Projeto Memórias do Comércio de Bauru
Entrevista de Nair Santos
Entrevistada por Claudia Leonor e Daiana Terra
Bauru, 27 de janeiro de 2021
Entrevista MCHV_004
Então, começando agora nossa entrevista, Nair, vou pedir pra você falar o nome completo, o local e a data de nascimento.
R1: Eu me chamo Nair dos Santos. Tenho... vou completar 60 anos e nasci em Cafeara, Paraná.
P1: E o nome dos seus pais e o que eles faziam, Nair?
R1: A mamãe sempre foi do lar, trabalhou muito em casa de família e chama Matilde de Campos Santos. E o papai, quando jovem, trabalhava na roça e quando nós viemos pra São José do Rio Preto, o papai tinha... ele se chama Manuel João dos Santos. Os dois falecidos. Inclusive, a mamãe faleceu dia 15 de dezembro agora. Ainda estamos vivendo ainda esse período...
P1: O luto, né?
R1: ... que ainda, com tudo isso é maravilhoso, porque é a única coisa certa. Tristonho, mas, ainda assim, maravilhoso. E o papai trabalhava na roça enquanto jovem e aí ele se aventurou a fazer um armazém lá no Paraná. E eu estava com três aninhos de idade nessa oportunidade. Nem três, dois. E, assim que eu nasci, o meu tio me trouxe uma galinhazinha, um pintinho de presente e que na qual veio ser meu padrinho. Só que essa galinha, esse franguinho, esse pintinho, era uma franga e ela ficou maravilhosa, grande, linda e encheu aquele quintal com aquele monte de galinha. E aí com esse monte de galinha, o papai vendeu as minhas galinhas, levantou todo o dinheiro e viemos pra São José do Rio Preto. Olha que chique! Então, desde pequeninha, eu sustentando esses negrinhos maravilhosos, que é a minha família. Com as minhas galinhas viemos pra São José do Rio Preto. Isso é muito bom.
P3: Galinha de ouro, né?
R1: Galinha de ouro. Galinha com os ovos de ouro. Isso é fantástico. ((risos))
P1: Nair, você cresceu no Paraná ou você cresceu... assim, a maior parte da sua infância você passou onde? Ou em Rio Preto?
R1: Não, eu não cresci no Paraná. A minha infância, minha primeira infância foi em São José do Rio Preto. E eu sempre uma menina espontânea e maravilhosa, extremamente abençoada, sem modéstia. A mamãe foi ajudar uma família, que, inclusive, a Dona Celeste veio a falecer, só que a Dona Celeste tinha cinco filhos e a mamãe tinha duas meninas: eu e minha irmãzinha. Eu com três, quase três aninhos e a minha irmãzinha com um aninho e seis meses, uma coisinha assim. E o papai empurrava carrinho, vendia pipoca em São José do Rio Preto.
P1: Ah!
R1: É, e ele pegou a gente pra não ficar lá na casa da Celeste, porque era muita criança pra mamãe cuidar, da mulher acamada, que o marido pediu, levou a gente com ele empurrando um carrinho lá de pipoca e pôs a gente sentadinha na sarjetinha, em frente do Externato Santo Antônio, em São José do Rio Preto. E veio aquela irmã, aquela freira maravilhosa e falou assim: "Baiano, essas duas meninas são suas filhas?". E ele falou: "Sim". Aí ela nos colocou para dentro da escola. Fizemos a nossa infância lá. A escola mais cara de São José do Rio Preto. As pessoas chegavam lá com motorista, tinha até luva e nós estudamos lá até o primeiro grau, que hoje eu não sei falar muito bem qual é a graduação hoje, nessa escola. Então, nós aprendemos a ter comportamento, nós aprendemos uma boa educação, nós aprendemos a lidar com o outro, porque era um colégio pago de altíssimo nível e nós duas, eu e minha irmãzinha, estudamos nesse colégio sem a menor distinção. Isso foi primordial para a minha e da minha irmã, nossa formação. Isso foi maravilhoso.
P1: Como é que chama a sua irmã?
R1: Maria de Fátima.
P1: Maria de Fátima. E vocês estudaram muito tempo lá no externato?
R1: Até passar para o colegial. Nós estudamos lá até o nono ano, eu não sei direito hoje como fala, mudou.
P1: Nono ano, nono ano.
R1: É. Nós estudamos lá. E depois, como não tinha como prosseguir - sem pagar um tostão - como não tinha como prosseguir lá...aí nós passamos na escola pública, que aí fomos ver o que era a realidade que nós não conhecíamos, eu e minha irmãzinha, nós não conhecíamos essa realidade, é... porque, de uma escola particular pra aquela época, preste atenção, há 53 anos, a gente não conhecia a realidade. Mas isso foi fundamental pra nossa formação, a nossa educação. Os primeiros passos de vida. Isso foi maravilhoso. Não deixamos de ser pobres...
P1: Uhum.
R1: ... mas tínhamos uma educação primordial.
P1: Tinha, assim, alguma professora ou alguma freira que você se identificava mais? Alguma disciplina?
R1: Era a Irmã Terezinha e a freira... e a Irmã Terezinha, que era feira e a professora era Maria Rosa.
P1: Ela dava todas as disciplinas ou tinha uma disciplina específica, assim, alguma matéria?
R1: Não, não. Era o primeiro, segundo ano, jardim, né? Porque, pô, jardim e a gente era tudo pequeninho e depois veio o primeiro aninho e era, assim, mesinhas coloridas. A gente ficava sentadinho nas mesinhas, o tapete era verde. E você vê, Cláudia, agora com o falecimento da mamãe, a funerária na qual nós fomos tratar ficava bem em frente do colégio e como eu moro em Bauru e tudo se tratou lá em São José do Rio Preto, enquanto estava todos os trâmites ali, eu atravessei a rua e entrei lá.
P1: Ah!
R1: E me identifiquei. E elas contam a história de que nós... que elas sabem que nós realmente passamos por lá, que não são os mesmos funcionários. Aí eu perguntei: "É o mesmo método?". Ela, a moça respondeu, da secretaria: "Nair, é o mesmo método de ensino até hoje". ((risos)) Então, eu falo: “São as coisas boas...
P3: Bem tradicional, então, né?
R1: Supertradicional, supertradicional. Aí eu falei que naquele momento não era o momento, mas que uma hora eu voltaria pra Rio Preto e ia visitar o colégio de novo. Que elas falaram: "Não quer entrar?". Aí eu falei: "Não. Agora eu estou tratando de um assunto muito, muito importante".
P1: Delicado, né?
R1: É.
P1: Ô Nair, que bairro vocês moravam em Rio Preto? Porque é uma cidade grande, né?
P3: Eu queria perguntar, ô Nair: nessa escola, você fez muitos amigos? Como que era sua relação...
P1: Ah, boa.
P3: ... de você e da sua irmã, com as outras crianças?
R1: Era muito simples.
P3: Me conta se você fez amigos, como que era.
R1: Sim. A gente fazia... era... tinha filinha. Como nós éramos as pequeninhas, nós ficávamos sempre na frente. E as freiras, os mesmos uniformes, o mesmo tudo era pra nós também. E a gente ficava muito pequeninha ali na frente, porque as outras crianças um pouquinho maiores ficavam atrás. E a mamãe sempre era convidada a ir na época de Dia das Mães, na Páscoa, que fazíamos os desenhinhos, aquelas coisinhas. Então, a gente fez bastante coleguinhas. Mas, por favor, não me pergunta o nome de nenhum, não lembro. ((risos)) Não lembro. Lembro, sim, assim, da carinha.
P3: Aham.
R1: Porque a gente brincava, mas... tinha um lugar que tinha bastante areia e as irmãs sempre junto. Era muita disciplina, mas era delicioso, era uma coisa simples, uma coisa... não era aquele regime. Eu vejo aquilo como um verdadeiro jardim de infância pra nós, mesmo. Tudo muito limpo, tudo muito chique. Hoje a gente fica olhando pra trás e vendo o que a gente viveu, hoje a gente entende melhor do que aquilo que a gente estava vivendo, porque achava que tudo quanto é lugar era daquele jeito...
P1: Uhum.
R1: ... e não era, né? Então, mas foi um início de vida muito abençoado e gratificante. Muito maravilhoso.
P1: E que bairro vocês moravam, Nair?
R1: No Parque Industrial que chama, lá em São José do Rio Preto. Na Rua Pedro Amaral, 1.172, no Parque Industrial, bem colado com a Boa Vista, com a Igreja Aparecida, que é famosíssima. Chitãozinho e Xororó, o Chitão casou lá nessa igreja, porque a Noemi é de lá. Sabe aquela igreja chique? Meu catecismo também, eu fiz nessa igreja. Que muito religiosa na época, Filha de Maria, essas coisas. Então, eu fiz catecismo lá. Uma infância e adolescência... muito trabalho. Trabalhei demais empurrando carrinho na rua com o papai, ele com o carrinho de pipoca, eu com um carrinho de melancia, laranja e abacaxi. Um carrinho imenso pra fazer o contrapeso. Então, até os meus 18 anos, quase 18, antes de entrar no Grupo Pão de Açúcar, no Jumbo Eletro, eu empurrava carrinho na rua com o papai.
P1: E vocês vendiam... porque, assim, a pipoca vendia na praça, né, que você falou. Mas e a pipoca com as frutas, onde vocês iam, assim?
R1: Juntos, juntos, juntos. Nós... o papai tinha esse ponto, que ele era único e exclusivo, ali na frente do Externato Santo Antônio e depois desse ponto, acabava a escola, nós íamos pra outro ponto, que é em frente da Santa Casa, lá em São José do Rio Preto.
P1: Ah!
R1: E quando nós crescemos, que a gente cresceu e que eu já tinha condições de empurrar um carrinho, aí ele fez um carrinho pra mim. E aí nós dois juntos, eu ia na escola na parte da tarde e depois, tarde e noite, ia. Antes disso, nós íamos lá nesses pontos, que era o ponto fixo. E levávamos. Tinha uma maquininha que descascava laranja, ele cortava as (‘fetas’? 17:27) de melancia e as fetas de abacaxi. E ele levava o carrinho de pipoca, amendoim, paçoca. Tudo a gente fazia em casa. E depois a gente colocava as frutas no meu carrinho e nós dois íamos. Até 17, 17 anos e meio, sempre trabalhando com o papai. Até ele ficar meio acamadinho e como nós dois cuidávamos da nossa família, eu falei: "Papai, amanhã eu vou procurar emprego" - falei pra ele, que ele ficou meio acamadinho e eu sozinha não dava conta. (Eu vou procurar emprego). Aí eu fui no Grupo Pão de Açúcar, o Jumbo Eletro, lá em São José do Rio Preto. Fui admitida na mesma hora. Eu devia ser linda, muito engraçadinha, porque ((risos)) eu fui admitida na mesma hora.
P3: Incrível também.
R1: É. E foi, assim, a libertação da nossa família. Pensa numa coisa maravilhosa. Porque a gente ia lá no barzinho do ‘seu’ Floriano e ficava comprando de picadinho em picadinho, porque a gente ganhava dinheiro todo dia e ia comprando picadinho. Só que, quando eu entrei no Jumbo, a gente passou a receber por mês. Aí eu fui lá no... fiquei linda, me arrumei toda e fui lá no Supermercado Santa Cruz. Só que a gente não sabia o que era supermercado e era de uns portugueses. A hora que o português viu a negrinha, ficou encantado, abriu crédito, podia pagar por mês lá. Olha que coisa mais fofa! Meu Deus do céu! ((risos)) Veio o primeiro salário. Uma fortuna. Uma fortuna. Meu primeiro salário foi uma coisa que nem... nunca a gente tinha visto tanto dinheiro junto nas mãos de uma menina de 18 anos. E aí em diante...
P3: Mudou tudo.
R1: ...até nesse presente momento, eu cuido de toda a minha família, de todos que se aproximam de mim. Tenho o que tenho, sou o que sou por causa das minhas funcionárias, por causa dos meus clientes maravilhosos, por todos os beliscões que eu ganhei na vida e eu não olhei pra eles, eu só olhei pra frente. E é por isso que hoje eu sou o que sou, tenho o que tenho e é por isso, talvez, que vocês estão falando comigo.
P1: Com certeza.
P3: Porque você é maravilhosa também. Porque você é maravilhosa, por isso que a gente está falando com você, a gente está comprovando agora.
R1: Agradeço a Deus. Eu agradeço.
P3: Eu estou apaixonada. Olha a minha cara.
P1: Nair.
R1: É uma trajetória muito linda, uma trajetória maravilhosa.
P1: Muito bonita, né? Eu tinha certeza que essa entrevista ia ser arrasadora. ((risos)) Nair, mas me conta uma coisa, assim: então, entrar no Jumbo Eletro foi um divisor de águas, né? Primeiro, a galinha, né?
R1: Foi.
P1: Primeiro o pintinho...
R1: Foi.
P1: ... e a galinha.
R1: Foi.
P1: Depois entrar no Jumbo Eletro. Mas, assim...
P3: Segundo a galinha de ouro.
P1... o que você foi fazer? Assim, trabalhar no Jumbo Eletro com o que, né? E que que era o Jumbo Eletro nessa época?
R1: O Jumbo Eletro é do Grupo Pão de Açúcar, do Abílio Diniz. E lá em São José do Rio Preto, abriu um magazine e eu comecei a trabalhar lá em 1980, 1980, quase... 1979 pra 1980. E eu entrei como operadora de caixa. Que, mesmo empurrando carrinho na rua, naquela época tinha o Senac. Como eu tinha estudado no Externato Santo Antônio, eu tinha sede de conhecimento, eu queria aprender coisas. Então, eu fui aprender datilografia, eu fui aprender escritório. Enquanto eu não estava empurrando carrinho com o papai, eu estava lá no Senac, que era de grátis e eu podia fazer todos os cursos. Eu aprendi a andar, eu fiz culinária, eu fiz um monte de coisas. Então, quando eu cheguei no Jumbo Eletro, eu tinha uma bagagem teórica muito boa, uma bagagem boa. Eu não tinha experiência, porque eu ficava empurrando carrinho na rua, mas eu tinha uma bagagem teórica e isso foi o primeiro passo pra que eu pudesse entrar lá. E eu fiquei no Grupo Pão de Açúcar por 12 anos. Porém, houve... logo que o Abílio sofreu um sequestro, ele saiu muito, assim, com o coração muito cheio de amor e falou assim: "Eu vou fazer alguma coisa pelos funcionários de todo o Brasil, que eu tenho". E ele fez um concurso pra quem tivesse algum tempo e quisesse subir de cargo e eu fui indicada pra fazer esse concurso, por um rapaz de São Paulo que um dia, ele veio e eu estava fazendo uma vitrine, Deus e eu dentro daquele Jumbo, mas eu queria deixar maravilhoso pro outro dia. E eu estava no lugar certo, na hora certa. Que eu estava fazendo a vitrine e ele chegou, ele só vinha de noite, ele chama Ferrari. Naquela época, ele era muito idoso já, mas era de uma elegância maravilhosa, o ‘seu’ Ferrari. E ele me viu lá em cima fazendo a vitrine. Aí, ele falou assim: "Milton, o que essa menina está fazendo aí uma hora dessa?". Aí, o ‘seu’ Milton ficou roxo, com medo, falou: "Agora eu vou levar um pito”. Né? Aí, eu desci rápido da escada e falei assim: "’Seu’ Ferrari, eu só estava fazendo a vitrine, mas já estou indo embora". Um medo lascado do homem, que ninguém o conhecia ele. Ele era o top do Grupo Pão de Açúcar. E ele ficou encantado com a minha postura em relação ao ‘seu’ Milton, tipo: "O Milton não tem culpa, eu que estou aqui querendo fazer a vitrine". E quando houve isso, ele indicou pra que eu fizesse esse curso. E, por alegria minha, eu passei. Eu passei. Só que existia uma coisa que chama... eu não vou falar essa palavra, que é feio e eu não a admito no meu vocabulário, mas existem pessoas que são preferidas em relação a quem é você. Às vezes você tem cultura, às vezes você tem conhecimento, mas você não é o preferido. Então, eu não consegui.
P3: A gente sabe, né, o nome disso, o nome que se dá a isso.
R1: É. Eu não consegui esse trampolim nessa época, mas algo maravilhoso ainda estava por vir. Todo mundo já tinha assumido os seus cargos e, no interior do estado de São Paulo, eu tinha passado em primeiríssimo lugar pra ser encarregada, mas não fui convidada a ir. Aí, passou um tempo, o ‘seu’ Ferrari voltou lá em Rio Preto. E quem que ele encontra? A cara da negrinha lá. Aí, ele perguntou: "Milton, mas o que essa menina está fazendo aqui? Ela passou no teste que eu mesmo vi e ainda fiquei muito feliz". Aí, o seu Milton, sem saber o que dizer e não disse nada, mas arrumou um lugar pra mim em... é perto de São Paulo. Não, é em São Paulo, num bairro que chama Lapa, em São Paulo.
P3: Ah, sei. Na Lapa.
R1: É. Só que eu, jovem, nessa época eu estava com 22 anos, do interior, nunca tinha saído de casa, São Paulo era algo muito distante e eu fiquei com um pouco de medo e falei: "Ah, eu acho que a mamãe não vai deixar eu ir pra São Paulo". Mas não era verdade, eu que estava com medo de ir pra São Paulo. E aí ele falou assim: "Então, vamos ver um outro lugar pra você". E aí tinha Bauru. Bauru tinha ônibus três horas da tarde, da Reunidas, que eu saía daqui no sábado às três, voltava no domingo às três e tudo maravilhoso. Podia ver a família, né? Que até então eu era provedora da família. E aí eu aceitei vir pra Bauru. Em 1985, em novembro, eu desci aqui em Bauru. Meninas, foi um sururu a hora que eu desci aqui em Bauru, parecia um ET ((risos)). Sabe por quê? Aqui, naquela época, tinha uma casa que chamava Eny. Eram moças de programa, essas moças maravilhosas e eu peguei e parei em frente da Yara Calçados. A Yara Calçados também era uma loja de sapato maravilhosa. E o táxi me deixou em frente da Yara Calçados. E as moças da Eny, lá, as mulheres maravilhosas, vinham de táxi pra cidade. A hora que eu desci, vestido amarelo, sapato azul, cabelo pra cima, falou: "Chegou mais uma na Eny, acorda". ((risos)) Tem gente que lembra de mim até hoje chegando em Bauru. É. Olha só que espetáculo! Foi uma chegada, tipo assim: “Chegou mais uma na Eny”.
P1: Triunfal, né? Triunfal.
P3: Triunfal.
R1: A gente deu muita risada depois, porque os empresários...
P1: Porque elas iam no final da tarde pra Batista de Carvalho, né?
R1: É e vinha de táxi fazer compras.
P1: É.
R1: Aí chega uma negra com aquela cinturinha fina, que eu era maravilhosa, né? 23 anos. Aquela cinturinha, aquele bumbunzão, com aquele vestido amarelo até no meio da canela, que eu nunca usei curto, mais aquele cabelo pra cima e sapato azul. Ah, tenha santa paciência, né? ((risos)) Mas isso assim, até hoje tem pessoas que lembram de mim, empresários, que hoje já estão bem mais velhos, que lembram de mim daquela época e falam: "Nair, olha, naquele dia, todo mundo falou: ‘Não, eu vou primeiro, eu vou primeiro, eu vou primeiro’". ((risos)) Foi muito engraçado. É uma história muito bacana.
P1: E onde você foi morar, Nair, nessa época?
R1: Eu cheguei aqui em Bauru e eu fiquei durante 15 dias morando no Hotel Cidade, pago pela empresa, até achar um lugar. Aí eu achei um lugar na pensão da Dona Cida. Bem aqui... era bem pertinho do Centro da cidade, pra não ter que ficar pegando ônibus, essas coisas. Duas quadras, ali, onde é hoje o Magazine Luiza, ali era o Jumbo Eletro. Era ali. E era duas quadrinhas dali. E eu morei durante uns três anos ali na casa da Dona Cida, uma mulher fantástica, maravilhosa, cuidou de mim como se fosse a mamãe. Morávamos eu, a Terezinha, que também trabalhava no Jumbo e a Gláucia, uma menina que estudava, uma menina linda e os pais vieram e colocou. Então, morávamos nós três ali na casa, dentro da casa da Dona Cida. E… e aí, foi... passou um pouquinho, aí eu aluguei uma casa e fui morar nessa casa sozinha e minha família podia vir me visitar, como vêm até hoje, duas, três vezes por ano.
P1: Gostoso. Nair, você foi trabalhar com o que no Jumbo Eletro? Porque era uma loja grande, né? Você falou que é onde é o Magazine Luiza. Era uma loja grande, de esquina, né?
R1: Imensa. Três andares. Aqui, mesmo lá em São José do Rio Preto, uma loja imensa. Eu comecei como operadora de caixa. Aí, eu subi pra assistente de tesouraria e depois eu pedi pra ser vendedora, porque vendedora ganhava muito dinheiro naquela época. E a minha encarregada, na época, que era só colega de trabalho, que encarregado era outro, da tesouraria, falou assim: "Ah, eu acho que você não dá pra ser vendedora". Aí, eu saí de férias e pedi pra ela: "Nesse período de férias, eu não posso ficar aqui, pra ser vendedora, pra saber se dá certo ou não?". E, pra nossa surpresa, minha e dela, naquele mês de férias, eu fui o primeiro colocado em vendas. Foi maravilhoso!
P3: Nossa!
R1: Aí, se eu achava que já ganhava uma fortuna, a fortuna triplicou. Né? A fortuna triplicou. Aí, nós mudamos de casa, nós alugamos cada um pra ter o seu quarto, porque a mamãe teve cinco filhos, quatro meninas e um menino, aí cada uma ficava... as crianças ficavam em dois quartos e o papai e a mamãe ficavam lá no outro quarto. Então, a gente já cresceu, já ficamos maravilhosos e eu nunca mais deixei de ser vendedora. E depois eu passei à encarregada de seção e depois eu passei, com a história do ‘seu’ Ferrari, à supervisora de loja. Foi quando eu assumi Bauru e foi uma das experiências mais marcantes e maravilhosas da minha carreira. Foi muito fantástico. Muito bom.
P1: Maravilha. Explica pra gente, assim, já que a gente está fazendo, né, uma entrevista, assim, de cunho histórico, né, o que vendia no Jumbo Eletro, quem era o público da loja, quais as seções que você trabalhou, assim, que você gostava de vender mais? Enfim, caracteriza um pouco essa loja pra gente.
R1: Tá. O Jumbo Eletro é magazine, porque tem variações. Tem a rede de supermercados, que é alimentos e tem os magazines. Eu era da divisão de magazine. Lá, eles vendiam quase tudo. Aqui em Bauru, no interior aqui, até barco. Barco, motor de popa.
P3: Nossa!
R1: É. Em São Paulo vendia moto. Lá em São Paulo, na Augusta, que era o bã bã bã da época, vendia motos, mini motores, assim. E aqui, nessa loja de Bauru, tinha móveis, eletrodoméstico, eletroportáteis, cama, mesa e banho, é… utilidades, infantil, masculino, feminino, calçado e linha de... é... como que eu posso falar? Esses... carregar peso, assim, como é que eu posso falar? Hoje tem um nome, fitness, aí, esse...
P1: Fitness.
R1: ... nome.
P1: Fitness.
R1: É, de academia, sabe essas coisas de academia?
P3: Barra, barra de peso, aqueles pesinhos.
R1: __________ (32:54), supino, as ___________ (32:59). Então, eu era gerente da linha soft. Tinha dois gerentes: o gerente hard, que era da linha mais pesada e o gerente soft, que era de toda a linha leve. Toda a linha leve: cama, mesa e banho, bijuteria, perfumaria, calçado, masculino, feminino, infantil, cama mesa e banho... essa linha aí de academia. Todo esse piso, todo esse plano que chamava soft, eu comandava todos esses funcionários. Eu tinha 23 anos, comandava uma empresa com 104 funcionários, desses 104, setenta eram minha responsabilidade. O meu mais novo tinha 28 anos, chama Luís e a minha funcionária mais velha, Ana, sessenta anos, infelizmente morreu nas minhas mãos, de câncer da mama. Então, foi aos 23 anos, isso já me aconteceu. E, graças a Deus, a gente conseguia… conseguia - talvez por direção Dele mesmo - lidar com todas essas pessoas, cada um com os seus problemas, mulheres fortes, algumas até lá da Eny, que trabalhavam durante o dia e à noite tinham suas vidas, que onde eu aprendi demais com essas mulheres fantásticas e maravilhosas, algumas ainda vivas, graças a Deus. Então, Bauru foi a minha ascensão profissional.
P1: Foi mesmo, né?
R1: Aonde eu chorei, aonde eu ri, onde eu tive, assim, mãos fortes, que me ajudaram nesse caminho, nessa estrada. Foi algo maravilhoso.
P1: Maravilha. Nair e, assim, quem era a clientela da loja?
R1: Praticamente Bauru e região. Porque como a loja era muito grande e vendia de tudo, claro, era de média um pouco mais elevada, média acima. Né? As pessoas com menos poder aquisitivo tinham um pouco de restrição pra entrar, embora isso não tivesse necessidade, mas a própria pessoa se limitar. Mas o público mesmo era de média acima, pra época, né? Que eu cheguei aqui em 1985, então era uma loja muito elitizada. Bauru e toda a região vinha pra comprar no Grupo Pão de Açúcar, em função de ter coisas diferentes, desfiles de moda, uma maneira diferente de mostrar o produto. A linha de vestes, de vestuário, era toda coordenada entre si: a camisa que combina com a calça, que combina com a saia, que combina com a bermuda. Então, tinha… tinha um glamour em volta desse atendimento, sabe? Então, era esse... esse era o público nosso.
P1: Maravilha. Agora, o Jumbo Eletro está na Primeiro de Agosto, né? Não está na Batista. Descreve pra gente, assim...
R1: Não.
P1: ... o comércio da Primeiro de Agosto.
R1: Olha, eu… em 1992, o Abílio fez um enxugamento das empresas dele. Enxugou. E aí veio um convite: "Ou você vai pra São Paulo ou, infelizmente, a gente precisa te desligar". E eu não aceitei, pela segunda vez, ir pra São Paulo e aí a gente se desligou. E o comércio, a gente ficava ali na Primeiro de Agosto e depois o comércio da Rua Batista de Carvalho era vibrante: Riachuelo; Loja Ceci; o Santinho, que era o Benone, que era sindicato; o Ferrarini; as lojas do turco, que falam, que eram os ‘Obeid’s’; a Yara Louca; a Econômica.
P1: Ferrarini. O que a Ferrarini vendia?
R1: O Ferrarini vendia produtos de maquiagem, perfume, sabe, uma coisa maravilhosa, uma coisa maravilhosa. A cidade era vibrante. Aí, logo veio o calçadão. Aquele calçadão que tirou toda a estrutura do interior, porque ele foi coberto. Pensa numa situação, num momento de euforia, num momento de grandes vendas, um momento que pessoas enriqueceram, sabe? O gerente da Riachuelo, Alexandre ele chama, é maravilhoso. Os Bancos, tinha o Banco Econômico bem ali, onde hoje é também uma loja de perfume, na esquina da Primeiro de Agosto. A Caixa Econômica Federal, bem ali em frente. Era gente que não acabava mais. Então, a Primeiro de Agosto, bem diferente, juntamente com a Batista de Carvalho, hoje calçadão, muito diferente de hoje, né? Hoje muitas pessoas, tudo, mas a gente sabe que a vida foi espremendo, achatando, mas a época era, era… situação, assim, vibrante. Esse é o nome: vibrante. Acho que todo o nosso país, na época.
P1: E tinha, assim, promoções específicas pro Dia das Mães, Dia dos Pais? Já tinham isso, nessa época?
R1: Sim, sim. Promoções, é… propagandas, tinha carros de som na rua. Aqueles carros de som falando, aquelas pessoas com um cartaz na frente, outro atrás, o paraquedas dançando com a Nega Maluca ((risos)). Era pitoresco aqui na cidade. Sabe? Algo, assim, algo que você olha e fala assim: "Éramos tão felizes". Não que não sejamos hoje, mas era uma época considerada a época quase que de ouro. Porque de ouro é o que nós vivemos hoje, né? O que você teve...
P3: Uhum.
R1: ... hoje é ouro. Isso é ouro, porque você está aqui, está vivendo. Mas era uma época muito, muito maravilhosa. Época que a gente fala assim: "Nós ganhamos dinheiro”. Quem pôde construiu, quem pôde se fez, que hoje, pra se fazer, com tanta facilidade com o qual nós fizemos lá atrás, hoje é um pouquinho mais difícil...
P1: Mais difícil.
R1: ... em algumas situações. Sim, sim, sim.
P1: Ô Nair, me diz uma coisa assim: e desse período que você começou… chegou em Bauru e começou a trabalhar no Jumbo Eletro, você falou primeiro da pensão e depois da sua casa, né? Mas, assim, entre o trabalho e a casa, o que vocês faziam de lazer, aonde vocês iam, o que vocês frequentavam aqui em Bauru, assim, nesses anos 1980?
R1: Existia um barzinho aqui que chamava Convívio, tem... tinha um outro... tinha o Casarim... Camarim, que era uma boate, que eu nunca fui, não conheci o Camarim, mas tinha essa boate Camarim, mas o top mesmo na época era o Nações Unidas. Tinha lá umas lanchonetes que ficavam debaixo de umas árvores, umas mangueiras e, no final da tarde...
P1: Jardim do Chopp?
R1: Exatamente, Jardim do Chopp e debaixo da árvore. Ia pra lá e ficava lá e ficavam aquelas motos que subia, que descia e as pessoas gostavam de dançar. Teve uma oportunidade aqui que veio uma casa de dança que chamava Estação Primeira, fica lá na Feira do Rolo, um negócio que vende de fio a pavio, naquela esquina que depois já é a ferroviária? Uma loja, assim, grande?
P1: Uhum.
R1: Lá existia um lugar que chamava Estação Primeira. Quando aquilo foi inaugurado, foi uma febre aqui em Bauru. Então, tomava lanche lá no Esquinão com o ‘seu’ Zé, sabe o ‘seu’ Zé do Esquinão?
P1: É mesmo?
R1: É, o ‘seu’ Zé do Esquinão...
P3: Que legal.
R1: ... fez um lanche pra mim. Logo que eu cheguei aqui, ele fez um lanche pra mim. Que eu cheguei e falou assim... eu estava lá no hotel e falei: "Olha, onde que eu vou comer alguma coisa?". Aí, o rapaz do hotel falou assim: "Vai ali no Esquinão e pede um lanche de pernil". Que, na época, era o top. Quando eu cheguei lá, quem que vem me atender? O ‘seu’ Zé, lindo, maravilhoso: "Oi, fia". Falou assim pra mim. Eu falei: "O senhor é que é o ‘seu’ Zé?". Já toda, né? Ele falou assim: "Sou eu mesmo" "Me falaram pra eu vir aqui comer um lanche de pernil". Ele falou: "Não, eu vou fazer pra você um bauru. Você é muito magrinha pra comer um lanche de pernil ((risos)), não vai aguentar". ‘Seu’ Zé me fez um bauru. Olha que espetáculo! Espetáculo! Então, eu tenho essas lembranças, dessa época. Então, era isso que se fazia. Eu passeava, na maior parte do tempo, com um ou dois conhecidos, que era lá da Dona Cida, porque as meninas e os funcionários lá da loja, lá da época, tinham as outras coisas que elas faziam à noite e elas falavam, até eu saber o que elas realmente faziam: "Aonde nós vamos, você não pode ir, chefa". ((risos)). Até descobrir o que faziam.
P3: É.
R1: Eu só descobri porque, numa oportunidade, uma chegou com o rosto muito desfigurado e aí eu falei: "Seu esposo, alguém está te batendo? O que está acontecendo?". Aí, uma delas não suportou, não vou falar nomes aqui e me chamou num canto e falou: "Olha, é assim, assim, assim. Eu, fulana, cicrana”- enumerou algumas - “nós fazemos isso, isso e isso, mas a gente é maravilhosa". Eu falei: “Não, vocês não são maravilhosas só, vocês são fantásticas, são maravilhosas”. Foi onde eu aprendi muita coisa, o que é realmente ser uma mulher de vida, uma mulher... porque, até então, uma menina lá com papai, com a mamãe, Filha de Maria e essas mulheres, com as histórias delas, foi algo maravilhoso, que eu carrego como um orgulho, um troféu e até hoje, pra mim, pra minha história, que eu acho fantástico. Abençoadas sejam elas, graças a Deus. Hoje com suas famílias lindas, maravilhosas, modernas, avós. Lindas, lindas, lindas, lindas, lindas.
P1: Coisa linda, né?
R1: Lindo.
P3: Que lindo.
R1: Lindo demais.
P3: Ô Nair, você comentou do lanche, a gente falou com o Joia e ele fez um bauru pra mim também, você acredita? A sua história é parecida com a minha.
R1: Eu não acredito ((risos)).
P3: Ele falou: "Você vai comer um lanche, né?". Eu falei: "É e eu estava pensando em pedir o de pernil, que eu gosto tanto". Ele: "Não, eu vou fazer um bauru pra você". Na hora que você contou...
R1: ((risos)) Olha!
P3: ... eu falei: "Mentira". Aí ele fez um bauru pra mim, o Joia.
R1: Joia é maravilhoso.
P1: O Joia é filho do Zé, o Joia é filho do Zé. Não sei se você conhece.
P3: O filho do ‘seu’ Zé.
R1: Eu o conheço.
P1: Você conhece?
P3: Incrível.
R1: Inclusive, ele casou com uma moça que trabalhava no Ferrarini.
P1: Ah!
P3: Foi?
R1: É. Ele casou com uma moça que trabalhava no Ferrarini, que inclusive é nossa cliente também.
P1: Ai, que ótimo.
P3: Legal.
R1: Muito gostoso. Muito gostoso.
P1: Nair, e cinema? Vocês iam ao cinema?
R1: Sim. Tinha o Cinema Alvorada bem em frente ali, no Hotel Alvorada, do lado onde hoje é a Casa Romeira, é um cinema. Tinha um cinema ali. Tinha o Cine Capri, que era bem do lado do Jumbo Eletro, bem do lado, tinha cinema. Mas não, eu não... uma vez, talvez, mas era... pra mim, era muito fechado, muito escuro. Eu não era muito de ficar assim, então... e acabava tarde e aí eu tinha que ir pra casa sozinha, mesmo com duas quadras. Não era... não sou muito de andar de noite sozinha, assim. Então, naquela época, a gente não ia muito no cinema. Não, não. Eu, particularmente, não ia muito no cinema, não.
P1: Agora, você comentou que você é muito religiosa, né? Você frequentou as igrejas aqui, os movimentos?
R1: Quase todas. ((risos)). Quase todas, quase todas. Ecumênica ((risos)). Quase todas. Eu fui conhecer um pouco da Messiânica, eu fui conhecer um pouco das igrejas evangélicas, eu fui conhecer um pouco da Rosa Cruz. Inclusive, eu fui num casamento na Rosa Cruz que tinha em São Paulo. Eu nunca tinha vivido aquela experiência e achei fantástica. Fui convidada por uma amiga, a Dona Rosa, uma professora e a Dona Rosa falou: "Nair, eu fui convidada pra ir num casamento, você não quer ir comigo, pra eu não ir sozinha?". Falei: "Eu vou, Dona Rosa, eu vou, sim". E lá fomos nós pra São Paulo. E você sabe quem que é o irmão da Dona Rosa, na época? Morava lá nos Jardins. Pra entrar na casa do Silvio Uehara, que ele era... assinava a Revista Abril na época, a Revista Abril. Não tinha a Revista Abril?
P3: Tinha, tinha.
R1: E ele era o cara da Revista Abril. E ele morava lá no Jardins, em São Paulo. Tinha guarita na frente do peão, pra gente entrar. E eu nunca tinha visto aquilo!
P3: É um bairro bem elitista, é um bairro bem caro de São Paulo, o Jardins.
R1: É, eu nunca tinha visto aquilo na minha vida. Nunca. Porque no interior, aqui, acha? E aí, nós fomos e a Dona Rosa Uehara, irmã desse ‘seu’ Silvio, inclusive, o filho da Dona Rosa também chama Silvio e aí, fui lá e dormimos essa noite na mansão, porque hoje a gente entende... naquela época, eu só achava que era uma grande casa e hoje a gente entende que aquilo era uma mansão. E nós dormimos lá. Então, eu falo que a vida sorriu muito pra mim, a vida sorriu demais. Então, nesse período, eu vi a casa do Silvio Uehara lá com a Dona Rosa e no outro dia fomos num casamento no Rosa Cruz, que acontece no subterrâneo. A igreja, você desce não sei quantos metros além do nível da terra. Você desce, desce, desce, em fila indiana, não pode pisar fora daquele tapete. Foi uma das experiências também jamais esquecida, que eu pude viver. Então, histórias fantásticas, maravilhoso.
P3: Ai, que sorte, né?
R1: Essas mãos fortes que me pegaram pela mão e foram mostrar um pouco do que é a nossa vida, um pouco do que é o planeta Terra. Quanta… quanta diversidade, quantas pessoas maravilhosas, quantas pessoas que têm crenças infinitas, que a gente não tem dimensão da beleza que é algo que chama humano. Humano.
P1: Impressionante, né?
R1: Eu amo. Eu amo, eu amo. Eu amo.
P1: Porque estar no comércio é lidar com o ser humano, né?
R1: Exatamente. É um amor pelo próximo. É um amor pelo outro. Porque você se coloca na posição de. É o que eu digo a elas: "Você gostaria de ser preterida? Você gostaria de ser mal atendida? Você gostaria de chegar num lugar e uma outra pessoa abraçar a outra e não abraçar você, sendo os dois clientes?". Não é verdade? Claro que você não tem centrão, cada um que chega. Não, estudar a situação, mas tratar com elegância, porque é isso que você gostaria de ser tratado: com elegância, com educação, com simplicidade. Quando você é simples no trato, as coisas fluem e as pessoas, elas dão dica de como elas querem ser tratadas, não é verdade?
P1: Uhum.
R1: Ou mais formal, ou menos formal. Então, é você conhecer esse universo chamado humano, porque você faz parte dele. Né? Agora, você não está bem, vai ficar soltando... dando chute nos cachorros e quem tiver à sua volta? Não, não podemos, né?
P1: É.
R1: Isso não quer dizer que a gente não chora, que a gente não tem as nossas lágrimas atrás do balcão...
P3: Sim.
R1: ... que a gente não tem as cólicas menstruais, que a gente não tem as TPMs da vida. Agora, você olha: “Não olha não, que eu não estou boa”. Não, não, não, não, não. Aí fala: "Nair, hoje eu não estou bem, posso ir embora?" "Vai, filha, vai. Vai cuidar de você". As outras: "Nair do céu, eu cheguei agora em casa, estou manguaçada, não aguento, não aguento ficar de pé" "Então, vai dormir, vai dormir, amanhã você volta". Por quê? Humano. Não é? A gente tem que ser, aí, um tanto quando maleável. É gente tratando com gente.
P1: Maravilha.
P3: Incrível.
P1: E aí você ficou no Jumbo Eletro até quando, Nair?
R1: 1992.
P1: Hum. E o que aconteceu, assim, na sua carreira? Qual que foi a...
R1: Aí, eu saí do Jumbo Eletro, peguei todo o meu salário, tudo que cabia a mim e abri uma mercearia.
P1: Mas o Jumbo Eletro fechou ou você saiu? Como é que foi isso?
R1: Fechou.
P1: Fechou, né?
R1: Fechou.
P1: O Abílio Diniz encerrou a operação Jumbo Eletro, né?
R1: Aqui em Bauru. É, aqui em Bauru fechou, fechou mesmo.
P3: Ah, acabou a franquia.
R1: Isso. Ficou até um período um escritório apenas, pra tratar com os funcionários o desligamento, tudo com o escritório, mas ele fechou portas, mesmo. Inclusive, o ‘seu’ Caum… Caum era o superintendente de segurança na época, do Grupo Pão de Açúcar. Ele veio, esperou, era mais ou menos umas setes horas da noite, eu fechei a loja, coloquei a chave dentro dum lacre, assinei, entreguei pra ele e falei: "Tchau". E aí, eu subi dali do Centro e fui a pé pra casa, pra entender que eu não fazia mais parte daquela organização, que Bauru não tinha mais aquela loja. Aí passou um período, inaugurou-se o Eletro. Eletro. Que é onde está até hoje, quase na Rua Carvalho ali, o Eletro. E ele fez isso com muitas empresas do Grupo Pão de Açúcar.
P1: Uhum.
R1: Enxugou bastante nessa época. E eu optei por não ir pra São Paulo de novo, e aí, foi pago a mim tudo que cabia e eu abri a minha mercaria, lá no Parque Vista Alegre.
P1: Por que uma mercearia? E por que no Vista Alegre?
R1: Eu morava lá no Vista Alegre nesse período, né?
P1: Uhum.
R1: Eu morava lá e… e aí lá tinha um balcãozinho bem pertinho da minha casa, assim, que era da Odete. E aí, eu aluguei e fiz uma merc… quitanda e mercearia. E foi ótimo, foi ótimo, foi maravilhoso. Só que ninguém entrava na minha mercearia.
P1: Por quê?
R1: Ninguém, ninguém.
P3: Por quê?
R1: Porque eu era muito chique. Eu era muito chique. Parecia rainha da cocada preta, que coisa feia, mas eu não entendia, eu não entendia que aquelas roupas que eu usava pra ir trabalhar, porque, até então, lá no calçadão, até hoje algumas pessoas falam - eu não me vejo - mas falam que eu era chique, aquela coisa maravilhosa.
P3: Ah, você é elegante, Nair.
R1: E eu lá na mercearia, com aquela chiqueza. Acha que as mulheres...
P3: Elegantérrima.
R1: ... lá do Parque Vista Alegre ia entrar? Nunquinha. Aí, e eu: "Mas por que elas não vêm? Por que elas não vêm? Eu preciso fazer alguma coisa”. Eu fui no Ceasa, comprei uma abóbora quase que de um metro e eu fiz um doce de abóbora em pedaços que fica, assim, durinho por fora e aquele creminho por dentro, que você morde e solta aquela calda, assim, na sua boca. Eu fiz, fiz um doce daquele e peguei e coloquei numa compoteira e saí batendo de porta em porta, ali na minha redondeza. E aí, eu me apresentava: "Eu me chamo Nair, eu inaugurei a quitanda ali e eu vim trazer um docinho, pra me apresentar. E por que você não vai?”. Pra uma, duas, eu perguntei. "Nossa, eu vou lá? Você é muito chique. A gente vai lá de chinelo de dedo, como que eu vou lá?". Aí eu falei: "Não, eu não sou chique". Mas aí, depois disso, esse feedback que elas me deram, que eu andei, devo ter andado tipo dez quadras pra frente, dez quadras pra trás, dez quadras do lado, dez quadras do outro, sabe? Assim, batendo palma, dando docinho e fazendo aquele corpo a corpo. E aí, no outro dia, eu desci lá na cidade e comprei uma legging, na época estava começando a usar aquela... essas leggings. Comprei uma legging, comprei uma sapatilha, coloquei uma camiseta e fui trabalhar daquele jeito. E elas começaram a vir, vir e aí, depois, uma delas falou assim: "Ah, não precisa vir de legging, não, pode vir chique mesmo, porque assim a gente se espelha em você". Eu falei: "Ah, agora eu já acostumei com a legging". ((Risos)) "Agora eu já acostumei com a legging". E eu fiquei durante seis anos nesse espaço e toda tarde, meninas, elas vinham e a gente colocava a mesinha lá fora, tomávamos café da tarde e foi um sucesso absoluto. Aonde eu pude olhar um pouco para a minha vida. Eu pude comprar um terreno, eu pude fazer uma casa, porque até então, eu estava cuidando da família. Fazendo a casa pra família, cuidando da família e aí, depois, eu pude olhar um pouco pra mim, que é onde eu moro até hoje, que é uma maravilha, é o meu espaço, é o meu mundo.
P1: Que delícia!
R1: Tudo lá trabalhando na minha quitanda. E aí, quando chegou um belo dia, eu fiquei muito cansada. Há seis anos, eu acordava às seis horas da manhã. E também nesse período inaugurou Sacolão da Fartura, Sacolão de Economia, sacolão de tudo quanto é sacolão. A mercearia ficou reduzida, a quitanda não vendia mais como era pra vender, porque elas iam comprar no mercado e já comprava tudo lá. Dava cheque pra mais tempo. Então, melhorou a vida também diferente, assim. E eu não estava conseguindo mais ficar com a mercearia. Aí, num domingo, eu fechei a mercearia e na segunda-feira eu abri... eu fechei a quitanda e na segunda-feira eu abri como bar e mercearia. Não era mais quitanda, não era mais quitanda...
P3: Bar e mercearia.
R1: ... e mercearia, era bar e mercearia. E aí, a hora que eu abri, na segunda-feira, era mais ou menos umas 10 horas da manhã, primeiro cliente: um negrão imenso, desdentado, maravilhoso, bateu no balcão assim, ‘paf’, aquela mãozona, e falou assim: "Dá um rabo de galo". Aí eu olhei pra ele e falei assim: "Querido, o que é rabo de galo?". Ele olhou pra mim e falou assim: "Mas como? Como que a senhora não sabe o que é rabo de galo?". Aí eu falei: "Não sei o que é rabo de galo" "Tem pinga?". Eu falei: "Tem" "Tem Cynar?". Eu falei: "Tem" "Pega um copo". E aí...
P3: Não acredito.
R1: ________ (58:37), assim. Aí, eu peguei o copo, pus lá. Aí ele: "Vai pondo, vai pondo, vai pondo". Aí, eu pus até onde ele falou. Aí ele falou: "Agora pega o Cynar. Vai pondo, vai pondo". Pus. Ficou o copo americano cheio, com as duas situações. Aí ele uauauauau, tomou, bateu, assim, com toda força o copo no balcão e eu falei pra ele: "E agora, quanto custa isso daí?". Ele falou: "Quanto que a senhora cobra a dose de pinga?". Eu falei: “É pra cobrar cinquenta centavos”, naquela época, aí ele falou: "Então, a senhora cobra duas doses de pinga e cobra uma dose de Cynar". Aí, ele pagou o certo que era e falou: "Amanhã eu volto aqui, quero ver se a senhora aprendeu". Só que ele não voltou amanhã, ele voltou de tarde, com um monte de negrão, um monte, um monte e eles foram a grande virada da minha vida. Eles que me ensinaram o que que é lidar com bar, o que eu tinha que fazer. Sucesso absoluto, porque eles tinham uma oficina mecânica virando logo ali. Sabe em frente da casa do garoto lá, tinham uma oficina mecânica. E aí, toda hora eles vinham lá pra comer, aí vinha comer... aprendi fazer pururuca, aqueles torresmos lá de pururuca. Eu aprendi fazer coisas que eu jamais imaginava que eu pudesse fazer e eu aprendi, fiz e eu fiquei ali durante seis anos na minha mercearia e eles ficaram comigo até o último instante e trouxeram todos os clientes possíveis e imagináveis: preto, branco, japonês, todo mundo queria ir lá, porque eles tinha timba, eles tinha o tal do pandeirinho e de tarde ia lá e cantava aqueles pagodes. Não tinha quem não parasse lá. Não tinha. Foi a grande maravilha, a segunda virada, a coisa maravilhosa que pôde me acontecer. É fantástico. Fala que gente, humano não ama o humano. Ama, porque faz essas coisas. Não é verdade?
P1: É. Nair, como é que chamava a mercearia? O bar mercearia?
R1: Quitandinha. Quitandinha.
P1: E a quitanda?
R1: A Quitanda chamava Quitandinha.
P1: A quitanda também chamava Quitandinha?
R1: Quitandinha. Ficou Quitandinha para sempre e é Quitandinha até hoje, porque quem comprou de mim está lá até hoje.
P1: É mesmo? ((risos))
P3: Incrível!
R1: Sim, verdade.
P3: Quantos anos a pessoa está lá? Há quantos anos ela está lá, Nair, com a Quitandinha, essa pessoa que você passou o ponto?
R1: Olha, eu fiz a Quitandinha em 1992 e eu saí de lá em 1997, 1998 por aí, que eu deixei... 1997. Nesse período de 1997, o ‘seu’… a Alice comprou a Quitandinha, né? O ‘seu’... como que chama ele? Esqueci o nome dele, do marido, compraram, estão lá até hoje. Até hoje eles estão lá. E aí, eu saí e fiquei um ano trabalhando numa marmitaria. Eu, depois que eu vendi a Quitandinha, um cliente da marmitaria que trabalhava na Texaco, falou: “Não, anjo, eu preciso de alguém assim, assim, assim”. E ofereceu um salário maravilhoso, aí eu fui trabalhar na marmitaria e depois de um ano a Texaco fechou aqui em Bauru, as atividades, o posto Texaco, essas coisas, voltou para Paulínia e eu fiquei uns dias em casa, curtindo a casa, que ainda só trabalhava, estava... tinha construído lá, mas ainda não ficava, porque saía cedo e só voltava de noite, ficava curtindo, fiquei um período curtindo a casa. Aí veio o segundo patrão, né, que foi o grande precursor, o grande... não sei como dizer, mas foi a pessoa que deu o grande empurrão pra que eu tenha o que eu tenho hoje, porque eu fui trabalhar numa joalheria, ele me convidou pra trabalhar.
P3: Qual joalheria?
R1: É uma joalheria aqui...
P3: Qual o nome da joalheria?
R1: Posso falar o nome?
P1: Pode, pode.
R1: Fui trabalhar na GoldSilver.
P3: Pode.
P1: Ah!
R1: Isso.
P3: Ah, sei, eu passei lá. Ficava na Batista?
R1: O Claudeval Luciano Silva, o dono da GoldSilver, foi gerente junto comigo no Grupo Pão de Açúcar e ele aqui em Bauru. E aí ele mudou, a vida mudou, porque como fechou, ele já tinha sido dispensado um pouco antes e ele fez a...
P3: Tiveram de se reinventar, né?
R1: É. A vida dele lá em Botucatu, deixou de viver em Bauru. E aí, nesse ínterim aí, que eu estava em casa, ele ligou: “Eu comprei a Yara Calçados e eu quero que você venha cuidar aqui pra mim, porque eu não posso ficar aqui, tem que ficar lá”. Mas a gente... eu não queria aceitar, não queria mesmo aceitar vir trabalhar na GoldSilver, com o ‘seu’ Luciano, eu não queria aceitar. Aí ele ligou mais uma vez e eu continuei não querendo aceitar. Aí ele ligou pela terceira vez: “Venha pelo menos falar comigo”. E eu, pra não ser deselegante, feia, desagradável, porque ele foi meu colega de trabalho. Aí, eu fui. Aí eu fui e ele escreveu um papelzinho assim e deu um papelzinho pra mim e um papelzinho pra ele, uma caneta pra mim, uma caneta pra ele. Aí ele falou assim: “Escreve o número, quanto você quer ganhar”. Aí eu falei assim: “Ah, eu vou pegar o ‘seu’ Luciano, eu vou colocar bem alto, que assim ele vai ver que eu não estou querendo muito vir”. Não é assim? E coloquei um número que eu achava pra mim, que fosse alto, só que o dele era uma vez e meia mais do que eu tinha colocado. Aí, ele virou, eu dei o papelzinho dele pra mim, ele deu o dele pra mim, sabe, assim, trocou o papel? E aí eu falei assim...
P3: Aí trocou.
R1: Ele falou: “Agora você não pode desistir”. Eu falei: “Está bom”. Ele falou: “Não, eu só quero que você venha trabalhar aqui, só pra coordenar obra” - porque ele estava reformando – só pra coordenar obra… “cuidar dos pedreiros, contratar funcionário, sabe? Só pra coordenar obra. E ele falou: fique por três meses comigo só, só pra coordenar, depois se você não quiser ficar, tudo bem”. Aí eu fiquei e fui atrás de tudo, documentação, todas as coisas, que a gente já era meio engajado com essas coisas de loja e fizemos tudo, tudo, cofre, tudo, pessoas, treinamentos, coquetel. Aí, inaugurou a loja e nós subimos e ele falou assim: “Quanto eu lhe devo?”. Eu falei: “Querido, o senhor não me deve nada, só o salário, só quero meu salário porque...”. Entreguei a chave da loja. Aí ele falou assim: “Bom, agora e se eu te oferecer um pouco mais, por mais três meses? Pra você ficar aqui, pra linkar eu com a cidade de novo, você é a cara da cidade”. Eu falei: “Está bom, eu fico, então”. Ele falou: “Só que eu vou pros Estados Unidos, eu vou descansar um pouco e está chegando uma gerente aqui na loja”. Eu falei: “Não tem problema” “Você fica pra coordenar um pouco a gerente, com as pessoas, com os funcionários, foi você que contratou”. Aí a gerente veio, uma mulher linda, maravilhosa, morava em São Paulo, mas ela ficou 25 dias...
P1: Ó!
R1: ... e foi embora. É, não ficou. Aí veio um outro gerente, o Milton, ele era gerente da Loja Cem. Maravilhoso, lindo, um homem maravilhoso. Só que ele era homem vendendo geladeira, fogão, pra vender brinquinho, anelzinho. Ele também ficou 28 dias. E um dia ele me chamou, porque o Luciano não estava, estava viajando, que eles viajavam bastante. Falou assim: “Nair, aqui está o meu segredo pra abrir a loja, aqui está a chave da loja e eu vou embora, amanhã eu não venho”. Eu falei: “Milton, você não pode fazer isso. Você é o gerente da loja, como que você vai fazer isso, vai embora? O patrão não está, ‘seu’ Luciano não está”. Ele falou assim pra mim, o Milton: “Ninguém conhece mais essa loja do que você. Fique aqui”. Porque eu sabia onde que estava cada tijolo, trabalhei lá de servente. Aí ele falou: “Vou indo embora, amanhã eu vou começar a trabalhar numa outra empresa, aonde eu tenho maior conhecimento”. Aí, eu fiquei até às oito da noite esperando dentro da loja - meu marido do lado de fora, na época - o ‘seu’ Luciano chegar, que ele tinha saído pra um passeio e eu precisava ligar pra ele. Aí ele chegou: “Está acontecendo assim, assim”. Ele falou assim: “Nair, tem dinheiro no cofre?”. Porque eu que cuidava do cofre. Falei: “Tem” “Então, você sabe o segredo da porta?”. Eu falei: “Sim, claro. Sei. Sei o segredo”. “Então, Nair, cuida aí de tudo, fica sossegada, quando eu voltar, a gente conversa”. E essa “conversa”, eu fiquei durante sete anos. ((risos))
P3: Nair, deixa eu perguntar: por que que você não queria aceitar?
R1: É um outro assunto, que não vem ao caso. ((risos)). Um outro assunto terrível.
P3: Está ótimo.
R1: Terrível. E esse não vale a pena, não vale a pena.
P1: Tudo bem. Sem problemas, sem problemas.
R1: Em particular, um dia eu falo.
P3: Fica tranquila.
P1: Você ficou sete anos, então?
R1: Sete anos, sete anos. Sete anos de aprendizado, porque era um conhecimento que eu não tinha, nós dois não tínhamos e ele aprendeu com a esposa. Sete anos que eu aprendi o que é um diamante, o que é uma esmeralda, eu aprendi o que é uma pérola e a gente nunca pode esquecer que as pérolas são pessoas. São pessoas.
P1: Por que transforma?
R1: Oi?
P: Por que transforma? Por que que a gente... esse pensamento é muito bonito.
R1: Olha, não sei se você sabe como que é feito uma pérola. A pérola é um projétil, um objeto, que a ostra, às vezes ali, andando lá pelo mar, entra e ela faz, vai formando uma camadinha, para se proteger daquela coisa... daquele corpo estranho. Então, ela vai formando, vai formando e ali é um nascimento e as pérolas morrem e elas encantam. Elas encantam.
P1: Ai, que lindo.
P1: São encantadoras. Mesmo que algumas pessoas não gostam de pérola, mas ao ver uma pérola, não gosta pra ela, mas só ver numa outra pessoa, as pérolas encantam. Então, às vezes a gente ouve: “Olha, aquela lá soltou uma pérola”. Então, ela pode ser para o positivo, para o negativo, não é assim? Então... e as mais... em toda situação, as pérolas é algo fascinante, maravilhoso, transformador, que nascem e que morrem. Né?
P1: Ô Nair, nesse começo da GoldSilver, era lá no Centro, onde era a Yara? Na Batista, onde era a Yara?
R1: Sim, sim, sim.
P1: E depois foi expandindo? Porque tem várias lojas hoje, né?
R1: Sim. Eles já tinham em Botucatu, né? E a filha ficou lá quando ele veio pra cá e depois inaugurou uma aqui na Getúlio. E aí, quando estava a inauguração da Getúlio, o Luciano Silva faleceu, né? No ano de 2005. Dois de outubro de 2005, o Luciano Silva faleceu. Mas, nessa situação, desde julho, eu já estava com o meu projeto de loja, mas como ele estava doentinho, eu fiquei até o dia do falecimento dele. E aí, dois dias depois, um mês... não, um pouco de dias depois, eu anunciei a minha saída e fiquei até o dia 20 de novembro de 2005. Quando foi no dia 14 de dezembro de 2005, eu inaugurei a minha primeira loja, no Confiança Flex.
P1: Maravilha. Agora, você falou que foi um projeto que você começou a pensar, né? Conta como é que foi esse processo, assim, de começar a pensar no seu próprio negócio, na área de jóia, bijuteria, com a ótica (01:12:22) junto.
R1: Na verdade, é aquele lance de sorte, de você estar no lugar certo, na pessoa certa e a pessoa ter uma confiança em você. O que que aconteceu comigo? Eu era gerente da GoldSilver e o Jad Zogheib me procurou pra interceder, junto ao ‘seu’ Luciano, pra ele inaugurar uma loja lá no Confiança. O Jad me procurou.
P1: No Confiança Flex? No Confiança Flex?
R1: No Confiança Flex. No Confiança Flex. E eu fiquei encantada com aquilo. Falei: "Meu Deus! ‘seu’ Luciano vai ficar maravilhoso, ele vai adorar". E aí, eu cheguei até ele, ele não totalmente de frente, já os filhos, né?
P1: Uhum.
R1: Porque ele já estava meio doentinho, não estava totalmente de frente, mas ainda era o meu patrão. Aí eu cheguei e falei: "’Seu’ Luciano, eu tenho uma máxima”. Aí ele foi na loja. "O Jad Zogheib vai inaugurar um supermercado e ele quer que a gente faça uma loja lá. Olha que coisa maravilhosa!”. Aí vieram os filhos, que hoje são os atuais donos e conversaram, conversaram, conversaram e não acharam interessante, na época. Não acharam interessante. E o Jad cobrando. E eu não sabia o que falar porque, dentro do meu coração, eu queria que a Gold abrisse uma loja lá, porque eu via que aquilo era maravilhoso. Até que um dia, o ‘seu’ Luciano falou assim: "Ah, vai lá, conversa com ele e fala que a gente não está interessado, que a gente não quer, que a gente isso, que a gente aquilo, ‘bebebê, bebebê’”. Aí, naquela tarde, ele ligou. Aí eu falei assim: "Ai, olha, eu estou aqui com um cliente, mais tarde eu ligo pro senhor e falo com o senhor”. Com o Jad. Aí ele falou assim: "Então, vamos fazer melhor. Você não quer vir na minha casa à noite? Aí a gente conversa melhor sobre isso”. E eu fiquei... sabe quando você gagueja, não sabe do sim, não sabe do não? Aquele: "O que eu vou fazer? Onde que eu vou? O que eu faço?". Né? E aí...
P1: Mas assim, o Confiança já era… o Confiança já era uma rede de supermercados grande?
R1: O Confiança tinha na Falcão e tinha aqui o Max.
P1: Uhum.
R1: Tinha lá já na Vila Falcão, que é a primeira loja e tinha aqui o Max.
P1: E estava em plena expansão?
R1: É. Sim, sim, sim. Aí, à tarde eu falei assim: "’Seu’ Luciano, o Jad falou que é pra eu ir lá na casa dele falar com ele do porquê que o senhor não quer. O senhor não quer ir comigo, ‘seu’ Luciano? Vamos lá. Porque olha, presta atenção, é o senhor que tem que falar, o senhor que é dono da loja. Por que o senhor quer falar comigo, né? Por que quer que eu vou?". Ele falou: "Ah, porque eu fico com vergonha”. Ele falou, ((riso)) o ‘seu’ Luciano falou pra mim: "Não quero ir, porque eu fico com vergonha”. Mentindo, brincadeira, porque o ‘seu’ Luciano era maravilhoso. Eu falei: "Então está bom, então eu vou". E quando chegou de tarde, eu saí lá da loja e já subi na... ele morava aqui no Edifício Marselha. Subi, já estavam me esperando lá, tal. E aí, eu fui lá e eu falei: "Olha, bem, não...”. Conversa vai, conversa vem, uma casa chique de doer, né? Aquela coisa maravilhosa. A Carmem Isa mais linda ainda, eu já os conhecia, porque eles compravam lá comigo. E aí: "Ah, não, o ‘seu’ Luciano falou que pra ele, nesse momento, não seria bom, não dava certo”. E ‘tatatá’, aquela ‘contorneza’ que a gente fica, né? Vem a máxima: "Então, por que você não fica? Fica você e a Carmem”. A esposa. Aí eu quase desmaiei. Eu falei: "Não, não. Eu não tenho cacife, não tenho condição, eu não... não tem jeito. Eu não”. "Não! Dá sim, por que não? Você tem know-how, você tem conhecimento”. Aí começou a grande saga. Voltei e fiquei: "Falo ou não falo com ‘seu’ Luciano?". E aí eu falei com o ‘seu’ Luciano: “’Seu’ Luciano, eles ofereceram se não quer que eu pego a loja junto com a Carmem Isa”. Aí o seu Luciano falou assim pra mim: "Ué, se você achar que você tem condição de fazer e se eles estão te oferecendo lá, ué, vai”. Tipo assim: não achou, talvez, que eu pudesse ir, entendeu? E aí, passou um pouquinho, em agosto, mais ou menos, eu aceitei. Só que aí, eu não falei que tinha aceitado na época, porque aí ele já não estava mais lá, ele já estava retirado, fora, o Alzheimer atacou demais mesmo, assim, de uma maneira avassaladora. Então, eu não falei. Eu só aguardei, porque ele tinha diverticulite também e foi tudo muito intenso. Aí eu esperei e quando foi no dia dois de outubro de 2005, ele veio a falecer e quando foi no dia 20 de abril, foi também o meu último dia de 2005 e no dia 14 eu inaugurei as lojas. Eu e a Carmem Isa e os nossos funcionários. A Carmem Isa ficou três meses e falou: "Nair, eu tenho que cuidar das minhas filhas, ((risos)) o balcão não é pra mim. Não, eu não posso. Então, nós vamos vender a loja”. Eu falei: "Amém, vamos ver quem pode comprar”. Saí atrás de compradores. Aí um dia eu ajoelhei e falei: "Senhor, eu não sei o que fazer. De repente, eu vou ficar desempregada e amanhã eu gostaria que o Senhor me desse uma resposta". No outro dia de manhã, a hora que eu abri os olhos, eu ouvi em alto e bom som: "Compra a loja”. Aí eu falei pra Carmem Isa: "Carmem, e se eu comprar a loja?". Ela falou: "Nair, é a melhor notícia que eu pudesse receber. Paga do jeito que der, da maneira como puder, como você quiser, quando você quiser”. E aí nós ficamos um período pra levantar, dispensei alguns funcionários, fiquei só com o que realmente precisava pra aquela situação. Foi muito difícil o Flex, no começo, porque ninguém atravessa o Rondon, pra ir lá naquele mercado. Foi muito, muito, muito, muito difícil, escutei besteira demais, mas eu sempre acreditei que algo maravilhoso ia acontecer. E aí, passou um pouquinho, um milagre aconteceu na minha vida, um milagre muito fantástico. Faltava trezentos reais pra eu pagar o aluguel do Flex e eu orei a Deus. Falei: "Senhor, falta trezentos reais e eu não quero me envergonhar. Alguma coisa maravilhosa precisa acontecer”. E dormi, como eu sempre faço. No outro dia de manhã, vim, abri a loja. Eu abri a loja, entrou um médico. Eu sei que ele médico, porque a gente conversou. Ele é pediatra e apelidado de Doutor Pilé. Luiz Carlos Domingues. Ele entrou e falou assim: "Nossa, eu adorei. Hoje a minha esposa faz aniversário e eu adorei esse conjunto. Eu vou levar esse brinco e esse anel”. Que era quartzo rosa. "Quanto custa?". Eu falei: "Trezentos reais”. E aí, ele pagou com uma nota em cima da outra. Trezentos reais. E falou assim pra mim: "Essa loja está muito escondida. Essa loja é maravilhosa. Por que você não vai mais pra cima? Você está muito escondida aqui nesse mercado. Olha, vai inaugurar um mercado que chama Tauste, vai lá e fala com eles. Quem sabe você não coloca uma loja lá? Tem o Tauste, que vai inaugurar, esse mercado, Forte de Marília está vindo pra Bauru e tem, ali indo pro aeroporto, umas galerias. Por que você não vai? Pra você ser mais vista. Olha quanta coisa linda você tem!”. E eu, olhando pra ele, só assim por dentro: "Meu Deus, trezentos reais, trezentos reais”. Por dentro, né? E maravilhada ((risos)). E aí, ele saiu. Ele saiu e eu comecei a pular lá dentro da loja de alegria, porque eu não ia me envergonhar junto ao Jad e faltava trezentos reais pra pagar o aluguel. Estava chegando um fornecedor, Paulo Ferrão e me viu e falou assim: "Nossa, Nair, por que você está pulando desse jeito?". Eu falei: "Paulinho, Paulinho, Paulinho...". Primeiro eu contei do que eu tinha pedido a Deus e que ele tinha mandado alguém lá pra dar os trezentos reais em dinheiro e que: "Olha e ainda de quebra, sabe o que o homem fala pra mim, Paulinho? Que vai inaugurar um supermercado, pra eu ir lá conversar com os donos”. Aí o Paulinho vira pra mim e fala assim: "Nair, eu não sabia que você queria fazer uma loja lá”. Eu falei: "Mas...". Eu pensei comigo: "Mas eu não falei pra ele que eu quero fazer, estou falando que o homem falou. Quer ver que eu vou falar com o rapaz, que ele cuida de loja lá?". Não deixou eu falar. Chamou o rapaz que chama Jorge Cury, da Imobiliária Concreto. Cláudia, em 20 minutos o Jorge Cury estava lá no Confiança Flex, abrindo um papel com toda a planta baixa do supermercado: "Olha, a loja da senhora aqui, a loja da senhora aqui”. E eu, por dentro: “Senhor misericordioso, Senhor. O que está acontecendo? Se eu, precisando de trezentos reais pra pagar aluguel, como que eu vou fazer uma loja, Pai?". Pensando por dentro de mim. E ele lá, todos os dois, ‘tatatá’. Fecharam aquele papel, neh? Aquela planta baixa imensa, o Paulo Ferrão foi embora, o Jorge Cury atrás dele, todos os dois sorridentes e eu lá, continuei pulando por causa dos trezentos reais que eu estava na mão. Cláudia, no outro dia, os donos do Tauste me ligam lá no Confiança e falaram assim: "Dona Nair, estamos esperando a senhora aqui". Cláudia, eu e Deus dentro da loja, sem nenhum funcionário, o que eu tive que fazer? Não podia falar: "Ai, eu não vou". Fechei a loja, entrei no meu carrinho e vim. Quando chegou aqui, Cláudia, os dois donos da loja, o Marcelo e o Rogério e o gerente da época chamava Paulo e o tal do Jorge Cury, o dono da imobiliária lá, o corretor, vieram mostrando todo o Tauste, aquele monte de gente trabalhando e aquela coisa. E a loja aqui no Tauste, aonde a Daiana veio, estava aqui, sem ninguém. E eles assim: "Ai, olha" - como se fosse uma coisa, né? - "é uma lojinha pequenininha, mas é uma lojinha de esquina, a senhora vai gostar”. Achando que eu queria um lojão, tipo, né? E aí, tocou o telefone dos donos e eles foram atender pra lá, os dois donos e o gerente. Ficou do meu lado só o Jorge Cury, o corretor. Aí, o que eu fiz? Tirei o meu sapato e coloquei os pés aqui dentro deste pedaço de chão, na qual a Daiana veio e que você veio e comprou o seu anel. E falei alto e o Jorge Cury ficou lá e eu fiquei aqui, que estava tudo cheio de barrinho, que todo mundo fazia o cimento aqui. Coloquei o pé e falei: "Senhor, o senhor sabe da minha condição, sabe quem sou eu. Se for da Sua vontade, aonde colocar a planta dos seus pés, eu vou e abano, mas que se não for da Sua vontade, Senhor, tirai do coração desses homens. Tirai". Cláudia, quarenta dias depois, quando inaugurou o Tauste, inaugurei a...
P1: A loja.
R1: ... segunda loja. Sem nenhum tostão. Todos concordaram em receber depois. Eu ganhei, nesse dia de inauguração, vinte vasos de orquídea. Não sabia se era loja de jóia, ou se era floricultura. Uma das... a segunda, o segundo milagre na minha vida profissional, na minha existência. E, desde então, a gente tem vindo. Fácil? Meu Deus, não. Lágrimas e lágrimas, alegrias, mas firmes, sabendo que, se Ele deu, só Ele pode tirar. Só Ele. Então, eu faço o que posso. Não sou dona, sou gerente, porque o grande dono é Deus, o nosso Senhor Jesus Cristo. E quem me fortalece são vocês, meus clientes. E quem me sustenta são os meus funcionários. Então, muito obrigada. Muito obrigada. Em nome de... em seu nome, pra todos os meus clientes, eu só tenho que agradecer.
P1: É muito lindo. ((Risos))
P3: É lindo demais, Nair. É um prazer estar falando com você, estar te ouvindo. Eu me sinto lisonjeada.
R1: É, Daiana, não é fácil. Como eu falo, até hoje a gente vive ainda tormentas, né? Mas eu amo. Eu amo gente, eu amo vender aqui, eu amo quando passam e falam: "Nossa, como a loja está linda”. Eu amo, eu amo, eu amo. Eu sei que isso vai me trazer condições de viver, de manter, de crescer. Muito difícil. Nos últimos cinco anos, passei... estou passando ainda por tormentas. Mas eu tenho certeza que algo maravilhoso vai acontecer. Tenho certeza. E vai dar tudo certo.
P1: Com certeza. Nair, você falou das clientes, né? Das duas lojas, né? O Flex demorou muito pra pegar, até que veio... você acabou falando, né, assim, da segunda loja, né? Fazendo um resumo, assim, daquele dia lá que faltava os trezentos reais, né, deu uma virada, assim. Agora, caracteriza pra gente assim, a loja do Confiança Flex, a senhora falou que... você falou que demorou um pouco mais pra pegar, né?
R1: Demorou.
P1: Que tem uma outra... acredito que seja uma clientela completamente diferente da clientela da loja que você tem no Tauste, né?
R1: Totalmente diferente.
P1: Então, eu queria que você falasse um pouco, até porque, se não me engano, os nomes das lojas são diferentes também, não?
R1: São diferentes, que é uma outra história, né? Porque, quando a gente inaugurou aqui, eu tinha lá e lá é Look, foi discutido em conjunto o nome da loja. E aí, quando eu vim pra cá, eu também vim com o mesmo nome, mas aí não me foi permitido por eles lá, ter o mesmo nome em mercados concorrentes. E aí essa loja ficou aqui trinta dias sem nome. Aí ficou loja sem nome, loja sem nome, até que meu marido falou assim: "Vamos colocar o seu nome”. Eu falei: "Mas meu nome, gente? Como?". "Não, vamos colocar o seu nome, que vai dar certo”. Aí eu aceitei e colocamos, falamos com as meninas, até o dia que a gente colocou a placa ali, Ótica e Joalheria Nair Santos. E hoje eu escuto falar: "Onde você tá?" "Eu estou aqui na Nair Santos”. Como se fosse uma grife, uma marca. ((risos)). Numa situação...
P3: Sua casa.
R1: ...meia louca, acabou dando certo. Acabou dando certo. Um nome forte, é um nome diferente, um nome brasileiro. Né? Então, é… foi... deu certo. Deu certo.
P1: Deixa eu te perguntar uma coisa.
R1: E a clientela é diferente.
P1: Caracteriza a clientela sua, assim, de cada loja. Caracterize um pouco a clientela, assim, se você puder.
R1: Quem vai no Flex, vai no Flex, porque lá tem menos coisa perto, menos concorrência, pode-se ver assim, né? São pessoas de média também, trabalhadores, trabalhador liberal, pessoas que querem estar num lugar bacana, moderno e que tem condição pra isso, mesmo pagando um pouco mais. Agora, aqui no Tauste, já é um mix, aqui. Pessoas que vêm de longe, pessoas que estão aqui dos altos da cidade, aqui tem seção de que... na época, o Tauste não acreditava muito na seção de importados, um importado mais elitizado. Então, quer dizer, são clientes, sim, diferentes. Porém, lá no Tauste, agora, inaugurou o... lá no Flex, inaugurou a rodoviária, inaugurou a Nações, o Super Bom, são outros bons mercados. Então, diminuiu um pouquinho, dividiu um pouco a clientela ali no Confiança Flex, sabe?
P1: Entendi.
R1: E aqui no Tauste, mesmo com a inauguração do Tauste lá na Duque de Caxias, permaneceu a daqui, fiel aqui e os clientes gostam de vir nesse mercado e se deparar com essa loja. Alguns, lá do outro mercado, acham que é a mesma e vai ver, não é e pergunta por que eu não fui pra lá. Sabe? Então, porque mesmo que você esteja na mesma rua, numa ponta é um tipo de amigos, de amizade, na outra ponta é outra, né? Então, aqui funciona da mesma maneira.
P1: Eu queria que você descrevesse... a gente pensando que é uma entrevista de fundo histórico, né, o que significa ter uma loja? E pode falar também dos outros negócios que estão ali, mas assim, o supermercado atende uma demanda do cliente, né?
R1: Sim.
P1: E essas outras lojas, assim, o que elas possibilitam pra experiência do cliente ali?
R1: Olha, que que eu vejo? Que quem trouxe essa modalidade para o Brasil foi o Walmart, que tem uma... vende alimento e vende todo um outro segmento. O americano tem muito disso. O Walmart trouxe para o Brasil, na época que ele se instalou aqui. E o interior pegou isso muito bem, principalmente o Jad, que viaja bastante e implantou isso nas lojas dele: o conforto ao cliente, ao conforto a você, Cláudia, que vem e pode encontrar parte daquilo que você precisa, num único ambiente, que não seja chamado shopping. Entendeu?
P1: Uhum. Uhum.
R1: Então, você vem... que nem vamos falar do Confiança Flex: a pessoa entra lá, um estacionamento coberto, pode chover da maneira que quiser, ela desce, guarda a compra dela, linda, maravilhosa, entra dentro do carro e vai embora. E antes, ela arruma o cabelo, ela deixa o carro pra lavar, ela deixa o cachorro pra lavar, ela compra uma roupa, ela compra produto de utilidades, ela compra eletrônicos, tem a farmácia e, de quebra, uma loja maravilhosa que oferece ótica, presentes pra você, pra presentear alguém. Então, esse conforto que é estar dentro de um supermercado. Quem enxergou isso, de primeira, né, logo que foi inaugurado, hoje… Hoje eu posso dizer que eu estou no primeiro e no segundo melhor ponto dentro deste segmento. Dentro da rede de supermercado, o primeiro é esse aqui do Tauste e o segundo é o do Flex. Nem o Max tem isso que a gente tem. Não tem. Sabe? Então, eu posso dizer que, sem querer, meu Deus, Ele que quis meu Deus, nunca pudesse, no meu mais remoto pensamento achar que eu pudesse ter, hoje, esses dois pontos. E se fosse contar numa outra situação do nosso país, vale uma fortuna e são os dois melhores pontos dentro desse segmento na nossa cidade, que é aqui o Tauste e o Confiança Flex. Então, hoje, eu estou passando, sim, por um período - talvez minha culpa, né, com certeza minha culpa - meio de... um vale meio escurinho, lá no Confiança Flex, com funcionários, estou com poucos funcionários, com pouca mercadoria. Eu venho passando cinco anos de tormenta, que foi desde quando o nosso país entrou em impeachment disso, impeachment daquilo, uma crise interna e política muito grande. E eu acho que o meu pensamento, a minha cabeça pode ter se assustado, se amedrontado e deu a impressão que eu entrei nessa ciranda, sabe? Então, agora eu estou me reerguendo, me reestruturando, sem perder a consciência, sem perder a calma, sem enfiar o pé na jaca, porque a gente passa por essas tormentas, né? E está sendo a minha vez, assim, infelizmente. Mas já está passando e daqui a pouco...
P1: É.
R1: ... são outras ideias.
P1: De uma maneira geral, todo mundo está passando uma tormenta, esse 2020...
R1: É.
P1: ... 2021, é pra todo mundo, né, Nair? Olha, agora, assim: você veio de segmento do Jumbo Eletro, passou pela mercearia, pela quitanda e você está num segmento, assim, que cuida da beleza, da autoestima, de joóias, bijuterias, semijoias, tem a ótica também, né? O que você gosta disso tudo, assim? Como é que você se relaciona, assim, desse fazer bem, estar bem, estar bonita?
R1: Olha, eu sou do signo de leão e leão gosta do belo, do maravilhoso...
P3: Maravilhosa.
R1: ... do arrojado...
P3: Elegantérrima.
R1: É, da elegância.
P3: Brilhante.
R1: Leão gosta da luz.
P3: Leão é tudo isso, né?
R1: É. Da luz, sabe? Do coração... o coração de leão mesmo, um coração amável, afável, embora orgulhoso, que a grande maioria das pessoas são, tendo ou não. Então, eu procuro fazer o melhor de mim para qualquer outra pessoa, pra ver o melhor dela. E eu pude ver isso, o que eu não daria certo. O que eu não daria certo. Eu pude ver isso nesse período, com o falecimento da mamãe. A mamãe maravilhosa, moderna, fantástica, uma mulher linda e nós tínhamos nos comprometido que ficaríamos juntas até o último instante. Nós sairíamos de uma para a outra, de mão dada, quando Ele quisesse levar a mim ou a ela. Esse foi um juramento que nós fizemos, porque você sabe que desde os três anos de idade, com as minhas galinhas, eu venho cuidando da minha família.
P1: Sim.
R1: E tive a honra e a felicidade dos três últimos meses da minha querida, ela estar comigo na minha casa e quando foi pra... que descobriu que a mamãe estava com um aneurisma entre o pulmão e o coração, na veia aorta, de sete centímetro, ela estava no Hospital Estadual, aqui em Bauru. E quando a gente descobriu, estávamos eu, as minhas duas irmãs, meu irmão não pôde estar e nós falamos: "Mamãe, está acontecendo assim, assim, assim, assim, assim". E entrava só uma por vez, pelo fato dessa Covid e a última que entrou no quarto fui eu, porque eu ficava com ela o tempo todo, que as outras moram em São José do Rio Preto. Veio naquele dia pra visitar, que foi um dia maravilhoso. E, nesse dia, veio de São Paulo, que o Hospital das Clínicas tinha uma vaga pra esse tipo de operação. Então, eu sentei ao lado da cama e falei: "Mama, está acontecendo assim, assim, assim, assim". Ela falou: "Filha, dê sua mão”. Aí eu estendi a minha mão e aí ela falou assim: "Não importa, vamos fazer o que tiver que ser feito”. Aí eu falei: "Mama, mas eu estou com medo. E se a senhora não voltar?". Ela falou: "O que a gente se comprometeu? Estarmos de mãos dadas. Eu te abençoo e te agradeço”. E eu falei: “E eu te amo e se tiver que ser o nosso último olhar, que seja”. E rimos. E rimos e rimos e rimos e rimos. Lá embaixo estava a ambulância com a médica, uma enfermeira e a minha irmã caçula foi com ela pra São Paulo e eu e a minha outra irmã, nós quatro, demos as mãos, com ela dentro lá, da maquinha lá e aí a gente falou: “Tchau”. E ela nos abençoou e falou: “Caso eu não voltar, é porque eu escolhi ficar”. E eu falei: “Se essa for a sua escolha, que Deus te abençoe”. E ela não voltou. ((Choro)) E a gente chora pela ausência, mas não pelo que foi e nem pelo que é.
P1: Uhum.
R1: É que a gente sabe que foi maravilhoso e que foi o certo e que foi fantástico. Então, eu vivi o lado belo que é a minha vida, o esplendor, é você passar por aqui: “Olha o meu anel”. Essa é a minha vida. É isso que eu gosto, da beleza. Porque trabalhar num hospital, cuidar de pessoas, eu deixo pros fortes, eu sou muito fraca pra isso. Então, as pessoas fracas gostam do belo, do maravilhoso, do ensolarado, do feliz. E essa é a minha casta, essa é a minha vida: cuidar do belo, do maravilhoso, de olhar pra uma mulher e falar: “Nossa, como você está maravilhosa! Isso ficou bem, isso não ficou bem”. Do que lidar com a lágrima, lidar com a dor, aplicar uma injeção, fazer uma multa em alguém. Isso eu deixo pros fortes. E o belo é a minha praia, ver você bem, ver você maravilhosa, é o sonho, você ter um sonho e você ter um desejo de ter uns óculos, um relógio, um anel, uma bolsa. Você tem esse desejo. Então, eu prefiro ficar com essa parte. Isso é o que me encanta. Isso é o que eu gosto.
P1: E, assim, a tua loja tem coisas tão lindas, tão incríveis, né? Assim, é você que escolhe pessoalmente? Como que é isso?
R1: Não entra, é... Não entra uma peça pra dentro dessa loja sem que eu veja, sem que eu coloque a mão. Agora, esse último mês aqui, é que essa menininha que chama Laís, que atendeu vocês ((risos)), ela fez uma compra aqui, é... ela fez uma compra de uma empresa maravilhosa e ela se deu muito bem. Eu falei: “Olha só que belezinha”. Né? Comprou peças que venderam muito bem. Mas até... eu eu... pego uma a uma das peças que eu compro. Mesmo quando eu vou pra São Paulo comprar bijuteria lá, eu escolho a dedo, à mão, eu pego uma a uma. Não consigo comprar on line, você me manda, não consigo fazer isso. Eu tenho que olhar e ver, entender que aquilo é maravilhoso, que aquilo vai ficar bem, é… eu gosto, eu acho que é lindo, então eu compro. Eu sou over, eu gosto de peças grandes, eu gosto de estar... eu sou over, mas eu tenho que olhar pra mulher romântica, eu tenho que olhar pra mulher que gosta de peças mais delicadas. Então, eu tenho que entender a mulher. Mas são quarenta anos lidando com mulheres, né? E ainda assim, não conheço a mim mesma. Então eu procuro fazer o melhor nessas coisas que eu vejo, que nas outras lojas eu tenho bolsas, eu tenho bichinho pra criança, de pelúcia, sabe? E eu fico muito feliz quando a pessoa chega e fala: “Nossa, mas que mulher de bom gosto”. ((Riso)). Eu falo: “Senhor”. Tem hora que nem eu acredito, que eu chego, vejo a vitrine aqui que a Laís fez e falo: “Gente, mas será que fui eu mesmo que comprei isso?”. Sabe? Então, é maravilhoso. Então, é encantador. Eu me encanto a cada dia. Amo, amo demais.
P1: Que delícia! Daiana, você tem alguma pergunta?
P3: Ah, eu queria saber um pouquinho sobre... você comentou, né, Nair, que você é casada, queria saber da sua vida, tipo, como vocês se conheceram, quanto tempo vocês são casados, se vocês têm filhos. Conta um pouquinho pra gente, por favor.
R1: Tá. Eu me casei muito tarde, porque como cuida de família, você... e trabalhei muito, demais e sempre, você não tem tempo pra namorar. Eu nunca fui namoradeira, não sou namoradeira, eu nunca fui, assim, balada, namoradeira. Então, eu não me casei. Eu não me casei. Com o meu primeiro marido... eu falo marido, mas também não me casei. Aos 29 anos que eu achei que eu tinha que dar uma chance pra mim, porque o meu pai falou assim: “Nossa, filha, você já está ‘véia’, nós vamos morrer e você ainda não casou”. (Riso)). Aí...
P3: Eu estou com 29 também. ((Risos).
R1: É. E eu falei: “Meu Deus do céu, papai, você está me chamando de velha, né?” Mas aí passou um tempo, um bonito lá se engraçou e eu falei assim: “Ah, mas eu acho que antes eu tenho que levar você lá na minha casa, pra conhecer”. Só que, na época, ele estava com 43. Quando chegou lá, o papai o chamou de senhor. Aí ((riso)) ele falou: “Senhor”. ((Risos)) Aí eu falei: “Papai, eu trouxe ele pra conhecer, pra ver se vocês vão gostar, senão também não vou querer, não”. E aí deu certo, ficamos 13 anos juntos, um espanhol. Maravilhoso, no período em que ficou. Quando chegou num domingo, eu olhei pra mim, olhei pra ele e falei: “Meu bem, eu quero me separar”. Num domingo, lindos, tomando café: “Meu bem, eu quero me separar, não dou conta mais, quero me separar”. Demorou um ano, eu tinha comprado essa casa lá com o dinheiro da mercearia, lembra? Tal, aquelas coisas. Aí ele falou assim: “Ah, mas eu vou sair assim? E essa casa?”. Eu falei: “Meu bem, essa casa foi com o meu dinheiro, eu trabalhei na mercearia, eu trabalhei isso, mas eu entendo que eu não posso também deixar que você se vá sem nada”. E eu tinha um carro maravilhoso na época, porque eu sempre fui bem-sucedida. Eu tinha um carro e aí eu vendi o meu carro, aquele carro lindo, maravilhoso, na época era um Renault Scénic, de banco de couro, uma nave, assim, sabe? Aí eu vendi aquele carro e comprei uma casa pra ele, num bairro aqui em Bauru que chama Otávio Rasi. Não conheço muito bem o bairro, mas mesmo assim, ele demorou um ano pra sair de casa e, nesse um ano, eu pude conhecer quem era aquele marido. Ele continuou sendo elegante, ele continuou sendo maravilhoso, ele continuou sendo meu amigo, mas não era mais meu marido e ele não queria sair. Aí eu já estava na Gold e aí ele... eu falei: “Meu bem, a sua casa já está lá, você já arrumou, por que é que você não quer ir embora?”. Ele: “Nós precisamos resolver”. E aí ele foi. E eu cheguei à noite em casa e ele tinha levado os móveis, tinha levado tudo e deixou um bilhete lá: “Eu só não levei os quadros e não levei os vasos, porque eu sei que você gosta muito. Você é jovem, é nova, pode comprar tudo de novo, eu não”. E foi embora. E eu cheguei, abri a porta assim, deu eco na casa. Eu chorei. Não pelo que ele tinha levado, eu chorei por ele mesmo, porque a gente acostuma com a companhia. A gente não acostuma, não é com o amor, não é com o desejo, não é com a paixão, mas a gente acostuma com companhia e às vezes por isso que a gente vê muitos casais infelizes, porque não tem... porque tem medo de se lançar e de falar: “Vai ser feliz com outro, porque eu vou procurar ser feliz da outra maneira”. Então eu chorei naquela noite inteira por mim, por ele, pelo costume. Eu chorei. Mas no outro dia, eu me sacudi, fui no salão de cabeleireiro, cortei o cabelo, pintei de vermelho e fui trabalhar. Fui trabalhar na Gold, linda. Comprei uma calça jeans - que eu quase não uso jeans - comprei uma calça jeans com um corpo ainda maravilhoso que eu estava, que eu estava com 42 anos nessa fase e aí eu me enterrei no meu trabalho. Passaram cinco anos, eu na frente da minha casa, apareceu esse vizinho lá na frente da minha casa, que ele é do lado, mas eu não o conhecia. Aquele hominho, aquele hominho feio, sentado na sarjeta, na frente da casa dele. Num domingo, eu abri o portão, olhei assim, era um domingo que eu tinha me comprometido a ficar na minha casa pra tirar os pombos, que estava infestado de pombo. Eu falei: “Ah, eu vou tirar essas pombas”. Aí eu abri e falei: “Mas gente, que dia que eu vou tirar as pombas?”. Abri o portão da minha casa, aquele hominho sentadinho lá. Fechei rápido o portão, falei: “Nossa, o que será que esse hominho está fazendo aí?” Né? Passou um pouco, abri de novo, ó o hominho sentado lá. Eu falei: “O senhor está precisando de alguma coisa?”. Ele falou assim: “Não, a senhora não me conhece?”. E eu falei: “Não”. “Eu sou o seu vizinho, eu moro aqui”. ((Risos)) Aí eu falei: “Ah, o senhor é o meu vizinho? Olha, eu estou com um monte de pombo aqui em casa, o senhor não quer tirar os ninhos da pomba?”. Lá vem aquele hominho, branco, franzino, aquele hominho com aquela escada e subiu lá, limpou as pombas, tirou tudo, passou querosene. Que eu tinha comprado querosene, creolina, pra limpar a casa daquelas pombas. E desse dia em diante, esse homem agarrou uma paixão sem fim. E aí eu chegava de tarde e ele estava lá no portãozinho, eu saía de manhã, ele estava lá no portãozinho e assim foi. Aí eu liguei pra mamãe. Falei: “Mama, sabe o hominho aqui do lado?”. Ela falou: “Sei, eu o conheço, é o ‘seu’ Cláudio”. Eu falei: “Mas como a senhora conhece e eu não conheço?”. “Uai, quando eu vou pra aí e eu fico aí, eu converso com ele”. Eu falei: “Mãe, o hominho, eu acho que ele está interessado em mim”. Ela falou: “Filha, dá uma chance pra você, namora o hominho”. Sabe? E aí eu falei assim: “Olha, eu vou dar uma chance pro senhor, mas ó, eu não lavo, eu não passo, eu não fico esfregando cadeira, eu não limpo a casa. A única coisa que eu sei fazer é fazer comida muito bem, que eu sou ótima cozinheira, mas se o senhor chegar de tarde e você falar pra mim: ‘Janta, tem que fazer janta’. Querido, não sou eu, não sou eu”.
P3: Maravilhosa!
R1: E aí sabe o que ele falou? “Eu aceito. ((riso)) Não precisa lavar, não precisa passar, eu aceito”. Mas a gente é mulher, a gente não deixa, né? Até que um dia, passou, ele falou: “Quero casar”. Eu falei: “Então eu quero largar, porque casar, eu não caso”. Aí ele falou assim: “Ah, mas eu tenho vergonha de falar, eu não sei o que é que eu falo”. Eu falei: “Ah, fala que você é meu maridão, meu maridão, fala assim” “Ah, mas eu tenho vergonha. Eu chego nos lugares, eu vou falar que você é minha esposa? Não é minha esposa. Eu vou falar que você é minha namorada? Não é minha namorada. Eu tenho vergonha”. Aí eu falei assim: “Ai, meu bem, então... eu não quero casar, eu nunca quis casar, casar é uma coisa muito feia, a gente é tão linda, eu aqui falar que eu, com cinquenta, cinquenta e cinco anos, eu sou solteira, olha que chiqueza! Eu não quero casar”. Aí chegou um dia, a minha mãe falou assim: “Filha, por que é que você não quer casar?”. Eu falei: “Porque eu acho feio, não quero falar que eu sou casada, eu nunca quis ter filhos, por que é que eu vou falar que agora eu preciso casar?”. Até que o meu sogro e a minha sogra falaram assim pra mim: “Eu queria tanto que o meu filho casasse com você”. Aí, um dia, eu indo pra minha loja em Jaú - que eu tive uma loja em Jaú. Que eu tenho uma em Pederneiras, a de Jaú eu fechei - até um dia indo pra loja de Jáu, eu ouvi: “Qual é o seu medo de casar?”. Aí eu parei o carro. Parei o carro e conversei com Deus: “O meu medo de casar é assim, assim, por causa disso, disso e disso”. Ele falou assim: “Mas pela lei de Deus e pela lei dos homens, você está errada. Como que você quer que... você me pede ajuda, como que você quer estar de bem comigo, se você não obedece a lei de Deus, que é o ministério do matrimônio?”. Aí, naquela mesma hora, com aquela conversinha básica, eu liguei pra ele: “Meu bem, quero casar” “O quê? Como assim casar?”. Eu falei: “Quero casar. Se você quiser, bem; se você não quiser, amém, largo, vamos largar, porque não vamos casar”. Aí ele: “Não, não, não, não”. Já ligou. E aí nós casamos em Santa Fé do Sul, onde o pai e a mãe dele moravam na época, em Santa Fé do Sul. A mamãe foi madrinha dele e a mãe dele foi minha madrinha e nós casamos num cartório e por isso que faz quatro anos que eu sou casada. Eu sou casada perante Deus e perante dos homens, faz quatro anos. Meninas, casei de manhã, não casei? De tarde estava com um arrependimento sem fim. Falei: “Senhor, se fosse pra eu casar pra ter esse arrependimento, por que o Senhor deixou eu casar?”. Mas aí eu acho que era falta de costume de falar ‘casada’, né? Então, é... hoje, é… hoje a pessoa fala: “Ai, Nair, quantos filhos você tem?”. Eu falo: “Eu não tive filhos” “Ah, mas você não pôde ter?” “Não, foi uma escolha, eu escolhi não ter”. Porque eu tive muitos filhos, que foram os meus irmãos, né? Então eu falo: “Não, os filhos não precisam sair da minha barriga”. Os meus filhos...
P1: Exatamente.
R1: ... são os meus irmãos, né? E os meus sobrinhos, que cuido deles até hoje, mas hoje eu falo: “Sou casada”. Meu marido chama Cláudio, aposentou, agora está trabalhando aqui comigo, ele conserta relógio, tem hora que... tem dia que vem, tem dia que não vem. Ele tem 71 anos, vai fazer 72 anos. É um homem de um ótimo coração e de uma grossura infinita. Ele veio pra me ajudar a lidar com isso, porque a grossura, pra mim, é uma coisa que queima, que dói e dilacera, então eu tive que aprender a lidar com isso. Muitas vezes chorei, em função dessa grossura, porque eu não conseguia entender do porquê tanta grossura em cima de uma pessoa que não tem o menor cordialidade e eu acredito que ele precisava de algum suporte pra ensiná-lo que um aperto de mão é muito melhor do que falar: “Não, não, não, obrigado, eu não estou interessado”. Você pode falar isso da mesma maneira, mas de uma maneira cordial, simpática, agradável. Fácil? Não. Não, não, não. Não, nada fácil. Mas é o companheiro que eu precisava ter. Tem muito orgulho de mim, gosta, pelo menos de olhar, assim, a gente nota que gosta bastante, que se preocupa, deixou de ser tão grosso, agora só é grosso. Então já, já a gente tira, mas é uma pessoa de um coração maravilhoso, maravilhoso.
P1: Ai, que ótimo.
R1: É. Isso faz diferença.
P1: Faz. A gente vai começar a... vamos terminar, né? ((riso)) Você já deve estar cansada, né? ((risos)) Então, assim, eu tenho mais duas perguntas e uma observação, assim, só pra complementar. Duas pra gente acabar mesmo, mas tem mais uma. Aquele médico, Pilé, continua sendo o seu cliente?
R1: Ele continua sendo meu cliente. Um dia eu fiz um coquetel aqui na loja e o chamei e falei pra todo mundo que ele foi o grande, grande... assim, o mentor, né? Ele que levou a boa nova da oração que eu tinha feito à noite, ele que levou a boa nova e eu falei com ele, ele é meu cliente e ele ora por mim, porque ele é espírita e ele reza por mim...
P3: Ah, que lindo!
R1: ...ele agradece e eu o amo, a esposa. A gente se vê muito pouco, mas ele é a diferença.
P1: É.
P3: Que lindos!
P1: É. E assim, você falou desse momento difícil, né? Assim, pra você, mas não é só pra você, é pra todo mundo, né? De 2020 pra 2021, né, especialmente pro comércio, por conta do isolamento, né? Por conta da pandemia. Mais do que reclamar, assim, quais foram as lições, os aprendizados, Nair, desse momento assim? Como é que...
R1: Olha, existe um ditado que chama assim: o mundo gira. E você não sabe o tamanho da volta. Você sempre tem que estar preparado para um momento adversário. Sempre tem que estar preparado. Então, isso eu aprendi muito. E a segunda coisa: confiar. Confiar que algo maravilhoso vai acontecer e não ficar com aquele coração amargurado, aflito, vivendo o amanhã, porque você não consegue resolver o amanhã, se você não tiver bem hoje. Então, eu aprendi isso ao longo desse período de tormenta que, o que é pra mim, nada, ninguém vai tirar. O que eu tenho que passar, nada, ninguém vai passar por mim. Então, eu tenho que estar preparada para esses momentos, física, mental e espiritualmente, sabe? Essa é a grande lição: que nada vai acontecer que não esteja certo, correto. Tudo é maravilhoso. Tudo é certo. Tudo é fantástico. Basta você enxergar do ponto de vista da maneira na qual você está naquele momento, entende?
P1: Uhum.
R1: Então, eu acredito que essa é a grande sacada. O momento de pandemia, todo mundo fala que era pra gente ficar mais leve, mais suave, se tiver... se temos que levar esse beliscão, vamos, levamos o beliscão, agora vamos fazer de tudo para a dor cessar mais rápido. O ladrão rouba e aí ele vai falar pra você assim: “Não, não, ó, não bate aqui não, porque aqui dói”. Ele vai escolher o lugar pra bater? Entende o que eu quero dizer?
P1: Uhum.
R1: Então, nesse período, nada, nada... entenda, na minha, na sua e de qualquer ser vivente, nada é por acaso e o que tiver que ser será e você tem que estar firme pra resistir essa diversidade. E eu só consegui isso, porque eu tenho as minhas funcionárias, a minha família, os meus clientes e um algo fantástico: Deus.
P1: É, isso aí… A última pergunta, eu prometo ((riso)). A gente está aqui há quase duas horas, né? Mais de duas horas, já.
R1: Nossa!
P3: Nem percebi.
P1: E você está contando a sua história... é, passou rápido, né? ((riso))
P3: Eu nem percebi.
P1: E você contou a nossa... a sua história pra gente, deixou registrado no Museu da Pessoa, né? Vai ficar... a ideia é fazer o livro, a exposição mais pra frente. O que você achou, assim, de ter deixado registrado pra um museu a sua trajetória, a sua experiência, as suas narrativas, as alegrias, as dores? O que você considera desse período, assim, de olhar pra sua história?
R1: Olha, eu fiquei muito lisonjeada. Claro que eu vi as meninas muito felizes antes de mim, porque elas começaram a pular aqui e tinha um orgulho, mas eu fiquei muito lisonjeada, muito agradecida. E hoje eu estava falando lá na outra loja, que eu falei: “Eu vou lá no Tauste pra falar com elas, porque foi lá que elas foram”. É... Eu, eu falo por mim e pra todas e pra elas que me rodeiam, que elas estão aqui e pra você, que vai deixar no Museu do Livro, o seu legado, o seu rastro, sabe? O seu rastro você que faz, a sua vida positiva ou negativamente, de alguma maneira você vai ser lembrada. De alguma maneira. Então, que o seu rastro, que a sua trajetória, que a sua existência, seja lembrada positivamente. E eu, nesse período, estou tendo a felicidade, que nem a menina falou: “Dona Nair, Dona Nair, a senhora vai ser imortalizada”. Ela falou. Então, é isso que vocês estão fazendo comigo, contando a minha história. Um dia não existirei mais nesse plano, mas um dia alguém vai entrar lá no Museu da Pessoa e vai falar: “Uma mulher existiu, eu li sobre ela”. E quem fez parte disso? A Cláudia, a Daiana e o... é o Erick?
P1: O Caio, o Caio.
R1: E o Caio. E o Caio. Sabe? Então, é… eu fico muito agradecida, muito lisonjeada e agradeço a Deus por ter feito... sempre procurado fazer o melhor de mim e um dia alguém enxergou, um dia enxergou... Você, eu estava atendendo você, livre, espontaneamente como sou e você, não sabia quem era você e você falou: “Essa mulher merece ser comentada”. Por um atendimento simples, de você estar passando por aqui.
P1: Nair, mas foi tão impressionante, porque foi em 2016.
R1: Isso foi em 2016?
P1: Do óculos foi. (risos)
R1: Nossa, meu Deus! Nossa! Está vendo só? Então, eu acho que é isso: é o seu legado, quem é que você quer que lembre de você e de que maneira você quer, mas tendo a sua personalidade, tendo a sua atitude, o seu comportamento, porque ninguém muda, o que é, é, sabe? E uma hora você é visto. Então, eu não tenho outra coisa a dizer: muito obrigada.
P1: A gente que agradece, viu? Muito, muito, muito. Foi uma maravilha.
P3: A gente agradece muitíssimo.
P1: Né?
R1: Obrigada.
P1: Eu que agradeço.
R1: Obrigada, mesmo.
P1: Em nome do Sesc e do Museu da Pessoa, eu agradeço demais, viu, Nair?
R1: Muito obrigada.
P3: Agradeço também.
R1: Muito obrigada aí.
P3: Principalmente pela gentileza, desde o primeiro atendimento, desde o primeiro contato. Falei com a Laís, ela também falou super bem de você, disse que você não só incentiva como você empodera, você ensina as mulheres serem independentes. Ela falou que você realmente é uma lição de vida, assim. Falou que você é uma inspiração. E eu pude comprovar agora, né? ((Risos))
R1: A Laís, a Laís ela… eu falo pra ela: “Filha, seja obediente”. É o que eu digo pra todos. “Seja obediente. Se alguém que você confie bastante, confie bastante, alguém que você confia, chegar na sua frente e falar: ‘Laís, não olhe pra trás e continue andando’. Filha, continue andando e não olhe pra trás e a hora que virar a esquina, filha, corra. Aí sim, depois você pergunta”. Então, é isso que eu falo pra você, Daiana, é isso que eu falo pra você Cláudia e é isso que eu falo pra você Caio, alguém que você confia muito. Isso, moral da história, é: sempre tenha alguém pra você imitar. Alguém que você confie, alguém que você goste, alguém que você fala assim: “Eu, um dia, quero ser igual àquela pessoa”. Então, esse alguém é o que toca o seu coração, alguém que você quer aprender com ele. E eu acho que isso aconteceu com a Laís em relação a mim. Ela fala assim: “Olha, eu amo tanto a senhora, quanto eu amo a minha mãe”. Então, ela ((riso)) é um caso à parte, sabe? E a Laís é uma graça e, graças a Deus, esses dias ela falou pra mim: “Dona Nair, a senhora é um ser incrível”. Eu olhei pra ela e falei assim: “Amém, filha, só você que acha”. ((Risos)). Mas é isso que eu quero dizer.
P3: Não, tem mais uma no clube.
P1: Maravilha.
P3: Eu também acho.
R1: É isso que eu quero dizer.
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