P/1 – Suzana, pra começar eu queria que você falasse pra mim o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Suzana Cavalheiro. Eu nasci aqui em São Paulo, mais precisamente em Santo Amaro. A data de nascimento é 14 de abril de 66.
P/1 – Fala pra mim o nome dos seus pais.
R – Meu pai é João Cavalheiro e a minha mãe, Neide Rodrigues Cavalheiro.
P/1 – Você sabe um pouco da história da sua família?
R – Sei. Minha avó conta, ou contava porque já é falecida, que ela veio da Itália pequenininha, com um ano. O meu avô era caipira, então ele ia correndo de Santo Amaro até Cotia, atravessava lá, nadava o rio, tomava o banho no rio. Os tios do meu pai levavam a toalha, ele se trocava pra depois namorar. Essa é a história que eu tenho mais marcante porque ela repetiu tantas vezes que ficou. Era uma família grande, eles tiveram 12 filhos. Tem uma menina que faleceu ainda jovem e o meu pai é no meio desses 12. Ele conta coisas da guerra, tinha muitas histórias de um período muito difícil. Um período que faltava tudo, os homens da casa tinham que sair e buscar pão, enfrentar fila pra pegar pão pra poder alimentar os demais, principalmente minhas tias. E quando meu pai casou com a minha mãe, eles moravam no fundo da casa da minha avó, uma parte que era uma cozinha, um banheirinho e um quartinho. E eu no começo ficava lá, depois quando a gente foi crescendo, tanto eu quanto meu irmão mais velho, nós dormíamos com os meus tios porque quando veio o terceiro, que é o Wagner, ele ficava com os meus pais no berço e eu e meu irmão mais velho, ele dormia com meus tios e eu dormia com minhas tias. Então assim, é a lembrança de um lugar bem pobre, em Santo Amaro, mas a gente tinha muita liberdade. Eles contavam história que eu vivia fugindo. Teve uma vez que eu estava saindo por debaixo da cerca, fiquei com aquelas calcinhas de renda presa na cerca. Teve uma vez que meu pai foi buscar pão e eu quis ir com ele, mas ele foi de bicicleta e eu saí pela rua, fui parar lá na escola dos japoneses que tinha em Santo Amaro e eles desesperados atrás de mim. Tem várias histórias que eles contavam. Acho que tem também, estou tentando lembrar, resgatar as coisas. Era um período que a gente brincava, porque a casa da minha avó era uma casa muito grande e tinha um quintal na frente. E meu irmão subiu pela escada, que meu pai estava mexendo no telhado e falou que era o Super Homem, queria pular de lá. Então gerou um desespero, um pânico. Meus tios mexiam com cavalo, eles criavam cavalo. Era uma empresa de energia mas a sede dela era no fundo da casa da minha avó. A gente pulava o muro e pulava de novo a cerca do outro lado e entrava num espaço que era terrão e a gente ficava brincando lá. E os cavalos dos meus tios ficavam tudo lá. E a gente ia mexer com os cavalos. Teve uma vez que eu fui correr em cima dos morrinhos assim, enfiei a perna inteira, era um formigueiro. Voltei pra casa chorando, toda machucada. Então assim, sempre fui muito ativa, acho que a coisa da família sempre facilitou. E brincava muito com meus primos, é uma imagem muito bacana. Depois a gente mudou de Santo Amaro. E aí acho que a família tomou uma outra configuração porque os meus pais já tinham que trabalhar e a gente ia pro Campo Limpo e não ficava em Santo Amaro. E meu pai trabalhava em Santo Amaro, minha mãe trabalhava no Campo Limpo, então foi período de transição, que a minha mãe com uma sacolinha da ráfia, com a comida num caldeirãozinho. E uma vez o cachorro veio atacar a gente e ela saiu com a sacolinha dando no cachorro (risos) pra ele parar de atacar. Então tem várias lembranças, fatos que marcaram na época.
P/1 – E com o quê seus pais trabalhavam?
R – Meu pai era metalúrgico. Ele fez Senai, trabalhou um período na Rolamento Schaeffler, que é uma história bacana porque era em frente à casa da minha avó e ele e meus tios todos passaram por lá, pela Rolamentos Schaeffler. E era bacana, e acho que aí que começa a aproximar com a coisa do esporte, porque a gente brincava na rua. E chegou uma época, a gente foi crescendo e eu era a única menina da rua. A única moça que tinha, tinha 18 anos, então eu brinquei, aprendi a jogar bola por causa disso com o meu irmão na rua. E era uma rua que era de paralelepípedo, então a gente jogava bola e de vez em quando arrancava a tampa do dedão, pra variar. E um rapaz que era responsável pelo grêmio dessa empresa, que era Rolamentos Schaeffler, ele convidou a gente pra usar a quadra e a gente começou a jogar na quadra. É, ele organizava. Era uma quadra, a quadra não era muito grande, os vestiários eram de um lado assim, a quadrinha aqui e do outro lado um espaço livre cheio de eucalipto. E a gente gostava de brincar onde tinha os eucaliptos que a gente ia correndo, pulava e ficava dando volta com o galho do eucalipto assim. Brincava de cabana, então assim, sempre crianças ativas, sempre o pessoal da rua. Quando a gente mudou pro Campo Limpo tinha muitas crianças e aí tinha uma praça com um tanque de areia e a gente costumava correr e brincar de saltar nesse tanque de areia. Então essa questão da infância sempre foi muito ativa. E nessa época, que você perguntou da coisa da família, o meu pai trabalhava das seis às duas, então quando ele chegava, dia de pagamento era dia de um café especial, então ele passava na pastelaria do chinês e trazia pastel, coxinha e a gente tomava café à tarde. E depois ele ia pra rua brincar com a gente. E isso mesmo quando a gente mudou, saiu de Santo Amaro e foi pro Campo Limpo, algo que ele continuou a fazer, e de brincar na rua, só que a escolaridade ia avançando, então antes tinha que tomar a tabuada e a leitura senão nada de rua. E tinha horário pra voltar pra casa também. Porque ele brincava um pouco e depois ele entrava pra ajudar a minha mãe. E ele assobiava. Não chegou em cinco minutos a casa caía, no outro dia não tinha rua. Ele não era de bater, mas ele era muito bravo e a gente tinha medo da forma que ele falava, né? Imaginava, acho, pelas histórias que eles contavam que a casa ia cair no couro. E não era uma coisa que acontecia.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe sempre, a imagem que eu tenho é ela cuidando muito como cuidadora, sempre garantindo que a gente tivesse condições de desfrutar. Então não é uma pessoa ativa, ela sempre aquela dona de casa e sempre dando conta das coisas. Mas a minha mãe é muito ligada até hoje, então ela vê as coisas acontecendo, ela já vai buscar a solução. Então eu tinha uma dificuldade de falar, de pronunciar algumas palavras, ela já correu atrás, foi ver fono. E não tinha condição, então a gente acabou indo pro Hospital das Clínicas. Ela não tinha como levar, ela viu uma moça que era responsável que ia levar eu até o HC pra fazer. Então assim, deu problema na escola, precisava procurar a psicóloga, ela corria atrás. Então é uma pessoa muito cuidadora e zeladora, de garantir, tudo o que eu puder fazer pela minha família eu vou fazer. A imagem que eu tenho é essa.
P/1 – Fala um pouquinho pra mim dos seus irmãos, o nome deles, qual é a sua relação com eles desde criança?
R – Ah, tem o mais velho, que é o João Aparecido Cavalheiro. Acho que a relação mais próxima da infância com ele. Então ele é o meu parceiro de futebol, ele é o parceiro das brincadeiras em casa, das descobertas, de andar de bicicleta, de aprender as coisas. Até de cumplicidade de coisas erradas, que eu segurava a onda pra ele. Ele fazia as artes e eu acobertava, então é uma cumplicidade. Hoje acho que é um menino muito alegre, muito festeiro, gente boa, fala com todo mundo, se dá bem com todo mundo. Hoje acho que pela dimensão da família que ele tem, ele casou com uma moça que já tinha três filhos e ele teve mais uma. Essa uma já vai ser mãe. Então acho que tem muitas atribuições e ele também é envolvido, engajado na associação da Sabesp, ele trabalha na Sabesp já há quase 30 anos. Então essa rotina dele não permite a gente se ver, mas toda vez que a gente se vê a gente relembra algumas coisas. O caçula era parceiro meu. É o menino que na época eu namorava e ele ia no cinema comigo. E acho que é bacana uma história que assim, pra que eu voltasse a jogar uma das condições que o pai estabeleceu é que quando tivesse viagem que um deles fosse comigo na viagem, então eles sempre foram na boa. No período que eu joguei no Juventus, toda vez que tinha julho, férias, tinha viagem, já era programado sempre com antecedência, e eles estavam sempre junto, ou um, ou outro. Então acho que é uma relação muito próxima. E o caçula, ele acabou casando, ele queria casar, meus pais não queriam, ele acabou criando uma relação com a esposa dele de ter um neném pra casar. E aí vem a Carol, que é minha afilhada, e acho que está muito pautado pela força que eu dei pra ele porque na época eu trabalhava em dois lugares, eu trabalhava na escola do estado e trabalhava num clube de futebol de salão na Vila Maria, então eu tinha uma condição maior e eu ajudei eles a construir essa família. Então a família do meu pai, cada um foi dando uma coisinha, uma mesa, uma cadeira, um fogão, foi pondo as coisas na casa, mobiliando e eu fui ajudando com cesta básica, com coisas que precisava em casa. E quando a Carolina nasceu eu é que socorri, que ajudei, que fiz as coisas. A cumplicidade vai se construindo de formas diferentes ao longo desse processo que a gente vai amadurecendo.
P/1 – E voltando lá pra infância, como era pra você ser uma menina nessa rua cheia de meninos? Como eram as brincadeiras com eles?
R – Acho que assim, na época pra mim não tinha essa separação, era criança. E ser criança é brincar. E essa energia, eu tenho até hoje, eu acho que é algo que eu tinha na infância, então eu não conseguia ficar parada. Estar movimentando pra mim era um prazer, então não consigo imaginar eu com uma infância sedentária, eu paradinha, eu numa cadeira ou eu brincando de boneca. Boneca pra mim, ela servia pra ficar no quarto, meu negócio era bola, bola. Bola, bola, bola. E outras brincadeiras que também tinha energia. Acho que é um universo que hoje a garotada não tem e que eu tive oportunidade de ter. Carrinho de rolimã, aprender a fazer, aprender a andar, saber usar. Pipa, bolinha de gude, pular corda, amarelinha, coisas que a gente brincava. Então, apesar de ter só meninos a gama de brincadeiras não remetia a brincadeiras tidas na época como de meninas ou meninos, a gente brincava. E as descobertas, ela às vezes não tinha nenhuma relação com a bola, era com o que o espaço oferecia. Então aquele dia do formigueiro, a ideia era correr e passar por cima dos barrancos, né? O azar que eu pisei no formigueiro.
P/1 – Como era a Suzana na escola? Você tem uma primeira lembrança?
R – Tenho. Tenho. Minha mãe era servente. Meu pai era metalúrgico, minha mãe era servente da escola. E pelo horário que ela entrava, ela era responsável por limpar diretoria, secretaria, toda aquela parte primeiro. E a gente ia pra escola com a minha mãe. Então a gente ficava lá no período da manhã, a gente estudava à tarde e saía às três. Quando a gente saía é que a gente voltava pra Santo Amaro, porque até então estava construindo a casa no Campo Limpo. E eu lembro da assistente pedagógica, a dona Sônia Amaral, ela me apelidava de Suze Capeta. E não é porque eu era de aprontar, eu era muito elétrica. Ela era enorme, assim, grandona, então a escola tinha três andares e tinha que levar o recado pra professora lá no último. Ela me chamava. E aí subia correndo e descia. Um, dois, três, pulava lá embaixo. Um, dois, três, pulava lá embaixo. Então descia pelo corrimão. Não era uma santinha. Mas eu tinha uma coisa de querer estudar porque eu não gostava de ficar de recuperação. Férias pra mim é ficar em casa e brincar. E meu pai sempre falou: “Estuda pra você aproveitar o final do ano”. Era algo que entrou na sala de aula está prestando atenção, rolava. Mas no intervalo, numa troca de aula no ginásio, a gente brincava de um corredor de cima ir no corredor de baixo e os meninos pegarem a gente e ficar segurando pra chegar atrasado na sala. Então tinha umas brincadeiras assim no período da escola. Mas era escola que eu acho que é bacana, eu estudei o ensino fundamental no Leonardo Villas-Bôas que foi onde a minha mãe estudou. E tinha uns professores muito bacanas nessa parte da Educação Física, quando ia pros passeios, sempre muito próximos. E acho que essa questão de ser filha da servente e as pessoas terem um carinho por ela, esse carinho era estendido pra mim. Então era uma relação que se misturava, eu me sentia bem naquele espaço. Então a escola nunca foi algo que me remeteu a querer sair. Não, eu quero estar dentro. Então não era um problema pra mim: “Puxa, segunda-feira tem que voltar pra escola, eu não quero”. E eu sempre gostei de estudar no período da manhã. Quando eu estudei à tarde pra mim era péssimo, porque à tarde eu queria brincar e aí aquele calor, aquela incômodo. Mas a gente ia lidando. Teve uma vez, teve uma festa no ginásio e eu tinha que voltar pra casa correndo, catei as coisas e saí. E tinha um pátio e o menino subindo de bicicleta, andando pela escola, e eu fui descendo. O menino saiu prum lado, eu saí pro mesmo lado que ele e atropelei ele. O pneu da bicicleta ficou todo torto. Então assim, as imagens que eu tenho da escola é sempre eu correndo, pulando, brincando. Tem a coisa da imagem não é a Suzana na carteira com sofrimento. Não. Tinha coisas que eram responsabilidade, mas tinha as coisas que era a diversão também.
P/1 – Como eram as aulas de Educação Física?
R – Intensas. Intensas. E acho que é bacana porque tive professores que acho que pelo período de formação eram professores que traziam uma coisa de cuidar bem do que estava fazendo. Lógico que era o conhecimento que eles tinham na época. E o cuidar bem estava muito associado a uma coisa mais formal, fazer filinha, todo mundo ter a prática, uma sequência. Diferente de hoje, mas eram pessoas muito envolvidas e engajadas. E foram pessoa que influenciaram dentro dessa escolha da minha profissão hoje. Então, a aula Educação Física não era só a aula. Se eu tivesse oportunidade de ajudar e fazer outras coisas com eles eu queria estar junto. Então acho que é um pouco essa relação
P/1 – Você comentou que começou a jogar bola no clube perto da sua casa, tal. Como é que isso foi na escola? Você continuou jogando, praticou alguns outros esportes?
R – Na época a escola não tinha futebol que permitisse a menina jogar, não era uma linguagem que era reconhecida, vamos dizer assim. Então futebol é pros meninos, imagina, menina jogar futebol? Mas ao mesmo tempo me dava status, porque eu comecei a brincar com meu irmão, aprendi a jogar com os meninos, então a linguagem que eu conhecia era a linguagem dos meninos. Estar com meninas, eu lembro da infância quando eu tive 14, 15 anos, de ter meninas que compunham o meu grupo de brincadeiras. Eram muito mais próximos os meninos do que as meninas. Então pra mim não tinha dificuldade nenhuma, eu chegava na quadra e esperava. E quando via já estava no time. E lógico que meu irmão sempre queria jogar comigo porque a gente combinava as coisas, a gente comentava depois, então tinha uma afinidade, uma relação. Pra escola tinha a parte de ginástica, que na época era ginástica olímpica, então tinha uma professora que tinha muito conhecimento, era a Tininha, ela fazia saltos. Mas a escola tinha, estava vendo as fotos, tinha uma fanfarra, então a gente trabalhava, ensaiava, tinha todo um envolvimento, engajamento do professor de Educação Física com outros estímulos. Então isso é algo que vai te influenciando, faz você ter o prazer, não era uma coisa que era imposta: “Ó pessoal, vai sair a fanfarram, quem quer?”. E a ideia era ensaiar pra participar do desfile de Sete de Setembro que ia ser em Santo Amaro, né? Então ó o status, Santo Amaro. É bacana.
P/1 – Suzana, você comentou um pouquinho sobre as suas férias. Vocês faziam viagens, como é que era?
R – Na família, acho que isso é uma coisa bacana, meus pais trabalhavam muito mas algo que eles sempre garantiram é o momento da família. Quando você perguntou veio na cabeça e eu acabei não falando. Então todo Natal a gente almoçava na casa da minha avó, era o encontro da família. Todos os filhos, os netos, as noras, genros, ia todo mundo lá. Primeiro as crianças sentavam à mesa e se alimentavam, depois os adultos. E aí a gente ficava rodeando pra ouvir as conversas e ia brincar lá frente, voltava, então era uma forma. E a minha avó era italiana, então ela fazia a massa. Era sensacional. E aí, acho que tem uma coisa das viagens que tanto o meu pai e a minha mãe sempre programaram, por pior que fosse a situação de ter uma graninha, pra ficar uns dias em Peruíbe. E Peruíbe na época era mato. Então era uma casinha no fundo e aquele quintal. E na frente era uma mata virgem e tinha maracujá na mata. Então tinha um tio que fazia batida e ele fazia doce, fazia umas coisas com maracujá, então a gente ia lá, entrava no mato, catava os maracujás, e ele tinha uma casa em Peruíbe também. Aí o meu pai catava a gente, ia até lá, era tio do meu pai, tio Zico, e aí ele fazia os doces, tal, fazia batida para os mais velhos e a gente ficava lá com os doces. Eu lembro de uma vez que a gente foi pra casa do tio Zico e o homem estava limpando o terreno ao lado e ele bateu num negócio de abelha. E foi aquela correria, o cavalo ficou doente, todo mundo picado, então deu o maior fuzuê e a gente acabou nem aproveitando a ida lá. Mas é um tio que também tem a história de passar a rede, foi a primeira vez que eu fui passar a rede na praia. À noite. A gente devia ter uns 12, 13 anos. Todo mundo lá passando a rede. A família passa por esses diferentes momentos, a viagem era algo que tinha com a família mas também tinha dentro da prática quando eu comecei a jogar, você vai crescendo, vai tendo outras descobertas, os clubes se organizam. Então a viagem pra mim é algo que eu adoro e foi cultuado acho que pela coisa da família, depois pelas oportunidades que apareceram nos clubes e é algo que eu gosto até hoje.
P/1 – E aí 12, 13, 14 anos você falou que já passa a ter meninas mais no grupo também. O que muda? Você continua jogando bola? O que muda no seu cotidiano?
R – Acho que eu não sei, a dimensão eu não lembro cronologicamente, que se mistura. Lembro um pouquinho, 13 anos eu já jogava futebol e como o rapaz tinha o grêmio e ele convidou a gente pra jogar na quadra foi um jogo amistoso que ele acabou marcando e veio uma equipe que jogava federada. E eu recebi o convite pra ir jogar. Então acho que tem essa coisa de ter a oportunidade contato com meninas. Quando eu fui pro Campo Limpo tinham três meninas dentro de um grupo de nove crianças que brincavam. E a gente brincava de andar pelos espaços. E no Campo Limpo, na época que a gente mudou pra lá, tinha a Metafill, que era uma empresa, no fundo era um morro cheio de mato e tinha uma senhora que morava lá e plantava mandioca e que a gente adorava subir lá pra catar mandioca. E os outros morros eram dois morros que eram mato, virgem, então a gente gostava de andar. E tinha um lago. E uma das coisas que meu pai brigou comigo e me bateu é por causa do lago, ele ficou doido por causa desse lago. Então eu acho que tem uma coisa assim de...
P/1 – Como foi essa história do lago?
R – É que é assim, os meninos queriam ir pro lago e ele falou para eu não ir. Eu fui, eu não entrei no lago, mas eu sentei na beirada do lago. E a bermuda voltou molhada. E ele não acreditou que eu não tinha entrado no lago. Aí entrei e tomei duas, tum!, nas pernas. Nunca mais, né? Então acho que tem essa coisa do lago foi marcante, foi a última vez que eu apanhei do meu pai, depois disso ele não bateu mais. Não era de bater, mas eu acho que tem uma dimensão que é assim, você, é o medo de perder. Tinha tantas histórias com relação a crianças que tinham se afogado que não é que ele não queria, eu acho que talvez se eu tivesse falado pra ele ir comigo ele até iria, mas quando veio e vê que você desobedeceu é uma coisa de querer impor pela força, né? Mas algo que serviu de lição. E aí a gente passava a ficar em casa, você está trazendo as histórias eu estou lembrando. Teve uma vez que ele chegou em casa, estava em reforma, tinha um caminhão de areia que tinha despejado areia assim e eu subi com meu irmão caçula em cima da laje. E estava eu e meu irmão caçula olhando, pula ou não pula? (risos), pula ou não pula? Na areia. E ele viu aquilo, ele veio correndo: “O que vocês estão fazendo aí?!” “Ah pai, a gente está vendo se a gente pulava ou não” “Desce daí!!!”. Deu um pega na gente, a gente saiu pra dentro. Então coisas que a gente tinha. Mas você tinha trazido a questão com relação às meninas, né?
P/1 – Isso, exato.
R – As meninas, eu acho que não muda a relação porque tinha a questão de jogar bola na adolescência, no início, na pré-adolescência e adolescência, mas é assim, tinha o momento de jogar bola, tinha o momento de brincar de outras brincadeiras, mãe da rua, estrela nova cela, pega-pega, esconde-esconde, e isso eram brincadeiras que elas participavam. Tinha uma questão que os pais tinham uma forma diferende de lidar. Então não mudou, eu acho que a única coisa é que eu era a única menina, das três, que jogava futebol com os meninos. A gente brincava de taco, elas brincavam também. Então elas participavam de outras brincadeiras, o futebol elas tinham receio de jogar porque não sabiam, que eu acho que a relação vai se construindo, a liberdade de expressão. Você pensa na dança, se uma pessoa dança desde pequena e vai sendo estimulada ela vai dançar em qualquer ambiente em que ela estiver e se sentir à vontade de fazer. A mesma coisa jogar bola, se você vai jogando bola desde pequeno e vai crescendo, você vai tendo uma intimidade com o implemento e aí você consegue participar, não precisa ser destaque. Destaque é exceção.
P/1 – E quando você ficou mais velha, já adolescente, o que você fazia pra se divertir?
R – Ah... A nossa diversão era a rua. Eu lembro que depois vem a primeira bicicleta, então você começa a andar de bicicleta. Tinha uma vez que eu achei que o rapaz estava atrás de mim, eu fui acelerar lá, entrou o pneu na fenda, da divisa do asfalto que eles fazem pra calha de água, entrou o pneu lá, tomei o maior tombão, venho eu empurrando: (fala chorosa) “Pai, quebrei a bicicleta”, chorando. Então assim, sempre tem essa coisa de muita energia, muita relação com a rua, com a praça, com as brincadeiras. Quando eu começo a namorar eu acho que aí começa uma coisa diferente, ir no cinema, de ter outra descoberta. Mas à época tinha uma coisa de um controle dos pais muito grande com horário de sair, horário de voltar, de não ficar à noite na rua. E eu não sei, acho que não tinha a preocupação que tem hoje dessa coisa da violência da rua, mas tinha uma questão de você estar em condições de ter uma rotina. Então assim, a família tinha muito uma rotina. Tinha vez que levava a gente em parque, eu lembro de ir no Camucam. E pra gente ir no Camucam era uma aventura porque a gente saía de Santo Amaro pra vir pra cá e não tinha carro. Meu pai foi ter carro quando a gente já era, 16, 17, 18 anos que ele comprou o fusquinha. Fusquinha que depois passou a ser meu, que eu comprei dele. E tinha uma coisa assim, que é até hoje, que é assim, de pegar emprestado e você se responsabilizar por devolver. Se você precisa de uma grana ele te ajuda, mas você tem o compromisso de devolver. Então essa coisa muito certinha do ser honesto, de ter responsabilidade, de compromisso com aquilo que está fazendo é algo que eu acho que minha mãe tem muito forte e o meu pai reforça isso, né? Então se você perguntar pra mim da família, a coisa que fica, é isso, da honestidade. E é a coisa que o pai fala até hoje: “O seu nome ninguém tira, então você tem que zelar por ele. Escolha bem o que você vai fazer, pense bem porque isso tem uma consequência”. Acho que essa questão, alguns valores eram passados de uma forma que não era imposta, servia de exemplo. Com as atitudes dele a gente foi crescendo e vendo isso. Então, achou uma coisa: “É seu?” “Não” “Então não mexa. O máximo que você pode saber é um lugar que tenha Achados e Perdidos, leva lá. Mas se não é seu, não pegue”. Então assim, com as atitudes você vai pegando. E ninguém falou: “Olha, isso está ligado à honestidade”, entendeu? Então é algo que a família trazia isso, acho que é um pouco isso.
P/1 – E mais ginásio, colegial, em que momento você decidiu o que você queria fazer?
R – Acho que tem essa relação muito próxima com os professores de Educação Física – e aí vem uma professora que era carioca, que é a Rosângela Reis Bustamante, eu lembro até hoje do sobrenome dela. E é bacana a forma que ela lidava, ela falava dessa coisa do corpo, de você cuidar, da questão da saúde, você praticar. E eu queria fazer Medicina e queria trabalhar com criança porque eu sempre cuidei dos meus primos na infância – isso é uma parte que eu não falei. Então tinha festa, quem brincava com os primos, quem ficava olhando era eu. Então eu falava pra minha mãe que queria trabalhar com Pediatria, fazer a Medicina. E aí um dia eu falei pra ela: “Ah mãe, eu estou pensando se eu vou fazer Medicina”. E aí a mãe virou pra mim e falou assim: “Imagina, menina, você joga tanta bola, você gosta tanto de bola, você vai fazer o quê? Imagina, você vai cuidar da criança e vai ficar pensando na bola, isso não vai dar certo” (risos). Aí eu comecei a pensar nisso. E quando eu conheci essa professora, Rosângela, eu não só fazia Educação Física, ajudava, mas no horário pós a aula eu corria com ela. Até o dia que eu passei mal. Eu corri, estava um sol muito quente, eu comecei a passar mal, passar mal, minha mãe não levou na escola, levou no médico. E nessa época a mãe já estava pra se aposentar, estava pra sair do serviço. Aposentar não, ela saiu do serviço. Porque meu irmão já estava trabalhando então não tinha necessidade dela trabalhar. E aí foi uma coisa, a partir daí que eu acho que marca, que minha mãe falou que eu não ia correr mais, que isso não ia dar certo, que ela ia procurar um trabalho pra mim. “Porque essa coisa de ficar correndo, passando mal”, eu já tinha feito atividade física, isso é um desgaste. E aí eu fui trabalhar, com 13 anos eu comecei a trabalhar. Você perguntou das meninas e eu estou lembrando agora: o meu primeiro emprego foi numa, era um despachante e contabilidade. Tinha o doutor Plínio, era advogado, e o irmão dele era contador, então eles montaram e eram dez homens e tinham três meninas, uma de 40, a Vilma com 18 e eu, com 13. Então foi uma fase bacana porque eu fazia, eu trabalhava lá, eu fazia Atletismo no Joerg Bruder, que era um centro esportivo que tinha em Santo Amaro e eu competi Atletismo na época e ainda jogava futebol. E com, não sei, mais ou menos, 15 anos eu começo a jogar em equipes com nome, com um grupo maior, meninas mais velhas, todas universitárias e eu era a caçula com 15 anos, que era um time que tinha lá em Higienópolis, chamado Isis Pop. E era um senhor que juntava as meninas e ele bancava, seu Nilton. Ele bancava jogo de camisa, uma sede, a gente jogava lá na Vila Maria, União dos Operários, tem até hoje o campo. Então foi uma fase que eu trabalhava, tinha a coisa da responsabilidade já bem marcada, então a gente coisa do trabalho. O momento pra treinar. E aí pra fazer Atletismo tinha que organizar o calendário e tinha a parte da competição que eu ia jogar com essa equipe. Daí quando eu disputei, acho que entra uma coisa bacana que é assim, eu disputei o campeonato, a gente chegou na final, ia jogar contra a equipe da Polícia Militar.
P/1 – Futsal?
R – Futebol de campo. E ia ser televisionado. E foi na época que eu ia fazer a prova pro vestibular. Não que se eu passasse na prova eu ia entrar porque eu não tinha terminado ainda o colégio, mas eu ia fazer como um teste. E aí eu fui fazer, o meu pai não sabia que eu estava jogando, eu fui fazer o jogo e ele descobriu. Eu falei pros meus irmãos não deixar ele mudar o canal, ele acabou mudando e achou o jogo, assistiu o jogo, ele viu que a gente perdeu e aí ele perguntou. Eu fiz a prova e quando eu cheguei em casa ele falou assim: “Quer dizer que você foi jogar? E a prova?”, eu falei: “Não, mas eu fiz a prova. O senhor vai ver o resultado”. Lógico, resultado, eu tinha feito de fato a prova mas eu não tinha passado. Mas isso gerou uma coisa de: “Não, que você não vai mais sair, você mentiu”, e aí a coisa do mentir começou a ter uma interferência na nossa relação. Nessa época que eu não podia jogar tinha uma questão muito, apesar de eu estar namorando, dos meus tios, mais minhas tias: “Imagina, futebol é coisa pra homem, o que essa menina fica? Olha o ambiente!”. E uma pressão muito grande e o pai proibiu. Foi por isso que quando ele viu na televisão eu acho que bateu essa coisa de: “Não vai mesmo, agora não vai”. E aí eu joguei muito bem o jogo apesar da gente não ter ganho e eu recebi um convite pra participar dessa equipe, que a gente perdeu. Na verdade ele não ia ficar na Polícia Militar, era o tenente Vanderlei, ele tinha sido convidado pra montar uma equipe pelo Juventus. E aí ele faz o convite, falou: “Olha, daqui pro ano que vem deve sair a equipe do Juventus, eu quero saber se você vem”. Eu falei assim: “Ah, mas meu pai não deixa eu jogar”. Ele falou: “Nào se preocupa, eu vou na sua casa, me fala onde você mora”. E aí eu falei onde eu morava e ele apareceu lá em casa pra falar com o meu pai. E a partir daí eu consegui jogar.
P/1 – E descreve esse tenente pra gente.
R – Ah! O tenente Vanderlei é um rapaz de um metro e 80, todo imponente. Vivia com a calça boca de sino, com uma camisa social e um lencinho cheio de bolinha com um anel vermelho que ele tinha, porque ele tinha feito pela polícia acho que era curso de advocacia mas eles não tem, é bacharel. E aí ele vinha. E o carro dele era um Voyage vinho com o banco bege. Então ele chegou na frente de casa eu falei: “Ah meu Deus, ele chegou”. Aí fui falar com o meu pai, não lembro direito como foi a conversa, só que meu pai aceitou a proposta que ele fez. E daí em diante a gente começou a jogar e tinha essa coisa da viagem mais acentuada, então era sempre no período das férias, então eu viajei pra várias cidades do Sul, a gente foi viajando e conhecendo. Então foi uma fase bacana porque a gente viajava demais. E viajava em grupo. E sempre com as meninas. Então aí a relação vai mudando e se transformando.
P/1 – Antes da gente avançar nessa história, fala só um pouquinho pra mim como foi o seu envolvimento com o Atletismo. Você falou que também treinava Atletismo, competia.
R – É porque como eu sempre gostei de correr, o Joerg Bruder tinha algumas professoras, eram duas professoras, eu não me recordo o nome, mas elas estimulavam. Então não dava para eu fazer o treino no horário que elas davam pra garotada, mas a gente procurava fazer, elas deixavam o treino e eu fazia em outros momentos. Às vezes elas acompanhavam, outras vezes não. Mas era bacana porque você tinha contato com outro público, com outros espaços, então a gente ia correr no Centro Olímpico, disputei várias provas lá e eu fiz até os 18 anos. E acho que foi uma fase bacana que me ajudou enquanto atleta depois do futebol, porque melhora a técnica da corrida, você tem menos desgaste, você tem uma condição física privilegiada, então você tem a facilidade de desenvolver a parte técnica depois da outra modalidade. O Atletismo tinha a Rita de Cássia que depois de adulta ganhou uma São Silvestre, era uma parceira. Então a lembrança com o Atletismo, acho que é bacana pelo espaço, voltar a Santo Amaro. Eu trabalhava em Santo Amaro, então saía, ia pra lá, fazia à noite. E era dias contrários ao que eu treinava o futebol porque eu já estava treinando no Juventus, então mesmo entrando no Juventus eu não abri mão do Atletismo, até uma hora que você estoura na idade e aí beleza, você continua fazendo as outras coisas. Então o Atletismo vem pra ajudar um pouco nessa prática. E eu gostava de correr. Suas marcas, prontas, pá! Essa sensação de você escutar o coração tumtum, tumtum, a arquibancada toda parada, uma sensação indiscritível, não tem igual.
P/1 – E fala pra mim um pouquinho dessa sua relação como atleta do Juventus. Como é que era a relação? Era uma atleta amadora, você já recebia alguma ajuda? Era federado ou não era, que competições vocês participavam?
R – Ah, eu acho que foi uma fase bacana, eu joguei oito anos pelo Juventus, década de 80, acho que tem uma fase que a Secretaria Municipal de Esportes organizava vários torneios e não era só de campo, era campo e salão e a gente jogava campo e salão e treinava campo e salão. Terça e quinta eu saía do Campo Limpo e ia pra Mooca, a gente treinava no clube mesmo. As meninas eram federadas. Tinha diferentes fases do torneio, então quando você pensa em salão, a Federação Paulista de Futebol de Salão promove desde a década de 80, ela é precursora do futebol feminino porque ela garantia o torneio Cidade São Paulo, Metropolitano e o Estadual no segundo semestre. E isso é até hoje. E pra todas as categorias. E ela só foi ampliando as categorias. A Federação de Futebol de Campo não organizava nada, quem organizava era a Seme, que tinha o secretário que era Figueira, eu não lembro o primeiro nome dele. Um rapaz alto, bigodão, cabelo pra trás assim, todo boa pinta, e ele sempre gostava do feminino, então ele organizava Torneio do Trabalho, Copa da Primavera. Durante o ano você tinha esses torneios da federação e os diferentes torneios que ele organizava, festival ou campeonato mesmo mais curto que ele organizava pela Secretaria Municial de Esportes. E aí o mês de junho, julho que era o período de férias ele reservava, ele não marcava jogo nesse período, então tinham períodos estratégicos pra deixar a equipe também ter o espaço das férias. Então tinha essa intensidade, a equipe de salão do Juventus era muito forte, jogava a Simone no gol, a Fia, que é a Lucineide, que jogava de fixa, eu de ala, a Márcia Onório com a outra ala mais avançada e a Roseli de pivô. Nós ficamos ANOS invictas. A gente jogava e acho que tem que citar também o Geraldo, que acho que é um técnico que era do Exército, já reformado, e ele trabalhava com futsal e ele entra nesse contexto pra, aí já misturando, já não era mais o Vanderlei, mas ele dá continuidade e, tanto quanto o Vanderlei ele era apaixonado pelo feminino. E aí ele começava a trabalhar jogadas ensaiadas com a equipe. Então era uma equipe que a gente tocava a bola até sem olhar, a gente jogava sabendo que a pessoa ia estar por ali. Foi um processo assim, a forma eu acho da ruptura, o encerramento do Juventus foi muito triste, com suspeita de desvio de dinheiro. Você perguntou com relação a ser amador. É sempre amador, o futebol feminino não tem essa questão profissional. É algo que hoje são raras as meninas que têm condição de se manter com o futebol. Na nossa época, esquece. Ou você trabalha ou você passa fome. Então era um hobby, era uma coisa que a gente tinha prazer de fazer. E podia estar cansado mas a gente ia do mesmo jeito. Tiveram patrocinadores, o Trofa é um grupo bem bacana, seu Alberto Trofa, era um apaixonado e ele dava ajuda de custo. Na época que estava pra encerrar o Juventus, encerrou o Juventus num ano e a gente foi convocada, sete meninas do Juventus foram convocadas pra seleção brasileira, foi a primeira convocação em 88. E eu era uma das sete. E a gente teria de sair daqui e ir pro Rio de Janeiro. E a gente não sabia onde ficar. Casa do Marinheiro, o que remete isso? Beleza, da Marinha, e? Você não sabe como que é o alojamento, alimentação seria alimentação dos marinheiros porque eles queriam cozinhar. E a gente sabia que os treinos iam ser puxados porque a gente tinha menos de 40 dias pra se preparar. E o Juventus tinha uma condição, você trabalhava muito a parte técnica, a parte física, mas não tinha uma musculação, não tinha um reforço, uma estrutura a mais. Até porque não dava, em termos, você imagina, terça e quinta, das sete e meia às nove. Acabou. Não tinha muito como se fazer. Sábado e domingo você jogava. Às vezes você jogava sábado salão, domingo campo, às vezes você jogava sábado E domingo salão e campo à tarde. Então o Juventus tinha uma baita estrutura, tinha o diretor, tinha a Luci que ajudava a documentação, fazia o contato mais próximo com as meninas, via o que estava precisando no vestiário, ela que tinha mais acesso. Tinha técnico, massagista. Então assim, você pensa em termos de estrutura, tinha. De recurso? Juventus tinha um recurso bacana. Uniforme? Era específico pra gente, não era sobra. Porque o da seleção foi sobra do masculino. Então acho que é diferente. Eram pessoas que tinham a vontade de fazer o futebol feminino e que cuidavam bem das meninas, eu acho que essa era a diferença.
P/1 – E Suzana, como foi o momento dessa convocação pra seleção brasileira?
R – Ah, acho que foi bacana porque foi próximo do meu aniversário. E no aniversário eu anunciei pra família, um telegrama. E aí meu pai já ficou preocupado porque eu estava fazendo a faculdade. “Como que vai ser?”, e aí eu tive a informação que... porque as coisas eram pouco divulgadas e eu não sabia na época que você representar o país te dava um abono pras faltas e o direito pra fazer novamente as provas. E eu saí exatamente entre a prova do segundo bimestre e voltei no quarto bimestre quase, então isso começa a gerar uma insegurança. Aí eu conversei com o diretor da faculdade, ele ficou todo cheio, falou: “Nossa, uma atleta! Seleção brasileira? Pode ir filha, pode ir que vou conseguir as provas pra você e o abono. Me traz a carta”. E aí eu fui, falei pro meu pai: “Pai, não precisa se preocupar que eles vão abonar minhas faltas”. Pra família, aí começa a mudar, acho, um pouco a forma de lidar. Então aquilo que era preocupação, preconceito, as dúvidas, questionamentos, pra família do meu pai muito mais forte essa questão de a mulher tem que procriar, garantir a coisa da família, extensão. E eu vou na contramão de tudo isso, eu passo a ter uma, eu sempre gostei de tomar minhas decisões, fazer minhas escolhas e eu sempre banquei isso. Então da família eu fui a primeira a entrar na universidade. E aí ir na contramão de não fazer aquilo que os meus tios achavam que era importante era o tempo todo você brigar e ficar disputando força. E aí entra a seleção brasileira. Aí muda. Nossa, seleção! E aí com a coisa de jornal, televisão, aí o negócio muda, você passa a ter um outro olhar da família. E aí eu acho que esse processo, as coisas vão acontecendo muito rápido, então saiu de uma posição de proibição, aí vai para uma autorização da prática e aí a família que era contra passa a ficar interessada naquele que você está fazendo. E no contexto, se você pensa no contexto político, na ditadura, no processo de transição, de abertura, do espaço que a mulher passa a brigar na sociedade na década de 80. E eu estou indo aí, estou conquistando. Foi a época que eu comprei a minha casa, época do Juventus. Não, do Juventus não, já tinha voltado da seleção. Mas é o período que esse processo das decisões eu continuei trabalhando, eu não parei. Esse período que eu fui pra seleção eu trabalhava aqui, eu ajudava a moça no Departamento Pessoal, depois eu fiquei responsável pra controlar e fazer as rotas e liberar controle de peças de oficina. Eu montei um sistema de controle porque ele tinha um desvio muito grande das peças da oficina de motociclista. E eu fiz todas as mudanças, estruturei e eu que era responsável pela reforma das motos, decidir qual que ia ser, quem ia pra quem, as rotas. Então eu começo a ganhar esse espaço profissionalmente e ao mesmo tempo estou crescendo naquilo que eu gostava de fazer que era jogar futebol. E jogar futebol pra mim nunca foi como sustento, sempre foi essa coisa da prática. E isso vai se misturando, acho que tem a convocação é um marco, mas também você vai com sete meninas que você já fazia parte, você vai passar 40 dias, você treina de manhã e à tarde. Você tem dois jogos de uniformes de treino, então você treina de manhã, você tem que correr lavar na hora do banho, torcer bem, pôr no sol pra secar porque à tarde você vai usar o outro jogo e no outro dia você vai ter treino de manhã. Então essa coisa da independência, acho que o que a minha mãe ensinou lá de ser responsável, que era... isso eu não contei também. O meu irmão cuidava de uma parte da casa e eu cuidava da outra parte da casa, então eu cuidava da cozinha e dos banheiros, meu irmão cuidava da sala e do quarto. E a gente ajudava ela porque ela continuava trabalhando. Então quando ela chegava a casa estava mais ou menos organizada pra ela poder fazer a comida. E a gente pra poder brincar. Então isso daí acho que contribuiu pro processo de independência lá frente, né? De não ter medo de ir pro Rio de Janeiro, de querer estar no Rio de Janeiro. E esse menino que era o Grupo Trofa, o seu Alberto, ele garantiu, a gente ia de ônibus pra lá, ele falou: “Não, eu vou dar a passagem aérea pra vocês”. E ele compra a passagem aérea pra gente e ele manda uma ajuda de custo durante esse período que a gente está lá se a gente precisasse de algumas coisinhas. Não era grande coisa mas deu pra gente, porque às vezes a comida falta, pra quem está treinando a alimentação que tem pros marinheiros não é o que a gente precisava, mas aí a gente não conseguia comer direito, as meninas queriam atravessar a Avenida Brasil pra ir no Bob’s comprar um sanduíche do Bob’s. Então era muita novidade e muito rápido. A gente teve sete de São Paulo, eram nove do Radar. E esse mesmo Radar que um ano antes eu tinha sido convidada pra jogar e eu não aceitei porque eu tinha acabado de entrar na universidade e eu falei que o estudo era mais importante. Ele mandou, era o Eurico Lira, que era do Radar, ele mandou a Lúcia que morava no Vila Maria mas quando ela passou a jogar no Radar foi morar no Rio de Janeiro. E ela vem, ela vai lá no Juventus e ela fala: “Su, estou com a passagem e o dinheiro pra você ir pro Rio”. Eu falei: “Não vou” “Não, mas elas vão pra Itália, vai ser uma excursão, dois meses” “Não vou. Não preciso nem perguntar pro meu pai. Eu entrei na faculdade e agora eu vou estudar, futebol não vai ser a minha profissão. Eu gosto de jogar, é diferente. Agradece ao Eurico, fala pra ele que outra vez a gente pode combinar, mas dessa vez não vai dar”. E ela volta pro Rio e deu a notícia pra ele, ele se conformou e no ano seguinte, foi 88, foi quando saiu a convocação. E ele era o chefe da delegação e eu fui convocada pra seleção. Então assim, acho que as coisas, essa questão das escolhas que você faz e bancar isso, então desde pequeno acaba tendo uma influência lá na frente da forma que eu fui organizando e fazendo as escolhas no dia a dia.
P/1 – E que campeonato você disputou pela seleção?
R – A gente foi disputar o primeiro torneio pré-mundial. Na verdade é o primeiro torneio de futebol feminino, a ideia era eles fazerem uma prévia pra eles fazerem o Mundial que seria em 91. E aí a gente treinou 40 dias pra ir pra esse torneio, sendo que desses 40, 15 dias a gente ficou na Granja Comary. Foi, acho que é rico você viajar pra outro país não tem, pro atleta eu acho que é o máximo você estar na seleção. Você entrar em campo, ouvir o hino nacional e sentir aquele frio na barriga, aquele arrepio e você fala: “Nossa, estou representando o meu país, que louco! Outro dia estava jogando lá na ruazinha de paralelepípedo”. Lógico que na época você não pensa isso, hoje eu consigo ver isso. Na época: “Ô, vamos aí”. E muita farra, tinha meninas de diferentes regiões. Mas também na seleção tinha uma coisa que acho que foi muito difícil, essa questão – mas todo mundo ajudava uma a outra – acho que essa proximidade, que a gente recebeu esses uniformes, eu contei dessa coisa de lavar mas não era só isso. Quando a gente recebe o uniforme que a gente ir viajar, que era o kit de viagem, era um agasalho e com uma boca desse tamanho. A gente achou horrível aquilo, tudo grande. E a gente saiu daqui e ia chegar lá no verão. E eles deram...
P/1 – Onde era?
R – Na China. Eles deram uma camisa, eram camisas polo cinza de manga comprida e a gente ia pra um lugar que era verão. E tinha que usar uniforme. Então muito difícil você pegar o resto. Aí a gente ficou à noite, tinha uma menina que o apelido dela era Cebola, é de Brasília, Luciene. E ela ensinou a gente a fazer um ponto que simulava a máquina pra deixar a calça com uma boca menor pra ajustar, então a gente ficou a noite, às noites, não foi só uma, fechando a boca porque a gente ia entrar no Maracanã, todo mundo ia uniformizar que ia ser feita a apresentação da primeira seleção oficial num Fla-Flu. Nós fomos assistir ao jogo do Flamento e Fluminense no Maracanã, lotado aquele Maracanã, e no intervalo do jogo a gente é convidada a entrar no meio de campo e eles anunciam no alto falando que nós éramos a primeira seleção de futebol feminino que iria representar o país. A gente não tinha nem dimensão do que significava isso, mas estar no Fla-Flu, no Maracanã era o máximo, né? Então acho que valeu o esforço de apertar a calça a noite inteira.
P/1 – E como foi a recepção desse estádio lotado?
R – Acho que as coisas se misturam, né? Porque se você pensa o período, pro Rio eu acho que é tranquilo porque as meninas jogavam na praia, então o carioca não iria ter essa questão. E ele é mais liberal, eu acho, menos preconceituoso. Não lembro de ter, eu acho que teve a coisa de um aplauso, teve uma coisa de uma expectativa porque não existia nada oficial, existia extra, que a gente sabia, mas quem jogava só que sabia. Porque o Eurico fazia parte da seleção e o que a gente sabia de história, não sei nem se é verdade, mas o que a gente sabia, que as meninas comentavam, é que ele tinha os contatos, ele era quem representava, quando se falava em futebol feminino, a CBF, então ele acertava as viagens, ele levava o Radar e usava o uniforme da seleção. E isso ele arrecadava grana. E grana que ia pra ele, mas eu acho que era revertido porque ele é que garantia essa manutenção, a coisa da equipe. E o Radar era uma equipe que ele, não é que ele criou as jogadoras ou que ele incentivou ali, ele via alguém que se destacava ele fazia o convite e ele trazia pro Rio. Então assim, era o que representava o top do futebol. Estar no Radar era status. E pras meninas: “Pô, como que você não vai jogar no Radar?”. Então assim, para algumas meninas essa que foi a coisa. “Não, a escola tem que ser, eu preciso me formar”. Então acho que aí é onde pega pra cada um. E eu acho que eu fiz a escolha certa, isso veio depois com o tempo porque quando eu volto da seleção eu sou mandada embora. E foi no ano, quando eu cheguei aqui de volta, ao mesmo tempo com a medalha de bronze, que a gente ficou em terceiro lugar, e se você pensa com equipes que tinham um poder e uma estrutura muito maior. Noruega, as meninas com diferentes uniformes, de traje de passeio, traje de treino, traje mais esportivo. Elas tinham um kit que dava pra fazer até uma microcirurgia. E eu passei mal por causa da pimenta e não tinha um remédio pro fígado. Então você vê o tipo de relação que era em termos de estrutura. E tinha uma questão acho que das seleções que elas já vinham fazendo vários amistosos e a gente simplesmente treinou e treinava contra os marinheiros, contra equipes menores de meninos, garotos do Fluminense, garotos do Flamengo, que era o que a gente utilizava pra fazer amistoso porque o time não viajou, não teve contato. E a gente chegar em terceiro lugar? Pra nós foi sensacional. E aí quando eu volto, primeira dificuldade foi na faculdade porque os professores não queriam dar a prova. Eu lembro até hoje, tinha um professor chamado Santo, que ele era do handebol, ele dava handebol e futebol. E ele falou pra mim que assim como eu tinha perdido eu podia entrar e fazer a prova, se eu fosse mal eu ia ter o zero, fazendo a prova eu poderia tirar uns dois, três. Eu não me conformei com aquela resposta, eu fiquei indignada. Eu falei: “Não é possível”. E a CBF não mandava a carta e eu precisava da carta pra obrigar eles a fazer a prova. Aí eu fui falar com o professor Renê e entrei em contato com o Eurico e falei: “Pôxa, manda a carta, eu vou perder a faculdade”. Aí ele mandou a carta e eu fui falar como professor Renê e eles foram obrigados a dar a prova. E eu tive que fazer chamada oral das matérias. Pra mim foi um baita desafio porque eu não tomei pau, o cara ficou com birra minha, o Santo, ele falou: “Pra você eu não dou prova prática de futebol, como você perdeu você só vai fazer o handebol porque está em outro semestre”, era meio ano futebol e meio ano handebol. E eu corri pros meninos e falei pros meninos: “Olha, vocês precisam me ajudar, eu preciso fazer a prova prática e eu não sei o que ele deu”. E os moleques ficaram me ensinando, eu fiz a prova e tirei a média sete, que era o que precisava pra passar. Então assim, teve bastante ajuda, tinha pessoas que queriam ajudar, mas tinha pessoas que queriam complicar só. Mas essas acabam passando e as lembranças boas ficam daquelas que te ajudaram. E na faculdade eu volto a ter uma relação próxima com os professores do centro olímpico do atletismo, porque ele era professor de atletismo na universidade, hoje é universidade mas na época era faculdade, que era a Osec. E aí ele começa a pegar como demonstração, então ele tinha demonstraçã eu que fazia, de salto barreira, de corrida com barreira, do salto em extensão, do peso, então eu passo a ser uma referência pra ele porque ele sabia que eu tinha feito Atletismo. E aí a prova do atletismo era prova por rendimento, que mostra mais uma vez essa coisa da Educação Física querendo os melhores. A prova, você podia escolher qualquer prova pra fazer só que já tinha índices de outros alunos que passaram por lá. E você tinha que bater o que tinha sido melhor e você igualava a nota dele que era o dez. E eu escolhi 800 metros. Tinha várias outras pessoas que iam fazer. A sorte assim, pela letra, o meu nome é Suzana, então com, S eu era uma das últimas a fazer, então as pessoas foram fazendo só que quando eu fiz eu quebrei o recorde, era 2:52 e eu fiz 2:50. E aí quem veio atrás de mim tinha que bater o meu, então já era uma sensação assim, eu fico feliz mas eu acabei prejudicando outras pessoas que precisavam de nota, então você fica naquela sensação, não sabe se comemora ou não. O processo da universidade, eu acho que é difícil porque eu acho que mostra um pouco dessa trajetória não só do futebol feminino mas da mulher quando ela começa a entrar em outros espaços, então eu entrei na universidade à noite, terminava eu tinha que sair e pegar dois ônibus pra chegar em casa. E se perdia um ônibus eu perdia o outro também e aí tinha que esperar, às vezes chegava uma hora pra no outro dia ir trabalhar, até eu conseguir a transferência para o período da manhã, aí eu mudei os horários no serviço. Tinha professores que entendiam e hoje como professora eu procuro entender, mas a gente fazia aula de natação tinha que tomar banho pra pegar e às vezes a gente pedia pra ele liberar mais cedo, ele não liberava, a gente perdia o ônibus, chegava a uma, daí no outro dia às sete e você tinha que manter a rotina. Então assim, essa busca, esse espaço sempre foi essa coisa do esforço, da conquista, de ir atrás, de tentar fazer as melhores escolhas. Tinha pessoas que te ajudavam, tinha pessoas que não, e aí você ia lidando. E nesse processo eu parei na faculdade, só parei de trabalhar um ano que foi o ano dos estágios. E os demais eu voltei a trabalhar. E quando eu volto da seleção o emprego me manda embora, você ficou 40 dias fora, como que é isso pro empregador? E nesse época o meu pai estava perto de se aposentar e a empresa manda ele embora e só fica meu irmão trabalhando. Eu fui numa Delegacia de Ensino que na época era assim que chamava a unidade das escolas estaduais e eu fui falar com
CORTE
P/1 – Você pode falar que você foi na Delegacia e tal.
R – Tá, eu fui na Delegacia de Ensino e eu fui conversar com uma supervisora. Aí eu contei pra ela que eu tinha terminado a faculdade, que eu tinha ido representar o país num campeonato de futebol, quando eu voltei eu encontrei o meu pai desempregado e eu fui mandada embora, que só meu irmão mais velho que estava sustentando. Quem vê pensa, né, porque ele era office-boy na Sabesp, o salário desse tamanhinho, e ajudando em casa e que eu precisava trabalhar pra ela arrumar qualquer aula pra mim. E ela falou: “Vai pra casa e espera que eu vou ver o que eu consigo”. E no dia seguinte ela liga e fala: “Olha, tem uma substituição, 12 aulas no João Sussumu Hirata”, é uma escola do Capão Redondo que não tinha nem muro. A quadra ficava do lado de fora e o professor dava aula, ele pegava a turma e encontrava a turma já lá fora. E a gente fazia aula lá fora e a turma lá dentro, então você não tinha essa relação próxima com a escola, parecia algo à parte. E assim, pra mim foi um desafio porque era a primeira escola que eu ia dar aula, eu não sabia nem preencher os diários de classe porque a didática da aula de didática não trabalhou isso, não achou que era importante e eu tenho a ajuda das professoras do primário que começam a me ajudar como preencher o diário, as coisas que eu tinha que me preocupar, de como registrar, então esse processo de aprendizagem vai se dando pelas relações que eu vou estabelecendo dentro da escola, do espaço. E essa escola tinha a dona Maria que era a inspetora, ela ficava no portão e ficava de olho pra ver se acontecesse alguma coisa ela me ajudar. E teve um dia que ela abriu a porta e falou: “Suzana, Suzana, socorro! Corre aqui, corre aqui!” Eu saí correndo, larguei a turma e fui lá dentro: “O menino se machucou”. Estava tendo recreio e o menino estava correndo e o outro saiu do banheiro, conforme ele saiu do banheiro ele pôs o pé, o outro que veio correndo tropeçou e bateu e tinha um palquinho assim, ele bateu e abriu aqui assim. E aí eu não tinha carro, eu ia de ônibus pra escola e ela falou: “A gente não sabe o que fazer, as professoras estão apavoradas!” “Pega gaze pra mim, dona Maria”, e pus o curativo mas não sangrava, estava muito aberto do olho até aqui em cima, mas não sangrava. E aí elas foram chamar um pai que morava na frente que era quem socorria quando a escola precisava. Enfiamos o menino dentro do carro e fomos pro hospital. O hospital que nem existe mais, era mais perto. E aí chega lá, eu cato o menino, levo o menino pro médico. O médico fala: “Bom, vamos fazer uma radiografia”. Cata o menino, leva pra radiografia. E um menino da quarta série e não era meu aluno. Cata o menino e leva pro médico de novo. “Ah, cabeça dura, não teve nada. Vamos fazer uma sutura”. Pega o menino e leva pra sutura. Aí eu começo a passar mal (risos). A enfermeira começa e brigando comigo: “Imagina, como que você põe a mão? E você não se protege? A Aids está aí!”. Eu falei pra ela: “Mas não tinha muito sangue, era o que eu encontrei na escola” “Você tem que prestar atenção. Você está se expondo”. Deixei ela falar, chegou uma hora que eu falei pra ela: “Eu posso ir lá fora um pouquinho?” “Pode”. Aí sentei no degrau do hospital e comecei a por a mão assim e a fazer força pra subir, pra passar o meu mal-estar. Aí vem o pai: “Professora, tá tudo bem?”, eu falei: “Vai ficar, vai ficar”. E fiquei lá. E aí a moça do balcão chama e fala pra mim assim: “Professora, eu preciso de informações”. Aí eu vou no balcão: “Que informação você precisa?” “Eu preciso dos dados da criança”. Eu falei: “Eu não tenho documento, nem meu e nem dele. Ele não é meu aluno”, ele é aluno de primeira à quarta, eu estava com a quinta série. Eu combino com ela de voltar depois e levar os documentos e pegar o meu. O desespero é tão grande e essa coisa de querer ajudar que sai correndo e não lembra. Foi uma escola que foi um aprendizado e que muitas coisas, eu trabalhei dez anos no Estado e só nas escolas do Capão Redondo. É uma outra formação, a universidade não dá. É gente, é contato, é você ver a mãe do aluno querendo invadir a escola pra tirar satisfação com a professora armada. É você ver um moleque que é da região assim, o vizinho da escola, ele vem pra jogar bola com a arma na cintura e você ter que ir lá falar com ele. “ ‘E aí, tudo bem?’ ‘Tudo bem’ ‘Você tá querendo bater bola?’ ‘E professora, tem jeito?’ ‘Depende, se você guardar essa arma lá você pode, senão não’”. E aí com jeitinho você vai conquistando. E o Estado tem uma forma na época de escolha que à medida que você vai trabalhando você vai ganhando pontos, você vai atribuindo pontos. E às vezes você se inscrevia na escola e às vezes você tinha que voltar pra Delegacia de Ensino pra poder escolher. Então assim, isso gerava um estresse pras diretoras porque você vai fazendo um trabalho, elas vão gostando e elas queriam que você permanecesse. Eu trabalhei em várias escolas. E pra gente é o eterno renovar e que eu acho que me ajudou aqui dentro do projeto porque você estava fazendo um trabalho, estava super bacana, afinadinho, aí, ôpa, muda. Aí começava de novo, ia para uma escola, uma outra característica, uma outra adaptação, ia construindo, conhecendo. Então ao mesmo tempo que você cresce na experiência e na forma como pessoa, eu acho que você passa a ter um poder de adaptação e que eu acho que quem viveu essa fase criou esse poder, a mulher. Porque você sai e você briga tanto pra ter o direito a algumas coisas e você tem que se ajustar ou que o cenário vai te dando e vai, então você aprende a interagir com isso e aí vai se ajustando. Eu acho que hoje as pessoas não estão preparadas pra isso porque a sociedade te dá tantas oportunidades que às vezes ela trata até com descaso. E no passado era assim, você tem que estar sempre preparado pra você não perder oportunidade, quando ela bater você sobe e aí você vai, entendeu? Então acho que é isso que faz esse crescente. Nossa, fui longe (risos).
P/1 – Depois a gente volta pra essa sua parte mais profissional, mas só pra gente não perder, conta pra mim como é que foi essa experiência de ir pra China. Tem alguma história, alguma curiosidade?
R – Tem, tem.
P/1 – Vamos lá.
R – Na seleção acho que a novidade começa no embarque, né? A gente teria que viajar dez horas até Londres, ficou 12 horas no aeroporto de Londres, sem sair do aeroporto, e depois viajou mais 17. E aí assim, todo mundo, ou boa parte do grupo, era marinheiro de primeira viagem. Então a gente nem sequer separou a escovinha de dente, necessaire, as coisinhas pra fazer as trocas. Então foi um perrengue. Pra gente foi extremamente difícil, a gente teve que se virar em Londres. E aí começa acho que esse processo da dificuldade, 12 horas no aeroporto depois de você viajar dez e não conseguir dormir direito, que era a primeira vez, então você joga o material lá, encosta e dorme sentada, ou deitada nas cadeira assim. Mas tudo era novidade. Você vai comer é aquela comida diferente, aquele tempero diferente, beleza, vamos aí. E aí sempre com a coisa: “O que será que vai ter lá”. Quando a gente chegou em Guangzhou tinha que esperar as outras delegações que eram a da Tailândia e da Noruega chegarem para a gente pegar um outro voo que era 30 minutos até uma outra cidade perto de lá. Não era tão perto porque 30 minutos de avião não é tão perto assim, é quase daqui no Rio. E aí a gente chegou no aeroporto eles estavam armados com metralhadora, a segurança. E a gente foi sentar e eles vieram tirar a gente porque não podia. E tem esse entrave da língua, você não fala, então é através de gestos, então tem essas situações que foram embaraçosas nesse processo da viagem. E aí você chega, um lugar novo, lindo, tudo era novidade, então você olhava, você andava. Começa que assim, a novidade é você ter uma ônibus exclusivo pra você, escolta na frente, escolta atrás, escolta pra entrar lá, pessoas querendo tocar em você, querendo o seu meião, o seu shorts. E você fala: “Puxa, é minha única meia, se levar eu vou ficar sem pra treinar”. E você começa a imaginar esse tipo de situação. Tem a coisa de uma sede, que a gente não tinha vivido aqui e que eu acho que é bacana porque daí você começa a jogar, os estádios lotados, o menor estádio que a gente jogou tinha cinco mil pessoas, o público, de capacidade, e ficou gente pra fora. Os vestiários enormes com um espaço pro aquecimento mas tinha um frigobar, fruta, uma sala com sofá pra gente sentar e fazer a preleção. Você começa a ver uma realidade que a gente não tinha aqui. E os estádios enormes. As pessoas te reconhecendo. Tem esse lado legal, mas em Londres quando a gente passou, na volta acho que é um pouco só pra fazer o contexto como as coisas se confundem, na volta as meninas foram andar na loja, era brasileiro, identificado, os caras seguiam atrás pra ver se não ia levar nada. Enquanto num lugar a receptividade e a coisa de querer te assediar era outra. Então diferentes países com acho que histórias e situações que remetem a essa ação. Eles não vão atrás das pessoas porque é brasileiro, é porque alguma coisa aconteceu e que remete ao povo brasileiro. E que eles identificaram porque a gente saiu uniformizado, que foi algo combinado pra você ter uma identificação. Você visitar o estádio de Wembley, ter oportunidade, que hoje não existe mais. Você poder circular, conhecer onde as rainhas, catedral, ver aquela coisa toda. Então são várias coisas que ficam, eu acho que ficou da viagem. Tem as coisas boas, as coisas que não foram tão boas. Você chegar no restaurante pra primeira alimentação e eles servirem café na hora do almoço. O bife, que a gente tinha pedido o bife, eles trouxeram bife de bufalo mal passado, só de olhar aquilo as pessoas... então esses ajustes foram se dando à medida que a gente ia ficando, entendeu? E a gente não jogou na principal, a gente foi pra uma cidadezinha e tinha um parque perto do hotel. E eu tinha me machucado, eu tinha tido o meu primeiro entorce, então eu estava fazendo a recuperação, eu estava jogando mas fazendo a recuperação. E eu fui correr no parque, tinha que correr cinco quilômetros, aí eu desci, fui correr e achei super bacana os caras jogando badminton e aquele negócio rápido e um monte de gente no parque interagindo. Aí acabou o treino que era meu só, eu subi, fui para o hotel e eu pedi água, fiz sinal de água. E a moça pegou a jarra, pôs a mão na jarra pra ver se, eu achei, se estava fresca, e eu peguei, coloquei no copo e... a água era quente. E aí tive que engolir aquilo (risos). E eu não entendia porque tinha que ser quente. Porque lá eles não tinham sistema de tratamento da água, então eles ferviam a água e quanto mais quente melhor. E eu fui contar isso pro pessoal e a gente começou a encher as garrafinhas pra poder pôr nas geladeiras nos quartos, que a gente ficava em duas pessoas em cada quarto, pra poder levar pro treino porque a gente não conseguia tomar a água do hotel. Então assim, tudo é você ir se ajeitando, se acomodando, quando você vai conhecendo. A gente jogou num estádio que foi esse contra a Holanda que era acho que as quartas de final, é. E aí quando a gente saiu as pessoas queriam abraçar a gente, queriam falar, saíam correndo atrás do ônibus. E a gente passa pra outra fase, volta praquela primeira cidade e a gente tinha um espaço de tempo e a gente foi liberado pra conhecer. A gente andou no hotel, era uma lugar maravilhoso porque tinha uma casinha lá em cima, eles fizeram uma queda d’água, tinha um caminho que passava com ponte, com casinhas, tal, cheio de árvores, de verde e passava na beirada do restaurante. E com muita coisa de porcelana, então os castelos, umas coisas bem orientais. E aí eu saí do hotel e falei: “Vou andar até o outro quarteirão”. E fui andar. Quando você chega duas quadras pra trás é igual à estação da Luz, pato pendurado, aquele comércio, aquela venda, você fala: “Nossa, que doido, que contexto é esse? Coisa maluca”. E o rio, aqueles monte de barco pra lá e pra cá, uma água suja, sabe, você vendo ali. E você fica pensando: “Nossa, como que é isso?”, aí nessa viagem você vê umas cenas que é, o ônibus quebrou, as pessoas descem do ônibus e empurram o ônibus viaduto acima! Pra pegar no tranco na descida e seguir! Você fala: “Como assim? Empurrar o ônibus”. Você vê a estrutura de andaime com bambu. É uma descoberta de um outro país, de um outro contexto. O cara com um macacão desses que emendam assim pra não entrar água, ele desce numa casa que parece palafita mas eu acho que não era isso, é onde ele devia tratar os peixes, ele desce pra andar assim e cata carpa na mão, o peixe na mão, você fala: “Como é isso? Catar o peixe na mão?”. Então você vai vendo umas coisas que você fala: “Não pode ser, é outro país mesmo”. Então tem várias histórias. De você chegar no jogo, a gente tinha ganhado da Noruega de dois a um, no grupo, porque a gente acabou perdendo pra Austrália.
P/1 – Quantas seleções eram?
R – Ah, eram seis grupos com quatro. E a gente acabou perdendo pra Austrália e obrigava a gente a ganhar da Noruega pra gente classificar e a gente ganhou de dois a um da Noruega. Só que no desenrolar dos cruzamentos a gente cruza com a Noruega na semi-final e elas mandam de volta os dois a um e a gente em cima, em cima, em cima, aos 48 a Cebola meteu a bola na trave, não entrou! E quando eles fizeram o gol foi uma coisa assim, tinha essa coisa da rivalidade, a menina ia dar uma pulo porque nesse jogo eu não estava em campo, eu estava na arquibancada, eu e a Fia, ela dá um pulo e pula aqui, ô, com um a zero. Ah, na hora que fizemos um a um eu pulei de volta (risos), então essa coisa da rivalidade. Elas fizeram dois a um e aí a festa foi delas, né? Mas a coisa de uma disputa, mas sem desrespeito, é a coisa mesmo da disputa, sabe? E acho que foi um momento bacana que as meninas tinham uma união bacana. E não existia, eu acho que tinha a questão do Eurico, que tem várias coisas que não foram bacanas, que a gente sabia que as meninas contavam das manipulações de algumas coisas, mas também o quanto que ele fez pelo futebol feminino crescer e de reconhecer, então acho que isso pra gente é difícil. Então você reconhece que o cara ajudou mas ele era sacana em relação a algumas posturas que ele assumia junto às atletas. Então a pessoa mora lá na favela, não tem o que comer e o cara reúne, dá uma cervejinha, porque daí ela vem pro jogo. Então que relação é essa, que cuidado é esse? Mas você também tem um outro lado que é como as coisas são malucas.
CORTE
R – Onde eu estava?
P/1 – Falando do Eurico, da relação.
R – Então ao mesmo tempo que tinha isso tinha uma fase quando saiu tinha uma das meninas que estava viciada em drogas. E ele foi buscar. Ela veio pra seleção pesando 40 quilos e tinha que chegar perto de 48 pra ter condição de jogo. Porque pro jogo, como é muito intenso você chega a perder um quilo e meio, dois. Tudo bem que depois você recupera, mas era intenso.
CORTE
P/1 – Volta pro Eurico.
R – Do Eurico. Então assim, da mesma forma que ele tinha um lado que não era bacana, tinha coisa de buscar a menina, no caso que estava viciada, de cuidar, de fazer que ela tivesse condições de jogar. Então eu acho que era meio doido, sabe, a relação que ele estabelecia. Porque ele conhecia tanto as meninas que assim, como que você deixa uma atleta sua se envolver? Eu vejo como pessoa da Educação Física, eu ia fazer de tudo pra trazer se eu soubesse, eu não ia deixar ela viver nessa situação. E aí, mas é um pouco do momento, de como as meninas lidavam, essa coisa do Rio de beber, de ir pra noitada, de ir pra balada. Eu não, eu era muito certinha. Na época que eu jogava no Juventus as meninas faziam churrasco, deu o meu horário eu ia dormir. Rolava o churrasco, música, batucada e ficava. Aí alguém estava passando mal eu levantava e ia cuidar. A Roseli até uma vez falou assim: “Essa parece irmã, essa coisa de não beber”. Não curtia, meu corpo eu preservava, ninguém tinha responsabilidade disso, era eu. Eu sempre fui muito certinha. Eu lembro do time lá de Higienópolis, as meninas iam pra balada, as meninas bebiam e algumas usavam drogas, mas elas não deixavam chegar perto de mim. E eu falava pra elas: “Se tiver uma seleção eu vou estar dentro”. E essa relação vai se construindo. Eu acho que a importância da família ao seu lado passando algumas coisas, o que é importante, de dar a liberdade em alguns momentos mas em outros de trazer faz com que você tenha uma personalidade que você tenha segurança em fazer algumas coisas, sabe? E sem ter a necessidade de fazer assim: “Ah, eu preciso, eu vou pra balada com elas pra entrar no grupinho”. Não. Não, eu não quero ir eu não vou. Eu fui. “Mas você não bebe? Você não dança?” “Ué, não gosto. Eu gosto de ver os outros dançarem, mas eu não gosto de dançar. Eu tenho vergonha”. Ao mesmo tempo que eu tenho vergonha, pra outras coisas eu não tenho vergonha. Mas é como se estabeleceu essa relação. Eu fui participar de um bailinho quando a gente foi arrecadar dinheiro pra formatura, eu já tinha 16, 17 anos. Que um professor cedeu a casa dele pra fazer um bailinho e eu fiquei trabalhando na portaria. Então, sabe, é maluco esse negócio, como acontece. E eu acho que as coisas, a identidade, essa questão do caráter, dos valores, vai passando, eu acho que nessas diferentes... eu assisti àquele filme Divertidamente, eu vejo que é bem aquilo mesmo, você vai tendo mundos que você interage que é bacana e que tem momentos que você reporta a ela, que você recorda ele, tem momentos que você vai pra outro e de acordo com os contextos das suas relações vai se transformando em outra coisa, vai ganhando outra dimensão. E aquilo que tinha muita importância ele vai deixando, ele vai ficando menos importante. Não que você não possa voltar ou que aquilo sirva de lembrança ou de recordação e que te traga algumas lições que você possa usar num outro momento, mas aquilo ali foi, viveu. E aí você está interagindo muito intenso aqui. E num outro momento você está aqui. E no outro você está aqui. Então são diferentes mundos que você vai circulando e interagindo. Eu acho que é um pouco assim pra mim.
P/1 – E Suzana, voltando pra sua trajetória profissional, você comentou que atuou vários anos como professora do Estado e tal. Em que momento o PET entra na sua vida?
R – Depois que eu volto da seleção, não dessa primeira convocação mas da segunda em 91, tem uma professora que já estava aqui no Projeto Esporte Talento e ela me convida: “Ah, você trabalha com futebol, a gente está precisando, você não quer ir lá?”, que é a Miriam. E aí eu venho falar com o diretor, que na época era o Emílio. E ele explica da questão que não estava formalizado ainda, que era algo que estava se construindo, que não ia ter um concurso tão imediato, se eu topava. E eu venho pra cá pra ficar com, era 20 horas, era só no período da tarde, eu continuo trabalhando no Estado de manhã e aqui à tarde.
P/1 – Que ano isso?
R – Isso foi em 97. O projeto já existia há dois anos, mais ou menos, foi em 95, e aí eu inicio com um grupo de menores, era dez, 11 e indo pra 12 anos. E depois, mais pra frente, eu pego também as meninas. E sempre trabalhando com futebol. E nesse processo a gente abre o concurso, eu faço a inscrição, eu participo e eu entro como, podia ser educadora ou monitora, e eles optaram por pegar um rapaz que tinha mestrado pra ser o educador, ele tinha bastante experiência com futebol, que era o Reinaldo, e eu fico como monitora. O Reinaldo não fica muito tempo aqui no projeto, que ele tem um convite pra ir pra fora e tem uma questão da família que é de outro lugar, ele sai e eu fico responsável por esse grupo.
P/1 – E como o projeto funcionava quando você entrou? Quantas crianças mais ou menos atendia, quais eram as atividades?
R – É, ao todo eram 250 crianças e estavam divididas em quatro modalidades. Tinha o handebol, que era masculino e feminino, o futebol era masculino e feminino, a canoagem também e o basquete era só meninas, tanto no período da manhã quanto no período da tarde. E nessa época acaba ficando qual grupo de modalidades e as coisas cada um fazia o seu trabalho, tentar fazer o máximo que podia. Começa a ter acho que uma influência, uma preocupação maior com a educação, o projeto acaba dentro, o Instituto Ayrton Senna, que eu acho que é quem no início que foi quem bancava financeiramente, começa a ter uma preocupação muito maior com essa questão da metodologia, da questão da educação e isso passa a exigir da gente algumas coisas, alguns movimentos, no sentido de ajustes dentro da organização. Na época a gente era muito influenciado, o futebol tinha um teste que era terrível porque eram muitas contas que tinha que fazer porque tinha muita procura e aí você fazia o teste, depois tinha que fazer as contas pra fechar, pra definir. Então acho que era um reforço do processo de elitização do esporte. E aí a gente começa a mudar e a ter a preocupação e pensar em fazer de uma forma diferente e isso vai mudando e influenciando. Então esses testes deixam de existir, existe uma questão socioeconômica, você passa a trabalhar como era com... antes, não importa onde você morava, você podia se inscrever. E aí passa a ser mais em torno da universidade pra ter o acesso porque tem uma redução e não tem o transporte pra garotada, então isso vai mudando um pouco esse cenário e as coisas começam a caminhar de uma outra forma. E acho que essa transformação, ela não só ocorre acho que da forma que você atuava em campo, mas em termos de exigência. Então você começa a ler mais, você começa a ter outras dinâmicas, tem outras parcerias e isso começa a influenciar nas discussões. A gente começa, tem a coisa da Psicologia mais próxima e cuidando um pouco das relações desses profissionais, então isso leva a um amadurecimento, começa a ter um crescimento e tem uma ruptura que eu acho que é quando tem a redução do quadro de profissionais.
P/1 – Quando isso?
R – Não lembro, 2000 acho, 2001. Não, depois de 2001. Que aí eu acho que tem essa ruptura de você ter um quadro enorme de professores todos formados, e aí tem uma redução desse grupo e com uma preocupação e um engajamento muito mais forte dentro do cenário da Educação. Não deixando de ter o olhar pro esporte mas esse contexto da Educação passa a influenciar, interferir, os pilares da Educação e a gente vai discutindo, vai pensando, mas ainda continua dissociado. Então as quatro modalidades, trabalhando com projetos, fazendo várias coisas bacanas mas não tem essa coisa de uma unidade. E aí acho que vem um outro salto que é quando passa pra você ter a formação esportiva considerando as diferentes fases da garotada, não mais por modalidades, mas pensar o olhar considerando o que era pertinente no trabalho com a molecada, o que você deveria estimular que ia ter o resultado. Porque tem coisa que você estimula mas a criança não está ainda no amadurecimento, na fase, então não adianta, você vai dar estímulo e não vai rolar. Então você começa a ter. Porque assim, como nós viemos do período, se você pensa, de uma formação militar nas escolas, aí você transita, então todo contexto da mudança da Educação e aí que remete à Educação Física, e que remete à formação, a formação que eu tive na graduação era pra formar atletas, pra trabalhar com pessoas que queriam prática de competição. E como é isso com a criançada? Então nos primeiros momentos teve coisas que nós fizemos que hoje a gente percebe que é equivocado. O teste, se fosse hoje, jamais a gente faria. Ou se fizesse faria de outra forma, com outras considerações. Mas eu acho que assim como a sociedade veio se transformando, modificando pela abertura que se teve, e aí a quantidade de incentivo nos estudos, nas pesquisas, isso vem influenciando. Então quando eu falei do professor Santo que exigia que fizesse prova de uma modalidade para eu não beneficiar por aquilo que eu tenho de conhecimento, então pera um pouquinho, que contexto é esse? Você está querendo sacanear a pessoa pra quê? E aí você pensa na coisa do teste, que passa a exigir, você não está sacaneando a criança, mas você precisa fazer uma seleção. Você foi formada num contexto que privilegia os melhores e aí você faz um teste que vai privilegiar os melhores. Tinha um contexto também que você dá oportunidade. Se você pensar, o basquete tinha poucas equipes aqui, o basquete feminino. O handebol, teve um período que foi proibida a prática do handebol, então estava surgindo e precisava estimular tanto os meninos que estavam vindo com outra força. Se você pensa, a canoagem, a raia é aqui, os clubes vêm pra cá, então tinha que ter a canoagem. E o futebol, a procura é muito grande, então os clubes não dão conta, então será que a gente consegue formar esses atletas e depois mandar pros clubes? A ideia passa o teste pra você tentar selecionar. Tinha um outro contexto diferente da peneira que acontece nos clubes de futebol? Tinha. Tinha uma preocupação, um cuidado? Tinha, mas hoje a gente não faria. Então acho que a história, o desenvolvimento da Educação Física, do esporte, ele vai influenciando também nesse amadurecimento nosso, à medida que a gente vai tendo contato, a percepção que é preciso mudar. E acho que aí vem a contribuição do instituto, de trazer essa preocupação, de oferecer uma parceria junto ao Cenpec, de trazer uma capacitação pros professores que estavam aqui, e nessa época não tinha sido selecionado ainda quem ia permanecer. Então todo mundo teve oportunidade de passar. Tinha a Psicologia cuidando, que tinha uma supervisão, então a gente foi aprendendo a como lidar um com o outro. Serviu de amadurecimento pra gente mas também interferiu no trabalho com a garotada.
P/1 – E com relação a essa bagagem que você diz ter trazido da faculdade e tal, você sentia diferença da sua atuação aqui e a sua atuação como professor do Estado? As atividades que você trabalhava com as crianças eram diferentes?
R – Sim. Tem que ter a diferença porque eu acho que o propósito na época, que eu acho que é isso que muda, enquanto a escola você tenta fazer com que a criança, você tem uma quadra, 35 crianças pra você trabalhar e 50 minutos, sendo que às vezes até pra você chegar ao espaço e organizar já se foram dez. E aí você tem que fazer com que todos participem. Então o tempo era direto, já influenciava. A escolha do que você ia trabalhar era influenciada, porque aqui era específico, era o futebol, e aí eu usava o conhecimento que eu tinha não só da graduação, mas que também que eu trazia pela minha prática, pela minha vivência. Era ótimo jogar com os meninos, fazia o rachão no final do ano, os educandos desafiavam os professores. E eu jogava junto, então, jogar com a professora. Eu lembro de uma cena que o menino colocou a bola assim, um dos estagiários lançou na ponta, eu fui buscar e veio um menino grandão, o mais alto deles, devia ter uns 16 anos, veio correndo assim pra dar o combate, ele chegou com todo o gás e nisso veio um quero-quero dando um rasante assim nele (risos). Ele se jogou no chão, eu ergui a mão, peguei a bola, saí e cruzei a bola (risos). Então tem coisas que não apaga. Todo ano: “Ah, vamos ganhar dos professores” “Não, tem que fazer outra, professora, tem que fazer outra”. Apesar de não estar diretamente com os maiores, o fato de eu ter jogado era um exemplo, eles achavam o máximo. E sempre que dava eu jogava com a garotada, tanto com os menores quanto com os maiores. Então quando você falava pra eles parecia que você estava dando um endosso, né? “Olha, faz assim porque eu fiz assim”, entendeu? “Pô, ela fez assim e chegou na seleção, quem sabe se eu fizer assim eu possa chegar? Ou num clube”. Por quê? Futebol é visto como ascensão. E se você pensar no meu caso, totalmente, né? Quando que o pai com quarta série, se considerar lá atrás, que seria hoje a quarta série do ensino fundamental e minha mãe foi estudar de quinta à oitava quando a gente estava no ginásio, com 35 anos minha mãe foi estudar porque ela não conseguia ajudar a gente. Então você pensa esse contexto morando lá na periferia. E aí vai jogar num país, volta, já está dentro do mercado de trabalho? Quantos jovens conseguem fazer isso hoje? Então quando você pensa em ascensão, e aí acho que tem uma coisa do poder, que eu tinha a minha casa com 25 anos. E aí: “Nossa, a professora já tem casa, tem carro. Ela ganhou muito dinheiro”. E no Estado, você chegava, eu lembro que eu falei, o primeiro carro foi do meu pai que depois passou a ser meu, que eu comprei dele. Eu vendi e comprei um Escort Hobby, ótimo, verdinho. Econômico, era ótimo aquele carro, tenho uma saudade enorme. E um dia um menino viu eu chegando com o carro, ele falou: “É professora, carrão hein?”, aí eu virei pra ele e falei assim: “Quer procê?”. Ele falou: “Ôpa!”. Eu falei: “Ó, mas você leva a dívida também, não é só o carro, não” “Ah, aí não, professora”. Eu falei: “Ah, você quer moleza, filho. Vai trabalhar”. Acho que é um pouco isso, principalmente na periferia ver o que você tem, não ver o esforço que você fez ou o quanto você se comprometeu pra ter aquilo. Na escola do Estado, periferia, você vê uma aluna do colegial virar pra você e falar assim: “Professora, quanto você ganha?” “Ah, o suficiente”. E aí ela fala assim: “Isso dá pra quê, professora? Eu faço dois, três avião ali e eu tiro o que você tira”. E aí você começa a questionar. Então assim, quando a gente está falando do esporte, do estudo, o que é essa ascensão? E quando você vem pro futebol eles olham quem está ganhando os milhões, eles não vão olhar os milhares que não ganham, que passam fome, que ficam largados nos clubes, que muitas vezes se machucam e ficam por aí. Eles não vão olhar isso, eles olham as experiências de sucesso. E eu era uma experiência de sucesso na visão deles, porque eles sabiam que eu era da periferia, que o meu pai era metalúrgico, minha mãe servente de escola. Eles sabiam que eu era uma das poucas professoras que estavam trabalhando aqui dentro que não era formada dentro da USP. Como assim? Da onde veio essa mulher que está aqui? Então pra eles isso é ascensão, isso mostra que você pode fazer, então a referência é muito forte. E mesmo os meninos jogando, quando tinha jogo amistoso, não estava dirigindo a equipe, mas você colava no menino, você falava pra ele: “Ó, você está tentando assim, experimenta de outro jeito. Você está fechando a perna do menino, uma perna que não adianta, ele vai cortar pro outro lado porque o domínio dele é do outro lado. Fecha, fecha, joga ele pra lateral”. E ele fazia e dava certo. Então aquilo que você falava, ele seguia e dava certo, então era: “Ôpa, vou por aí que aí está o caminho”. Isso tem a coisa boa e tem a coisa ruim. O bom é que várias pessoas seguiram, viram os conselhos e tal, mas nesse caminho teve caminhos que seguiu tanto que não conseguiu ver outra possibilidade. E nesse aspecto eu acho que foi ruim, entendeu? Porque eu acho que a ideia não é faça, que eu fiz e deu certo. Eu acho que as pessoas tinham que, mas eles tinham tanta coisa do futebol, futebol, futebol, que a vida dele não existiria se não fosse com o futebol. E não conseguiu nem perceber que não precisava ser o jogador de futebol. E não conseguiu nem perceber que não precisava ser o jogador de futebol, ele podia trabalhar com a Medicina dentro do futebol, com a Psicologia, com outras áreas. Ou até de roupeiro, de massagista, não precisa estudar tanto pra isso, basta você querer. Então você ter a responsabilidade de estar com a garotada e acho que é esse o peso, né? Você é a referência pra eles, uma das. E acho que na época que era por modalidade isso era muito mais forte do que é hoje. Hoje a gente influencia, eu acho, com os pais quando você chama a mãe e fala: “Olha, você está se distanciando da sua filha. Você tem percebido isso?” “Não”. Aí você começa a trazer situações: “Pôxa, você está cobrando uma coisa da sua filha que ela não precisa agora. E isso faz com que ela lide de uma forma, ela tenha medo de você. Quando você põe medo no seu filho”. Eu falei pra ela: “Eu tive medo uma fase do meu pai, isso distanciou. É isso que você quer? Com o cenário que a gente tem da sociedade?”. Então a relação passa a ser com os pais e não tanto com a garotada. Com a garotada acontece, mas não porque está no contexto da modalidade, aí é no contexto da vida, no contexto das situações. Eu acho que isso é que vai mudando nesse processo de amadurecimento do projeto, de crescimento, eu acho que as coisas vão mudando nesse sentido. Então num determinado momento é você muito intenso com aquela garotada, ali, e tentando mudar e promovendo, dando oportunidade. Tem um menino que é o Neco, é Diego o nome dele, essas meninas chamavam ele de Neco, ele virou um dia pra mim e falou: “Pro, eu vou fazer um teste no São Paulo” “Ah, tudo bem, Diego. Tenta, você quer ir, vai. Aí depois você me conta como foi”. E ele foi no teste, o cara falou que ele é um ótimo zagueiro, tudo, mas que ele ia ficar com o outro que veio indicado do diretor. Esse moleque voltou arrasado. E aí a gente falou pra ele dessa coisa, que isso era algo do futebol, que as pessoas estavam lidando dessa forma e que não era pra ele se prender a isso, que poderia estar trabalhando com outras coisas, fazendo outras coisas. Eu falei pra ele: “Eu não estou aqui? Hoje eu não dou aula? O futebol me ajudou com isso. Tem pessoas por aí, na época, a faculdade dava bolsa de estudos que paga a faculdade jogando pela faculdade. Quem sabe você não pode?”. Esse menino se tornou professor de Educação Física e ele pagou a faculdade dele jogando. Assim como o filho da Remédios, que também foi meu com dez anos, trabalhou comigo. Então assim, acho que da mesma forma que a gente tem essas experiências, tem experiências que você sabe que o menino vivia na boa, podia ser modelo porque era lindo, os dentes perfeitos, toda uma postura bacana e morreu, se envolveu com os malandros e foi embora. Menino que viajou com a gente quando o Instituto Ayrton Senna promovou um encontro em Minas, em BH. Nós ficamos alojados no Mineirinho. E esse dia foi desesperador, eu queria matar uns. A gente chegou, eu fiquei com as meninas e o professor Michael e o Sérgio que era da Psicologia ficaram com os meninos no quarto ao lado. Eu entrei no quarto, aí tirei a camiseta, fiquei de top, bermuda, um baita calor. Estou tirando o tênis, daqui a pouco eu escuto: “Braaaa”. Dei um pulo, saí do quarto, o menino vem com a mão cortada. E o , conforme, pegou a artéria, então era intermitente, pulsava, saía. Pega a toalha, enrola, eu vou buscar um menino daqui de Belo Horizonte. Desci aquele Mineirinho, a escada, lembrei da escola. Serviu pra isso também. Corri e falei pra ele: “Você precisa me ajudar, o menino se cortou”. Eles tinham ficado no quarto, o Sérgio e o Maykell saíram pra ver o entorno e foram verificar um negócio só que eles esqueceram de me avisar. E eu estava no quarto com as meninas. Eles começaram a brincar de pega-pega porque como os meninos estavam em dois quartos, que era menor, um quarto tinha ligação pela varanda e eles começaram a brincar de pega-pega. E no meio do caminho um deles pega e puxa o vidro, fecha a porta. E o outro vai com a mão, aí corta a mão. Voou estilhaço, aí ficou esse assim e alguns outros mas com uma gravidade menor. E sai nós pra ir pro hospital. Mal chegou, fomos nós para o hospital. E aquele trânsito horrível em BH, era horário do rush e não chegava e ele falava: “Pro, tá doendo, pro”. E eu: “Calma, calma que vai chegar”. A gente entra, vai em emergência, já tinha um outro todo machucado lá que tinha ido pegar a rabeira no ônibus e se machucou, estava fazendo sutura e a gente esperando e esse menino começa a passar mal e aí um senhor me oferece uma maca e falou: “Você quer que eu vá buscar uma maca pra você?”, porque ele viu que o menino ia desmaiar. E o menino era maior que eu. E aí ele encosta a maca, eu coloco o menino deitado e aí ele fala pra mim assim: “Ai pro, eu to muito ruim”. Vem a enfermeira e eu falo com a enfermeira e nada. E aí ele começa meio que sumir. Eu saí correndo e fui e achei um enfermeiro e falei: “Olha, o menino está perdendo muito sangue, eu acho que é artéria pelo tipo de sangramento, eu preciso que você dê uma olhada! Porque o outro não sai de lá e o menino está muito ruim”. E ele estava entrando em estado de choque. Aí o enfermeiro sai, chama a médica, pega já vem com soro, coloca o soro nele, já prepara. Ele tomou mais de 13 pontos, fora interno. Então assim, intenso, as experiências que têm, sabe? E aí essa relação que dá de uma proximidade com a garotada, então você sente. Eu fiquei muito brava com o Maykell. E eu só fui voltar pro jantar já era quase nove e meia, dez horas da noite porque é o tempo que a gente saiu do hospital. Lógico que aí depois tinha outras coisas bacanas preparadas lá, mas essa relação com a garotada, de cuidado. Então, se eu penso no meu processo de vida, essa linha do tempo, eu já cuidava das meninas lá atrás, na fase que eu jogava. Vou pra escola e continuo envolvida com isso, venho pra cá e continuo por acaso, as coisas acontecem, eu estou perto e eu faço. Então a minha proximidade é muito grande com a garotada. E aí às vezes quando acontecem as coisas, pra mim é muito difícil de lidar. Porque você já tem o envolvimento e essa coisa, se precisar ir na casa eu vou, como já fui, no Jaguaré, na São Remo. Eu entro. E se tiver que levar eu ponho no meu carro e levo. Isso pra mim não é problema, mesmo sabendo que eu posso ser responsabilizado. E acho que essa história do projeto, ela vem me influenciar no sentido da formação como pessoa, das escolhas que eu fiz no sentido de buscar uma atualização, de conhecer mais sobre a educação, porque a formação que eu tive era diferente dos outros professores que estavam aqui, que era muito mais recente. Então me obrigou a estudar, de voltar, de procurar universidade. E assim, nessa relação, acho que como as pessoas foram amadurecendo, constituindo família, crescendo, eu também fui modificando nesse processo, entendeu? Então acho que as coisas foram acontecendo, assim, um vai puxando o outro e você vai tendo o conhecimento não só das famílias que depois voltam e relatam coisas bacanas, aquelas outras que voltam e não é tão bacana assim mas elas vêm te procurar. Ou quando aqueles que passaram por aqui, que trazem, eles não vêm necessariamente pra receber, mas ele vem pra trazer o filho dele porque ele entende que estar aqui foi bacana pra ele. Então é esse processo que vai acontecendo.
P/1 – E estando tão envolvida sempre com o futebol, como foi pra você essa mudança de modalidade pra faixa etária?
R – Na verdade eu queria estar aqui, não importava se ia ser com o futebol. Porque assim, o futebol eu acho que ele era importante nessa fase pra eu jogar, como eu falei eu sempre gostei de jogar. Então ele nunca foi algo que a minha relação tivesse que ser diretamente com o futebol, eu estudei Educação Física, licenciatura plena, então a ideia era trabalhar em escola e escola o contexto é mais amplo, ele não é só o futebol. Então, a mudança não me afetou nesse sentido, eu acho que é não ter as pessoas que faziam parte aqui e duas especialmente que eram mais próximas, uma que me trouxe aqui e outra que eu tinha uma relação dos jogos, então isso pra mim foi mais difícil de lidar. Você chega pra encontrar suas amigas e aí você evita falar sobre aquilo que te encanta, entendeu? Por que? Porque você sabe que vai causar uma chateação, um incômodo. Então esse processo foi mais difícil nesse sentido, não na mudança. Porque também fazia muito sentido pra mim, você ver aquilo que a criança está mais sensível, você estimular isso. Eu quero ver a criançada crescendo, pode ser com futebol, bolinha de gude, pipa, entendeu? Ela precisa se desenvolver, essa é a minha responsabilidade. As escolhas que eu faço podem interferir esse processo, eu posso facilitar ou complicar esse processo. Então o futebol, ele continua a fazer parte da minha vida pessoal; a minha vida profissional ele passou a ter novos desafios, né? Então de você ter que ler mais, ter que estudar, de perceber as relações, de entender. E aí eu acho que o grupo que ficou me acolheu, teve paciência, teve o cuidado, estimulou, né? Então assim, isso faz que eu tenha neles uma segunda família como referência. Então estar aqui no projeto pra mim é o máximo.
P/1 – E como foi a mudança de PET pra Prodhe?
R – Eu acho que essa só vem endossar esse processo de crescimento do grupo. Porque aí o grupo que permaneceu já estava mais amadurecido, então a psicologia no primeiro momento que ela vem no sentido de fortalecer as relações profissionais, dos profissionais, de saber ouvir, saber como falar, de ver o que incomodava um, de perceber, acho que na verdade é isso, a aflição do outro, o que incomodava o outro e ir buscar outras formas de você dizer pro outro que aquilo ali não era legal. Então eu acho que isso faz, trouxe um crescimento da equipe, um amadurecimento e eu acredito que eu trouxe também uma coisa no sentido de eu posso dizer sem ele levar para o pessoal, mas eu também preciso ter o cuidado de como falar isso pra ele. Então como pessoa você tem um crescimento. E as discussões eram muito ricas. E estar só no Cepeusp começa a ficar pequeno pra gente. Porque as discussões precisavam tomar outras dimensões porque dentro do Cepeusp você não conseguia, você tinha o respaldo, você tinha o espaço, você tinha uma autonomia, mas você não conseguia ter o avanço desse processo. Então aí começa a ter uma busca de ir além, de querer participar de outros lugares, de outras discussões e a gente começa dentro dos planejamentos de criar esses espaços, então a gente precisa. Da mesma forma que a Psicologia com o Fábio, ele traz: “Olha, vocês estão fazendo o trabalho, está muito bacana, mas só está aqui em casa, precisa ir além dos muros”. Então ele começa a desafiar, ele está chamando: “Vamos, vamos pra fora”. Então os nossos eventos começam a ser pensados fora, as nossas relações começam períodos de greve vai pra comunidade, sente a comunidade e o menino não apareceu eu vou lá na casa (bate palma): “Ô Fulano!”, e vejo o que a mãe está passando e a gente conversa, às vezes volta, às vezes não volta, mas isso é um ciclo, você vai seguindo, não dá pra você parar. Você tenta trazer, quem vem, beleza, se não vem tem mais gente precisando. E era um contexto que assim, isso vai mudando, então a garotada que antes era do entorno ela... antes vinha de qualquer lugar, ela passa a vim só do entorno. E na mudança, ôpa, passamos a ter também alunos que estão vinculados à comunidade USP. Então 50% das bolsas são destinadas à comunidade externa e 50% da comunidade USP. Que bom, a sociedade é composta da diversidade. E aí essas relações vão se transformando, então você para de um olhar no aqueles mais necessitados. Não, menos oportunidade, aqueles que têm menos acesso. Ôpa! A questão não é só essa de acesso, então vamos... tinha uma questão da sociedade se transformou e se transformou mais, os espaços, a rua, não pode ficar na rua. E a gente é contrário a isso: “Como não pode ficar na rua? Vamos ocupar a rua pra não dar oportunidade pra essas pessoas virem fazer coisas que não são bacanas aqui, vamos mostrar que é possível fazer”, então a gente começa a crescer. E a comunidade vem junto. Só que nesse processo de mudança, acho que de PET e aí dentro da instituição ser o Prodhe, mas tem o PET, tem o outro que é Espalhando a Tecnologia, que está ligado à área, lá a gente atende, porque aí eu reduzo o valor você não tem estagiário para ajudar, então você tinha 250 crianças mas você tinha 30 ou 40 profissionais trabalhando. Quando reduz os professores formados você tem 30 estagiários, 32 estagiários, divididos manhã e tarde e de diferentes universidades, que enriquecia o olhar. Então à medida que vai mudando o contexto as adequações vão acontecendo. E essa transformação não vem só na parte conceitual, mas ela vem também na forma das discussões, de um amadurecimento, de uma preocupação, da necessidade de crescer, mostrar e ser reconhecido fora. Por quê? Internamente, pra universidade, não tem, eu acredito que não tem uma percepção do que é o Prodhe. Hoje mais porque a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão está olhando um pouquinho mais, mas não tem isso, né? Eu acho que é muito mais o Prodhe fora tem um reconhecimento, ele está conseguindo atingir um dos objetivos que era influenciar nas políticas públicas. E dentro da universidade, ou mais especificamente dentro do Cepeusp, a gente está tentando influenciar, fazer o exercício de roda diálogo, das relações como se estabece com os funcionários, pra mudar uma lógica de funcionamento do centro, entendeu? Então aqui a gente está indo na contramão da forma que é a instituição. E acho que assim, o Prodhe, ele só é um reconhecimento do processo de crescimento, porque a gente continua atendendo uma quantidade menor, continua formando os estagiários e aí com uma quantidade menor também, mas que está vinculado, simplesmente, à USP. E aí você perde a riqueza das diferentes universidades porque, de acordo com os professores que trabalham na graduação, acabam influenciando essa relação. Acho que é isso.
P/1 – Fala pra mim um pouquinho sobre as competições que vocês participam, específico o Olipet.
R – Ah, Olipet é a menina dos olhos, né? Nesse processo de crescimento que eu falei que lá atrás tinha um teste, a gente percebe que precisa fazer alguns ajustes. E aí as nossas competições que eram torneios, e aí específico do futebol, com campo reduzido, uma trave reduzida, número de jogadores, mas você não tinha uma preocupação de fazer com que a criança percebesse outras possibilidades dentro da competição. E aí nessas discussões, nesse amadurecimento da equipe eu acho que a Olipet vem como – por isso que ela é a menina dos olhos – como a possibilidade de fazer algo diferente. E aí influenciado pela questão da Educação. Então a gente começa a utilizar alguns instrumentos que a gente fazia um laboratório nas atividades, então no grupo menor de oito a dez anos ele tem um passaporte que vai acompanhar, vai dizer pra eles qual atividade ele já fez porque vai ser vistado como passaporte, mas atrás tem o momento que ele vai ter que avaliar a participação dele dentro do jogo. E aí, você pensa na questão da autonomia, da molecada gerenciar essa prática autônoma, então no grupo de 11, 12 ele tem um mapa e ele não anda mais sozinho, ele anda com a equipe. Então enquanto o de oito a dez anos tem uma autonomia mais livre e ele circula com diferentes pessoas de diferentes instituições, crianças no caso, o outro grupo está na equipe dele e a avaliação dele, da participação, remete à equipe, como foi a equipe. E quando você pensa o grupo de 13 a 14, ele já vai ter uma compreensão maior, então as questões passa a ver até o aspecto tático, com estabelecimento de metas. E aí o negócio vai crescendo. Então não só foi considerado o que era propício, mas o ajuste da linguagem em cada fase desse desenvolvimento também está sendo considerado. E aí os ajustes, em termos de estímulo à prática, também é considerado. Quando você pensa nos meninos mais velhos, uma prática autônoma, ele não precisa de um árbitro apitando. Você vai no parque, você chega lá pra jogar e você joga, você entende as regras, você sabe como se inserir num grupo. Então é esse processo que tem a coisa da autonomia muito forte, mas é autonomia e o olhar pra sua prática, de diferentes formas. Fazer escolhas e ter que se responsabilizar lá na frente. Então é evolução. E aí acho, considerando a quantidade de Olipets que já fizemos, que está indo pra décima sexta, eu acho que é bacana porque foi uma evolução não só pro olhar do Projeto Esporte e Talento e representando o Prodhe hoje, foi uma evolução de todas as instituições que participaram em diferentes momentos, porque ela foi sendo modificada, então ao final da Olipet tinha um dia de avaliação, aquilo que as diferentes instituições traziam como avaliação que tinha sido proposto por nós, então esses elementos eram considerados no ano seguinte. E uma nova proposta era construída de forma conjunta, então esse grupo foi crescendo nessa coisa de: “Ôpa, o que é esse espaço democrático?”. E como que as pessoas têm voz? Não é simplesmente chegar e jogar uma competição, as pessoas precisam vir para cá e entender o contexto da Olipet, porque difere de todas as competições que têm por aí. Eu acho que é um processo bem rico, não só pra gente, foi bem rico e acho que tende a ser mais, no sentido de chegou num ponto que: “Olha, tá joinha, então vamos aproveitar esses encontros pra capacitar gente”. Então foi formada uma rede através de uma competição. Então tinha uma proposta da construção e hoje entra na rede. Então uma coisa vai emaranhando em outra. Eu acho que o desafio que esse grupo do Prodhe tem hoje muda, porque se pensar há 20 anos, as pessoas casaram ou constituíram família, nesse processo vem os filhos. E hoje você não se preocupa só com os filhos dos outros, não dá pra você fazer um exercício com o filho dos outros e você não conseguir estar presente na criação e educação de seu filho, ou de sua filha, entendeu? Então hoje a gente passa: “Ôpa, põe freio um pouquinho”, porque as ideias afloram e aí você tende a querer fazer um monte de coisa. Então hoje a gente está num contexto que a gente precisa cuidar um pouco da nossa família também, então a gente passa a fazer outras escolhas e se organizar de forma diferente.
P/1 – Então agora vamos para um lado mais pessoal. Você é casada, Suzana?
R – Não, na verdade eu tenho uma união estável. Isso já faz... eu conheci a minha xará, que é a minha companheira aqui no projeto, ela é da Psicologia e ela fez estágio. E um ano depois essa relação veio e mais recente, em 2013, a gente resolveu ampliar a família e aí veio a Agatha.
P/1 – Fala um pouquinho dessa experiência de ser mãe?
R – (suspiro) Acho que ser mãe é mais tranquilo. Acho que é difícil, e foi difícil, e acho que isso o projeto conseguiu contribuir, porque quando você pensa que eu vim de uma relação, de uma criação que eu vim e aí eu me relacionava com os meninos e de repente experimentei e achei que fazia mais sentido. E aí eu acho que é difícil porque você passa a ter que ir pra sua família. E aí meu pai fez 50 anos de casado. É, foi o ano passado, a Agatha já tinha nascido. E eu organizei junto com meus irmãos as bodas de ouro do meu pai no sítio do meu tio. E eu apresentei pra família a Agatha como minha filha. Eu acho que o projeto me ajudou a entender essa coisa da diversidade, das possibilidades e de como assumir. E acho que, lógico, junto com isso acho que veio a mudança do contexto social. A nossa sociedade hoje faz uma nova leitura e ela tem uma nova compreensão. Não são todos e acho que a gente precisa se preservar. Mas nessa mudança isso acaba interferindo na relação das crianças. Porque você tem: “Ah, você tem Facebook, professora?” “Tenho”. E aí você disponibiliza. E o Facebook, como a mãe da Su ficou quatro meses em Recife, que eles são de lá, eu coloquei algumas fotos pra ela poder ir acompanhando a Agatha. E aí a criançada começa: “Mas quem é essa menina?”, e aí você passa a falar da sua vida pessoal. E coisa que antes não aparecia. Então você pensa na sociedade e as coisas ficavam veladas. E o projeto fez com que eu aprendesse que algumas coisas podem ser ditas e você não precisa ter essa preocupação ou esse medo que existia lá atrás, porque você ia sofrer algumas consequências, entendeu? E hoje eu acho que a sociedade lida de forma diferente. Então me ajudou nesse processo, porque o projeto, a equipe que ficou aqui, que eu falei que era uma família, ela ficou sabendo disso, eu relatei isso. Então foi o primeiro espaço que eu me senti acolhida. E acho que aí trazer minha filha aqui pra brincar com as crianças, aí eles começam: “Ah, mas ela não parece nada com você, ela tem olhos azuis”. E aí você vai explicar como que isso aconteceu. E você explica o processo, que foi por inseminação. E o que é isso? Então vai despertando a curiosidade e acho que são coisas que os pais, apesar da nossa sociedade ter evoluído, as coisas estarem escancaradas na internet, ainda não se fala dentro de casa. E quando você traz de uma forma mais leve, aí eu começo a pensar: “Puxa, isso é bom ou ruim? Daqui a pouco vai ter pai vindo aqui”. Mas eu não tenho essa preocupação porque eu acho que você faz o trabalho, você faz com responsabilidade, você é consciente naquilo que você faz, você não mistura essas relações. Uma coisa é minha filha vir aqui, frequentar festa, conviver. Nas festas que teve do final do ano eu trouxe, ela ficou aí. As crianças ficam encantadas, elas babam. “Quando você vai trazer ela de novo?”, é a coisa que eu mais escuto. Então assim, é bacana esse processo, mas o outro cuidado é assim, nem todo mundo lida de uma forma bacana, então você não precisa explicitar. Se a coisa vier você trate com naturalidade, que é a mesma questão quando começa a falar sobre a transformação que ocorre no corpo. O meu grupo acontece isso. E aí essas coisas, aquelas brincadeirinhas pra chamar a atenção do outro, e aí você vai falar: “Nãoooo”. Então assim, aí entra a conversa e você deixa isso mais leve. E às vezes os pais não conseguem falar isso, então acho que isso vai se desenrolando.
P/1 – Suzana, fala pra mim um pouquinho do seu dia a dia, o que você gosta de fazer quando você não está trabalhando?
R – Eu gosto de ir pra Itu. Eu tenho uma chácara lá. E eu é que faço, eu é que cuido das coisas. Eu levei quase três meses pra cercar o terreno, eu e meu pai. Desde tirar umas pedras deste tamanho, até ajudar ele a assentar os blocos e depois a gente esticar a tela. Hoje já está cercado, já tem a casa, já tem as minhas plantas. Eu consegui plantar mais de 50 árvores frutíferas, é uma área de dois mil metros. Já consegui colocar uma piscininha, parece uma banheirinha, mas tudo bem, tá bom. Tem um campinho de futebol, um espaço reservado pro campinho de futebol. Eu gosto de ir lá, a Agatha gosta de ficar escorregando. Eu estou apresentando pra ela coisas que eu fazia, que era descer na grama, escorregar na areia com papelão, que isso a gente fazia na infância. É um lugar que remete a coisa de uma energia, sabe, uma troca, o campo. Eu gosto da praia também, mas eu acho que o campo, essa coisa de por a mão na terra, de eu plantar e ver aquilo crescer. Eu plantei a última desse ano, foi no feriado de Tiradentes, eu plantei 300 metros de grama. Sozinha. Aventura. Então assim, eu trabalho a semana inteira e eu vou pra lá e continuo trabalhando. Mas eu volto e eu trabalho até sábado lá porque domingo é o dia de recuperação. Então é um lugar que eu curto, que é a menina dos olhos. Sempre falei pro pessoal pra ir lá mas a casa nunca fica pronta porque leva séculos você fazendo sozinha. E a Paula me cobra até hoje: “É, eu não conheço lá ainda, só por foto”. Então é esse processo que eu vivo.
P/1 – E qual é o seu maior sonho pro futuro, de realização pessoal?
R – Ah, eu acho que... pessoal? Pessoal eu tenho a preocupação muito de tentar dar pra Agatha, ou passar pra ela, as coisas que eu aprendi e acho que as oportunidades que eu vivi na infância, acho que é isso.
P/1 – E pra terminar eu queria que você dissesse pra gente o que você achou de contar a sua história e o que você achou de contar um pouco da história do PET?
R – Eu gostei, eu acho que foi meio difícil conseguir fazer essa cronologia, esse vai e volta do processo. Acho que tem a coisa do PET ser (emocionada). O projeto pra mim, eu acho que é mais difícil, eu vejo como tudo nesse processo de crescimento, transformação, eu acho que eu não consigo dizer. Quer dizer, eu já estou dizendo, né? Acho que traz essa emoção intensa. Pessoal fala que eu sou brava mas na verdade eu sou intensa, em todos os sentidos. Eu acho que é intensa na vida, intensa naquilo que eu me comprometo, eu acho que é isso. Eu acho que é um pouco do projeto.
P/1 – E tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e que você queira falar?
R – (emocionada) Eu acho que a gente contou bastante coisa, acho que vocês tiveram a oportunidade de ver um pedacinho só, eu acho que tem muitas coisas, entendeu? É o tempo, você pensa 20 anos, acho que a gente teve muitas alegrias, acho que muitos perrengues também, que a cada ano tinha que pensar em não ter o seu emprego, porque estava vinculado a um convênio com universidade, então todo ano... Eu acho que uma outra coisa que eu exerci o poder de adaptação, não só eu quanto a equipe, tinha que redesenhar a forma de funcionamento da equipe, quem que você ia tirar pra ter condição de continuar. E eu acho que o Prodhe vem: “Como assim? Ôpa, agora ninguém tira”. Agora quem quer dizer se vai ficar aqui ou não é a gente. Porque chegou um ponto que a equipe falou: “A gente tem tanta, somos tão próximos, se não for aqui a gente faz o projeto em outro lugar e de outro jeito. A gente vai continuar fazendo”. Entendeu? Então a universidade passou a não ser a essência do Prodhe, pra equipe do Prodhe. Eu acho que hoje a gente está repensando um pouco, será que daqui a dez anos eu quero estar aqui fazendo isso que eu estou fazendo? Ou eu quero estar fazendo outra coisa? E ajudando as pessoas de outra forma? Eu acho que o processo está sendo esse. E não é porque a gente cansou de estar aqui, eu acho que cada um tem uma fase e aí quando você fala de ser intenso, que eu trouxe, da intensidade, eu acho que é isso, é energia, é o comprometimento, é o engajamento, é a busca pelo conhecimento. Se você não sabe, você reconhece e vai atrás, isso não é desmerecer. Você não precisa dar conta de tudo. E a figura do Max, a incompletude, né? A gente não vai dar conta de tudo. Então assim, isso vai ajudando você a entender o seu processo. E acho que é isso que o Prodhe traz, entender o meu e contribuir com isso que está aqui. E agora isso que está aqui, o que a gente vai fazer? Amanhã pode ser que metade da equipe não esteja aqui. E não porque não queira continuar fazendo ou não vá fazer com amor aquilo que está se propondo, mas que talvez deu o tempo, tem a necessidade de ter novos desafios, ou queiram viver de outra forma. Porque assim, não dá pra gente falar no nosso discurso uma vida com qualidade e pra você fazer o seu trabalho você pisar em cima da sua família, daquilo que você quer como qualidade de vida. E que essa qualidade de vida quando você tem 22 anos, ela é de um jeito. Quando você tem 40 é de outro, eu já estou indo pra 50, ela é de outro. E talvez quando eu estiver com 60 vai ser outro. Então aí as escolhas hoje, quando eu falo de ir pra Itu, pra mim é isso, eu quero ficar no espaço que é meu, eu faço, eu construo, eu mexo. Fui roçar lá, quebrei o cano. Fechei o registro, i, fui lá. Então assim, meu pai me ensinou isso, ele falou: “Você não vai precisar depender de alguém pra fazer, você vai saber fazer”. Sei pintar. Então tudo o que você imagina, então meu pai desconstruiu essa coisa do universo que é do homem e que é da mulher. E o meu irmão pede pro meu pai ir em casa arrumar o chuveiro. E não é porque ele não ensinou, é porque ele tem medo. E aí, eu não, eu chamo meu pai: “Pai, vamos ajudar a fazer isso”. Ele fala pra mim: “Pô, cada dia que eu venho aqui você inventa um negócio”. Isso é bacana porque saiu daquela coisa que tinha uma distância e passa hoje pra uma proximidade. E isso vai mudar e vai transformando. Eu acho que, não queiram achar (risos) ou ter a intenção de achar que a pergunta foi, porque sempre vai ficar. E esse é o processo da história. E cada um vai tendo, pegando um apanhadinho dela. E aí assim, quem está dentro, aquilo está desse tamanho, quem está fora às vezes é nada. Acho que é isso.
P/1 – Está certo, Suzana. Em nome do Museu da Pessoa e da equipe do Prodhe eu agradeço muito a sua participação.
R – Eu que agradeço! Vocês fizeram eu chorar de novo, hein? Fala sério.
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