ela encostou a coluna no chão. Eu falei: “Sinta bem como a sua coluna está”. Deixei um tempinho. “Agora você vai levantar e vai ficar com a coluna exatamente como você estava deitadinha no chão”. E ela fez isso. Conclusão: depois de um tempo, quando ela começou a aparecer, porque ela não estava arrebitada, ela estava com a coluna colocada corretamente. Aí, passou um tempo, um dia, eu estou saindo para voltar para São Paulo, veio o pai dela: “Dona Neyde, o que a senhora fez com a minha filha que agora ela é feliz e ela só vive dançando o dia inteiro em casa?” Então, eu concluí que se eu encerrasse a minha carreira de professora nesse dia, eu teria cumprido a minha missão. Porque tudo na vida a gente não consegue grandes… Se daqui, um de vocês entender o que eu falei, já está para lá de bom. Então, o fato dela se sentir feliz e ter entendido a dança de outra forma, eu ganhei a minha carreira, não preciso de mais nada, não preciso que ela seja primeira bailarina da Ópera de Paris. Porque eu sou uma professora assim, eu não… Claro que eu fico feliz se segue a carreira e tem sucesso... Só na aula que eu dou às sextas-feiras, do ano retrasado para o ano passado, uns quatro, cinco rapazes, meus alunos, estão empregados na Europa. Vou ficar triste? Claro que não. Estão sendo realizados, eles me escrevem: “Dona Neyde, poderia ter aproveitado mais, a senhora é uma pessoa que lida muito com os espaços, vira pra cá, vira pra lá, e aqui eles exigem muito. Eu lembrei, e não sei
o quê…”. Então, eu fico feliz que eles estão seguindo. Mas eu também tenho esse objetivo: a pessoa tem que ser feliz, mesmo não sendo… Nunca vai ser profissional, mas que está conquistando, porque essa pessoa vai enxergar o mundo de outro jeito, com mais sensibilidade em tudo, tudo que ela enxergar. Ela vai assistir um espetáculo de ballet com outros olhos, ela vai poder analisar. Eu tenho uma aluna que casou, foi morar primeiro na Inglaterra, depois… Agora ela mora aqui em São Paulo, morou um bom tempo em Nova York, então ela ia muito assistir os espetáculos no Metropolitan, não é? Um dia, ela me ligou chorando: “Neyde, tudo aquilo que você falava em aula, agora eu vejo nos espetáculos”. Quer dizer, não está vendo o espetáculo com outros olhos? Claro! É diferente do que uma pessoa leiga, total, não é? Então eu me realizo com essas coisas também, não só com o fato de um bailarino seguir carreira com sucesso. Eu tenho duas alunas minhas que foram consideradas melhores bailarinas de não sei o quê, negócio de teatro. E passaram pelas minhas mãos. Tudo bem, claro que eu fico contente, mas não é só isso. E essa menina me deu de presente uma coisa mais ou menos assim, é um talco num plástico, tem uma coisa bem fofa assim, para você passar assim, que eu nunca usei. Está lá, eu guardo, olha quantos anos, no meu banheiro, eu olho para não esquecer que eu devo dar importância para todo e qualquer aluno, porque a gente nunca sabe de nada. Agora, no curso de férias que eu dei no Ricardo Scheir, vieram um rapaz e uma moça, o rapaz com muita dificuldade, muita dificuldade, dizendo que ele queria ser profissional e o que eu achava. Eu disse: “É uma pergunta que você faz que ninguém pode dar a resposta, você tem muitas dificuldades”. Mas depois que eu vi a Márica e trabalhei lado a lado com ela, o que ela conquistou, eu acredito em qualquer coisa. Qualquer coisa. Eu nunca vou dizer: “Vai fazer outra coisa”. Porque a gente não sabe mesmo, depende muito da força de vontade de cada um e da sorte, da coisa… De repente, estão precisando de um elemento assim. Pronto, deu certo. Então, é uma resposta que não dá para dar. E a menina também veio perguntar: “Eu não tenho o pé…”. Eu falei a mesma coisa: “Não dá para desvendar esse mistério” (risos).
P/1 – Você consegue colocar em palavras a importância do ballet na sua vida?
R – Em primeiro lugar a dança para mim é a minha vida. É por si só a minha vida. Através da dança eu me renovo. Chega assim a entrar numa sala de aula com dor de cabeça, terminar a aula, eu não tenho mais dor de cabeça. Só recentemente aconteceu uma coisa diferente na minha vida, porque o ano passado foi um ano muito pesado, com dificuldades, problemas na família, de saúde, tudo. E sempre com a dança e, graças a Deus, eu gosto muito também de estar na lavanderia, eu conseguia me renovar. E vamos dizer, passar uma vassoura no problema e tocar o bonde. Mas esse ano acho que me pegou mais fraca, tal, tanto que eu estou com herpes aqui, que é motivo de estresse, que eu tive baixa imunidade, tudo gerado pelo estresse. Então, a dança não conseguiu dessa vez. Agora já está melhor, mas eu estou falando com você, está repuxando, está ardendo, ela vem por aqui, assim. Começou dia vinte de novembro e é uma coisa demorada mesmo. Tomei a medicação que tinha que ser tomada, agora eu só faço compressas com água boricada gelada. Chegando na lavanderia, eu vou fazer. E é assim. Mas a dança conseguia, realmente, fazer com que os problemas… Tanto é que há vinte e dois anos eu tive câncer de mama. E foi numa época em que pessoas queridas também estavam com muitos problemas de saúde, problemas graves até. Que, quando foi comigo, não era nada. Nada vezes nada. E minha cunhada também, casada
com o meu irmão, e outros: “Nossa, Neyde, mas a dança faz tudo isso?”. Realmente faz assim. Outra coisa. Por exemplo, não há uma pessoa na lavanderia que... Estão sendo ótimos comigo, me levam vitaminas, eu estou tomando, aliás, mas é uma dor horrível! Com exceção de dor de dente, que eu já tive muito forte, isso que eu falei, essa dedicação à dança, exaustiva ao extremo, eu fiquei imune à dor. Eu tenho aluna oncologista, aluna cardiologista, aluna hematologista, elas ficam impressionadas com isso. Eu não sinto a dor que o pessoal diz que sente. E tenho certeza que foi gerado pelo esforço da dança, à qual eu me dediquei. E me criou uma energia que supera a dor, isso dito pelas próprias alunas médicas. Elas ficam impressionadas com isso e os meus parentes também. Mas uma coisa chata, por conta do câncer, imagine vocês, isso é bom contar. Eu fui dar aula no Ballet da Cidade e o diretor queria me contratar. Então, eu tive que passar pelo DMed. Eu tinha já dois anos, dois anos e meio feito a cirurgia. Aí, cheguei no DMed, tive que preencher, claro, vou dizer que eu fiz uma cirurgia assim, não vou mentir. E aí eu fui passar por um médico oncologista e duas médicas que vieram fazer perguntas, não sei o quê, não sei o quê… Por coincidência, eu estava com os resultados dos exames que eu tinha feito depois de cinco anos, depois foram diminuindo, do câncer que eu tive, de mama. E aí eu levei para ele, ele falou: “Você está até melhor do que eu pensava”. E eu não consegui trabalhar no Ballet da Cidade porque eu tive câncer, porque elas não me deram o aval. E o meu concunhado, que trabalhava numa repartição, ele também é médico, liga na lavanderia, umas oito e meia da manhã: “Neyde, saiu no Diário Oficial que você não está apta – outra palavra assim – para dar aula”. Quando uma aula é tudo de bom, não é? Mas eu penso assim… Isso já faz vinte e dois anos, mais ou menos. Acho que essas médicas já morreram e eu estou aqui conversando com vocês (risos). Mas você fez uma pergunta do que a dança é para mim, não é? É a minha vida! É, realmente, a minha vida.
P/2 – E a lavanderia? Eu acho que ela tem um valor emocional também, não é?
R – Sim, porque eu fiz muitas amizades na lavanderia, não é? Então, eu encontro… Onde eu moro, eu mal conheço minha vizinha daqui e minha vizinha daqui. Primeiro porque eu não paro e depois porque são casas, a gente não se cruza nunca, não é? Então lá, eu saio na rua para ir a banco e sempre encontro algum cliente. Às vezes, algum até… Ontem mesmo eu encontrei um rapaz que nem mora aqui, ele mora na Inglaterra e quando ele vem, fica um tempo aqui, ele vai lá, leva roupa e eu: “Oi…”. Nos abraçamos, nos beijamos, sabe? Assim. Então, o dia que eu não tiver mais a lavanderia eu vou sentir muito por causa da amizade que a gente fez. Então, por exemplo, para os clientes que… Essa história da água boricada foi uma cliente que falou: ‘Eu tive muitos anos atrás, o médico falou isso”. Eu não sei, isso é uma coisa muito antiga, mas sabe que dá um alívio? Então eu estou usando, porque é inócuo, então, tudo bem. Aí, uma outra, sabendo disso, me levou uma vitamina. Assim... Que eu estou tomando, porque a minha já estava acabando, o complexo B, não é? E ela levou com sei mais lá o quê, pá, pá, pá, pá… Toca o telefone: “Você melhorou?”, sabe? Então, é assim, me tratam com muito carinho, não é? E eu vou, realmente, sentir falta.
P/1 – Como foi contar a sua história aqui para a gente hoje?
R – Como foi? Ah, é legal porque para fazer isso você precisa de um momento, esse específico para isso. Não é uma coisa que eu fico pensando no meu dia a dia, claro, não é? Às vezes eu lembro de uma coisa por coincidência de um outro fato que pode estar ocorrendo, mas ter esse momento para ficar recordando… Tem coisas que eu vou recordando, às vezes quem sabe até mais importantes do que eu falei, que eu só vou lembrar depois. Porque nós não estamos falando de cinco anos atrás, estamos falando de setenta e poucos anos, não é? Se eu comecei com sete, setenta e três anos. Então, é muita coisa para ser dita. Mas uma coisa importante é que, realmente, eu não me arrependo. Nas várias fases que eu passei, eu sempre dei tudo, o máximo que eu pude dar. Então, eu acho que isso também é um dos motivos para eu não me arrepender. E é o que sempre eu recomendo para os meus alunos. Não importa a área em que você trabalha, todas as áreas. Eu li o Pete Sampras falando: “Eu não me arrependo de não ter tido a minha juventude”. Como eu me identifiquei com ele. Porque enquanto os meus amigos estavam aqui, lá e acolá, eu estava treinando. Outra pessoa que eu falo em aula, que eu adoro, meu ídolo, é Ayrton Senna. O Ayrton Senna era péssimo na chuva. Então, quando chovia, ele pedia para o pai levá-lo em Interlagos e, com o kart, ele ficava treinando. Então, a maior dificuldade do Ayrton Senna ficou sendo a maior qualidade dele, não é? São coisas que… A dança é vida, não é uma coisa à parte. Muitas pessoas pensam que a dança é uma coisa assim, do céu, extraterrestre. É nada! É muito chão, é muito vida. E assim... Eu considero todas as profissões, não só a dança. Você estando aqui, você estando… Você gravando, sabe, faça o seu melhor. Você e você. Porque quando vocês chegarem à minha idade, vocês vão poder dar uma entrevista desse tipo: “Olha, não me arrependo de nada, voltaria e faria tudo igual”. Não é bom?
P/1 – Muito linda. Muito obrigada pela sua história, por dispor de um tempo e vir aqui contar. Acho que todo mundo agradece muito, e é isso.
R – Está bom, mas eu recomendo que vocês divulguem mais, porque ninguém sabe desse Museu da Pessoa. Então, se vocês puderem divulgar na dança, eu também posso fazer isso, mas eu acho interessante, sabe?
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
[…] ele fazia criticas das escolas que era de Olenewa, Dona Lina Bernaca, Kitty Bodenheim, Maria Melô, _____00:34:29_____, que eram as escolas, Carmen Brandão, as escolas mais importantes de São Paulo. E o Nicanor Miranda, como eu era sempre solista […] – Página 07.
[…] então contratou Léonide Massine que era o nome depois de Nijinsky, era o nome, o grande nome na época para montar coreografias e tal, o ___00:54:16___, que era um russo radicado nos Estados Unidos, do nível de Balanchine, aí contratou ____00:54:23______. – Página 10.
E ele trazia expoentes que depois ficavam conosco, né, então veio _____00:57:20_____, Oleg Briansky,
que era junto com o Margot Fonteyn, as duas principais não do Royal Ballet, naquela época, chamava-se Sadler’s Wells. Depois, veio os principais da Opera de Paris dançar conosco e o ____00:57:41____ que era a estrela lá na companhia, dançava o pas de Deux de Romeu e Julieta, coreografia de Sergio ___00:57:48____ com Veronica Milakar, que era do grupo, pequeno grupo. E aí, ele passou para mim e para o Raul severo que era o primeiro bailarino do IV Centenário, primeiro bailarino do Rio, depois primeiro bailarino do __00:58:03____, um bailarino e tanto, tipo Baryshnikov, limpo, com uma técnica fantástica, meio baixo e tudo. Mas ele machucou depois o joelho e não pode acho que se lançar internacionalmente. E aí, eles que passaram a coreografia que nós ficamos dançando aqui, de Romeu e Julieta, de Sergio ___00:58:26____. Nossa, eu tô pulando coisas, né? – Página 10.
Eu vi numa grande bailarina falando de um ballet chamado Tema e Variações, coreografia do Balanchine, chamava ____01:47:47_____ , que falou a mesma coisa: “Eu nunca consegui solucionar o problema, mesmo fazendo, fazendo, fazendo…”, então, como aquilo foi feito para mim, eu tive um carinho muito especial. – Página 17.Recolher