Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevista de Rogério Pereira da Silva
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1)
Paracatu, 29/11/2021
PCSH_HV1182
P/1 - Seu nome completo, sua data de nascimento, e onde o senhor nasceu?
R - Meu nome é Rogerio Pereira da Silva, tenho 57 anos, nasci aqui, em Paracatu, no bairro de Santana, e tive uma infância feliz, mas os meus avós são da região do Pontal, pertencentes ao Quilombo do Pontal. Então, a minha infância foi entre o bairro de Santana e a fazenda do meu avô.
P/1 - Vamos falar um pouco sobre seus avós, qual o nome dos seus avós?
R - Os meus avós maternos, que eram da região do Pontal, eram Jorge Coelho de Carvalho e Vitalina Lameu de Carvalho.
P/1 - Os seus avós e seus pais também nasceram no Pontal?
R - Isso, a minha mãe e os meus avós são do Pontal.
P/1 - Seus avós e seu pai são aqui de Santana?
R - Sim, são aqui do bairro de Santana.
P/1 - Seus avós faziam o que lá na comunidade? Trabalhavam com o que?
R - Meus avós tinham lavoura de subsistência, produzia leite, mais pro consumo, fazia queijo, rapadura, farinha de mandioca, farinha de milho. Era basicamente isso.
P/1 - O vô e a vó trabalhavam com isso lá?
R - O meu avô, minha vó e os filhos.
P/1 - O senhor teve quantos tios por parte de mãe, o senhor se lembra?
R - Eram cinco.
P/1 - Os cinco também ajudavam nessa questão da roça e todo esse trabalho?
R - Todo mundo ajudando.
P/1 - Quais coisas a sua mãe fazia lá?
R - Basicamente, era lido de casa. Tinha a fabricação de biscoito, mas era mais pro uso ali da família, e o meu avô tinha a lavoura, mas chamavam de roça, e tinha muita gente que trabalhava com ele, então, a minha vó fazia comida, naquelas panelas imensas, pra levar pro pessoal na roça. O que eles chamam de merenda também, que era minha vó que fazia, quando ela fazia, fazia bolo, enchia aquelas latas de leite de cinquenta litros de bolo, enchia saco daquelas...
Continuar leituraProjeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevista de Rogério Pereira da Silva
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1)
Paracatu, 29/11/2021
PCSH_HV1182
P/1 - Seu nome completo, sua data de nascimento, e onde o senhor nasceu?
R - Meu nome é Rogerio Pereira da Silva, tenho 57 anos, nasci aqui, em Paracatu, no bairro de Santana, e tive uma infância feliz, mas os meus avós são da região do Pontal, pertencentes ao Quilombo do Pontal. Então, a minha infância foi entre o bairro de Santana e a fazenda do meu avô.
P/1 - Vamos falar um pouco sobre seus avós, qual o nome dos seus avós?
R - Os meus avós maternos, que eram da região do Pontal, eram Jorge Coelho de Carvalho e Vitalina Lameu de Carvalho.
P/1 - Os seus avós e seus pais também nasceram no Pontal?
R - Isso, a minha mãe e os meus avós são do Pontal.
P/1 - Seus avós e seu pai são aqui de Santana?
R - Sim, são aqui do bairro de Santana.
P/1 - Seus avós faziam o que lá na comunidade? Trabalhavam com o que?
R - Meus avós tinham lavoura de subsistência, produzia leite, mais pro consumo, fazia queijo, rapadura, farinha de mandioca, farinha de milho. Era basicamente isso.
P/1 - O vô e a vó trabalhavam com isso lá?
R - O meu avô, minha vó e os filhos.
P/1 - O senhor teve quantos tios por parte de mãe, o senhor se lembra?
R - Eram cinco.
P/1 - Os cinco também ajudavam nessa questão da roça e todo esse trabalho?
R - Todo mundo ajudando.
P/1 - Quais coisas a sua mãe fazia lá?
R - Basicamente, era lido de casa. Tinha a fabricação de biscoito, mas era mais pro uso ali da família, e o meu avô tinha a lavoura, mas chamavam de roça, e tinha muita gente que trabalhava com ele, então, a minha vó fazia comida, naquelas panelas imensas, pra levar pro pessoal na roça. O que eles chamam de merenda também, que era minha vó que fazia, quando ela fazia, fazia bolo, enchia aquelas latas de leite de cinquenta litros de bolo, enchia saco daquelas biscoitos de queijo e rapadura. Tinha um cômodo que era cheio de rapadura. Rapadura já fazia pra vender, não era só pro consumo.
P/1 - Ela levava pro pessoal que trabalhava com seus avós na época? Esse pessoal era da comunidade também? Ou eles vinham de fora?
R - Todos da comunidade. E eram pessoas muito íntimas, porque naquela época, eu lembro que todo mundo era compadre e todo mundo chamava de padrinho ou era compadre, padrinho, madrinha. Então era uma coisa muito chegada ali.
P/1 - O senhor contou que na infância, apesar de ter nascido aqui, no bairro de Santana, o senhor ia pra lá de vez em quando na comunidade.
R - Sempre estava lá.
P/1 - O que o senhor fazia quando ia pra lá?
R - Olha, eu cheguei a ajudar na lavoura, mas já era uma coisa mais moderna, tinha um equipamento lá que chamava carpideira que era arrastada a cavalo e boi, e tinha um equipamento que chamava arado, que era o arado de aiveca. Então eu cheguei a puxar o cavalo, puxava o boi pra arar, pra capinar, era basicamente isso. Não cheguei a pegar aquela fase de dureza ali, de todo dia levantar, mas nas minhas férias ou então, quando a gente ia, em algum feriado prolongado, meu pai levava a gente e a gente chegava a ajudar
P/1 - Seu pai já chegou a trabalhar um pouco mais pesado? Na época em que seu pai era mais jovem e estava com seus avós, ele pegou essa época do pesado que o senhor está contando?
R - A minha mãe, né?
P/1 - É que o senhor falou que seu pai te levava lá, então seu pai também tinha uma relação com a comunidade.
R - É, meu pai tinha uma relação.
P/1 - Mas mais por conta da relação com sua mãe mesmo?
R - Mais por conta da minha mãe, mas na realidade, quem era da localidade era minha mãe.
P/1 - Sua mãe tinha todas as coisas que o senhor falou, ajudar nas coisas de casa, etc.
R - Sim, ajuda nas coisas de casa, o que eles chamavam de fazer biscoito, fazer quitanda na época.
P/1 - Eles tiveram uma vida um pouco mais difícil, mas provavelmente, os avós tiveram uma vida mais difícil que os país. Por ser uma época mais remota.
R - Mais difícil, sim. O meu avô, só contando uma historinha da vida dele, ele era boiadeiro, saía aqui de Paracatu, levava gado para São Paulo, para Barretos. Ele ficava 4, 5 meses fora de casa, e minha vó ficava tomando conta das crianças. Ele, naquela época, a pessoa recebia só pra levar o gado, o retorno, a pessoa não recebia. Vamos supor, vou te pagar 2000 reais pra você entregar a boiada lá em São Paulo, era só isso. Na volta, era por sua conta. Ele, muito astuto, voltava com o dinheiro comprando porco, e naquela época, ele tocava os porcos na estrada feito boiada, tangendo igual boiada. Chegava em determinado local, ele vendia aqueles porcos, juntava o dinheiro e continuava a viagem de retorno comprando mais porcos até chegar aqui. Foi dessa forma que ele conseguiu comprar as terras dele lá no Pontal. Porque, a princípio, ele morava no terreno da minha bisavó. Aí ele comprou uma parte dos meus tios, irmãos da minha vó, e o restante ele foi comprando terreno picado, eu me lembro que parece que o terreno dele, não sei se era 800, ou era 1000 hectares, era bastante terra naquela época.
P/1 - O senhor contou que a bisavó estava na comunidade. Você tem mais ou menos uma noção de quando a comunidade se formou? Eu sei que o senhor é historiador, o senhor chegou a ir buscar isso? Saber como a comunidade se formou.
R - Eu não busquei, mas fazendo uma analogia pela data de nascimento do meu avô e a da minha avó, pode-se ter certeza que eles já estavam lá antes do século XIX, porque o meu avô, nasceu em Abril de 1912, e a minha avó nasceu dia 5 de dezembro de 1918. Então, se for analisar, se a minha bisavó tiver engravidado do meu bisavô com 20 anos… Logicamente…
P/1 - Ela estaria pelo menos no final do século XIX…
R - Pelo menos no final do século XIX.
P/1 - Como era a comunidade? O senhor falou que tinha essa união, né? Como ela era organizada, essa sociedade lá na comunidade do Pontal?
R - Bom, a comunidade era muito unida. O meu avô tinha um pessoal que trabalhava pra ele, tinha alguns meeiros, mas tinha também uma tradição lá que eles chamavam de traição. Por exemplo, a pessoa plantava uma lavoura de subsistência, e aquela lavoura tava na época ou de limpar ou de colher, as pessoas reuniam e iam ajudar as pessoas a limpar a lavoura, ou a colher, ou transportar mercadoria. Meu avô também tinha carro de boi, eu me lembro vagamente, mas ele tinha uns 3 carros de boi. Então, eu me lembro bastante disso ai, “vamo dar traição em alguem”, no Zé ou no João, sei lá, era dessa forma ai.
P/1 - Quando fazia traição e eles terminavam, resolviam a questão, capinava o terreno, transportava, como o senhor falou, o que acontecia depois?
R - Geralmente, acontecia uma pequena festinha, né? Naquela época, a bebida basicamente era cachaça, aí me lembro que no final, faziam uma comida, todo mundo se divertia ali, depois da atividade, e depois cada um tomava o rumo de casa. Era bem divertido, era uma coisa assim muito chegada, aquela coisa de confiança. Bastante assim, confiança um no outro, acontecia dessa forma. As pessoas colaborando uma com a outra, era dessa forma.
P/1 - O senhor acha que isso ainda existe lá na comunidade do Pontal?
R - Não, hoje essa questão se perdeu, porque as pessoas mais antigas, algumas morreram, outras saíram de lá, então, ainda continuam as lavouras de subsistência, mas hoje já é mais máquina, né? E as pessoas lá também, eu me lembro que eles eram, tinham algumas que eram basicamente pescadores, pescavam ali no rio Paracatu, que a subsistência deles ali era tirada do rio. Hoje também ainda existem alguns pescadores na região, porém, nossa região lá tá muito dividida por chácaras, tem muitas pessoas de fora, as pessoas foram comprando pedacinhos pequenos na beira do rio, então, tem uma imensidão de chácaras e de pessoas que não são da região.
P/1: Essas pessoas que não são da região, eles também não são descendentes dos Quilombolas originários da região? É gente de fora?
R - São gente de fora. Por exemplo, eu e algumas pessoas da minha família temos terra lá ainda, mas, basicamente, são muitas pessoas de fora, tem muita gente de Brasília, Patos, tem pessoas de Belo Horizonte, que foram comprando aqueles terreninhos para eles vim pescar no fim de semana ou curtir férias. Então, a tradição que era da região, hoje, 100% posso te afirmar com certeza, deve ter uns 10%, alguma coisa desse tipo.
P/1 - Como é que se relacionam esse pessoal que são os descendentes originários dos povos que estavam lá, e esse povo que não é descendente, chegou lá depois, como é que vocês se relacionam lá?
R - De certa forma, existe um relacionamento bom, não existe aquela picuinha. Isso aí não existe. Por outro lado, acaba dando emprego pra algumas pessoas, porque essas pessoas que compraram essas terras, o que eles chamam de rancho, acaba dando emprego pra alguém tomar conta do terreno deles. Então tem muita gente que mora lá, tem alguns que tomam conta até de três ranchos. Eu tinha um tio mesmo, agora ele não tá tomando conta mais, ele tomava conta de dois ranchos, agora ele perdeu a saúde, mas continua na beira do rio ainda.
P/1 - Aí ele recebe pra poder fazer esse trabalho de cuidar do rancho, ele ganha um valor em dinheiro?
R - Recebe, e esse tio meu, por exemplo, os outros eu não sei, falando do meu tio, ele tinha carteira assinada dos dois ranchos que ele trabalhava
P/1 - Ainda é com carteira assinada, que é uma coisa que não tinha nessa época antiga?
R - Não tinha. Mas como essas pessoas que contrataram ele, um é empresário em Brasília, o outro empresário em São Paulo, contratou ele para tomar conta do rancho, e assinou a carteira. Então, de certa forma, foi muito bom, né? Agora, eu não sei se as outras pessoas são da mesma forma, ou se tem um contrato verbal, mas que eles acabam ajudando as pessoas ali de certa forma, sim.
P/1 - A gente estava falando um pouco sobre as questões de estrutura do lugar, as estruturas mesmo pra existência do lugar, o povo estava falando sobre a questão da água, questão da saúde, o hospital, posto de saúde, como é que está isso hoje lá na comunidade do Pontal?
R - Eu já fiz um projeto - eu tive um comércio lá- de instalar nesse local onde era o meu comércio, um posto de saúde, ou até mesmo um posto de atendimento dentário. Eu entreguei na prefeitura, entreguei na câmara, e isso não foi pra frente. Montei um projeto também de ________, que seria a criação de peixe ali no rio, que tem muito espaço, mas também na época era a Kinross que estava fazendo esse projeto, aí a pessoa que tava me ajudando, ele mudou o projeto sem falar comigo, aí a Kinross foi e não aprovou. Zé Eduardo tava me ajudando no projeto, e essa pessoa que era o presidente da associação, eu entreguei o projeto pra ele, falei assim, eu não fazia parte da associação, você dá entrada. Só que ele fez algumas modificações no projeto que não estava na realidade da região ou da eficiência do projeto, aí foi cortado. Depois disso, eu não mexi mais também. Já faz tempo
P/1 - Porque o pessoal tava contando, como tinha essa subsistência, numa época o pessoal até pescava e vendia esses peixes, então vivia disso, era o sustento de um grupo de pessoas que moravam lá, e aí hoje, por exemplo, o rio Paracatu, o povo estava comentando, está poluído, não tem a mesma quantidade de peixes que tinha antes. E aí, como fica essa questão na comunidade agora?
R - É, as pessoas que pescam ficam ali batalhando, não tem o mesmo volume de peixes que tinha outrora, mas ainda consegue pegar peixe lá, os peixes da bacia de São Francisco que é surubim, curimatã, dourado, mandir, e vários outros, consegue…
P/1 - Foi como a gente falou agora, como não dá pra só viver do rio, não dá pra viver só da pesca, a forma de lavoura hoje também é diferente como o senhor tava contando, um monte de gente acaba saindo de lá porque não tem oportunidade, né?
R - Sai, muita gente saiu, porque não tem oportunidade, né? Perderam as oportunidades.
P/1 - Fica faltando um pouco de estrutura, porque o senhor estava falando do posto de saúde, do posto dentário, também não tem lá ainda.
R - Não tem, e nós conseguimos também, a associação conseguiu, um poço artesiano, que era na época da Telebrás. A Telebrás comandava as torres de transmissão de telefone e doou pra gente um poço artesiano e a tubulação todinha, pra água chegar nas casas, só que depois que mudou, mudou alguma coisa. Tinha uma briga lá também, o pessoal lá em cima tinha acesso a distribuição de água, então eles fechavam o registro e deixava as pessoas lá de baixo sem e agora fechou de vez, porque, eu também não participei dessa reunião, disseram que, eu não sei se é a Oi que comanda lá agora, falou que não vai mais pagar a energia do poço. Agora, se ela não paga a energia do poço, como é que consegue fornecer água só pro pessoal lá de cima, que é uma meia dúzia de pessoas?
P/1 - Esse pessoal da parte de baixo até hoje tem dificuldade de receber essa água ou qualquer água?
R- Sem água, quem quiser, fura uma cisterna, um poço artesiano, mas a tubulação tá lá, que a Telebras doou pra todo mundo.
P/1 - Então vamos só voltar um pouquinho. Depois a gente fala mais sobre as questões da comunidade pra gente fechar com elas, voltar um pouco pra sua vida pessoal, tem uma coisa que eu fiquei curioso, o senhor contou da rapadura, que era uma coisa que sua avó fazia e lá na fazenda, no terreno que eles tinham, ela fazia pra vender, como que era essa produção de rapadura? Ela tinha funcionário? Ela fazia sozinha? Como é que era isso aí?
R - Era ela e os filhos.
P/1 - Ela tinha um lugar na fazenda só pra fazer a rapadura e armazenar a rapadura?
R - Tinha, que eles chamavam de ranchão, tinha um rancho grande, que ali onde eles faziam, ele era usado para fazer rapadura, e pra torrar farinha. Ah! E a minha vó produzia requeijão também, produzia as peças de requeijão.
P/1 - Eles vendiam lá na região? Ou levavam pra outro lugar pra vender?
R - Ali na BR-040, tinha um comércio intenso, na beira da pista, eles vendiam ali, e mais pra baixo um pouco, tinha o posto, Posto Pontal, é o posto abandonado que tem lá e tinha um movimento intenso, e vendia lá também, e às vezes também, tinham pessoas que encomendavam rapadura e ia buscar. E, às vezes, tinha queijo, a pessoa já comprava as rapaduras, já levava o queijo, comprava, levava rapadura, queijo, requeijão, e a minha vó fabricava farinha de milho também, farinha de mandioca, só que a farinha de milho não me lembro dela vender, era mais para consumo, agora, o queijo, farinha de mandioca, rapadura, requeijão, eu me lembro dela vender.
P/1 - Como é que era isso? Porque o senhor era criança nessa época, como é que era ver o povo todo fazendo esse trabalho?
R - Era bom. Você ficava ali, se levantava muito cedo, pra gente era uma diversão. Talvez eles nem chamassem a gente pra levantar, mas a gente escutava aquela movimentação, você levantava também. O pessoal estava ali torrando farinha, e eu lembro que meus tios pegavam mandioca, colocava lá dentro da fornalha, no fogo ali, pra fazer a mandioca assada, era uma diversão. E quando tava fazendo rapadura também, que eles colocavam a mandioca pra assar no fogo, depois pegava aquela, tirava aquela casca dela, pegava um pouco de melado, se comia rapadura com, aliás, o melado com mandioca, era uma delícia e uma diversão pra gente também na época. Moleque, era muito divertido.
P/1 - Como o senhor contou, você não ia pra lá sempre, ia de vez em quando, pai levava, tava contando, mas a sua vida era aqui em Santana, foi o lugar que você nasceu, você cresceu aqui, na época que você estudou, você estudou aqui em Paracatu mesmo, né?
R - Estudei aqui. Meu pai era funcionário público, minha mãe era do lar. Meu pai trabalhou quarenta anos no DNER, e tocou o sino da igreja da matriz quarenta e cinco anos. Depois que ele fez uma cirurgia do coração, adquiriu labirintite também, aí o médico proibiu ele dessa atividade, porque pra ele tocar o sino, não era aquele sino de corda, que você tinha que subir umas escadas para acessar o sino, eu até tive conversando com um colega meu, que ele é otorrino, ai falamos sobre essa questão, aí ele falou “provavelmente, a labirintite do seu pai e a surdez foi causada pelo sino”, porque ele tocou o sino quarenta e cinco anos, não tinha proteção auricular, então… uma vida inteira, e esse tipo de problema, esse tipo de doença, ele é acumulativo, não é de uma hora pra outra, vai acumulando, acumulando, chega um certo momento, igual no caso dele, ele não estava escutando, mas o engraçado é que ele usou aparelho, e de um dado momento assim, acho que ele usou aparelho uns sete, oito anos, depois ele tirou o aparelho, a audição dele voltou. Coisa engraçada assim, infelizmente, ele veio a óbito agora, dia 18 de Setembro, infelizmente, essa doença aí levou meu pai e minha mãe. Meu pai morreu dia 18 de Setembro, e minha mãe, uma semana depois, dia 27.
P/1 - Os dois tiveram COVID?
R - Os dois, mas infelizmente, mas a vida continua, né?
P/1 - Seus pais estavam morando aonde? Eles moravam sozinhos agora? Eles moravam aqui, moravam lá? Como é que era?
R - Morava aqui no Santana.
P/1 - Vocês viveram sempre aqui, pra lá vocês iam só de vez em quando, a sua mãe que nasceu lá e veio pra cá.
R - Minha mãe nasceu lá e veio pra cá.
P/1 - Eles tinham casa aqui, e viveram a vida toda aqui?
R - Viveram a vida toda aqui, 64 anos de casados.
P/1 - Agora esse último ano, é que eles tiveram a doença.
R - Tiveram a doença, infelizmente.
P/1 - Eles moravam sozinhos, seu Rogério?
R - Era assim, praticamente sozinho, mas eu tenho um irmão que é instrutor de educação física, ele tinha um tempo mais vago, ele sempre tava lá, todo dia ele almoçava lá, e a noite, a gente revezava, entre eu, ele, minha esposa dormindo. Pra dormir, eles não dormiam sozinhos, mas tinha algum espaço de tempo em que eles ficavam sozinhos.
P/1- Vocês estavam sempre de olho, eles tinham a casa deles, mas de vez em quando vocês iam lá.
R - É lá próximo da nossa também. Hoje ainda tem muitos parentes, mas teve uma época que a minha rua e a praça do Santana, ali, era tudo família, que ia casando um com o irmão do outro, tio outro e acaba. Ali próximo da casa da minha mãe tinha meus tios, tia, tinha muita gente. Mas eu tive uma infância gratificante, feliz. Muitos amigos aqui no bairro do Santana, que por sinal, a cidade começou ali no bairro do Santana que até hoje tem lá a igreja de Santana, foi a primeira da cidade, e nós crescemos ali, aquela família muito unida, graças a Deus, e tamo aí.
P/1 - Como foi a época da adolescência? O senhor continuava indo pra lá pro Pontal?
R - Sempre fui.
P/1 - E quando tinha festa lá? O senhor ia também?
R - Tinha, ia nas festas.
P/1 - Como é que era na época da adolescência? Essas coisas das festas? O que acontecia?
R - Ah tá, eu me lembro de três festas marcantes que tinham lá: a festa de São Sebastião, que era em Janeiro; São João, mês de Junho; e a festa de Santos Reis. A festa de Santos Reis, me parece que o início dela é um mês antes, acho que é 6 de dezembro, que começa o pessoal fazendo caminhada de casa em casa, fazendo as orações, e tinha uma casa que estava, a bandeira e a coroa, e esse dia, que é o dia 6, é o dia de Santos Reis, é o dia da troca da coroa, né? Que eles falam, pegar festa, mas na realidade, era trocar a coroa pra uma outra família fazer a festa no ano que seguinte. Então, eu acompanhei todas essas festas, eu não acompanhava o trajeto, que eles chama de marcha, mas no dia das festas, eu tava sempre lá.
P/1 - Que era o dia que os foliões chegavam, eles comiam, tomavam banho, e depois o povo todo também podia comer e era uma festona.
R - Primeiro a alimentação, fazia uma mesa dos foliões, muita comida.
P/1 - Tinha reza, dança, música, um monte de coisa?
R - Um monte. Participei ativamente.
P/1 - O seu estudo foi contínuo, não teve pausas no meio do caminho?
R - Não, eu tive uma pausa. Aos 17 anos, quando eu terminei o segundo grau, dei uma parada. Depois, quando veio a FINOM para cá, que eu fui da primeira turma da FINOM, aí eu fui fazer o curso de história. Fiz história com licenciatura curta para geografia, depois eu fiz uma complementação, um aperfeiçoamento para geografia.
P/1 - Por que você escolheu história, por que você era um rapaz novo, chegou a faculdade, como bateu na ideia de fazer história? Por que licenciatura em geografia?
R - Bom, eu trabalhei pra um senhor, aqui em Paracatu, ele tinha uma padaria ali no Santana, na rua Eduardo Pimentel, que se chamava Panificadora Bijoux. Esse Virgílio Bijoux era uma pessoa muito dinâmica, e ele era um autodidata, e eu trabalhei com ele lá, e ele sempre apresentava para mim muitos livros, muitas leituras, e falando de épocas passadas, alguns acontecimentos passados, eu fui tomando gosto por essa coisa de estudo, e quando teve a oportunidade, que a FINOM chegou aqui, eu abracei e fiz o curso de história.
P/1 - Como foi a faculdade? Teve algum professor que te marcou nessa época de faculdade? Alguma disciplina, que você fala “nossa! isso foi o que fez dar sentido para o que eu tô fazendo”?
R - É, eu gostava bastante de História da América, que era o professor Geraldo. Ali eu gostei muito de história da américa. Tinha Ivo Castro Aguiar também, ele era um professor assim, bem dinâmico, que era História das Sociedades Contemporâneas, gostei muito. Mas a grade de história em si, eu gosto da grade todinha, mas esses dois professores me marcaram, de certa forma, porque foi um assunto que me deixou, me atraiu, me deixou bastante curioso, e eles me marcaram bastante.
P/1 - Por que licenciatura em geografia?
R - Eu comecei a dar aula e na época eu peguei um cargo de história e um cargo premium de história, peguei o meio cargo de geografia. Fui dando essas aulas, e comecei a gostar do conteúdo, falei, “não, vou especializar em geografia”, aí, especializei em geografia também.
P/1 - Mas em colégio público que você está falando?
R - Dei aula em colégio público, sempre trabalhei com geografia e história, no Estado e no Município.
P/1 - Bom, no meio desse caminho, o senhor também casou, né? Como é que acontece essa história do casamento? Como a esposa?
R - Eu fiz magistério, conheci ela, era uma sala lotada, só tinha eu de homem, acho que eram 37, ou 38 alunos, só tinha eu de homem. Aí, conheci ela lá, mas ela era minha vizinha também. Eu já conhecia ela, era minha vizinha de Santana, aliás, na época, era todo mundo muito conhecido, Paracatu não tinha muito, não era tão expandido quanto é hoje, então, era muita gente conhecida.
P/1 - Então, o senhor já conhecia ela, só que encontraram lá na sala de aula, que que rolou pra começar a rolar esse afeto, o que aconteceu?
R - Pois é, a gente ia pra escola, eu passava na porta da casa dela, ela ia comigo, voltando a noite, também voltava comigo e a gente ia, foi se entrosando, até a gente…
P/1 - Qual o nome dela?
R - Marilene. Era técnica de enfermagem, trabalha no Laboratório de Analises Clinicas e lá em casa é dividido, né? Trabalho na área de manutenção mecânica também, programação. Então, a minha filha mais velha é enfermeira, e a caçula é engenheira, engenheira mecânica, deu uma temperada, dividiu.
P/1 - Qual o nome delas, seu Rogério?
R - A mais velha, Mayra, e a caçula, Thayssa Lorrana.
P/1 - Aí quando vocês casaram, vocês construíram, compraram, ou alugaram uma casa lá no Santana?
R - Quando eu casei, morei na praça do Santana, só que os meus avós tinham mudado pra cá, vieram de Pontal pra cá, e eles moravam sozinhos lá na casa, aí meu vô falou, “essa casa é muito grande, só mora eu e sua avó", parece que era uma casa de dez cômodos, “se você quiser vir morar aqui, pode vim”, eu conversei com minha esposa, ela aceitou, e foi bom a gente ter ido morar lá porque, de certa forma, a gente ajudou eles nas coisas diárias, ajudou a tomar conta.
P/1 - Eles já eram bem velhinhos?
R - Eram bem velhinhos. Meu avô já tinha sofrido derrame também, ele foi cuidado na época. Resolvemos morar lá. Passado uns anos, uns 4, 5 anos, apareceu um projeto de financiamento, no Novo Horizonte, foi quando eu comprei lá, mas nessa época, meu avô já tinha falecido
P/1 - Sua avó estava viva?
R - Minha vó estava viva.
P/1 - A vó ficou na casa e vocês foram pro Novo Horizonte?
R - É, mas quando eu saí de lá, já tinha uma prima minha e o filho dela que estava morando lá. Não ficou sozinha e minha mãe também morava muito próximo, 150 metros. Todos os dias minha mãe ia lá, cedo, à tarde, ela sempre tava lá.
P/1 - A vó já faleceu também?
R - Minha avó tem 18 anos que faleceu. Faz um tempo já.
P/1 - Você comprou uma casa no Novo Horizonte, mas já estava construída ou comprou um terreno para construir a casa?
R - Não, era uma casa construída, mas era bem pequena: uma sala, cozinha, banheiro e um quarto, parece que era 40 metros quadrados, uma coisa desse tipo. Fui mudando, hoje já tá razoável, mas nunca acaba, né? Agora mesmo, estou mexendo na casa lá. A caçula nasceu lá no Novo Horizonte, a mais velha nasceu aqui no Santana.
P/1 - Como era essa vida em família, nessa época que as duas pequenininhas? O senhor trabalhava na escola na época? Ou não? Nessa época já tinha saído da escola?
R - Eu sempre trabalhei com dois empregos. Na época, durante o dia, trabalhei no Banco do Estado, e estudava a noite. Depois, quando eu terminei, eu passei a trabalhar durante o dia no banco e dar aula à noite. Depois, fui trabalhar no Posto Cruzeiro, trabalhava lá durante o dia e dava aula à noite. Daí fui pra Kinross, trabalhei acho que 13 anos, e tava nessa mesma sequência, só que ai vai cansando, ai depois eu optei por ficar com um. Na época, optei por ficar na Kinross.
P/1 - Aí hoje o senhor trabalha com manutenção e treinamento, né?
R - Isso, manutenção e treinamento, só que hoje não estou mais na Kinross, estou na Low Ping, que é uma empresa chinesa, de beneficiamento de semente de milho. Aqui em Paracatu.
P/1 - Mas teve esse período todo na Kinross pra aprender.
R - Sim, aprendi muito lá.
P/1 - Foi por causa da empresa que o senhor acabou optando por essa outra área que não tem nada a ver com história e geografia?
R - Sim, foi. Porque, na verdade eu cai nessa área de manutenção porque eu dava aula e minha filha estudava em Brasília, e ocorreu que eu pedi um dos cargos, ia ficar difícil pra mim bancar a faculdade dela, eu tinha um colega que era da Kinross, ele me falou, “tem uma vaga lá, mas na área manutenção”, aí falei, “vou pra lá, tô parado mesmo”, falou “Pode ir, que se você tiver dificuldade, a gente te explica lá”, e fui. E fui aprendendo.
P/1 - Agora, o senhor tem quanto tempo trabalhando nessa área ao todo?
R - Nessa área já tem, com dois anos lá,16 anos já.
P/1 - Tá longe da aposentadoria ainda, seu Rogério?
R - Não, já dei entrada, tô com 57 anos, 40 anos de contribuição. Já deu tempo.
P/1 - Que bom, seu Rogério. Então, vou perguntar um pouquinho agora sobre a comunidade pra gente ir finalizando. Quais as diferenças que o senhor vê da comunidade, como ela era antes, nessa época que o senhor ia passear lá de vez em quando, pra agora? O senhor pontuou algumas coisas, tem pessoas novas lá, deu uma modernizada, tem algumas questões das estruturas, que o senhor falou, mas olhando pra comunidade como ela era antigamente, fazendo uma viagem na sua cabeça, ela era de um jeito, como ela é agora? O que ela tem de diferente?
R - Ah, a diferença hoje é que chegou muita gente de fora, né? Que não era daquele meio ali, que não pertencia a comunidade do Quilombo. Hoje também, as pessoas não tem mais aquele ritmo de antigamente, né? Que eram os mutirões, não existe isso mais, pessoal ali hoje também, não tem uma fábrica de rapadura, não tem fábrica de farinha, tudo acabou, pelo menos, que eu tenha notícia, ali na região, ninguém mais tem esse costume. Então, eu sinto falta disso aí.
P/1 - O pessoal que é descendente desses quilombolas de lá, eles se identificam com essas raízes, com essa cultura hoje ainda ou não mais. Por exemplo, às gerações de agora seguem, se identificam, entendem, que são essas culturas e raízes?
R - Não mais. Perdeu-se muita coisa.
P/1 - A gente viu que nas outras comunidades, eu sei que o Pontal também tem uma relação com isso, por causa da vacina do COVID, as pessoas indígenas e as pessoas descendentes de quilombolas tomaram a vacina. Então, teve que correr atrás do povo pras pessoas descendentes de quilombolas serem vacinadas. Houve algum movimento nesse sentido do pessoal do Pontal? Como é que foi?
R - Olha, eu, a Isabel, o Zé Raimundo, o Gilberto, o pessoal da associação, fizemos um trabalho intenso. Só que, o engraçado é que as pessoas que a gente já tinha convidado para fazer parte ali da comunidade, para gente fazer algum tipo de reunião, que nunca quiseram ir, só que depois na época da vacina, nós conseguimos aglutinar mais de 300 pessoas, se eu não me engano foram 340, eu não tenho certeza do número certinho, mas foi mais de 300 pessoas que nós conseguimos catalogar.
P/1 - Elas chegaram porque tinha essa questão?
R - Tinha um vínculo, como a vacina estava franqueada pros quilombolas, então aquelas pessoas que se achavam quilombolas resolveram se aproximar também, nós conseguimos catalogar mais de 300 pessoas.
P/1 - O senhor estava falando que algumas pessoas nem estavam muito próximas, não sabiam muito bem o que estava acontecendo lá na comunidade, porque elas já estavam distanciadas. Tem uma aproximação? Você percebe as pessoas se interessando mais pelas questões ou não, o senhor acha que foi só por causa da vacina?
R - Olha, Gilberto criou um grupo da associação. Assim, eu vejo a temperatura dessa questão pelas pessoas que se comunicam no grupo, são poucos, comunicação é mínima.
P/1 - O senhor acha que existe uma possibilidade de acontecer?
R - Sim, existe essa possibilidade.
P/1 - A gente vai se encaminhando para as perguntas finais, tá? O que o senhor achou de ter sua história de vida preservada no Museu da Pessoa, sua história de vida virar um acervo de museu?
R - Bom, eu achei excelente, né? Porque a gente precisa de deixar a nossa história para outras pessoas, porque a história é uma espiral, se você quebrar uma parte da espiral, ela não é uma espiral mais, ela vai morrer ali, então se você der continuidade, essa espiral vai crescendo, crescendo e tomando uma amplitude muito maior, atingindo mais pessoas.
P/1 - Agora a sua história também faz parte dessa espiral.
R - Sim, agora, eu fico muito satisfeito da minha história fazer parte dessa história.
P/1 - O Museu da Pessoa e eu agradeço muito a sua entrevista e ter contado sua história pra gente.
R - Sim, e eu agradeço a vocês também pela confiança de poder estar me entrevistando, e eu poder contribuir um pouco com o que eu sei da história dos nossos antepassados.
Recolher