Projeto: Ernst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Renata Rapyo
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 21 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV013
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:17) P1 - Para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome completo é Renata Soares de Rapyo, eu nasci dia 16 de maio de 1992, aqui em São Paulo, capital mesmo.
(00:32) P1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Me contaram uma história bastante curiosa na realidade, que acho que permeia um pouco do machismo da família. Meu pai queria, porque queria ter um filho de parto normal, porque meu irmão tinha nascido de cesárea também, então ele fez um combinado com o obstetra da minha mãe, de esperar durante algumas horas para ver se ela tinha dilatação suficiente, e ele já sabia que ela não iria ter, e ela ficou em trabalho de parto durante mais de dez horas, sem ter dilatação suficiente, até o momento em que o médico virou e falou: “Desculpa Cecília, é que o Luiz queria tanto que a Renata fosse de parto natural, mas eu achava que não iria dar, a gente estava só tentando para ver se dava”. Aí eu vim ao mundo para almoçar, 12h04 eu estava aqui para vir comer como uma boa taurina.
(01:13) P1 - Você sabe por que seu nome é Renata?
R - Eu descobri que eu iria chamar ou Renata ou Gabriela, mas meus pais, quando eu vim ao mundo, acharam que eu tinha mais carinha de Renata. Eles gostavam muito do nome por conta do que significa, de renascimento, de resiliência, de voltar sempre, então foi por conta disso que eles escolheram esse nome.
(01:36) P1 - E você sabe a origem dos seus pais?
R - Me preparei para a entrevista e perguntei pra eles, para eu não esquecer. (risos) Eles na realidade se...
Continuar leituraProjeto: Ernst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Renata Rapyo
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 21 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV013
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:17) P1 - Para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome completo é Renata Soares de Rapyo, eu nasci dia 16 de maio de 1992, aqui em São Paulo, capital mesmo.
(00:32) P1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Me contaram uma história bastante curiosa na realidade, que acho que permeia um pouco do machismo da família. Meu pai queria, porque queria ter um filho de parto normal, porque meu irmão tinha nascido de cesárea também, então ele fez um combinado com o obstetra da minha mãe, de esperar durante algumas horas para ver se ela tinha dilatação suficiente, e ele já sabia que ela não iria ter, e ela ficou em trabalho de parto durante mais de dez horas, sem ter dilatação suficiente, até o momento em que o médico virou e falou: “Desculpa Cecília, é que o Luiz queria tanto que a Renata fosse de parto natural, mas eu achava que não iria dar, a gente estava só tentando para ver se dava”. Aí eu vim ao mundo para almoçar, 12h04 eu estava aqui para vir comer como uma boa taurina.
(01:13) P1 - Você sabe por que seu nome é Renata?
R - Eu descobri que eu iria chamar ou Renata ou Gabriela, mas meus pais, quando eu vim ao mundo, acharam que eu tinha mais carinha de Renata. Eles gostavam muito do nome por conta do que significa, de renascimento, de resiliência, de voltar sempre, então foi por conta disso que eles escolheram esse nome.
(01:36) P1 - E você sabe a origem dos seus pais?
R - Me preparei para a entrevista e perguntei pra eles, para eu não esquecer. (risos) Eles na realidade se conhecem desde muito pequenos, porque eu descobri que na realidade o meu avô paterno estudava num internato, no Colégio São Luís, junto com o avô da minha mãe. E aí as famílias cresceram juntas desde muito pequenas e o meu pai e minha mãe se conheceram desde pequenos. E depois, na realidade, eles acabaram namorando mais para frente. Tem até uma coisa curiosa, que o irmão da minha mãe, é casado com a irmã do meu pai, então eu tenho primos irmão duas vezes, assim, é bem curioso.
(02:23) P1 - E eles são todos de São Paulo?
R - Sim, todo mundo daqui.
(02:26) P1 - Qual é o nome da sua mãe?
R - A minha mãe chama-se Cecília. O nome completo? Ou só o primeiro?
(02:33) P1 - Não, pode ser...
R - Apelido, Kika.
(02:36) P1 - E como era a família dela?
R - A minha mãe na realidade, ela acabou perdendo a mãe muito cedo, a mãe da minha mãe faleceu quando ela tinha oito anos e ela teve que criar os irmãos dela. Então ela tinha dois irmãos mais velhos e meu avô meio que se dedicou exclusivamente a trabalhar para conseguir sustentar a família. E na realidade, a minha avó faleceu muito próximo do nascimento da minha tia mais nova, que acabou até sendo criada por uma outra tia avó minha, a Hermínia, daquela foto que eu tenho com o Michel, e o Michel é filho dessa irmã da minha mãe. Aí a gente passava muito tempo lá com eles, porque ela foi a figura materna, que assim, figurou na vida da minha mãe.
(03:16) P1 - E o nome do seu pai? E a família dele?
R - Ele é Luiz, também. O meu avô era Luiz, ele é Luiz e o meu irmão é Luiz. Eu proibi o meu irmão de pôr o nome no filho de Luiz IV, porque nós não somos uma monarquia, se a gente não quer que essa criança sofra bullying na escola. Mas na realidade os dois lados da família são portugueses. O meu tataravô por parte de pai veio para cá com catorze anos para trabalhar em um armazém de secos e molhados no Rio de Janeiro. Aí dois anos depois ele conseguiu juntar dinheiro e aí trouxe os outros dois irmãos, eles abriram uma loja de sapatos. E a família da minha mãe também, faz um pouco mais de tempo, se eu não me engano, que eles vieram para o Brasil, mas também eram portugueses. Muito sangue português na família.
(04:00) P1 - Eles te contavam histórias? Ou ainda contam?
R - Contam algumas coisas da família. O meu pai gosta muito de uma… acho que era tia dele, ou tia avó, que é a Anita, que tem até um livro sobre a vida dela, porque ela fez umas coisas na vida, que ela é meio que santificada, até ela foi santificada, porque teve uns milagres na vida dela. A minha família é bastante religiosa, apesar de eu não ser. Meu pai gosta bastante da história dessa tia e também de todas as coisas que eles faziam juntos quando eles eram mais novos, antes até deles namorarem e do período deles na Inglaterra, que na realidade foi quando eles começaram a namorar, e eles voltaram para o Brasil para casar. eu falo: “Olha, vocês talvez devessem ter casado lá. Eu poderia ter nascido inglesa, teria sido interessante”. Eles queriam estar aqui com a família inteira, porque como as suas famílias eram muito próximas, ia ser muito caro para tipo, levar a família inteira para o casamento lá, então eles voltaram, porque queriam fazer um casamento tradicional, juntando todo mundo e acabaram ficando por aqui.
(05:00) P2 - E você tem irmãos?
R - Eu tenho um irmão mais velho, ele é de 1987, ele é quatro ou cinco anos mais velho que eu, depende da época do ano. Aí a gente, por exemplo, ele me ensinou a abrir o berço, de acordo com minha mãe, eu não me lembro, mas ela falou que ela ia lá, entrava no quarto e estava ele lá me ensinando a fugir.
(05:21) P1 - Você morou em uma casa, assim, na infância? Ou mais em algum lugar?
R - Eu morei até os meus, se eu não me engano, cinco, seis anos, no Itaim, em uma casinha de Vila. Então a gente jogava muito taco na rua, jogava bola…. E aí depois eu morei aqui perto, no Alto de Pinheiros, onde eu fiquei até uns dois anos atrás e estudei no Alfa também, que é aqui do lado. Meu maternal e jardim de infância foram ali. Aí foram essas duas casas, então, uma cinco anos e outra quase 25 (risos).
(05:58) P1 - Você falou de brincadeiras, né? Qual era a sua favorita?
R - Eu gostava muito de pique bandeira e depois eu passei a gostar muito de caça ao tesouro. Eu tinha a irmã mais velha de uma amiga minha, que era muito investida a fazer caça ao tesouro, então ela fazia várias pistas, comprava caixinha e botava moeda de chocolate dourada dentro, para fazer o baú de tesouro. E aí tinham coisas, tipo: “Ah, tem água por aqui, mas também tem plantas”. Aí sei lá, já era na piscina, então a gente tinha que ir até perto da piscina para achar a pista que estava lá. Era muito divertido.
(06:27) P1 - Eu esqueci de te perguntar, você tem algum parente, tio, assim, que você tem um carinho especial?
R - Acho que da família não tanto assim, porque eu acabei não crescendo tão próxima da família, por questões aí da vida. Mas… acho que não.
(06:48) P1 - Você comentou que você tem primas, que têm idades bem diferentes assim, né? O resto são todos homens.
R - A família é engraçada, que é isso, todo mundo só tem cromossomos x, espera, x não; y, só tem y. Do lado da minha mãe eu só tenho primos homens. Aí do lado do meu pai, eu tenho duas primas mulheres, mas elas são, quinze anos mais velha do que eu, uma e quase vinte a outra, assim, são diferenças bem significativas de idade. Aí eu cresci com os moleques mesmo.
(07:16) P1 - Tem algum costume especial da sua família, assim, alguma comemoração que vocês gostam de fazer?
R - Quando os meus avós eram vivos, a gente sempre se juntava para o Natal, a família inteira, mais de vinte pessoas, minha avó tinha essa brisa, não era bem uma brisa, mas ela gostava que a gente cantasse o Pai Nosso em jogral, todos os primos, na hora que ia pôr o menino Jesus ali no… eu esqueci o nome… presépio. E aí a gente tinha que cantar, cada primo tinha a sua parte e todo ano mudava, a gente tinha que saber a nossa hora de falar. Mas acho que o Natal sempre foi assim, a festa que a gente mais comemorou.
(07:54) P1 - A família sempre se reunia?
R - Páscoa, às vezes, mas menos. Também no dia dos Pais e das Mães, a gente também tentava, mas depois que os meus avós acabaram falecendo, cada núcleo familiar foi se separando e vivendo mais, tipo, com os seus próprios núcleos. Os meus primos casaram e tiveram filhos, aí fazem as coisas deles, o pessoal foi se separando um pouco.
(08:18) P1 - Entendi. Vocês tinham costume de ouvir música, assim, mesmo que seja rádio ou assistir TV juntos?
R - Não muito, porque tipo, a minha mãe trabalhava demais, ela trabalhava, sei lá, dez a doze horas por dia, ela era funcionária pública aqui na subprefeitura de Pinheiros. Mas eu lembro assim, muito da gente ouvindo Roberto Carlos, “Nas Curvas da Estrada de Santos”, quando a gente ia para a praia (risos) e a minha mãe gostava muito de Rod Stewart, então toda vez a gente colocava música dele para tocar quando tinha festa de família.
(08:49) P1 - Tinha uma coisa que você comentou comigo antes, sobre o inglês, que os seus pais… você pode contar?
R - Claro. Meus pais eles tinham… como eles se conheceram na Inglaterra, eles sempre tinham essas coisas de falar em inglês para as crianças não entenderem sobre os assuntos sérios, isso me deixava muito pistola, porque eu queria muito saber o que estava sendo falado, eu sempre, sei lá, eu sempre fui muito curiosa. E aí quando eles falaram pra mim: “Rê, você precisa escolher uma atividade extracurricular. O que você quer fazer?”. A maior parte das crianças vai falar, sei lá, quer ir para o futebol, que ir para o balé, eu falei: “Quero fazer inglês”. Eu tinha seis anos, eu falei: “Me bota no inglês”. Aí com treze anos eu já era fluente em inglês, depois com dezessete eu tirei meu diploma de proficiência. E foi uma coisa que foi muito importante para a minha carreira dentro da tecnologia também.
(09:38) P1 - E tem alguma comida que remete à sua infância?
R - Tem uma em específico que é, bolo de brigadeiro da Bel, que era a cozinheira de uma amiga minha do colégio. Inclusive morava todo mundo muito pertinho aqui, a gente ia a pé do Alfa para a casa dela, aí se eu sentia o cheiro eu perguntava: “Tem bolo?”. Aí se tinha, eu ia para casa dela, senão eu continuava três quadras até a minha casa (risos).
(10:02) P1 - Você só ia se tivesse bolo?
R - Não só, mas era um forte incentivo.
(10:07) P1 - Sim.
R - Nossa, gente. Aquele bolo era muito bom!
(10:10) P1 - Era de brigadeiro?
R - Calda de brigadeiro. Bolo de chocolate com calda de brigadeiro.
(10:14) P1 - Aí que delícia.
R - Era muito sucesso.
(10:17) P1 - E além de brincar, assim, na rua, gostava de fazer outras coisas quando criança?
R - Eu gostava muito de ler, assim, desde que eu aprendi a ler. Eu sempre li muito, tanto que, acho que na segunda e na terceira série, eu ganhei o prêmio de criança que mais lia do colégio, porque basicamente eu ia para o colégio e me enfiava na biblioteca, quando eu não estava em aula. Era isso que eu fazia, porque tinham muitos mais livros do que em casa.
(10:42) P1 - E o que você gostava de ler? Você lembra?
R - Eu sempre li muita, muita ficção científica, sempre li muita fantasia. Eu inclusive tenho Hogwarts tatuado no braço. Para mim Harry Potter foi um livro assim, por mais que a Rowling hoje faça coisas controversas, para mim é um pouco difícil desassociar a obra da autora, é um pouco mais fácil na realidade, desassociar a obra da autora, porque a obra teve um impacto muito significativo na minha vida, porque eu tinha a idade do Harry conforme ele foi crescendo. E eu mergulhava muito de cabeça, cheguei a ser presidente de fã clube quando eu tinha treze anos. Eu tenho todo cosplay, tipo, o meu pai morria de medo das pessoas que eu conhecia no Orkut, ele falava: “Renata, você vai conhecer essas pessoas na vida real mesmo? Você tem certeza? Não é perigoso gente da internet?”. Eu falava: “Pai, é um monte de nerd que nem eu! Está tudo bem!”. (risos)
(11:33) P1 - E aí você ia para tipo, eventos de fã clube? Essas coisas?
R - Ia, eu andava de metrô fantasiada já de Cosplay da Sonserina, no caso. Que eu achava que eu era da Sonserina, até entender que eu era mais nerd do que ambiciosa, aí eu aceitei que eu sou da Corvinal e não da Sonserina.
(11:52) P1 - Você falou da sua escola, né? Alfa?
R - É, eu fiz Alfa da… não sei exatamente os jardins, mas até antes da primeira série, na Escola Alfa, que é aqui do lado. E aí depois eu estudei no Colégio Santa Cruz, da primeira série ao terceiro ano do ensino médio.
(12:06) P1 - Como é que foi esse período escolar?
R - Tem coisas boas e coisas ruins, eu diria. Eu diria até um pouco de bullying aí, sendo português da vida, de menina macaco. Eu não tinha coragem de ficar de short, por exemplo, eu comecei a fazer depilação muito cedo também. Aí eu tive um grupo de amigos, que era o NAF, que era “Nerds Animals and Friends”, que a gente jogava Magic juntos. Foi quando eu me aproximei de jogo de tabuleiro também, tipo Carcassonne, que hoje em dia é o jogo que eu mais gosto, conheci com esse pessoal. Então foi bom achar um grupo de pessoas iguais a mim, assim, que não pertencia a nenhum dos grupinhos do colégio.
(12:47) P1 - E esse povo você conheceu no Orkut?
R - Não, essa galera era do colégio mesmo. Assim, são as pessoas nerds excluídas do colégio que se juntaram, inclusive eu sou amiga deles até hoje. A gente mora todo mundo a cinco, sete quadras de distância, então faz agora quase… a gente se formou em 2009, então vai fazer quinze anos e a gente ainda se encontra direto.
(13:06) P1 - Ah, legal. E desde essa época você já tinha o sonho de ser alguma coisa quando crescesse?
R - Eu queria ser cientista, depois, por um tempo, eu pensei em ser advogada. Eu já cheguei a pensar em ser psicóloga, porque eu gostava de ouvir o que os outros falavam, mas eu falei: “Gente, eu não sei se eu dou bons conselhos. Melhor não!”. Aí eu fui mudando.
(13:25) P1 - Tem algum professor que te marcou na época da escola?
R - Tem uma história que eu lembro, mas não é bem um professor que foi muito significativo para mim, que era uma professora que fumava no colégio. Isso é uma coisa que hoje em dia é surreal, né? Mas ela ia na porta da sala para fumar. Eu estava na segunda série, a Nádia, nunca vou esquecer dela fumando o cigarrinho dela ali na porta.
(13:49) P1 - Nessa época podia fumar assim?
R - Década de noventa, os anos noventa eram sem limites.
(14:01) P1 - E alguma matéria? Você tinha alguma matéria favorita?
R - É muito engraçado, que assim, eu não era boa de história e geografia no ensino fundamental e eu era tipo, ok de matemática. E aí no ensino médio inverteu, aí eu passei a ir muito mal em matérias de exatas e bem em matérias de humanas (risos). E hoje em dia eu vejo que eu não sou nem de exatas, nem de humanas, eu sou um pouco de cada.
(14:30) P1 - Entendi.
R - Mas eu sempre fui uma aluna mais mediana, eu acho, porque eu ficava lendo na aula, ao invés de prestar atenção. Não façam isso, crianças.
(14:37) P1 - E na adolescência, assim, você ainda gostava de jogar esses jogos de RPG?
R - RPG não muito, mas eu jogava muito Magic, Magic The Gathering, joguei muito tempo. Jogava Pokémon também. Na Devir, não sei se vocês já ouviram falar, muito tempo. Aí também jogava jogo de tabuleiro, eu tinha o Nintendo 64 em casa e um PlayStation, jogava Crash Bandicoot, ou The Legend of Zelda: Majora's Mask ou Ocarina Of Time, foram assim, os primeiros jogos que eu lembro de ter completado. Aí depois Gamecube, eu morri no Game Cube, no Resident Evil 4, eu desisti desse jogo, impossível.
(15:16) P1 - Você costumava sair também?
R - Eu jogava basquete, então eu saía para encontrar o povo do basquete. Mas você está pensando em adolescência? Ou em que período da vida mais ou menos?
(15:26) P1 - Ah, por aí mesmo.
R - Eu ia no cinema, muito, ia no parque às vezes andar de bicicleta, mas tipo, não, eu acho que as minhas atividades foram mais nerds, dentro de casa mesmo.
(15:40) P1 - E o basquete como é que você começou?
R - Acho que sempre foi uma questão da altura, as pessoas assumiram que eu era boa, porque nessa cadeira não dá para saber, eu tenho 1,80. Aí eu joguei muito no colégio, joguei acho que lá dos meus treze, até por volta dos vinte. Só que aí na faculdade, os horários de treino eram muito tristes para tipo, fazer faculdade, estagiar e jogar, aí eu falei: “Basquete, desculpe!”. Aí eu parei.
(16:09) P1 - Aí você terminou a escola e o que você resolveu fazer?
R - Por um tempo eu pensava que eu ia… assim, o que acontece, o meu irmão que eu estava falando mais cedo, ele é muito inteligente, eu diria que ele é até superdotado, apesar de eu não saber qual é o QI dele. O que acontecia? Ele era o nerd que corrigia o professor, então os professores não gostavam de mim, porque a gente tinha o mesmo sobrenome, então achavam que eu ia ser o pé no saco tão grande quanto ele era Desculpa, Neto, se você assistir isso, mas você não era um aluno muito legal de lidar. E aí eu já estava pensando em fazer administração, na realidade, quando eu me formei, mas aí o meu irmão estava na FEA - USP, aí eu falei: “Eu não quero continuar sendo comparada a ele”. Aí eu resolvi prestar ADM em outros lugares, eu já estava prestando na GV e no Insper, mas aí eu não passei. Aí eu passei depois, no meu segundo ano, se eu não me engano, de cursinho. Aí eu entrei no Insper em 2011, se eu não me engano. Aí eu fiz um ano e meio lá de administração e acabei saindo, um, porque todo mundo que estava naquela faculdade queria ir para o mercado financeiro. Eu olhava para isso e falava: “Jesus, parece o inferno. Eu gosto de usar tênis e moletom, não vai dar certo!’. Dois, um pouco do que eu estava te contando, eu acho que as pessoas ali tinham uma mentalidade muito fechada e eu comecei a sofrer homofobia na faculdade, começou a ficar muito desconfortável para eu viver lá, então eu acabei desistindo e saí. Aí no final do ano eu fui fazer Publicidade e Propaganda, só que como já tinha aí uma diferença de idade de três anos entre mim e as pessoas que estavam começando, eu já estava em uma mentalidade de: “Quero trabalhar, ganhar o meu dinheiro”. E o pessoal ali com dezessete, eu já estava com… dezessete não, dezoito e eu com 21. Então para mim era uma coisa, de: “Gente, tá. Vocês vão no bar jogar truco e eu vou trabalhar. Vocês vão pegar DP e essa faculdade é cara, eu não quero que os meus pais tenham que pagar se eu pegar DP. Então tchau!’.
(18:05) P1 - E essa época da faculdade tem algum professor que te marcou?
R - Tem alguns. Acho que a professora da faculdade que mais me marcou foi a que eu fiz o meu TCC, Gisele Jordão, por dois motivos na realidade, um deles é porque ela era lésbica assumida e eu achava isso fantástico! Tipo, ela morava super perto dali e aparecia às vezes com a esposa dela e os cachorrinhos, e eu, tipo, life goals, eu quero isso. E dois, também porque ela era professora de mais uma parte cultural e social. E eu estudei publicidade muito mais pensando em entender ela como um motriz do capitalismo, uma força motriz, nessa questão de como a gente cria desejo nas pessoas, para fazê-las querer comprar coisas e não porque eu queria vender coisas. Mas eu queria entender o comportamento humano e esses gatilhos, e de que forma a propaganda no final das contas manipula as pessoas, por mais que seja uma palavra feia, mas é uma manipulação, de que forma são criados esses desejos e essas vontades dentro das pessoas. Então eu gostava muito de estudar ela, porque a gente fala sobre cultura e movimentos culturais, meu TCC foi em ato de educação, aí eu fiz com ela. Aí a gente estudou, tipo, a minha parte do TCC foi ver a análise de dados de investimentos, de leis de investimentos à cultura no Brasil, e eu fiquei triste, porque eu descobri o quanto que a Votorantim investe na Votorantim, o Itaú investe no Itaú, mas 40% de todo o dinheiro investido em cultura no Brasil, vem para a cidade de São Paulo.
(19:44) P1 - É mesmo?
R - Pelo menos em 2016 que eu me formei, eu olhei os dados de 2016 para trás. Talvez tenha mudado um pouco isso, mas eu fiquei assim, bem chocada de ver a proporcionalidade. Eu sei que a gente tem mais gente em São Paulo, mas, ao mesmo tempo, eu sei que a gente tem mais acesso à cultura aqui, então esse dinheiro deveria ser investido, na minha opinião, em lugares com menos acesso à cultura, invés de reinvestir tudo no mesmo lugar.
(20:08) P1 - Voltando um pouco, você falou da sua professora, né? Que era lésbica, assumida. Quando é que você começou a se entender como lésbica?
R - Na realidade, eu demorei muito tempo. Eu achava que eu era assexual, porque eu não gostava muito de ninguém, eu estava muito, tipo, tá. Aí eu menti para os meus amigos, que eu tinha beijado uma menina… um cara, quando eu tinha treze anos, para eles pararem de encher o meu saco, porque todas as minhas amigas já tinham perdido o bv, boca virgem para quem não conhece a sigla. E aí eu tinha mentido para as pessoas, para a galera sair do meu… para de me encher. Mas aí eu fui fazer intercâmbio, aí eu fiz uma amiga lá que era lésbica, ela estava me contando como era a vida dela, com a namorada dela, tipo, nada nunca acontecia, mas eu voltei para lá com uma pulga na cabeça, pensando sobre: “Será que talvez eu goste de mulheres?”. Isso foi no meu terceiro colegial. Aí eu fiquei com uma menina e eu ‘ouvi’ sininhos, aí eu falei: “Nossa, é muito melhor beijar mulheres do que beijar homens”. E eu falei: “Talvez, isso esteja… “. Eu ainda insisti um pouco, teve uns dois ou três anos na minha vida que eu achei que talvez eu fosse bi, mas aí eu falei: “Não!’.
(21:10) P1 - E sua família foi ok com isso?
R - Não, nem um pouco. Minha mãe disse que o Canadá foi o maior erro que ela já cometeu na vida dela, porque ela acha que o país me converteu, por mais que eu já tenha falado pra ela múltiplas vezes que não é isso, no máximo que teria acontecido é que eu teria descoberto mais tarde. Mas ela se arrepende profundamente de ter deixado eu fazer intercâmbio. Mas hoje em dia eles são super de boa, já conheceram namoradas minhas, me apoiam, querem que eu seja feliz. Mas nos primeiros anos, assim, eu entrei em uma grande depressão, porque eu passei seis meses de castigo, que eu ia de casa para o colégio, do colégio para o cursinho, do cursinho para casa, trocaram o número do meu celular cinco vezes, para eu não conseguir manter contato com as pessoas, leram o histórico do meu MSN inteiro, chegaram a falar de me mudar de colégio para eu não manter contato com uma menina que eu era apaixonada, foi bem difícil assim, no começo.
(22:06) P1 - E essa época do intercâmbio foi no colegial?
R - Foi. Foi em 2008, no meu segundo ano.
(22:13) P1 - Aí você foi para o Canadá e como é que foi lá, esse intercâmbio?
R - Eu fui mais nerd no intercâmbio do que as pessoas conseguem ser em qualquer outro lugar, eu acho. Por que, o que eu fiz? Assisti filme, porque a internet era excelente, então eu nunca assisti tanto filme na minha vida. Porque aqui a gente estava com a internet discada, lá eles já estavam na fibra, baixavam filme em um instante. E os meus pais ficaram putos comigo, eu voltei com uma mala de livros, as pessoas voltam com malas de roupas. Para mim era tipo: “Meu Deus, um livro por sete dólares!”. E o dólar não era a comparação que a gente está agora, então eu comprei livro pra caralho! E eu comprei livro, eu fiquei lendo metade do meu intercâmbio. O meu intercâmbio foi basicamente a primeira vez na minha vida que eu pude não me preocupar com a minha família, questões familiares e tipo, eu falei: “Ok, vou consumir entretenimento que eu gosto sem ninguém encher o meu saco”. Eu fiz alguns amigos até, lá, mas tem uma ou outra pessoa que eu ainda falo pela internet, mas não são muitas pessoas.
(23:07) P1 - Você falou que na sua segunda faculdade você começou a trabalhar, qual foi o seu primeiro emprego?
R - Na editora Abril.
(23:18) P1 - Ah, é? Você fazia o quê?
R - Eu fui contratada para trabalhar na Casa Claudia Arquitetura e Construção. E aí em duas semanas, para a minha infelicidade, me mudaram de núcleo e me botaram no núcleo feminino. Precisa ver minha cara. E aí eu estava trabalhando na Nova, que hoje em dia é Cosmopolitan, na Claudia, na Boa Forma, na Saúde e na Women’s Health, e eu tinha que escrever conteúdo publicitário na linguagem dessas revistas, tipo, vendendo sabão, vendendo shampoo. Cinco meses depois eu já tinha pedido as contas, porque eu não aguentava mais, porque não era o meu perfil, assim. Eu lembro até de uma vez que eu tive uma discussão feia com uma menina na Abril, porque era época de copa e eu sempre fiz álbum de figurinha da copa, eu tenho todos eles completos, e aí ela virou para mim e disse: “Nossa, mas porque você gasta seu dinheiro com figurinhas e não gasta seu dinheiro com maquiagem e não sei o que que alguém gosta mais?”. Eu falei: “É o meu dinheiro, eu gasto com o que eu quiser e dá licença que figurinha é muito divertido!”. Eu falei: “Gente, que sexismo. Mulher pode colecionar figurinha, homem pode colecionar. Figurinha é figurinha!”. Aí eu saí de lá, eu falei: “Gente, não, não”.
(24:22) P1 - E essa questão do feminismo? Tipo, quando é que você começou a se questionar sobre essas coisas?
R - Eu brinco que eu acho que eu sou uma criança feminista desde sempre, porque o meu pai sempre foi… por maios que ele não quisesse, ele sempre foi muito machista, porque eu sou a segunda filha, ele só tem irmãs mulheres, o meu pai tem, ele e as minhas três tias, e eu sou mais nova que o meu irmão. E ele sempre quis me proteger muito e sempre teve muito receio de eu me machucar, de coisas acontecerem comigo, então ele sempre foi muito restritivo comigo. Nisso desde sempre ele me fez ficar tipo: “Não, não. Isso é errado, isso é errado, eu posso usar o que eu quero, eu posso sentar como eu quero, eu posso falar o que eu quero”. E eu ficava brigando, batendo de frente muito com ele. O meu pai conta uma história que eu não lembro quando aconteceu, mas eu acho engraçado que ele fala que foi quando ele viu que eu era inteligente, porque ele virou e ele falou que conhecia a minha mãe há mais tempo que eu, aí eu virei para ele e falei: “Não, eu a conheço desde muito antes. Os óvulos nascem com as mulheres, então na realidade parte de mim está com ela desde que ela veio ao mundo, você foi conhecer ela depois, mesmo tendo conhecido ela criança”. Aí ele ficou quieto (risos). Aí assim, desde muito pequena eu sempre quis lutar por mais espaço para as mulheres, porque eu, sei lá, eu sempre tive o meu pai e minha mãe em casa, minha mãe sempre trabalhou bem mais que o meu pai, mas ela em algumas coisas acabava se subjugando as vontades do meu pai e isso sempre me pareceu muito errado. Então para mim isso não era concebível, assim.
(25:45) P1 - E aí no trabalho, depois que você saiu da Abril, você fez o quê?
R - Eu fui para uma agência, aí eu fiquei nessa agência um ano mais ou menos também. E dentro dessa agência eu passei por algumas áreas diferentes, eu fui atendimento, eu fui mídia, fui planejamento, fui coordenadora de tráfego, mas também eu estava… eu vendi… nessa agência não era moto não… secador, tinha plano de saúde da Unimed, mas eram várias coisas também que eu ficava pensando: “Eu quero vender esse tipo de produto? Eu estou feliz colocando mais disso para o mundo?”. Aí eu acabei saindo também. Aí depois eu fui para uma aceleradora de startup e aprendi muita coisa lá, eu comecei a trabalhar com marketing digital na realidade, mas eu também não gostava do produto, porque a gente vendia um software que se chamava Gowon, que era um software de monitoramento de equipes externas, que era basicamente, sei lá, para um cara da Vivo ter um aplicativo no celular dele, que ele vai preencher a ordem de serviço, falar que horas ele chegou, o que ele fez de alteração e tal. Só que tinham coisas nesse aplicativo que me incomodavam, por exemplo, tinha uma cerca elétrica que você marcava no mapa, de onde a pessoa podia ir, então se o funcionário saía, o chefe era notificado, se a pessoa mudava o horário no celular para tentar bater o ponto mais cedo, o software pegava. Então, tipo, tinham várias coisas de monitoramento que eu nunca concordei, porque, para mim, eu sempre acredito que você dá confiança para a pessoa e você passa a desconfiar a partir do momento em que ela é quebrada. E, para mim, o próprio conceito de você estar monitorando a pessoa em tempo integral, é você não estar confiando naquela pessoa. Aí essa minha coisa com ética me pôs em umas coisas muito difíceis na minha carreira, de eu acabar ficando desconfortável com as coisas e saindo. Aí eu acabei saindo dessa startup, por causa disso também, porque eu não estava confortável com o produto em si.
(27:41) P1 - Essa questão ética e moral é importante para você?
R - Muito! Eu não consigo lidar com injustiças, injustiças me deixam revoltada, então eu fico bem frustrada.
(27:56) P1 - E quando você saiu da agência? Você já…
R - Aí eu fui tentar fazer a minha primeira startup, que eu achei que eu já sabia de tudo, ledo engano, eu não sabia de nada. E não escolhi um bom sócio, meu sócio virou para mim e falou: “Quanto mais você me cobrar, menos eu vou fazer” (risos). E aí eu falei: “Ok”. Porque a gente queria fazer uma plataforma de gestão de profissionais criativos, então para não ter job arrombado, que a gente chama, né. Porque a gente não queria que… hoje em dia é meio ridículo, a gente vê, sei lá: “Faça cinquenta posts por mil reais”. E a gente fica tipo: “Gente, vocês estão loucos! Não é assim que as coisas funcionam”. E aí a gente queria ter essa plataforma para fazer uma curadoria, tanto dos jobs que entravam, quanto dos profissionais, para tipo, ter serviço de qualidade e ser como uma agência digital, só que gerenciada pela plataforma, que era o (Five Hundred?!). Mas aí eu falei: “Não, não vai dar certo”. Aí eu voltei para a agência, outra agência, né? (risos)
(28:58) P1 - E como é que foi dessa vez?
R - Aí eu resolvi que eu queria começar a aprender a programar. Aí eu comecei a estudar Html e CSS por conta própria, mas eu só fiz isso, tipo, de curiosa mesmo, assim: “Ah, deixa eu ver como é que funciona isso aqui”. E aí na agência, quando eu passei a ser atendimento, eu comecei a ver quanto a gente cobrava dos clientes e eu também comecei a fazer o pagamento das pessoas. Aí eu comecei a ficar muito brava, porque eu via a diferença em o quanto a gente ganhava e no quanto a gente pagava, e eu falava: “Mas isso não faz sentido! Porque só uma pessoa está ganhando tanto dinheiro?”. No caso, o dono da agência (risos). E aí eu ficava meio revoltada com isso também. Aí eu ainda estava lá quando surgiu a oportunidade para eu vir para a tecnologia, que foi no final de 2017, eu acho. Uma amiga minha me procurou para falar que tinha uma vaga na empresa que ela estava trabalhando, que era a Tapps Games, que era uma vaga para designer de economia e sistema de jogo. Porque meio que não existiam pessoas formadas nisso no Brasil e eles estavam buscando pessoas que gostavam de jogos, que tinham algum entendimento de planilhas. Tipo, e eu sempre fui meio que a produtora de todos os eventos e coisas dos meus amigos desde muito pequena. E aí ela falou: “Re, eu acho que você pode gostar”. Aí eu lembro que eu fui ali no Butantan Food Park, com a pessoa que ia ser a minha chefe, para fazer um mini teste, para ver se fazia algum sentido. Aí ela me falou alguns parâmetros de um jogo, me perguntou como eu achava que eles se conectavam e a matemática entre eles. Eu fiz em um guardanapo, com uma caneta, aí ela falou: “Ah, você entende disso. Beleza”. Ela falou assim: “Se inscreve no processo”. Aí o processo teve 25 pessoas, eram três vagas, eu fui a primeira a ser entrevistada e eu ainda assim entrei. Só que aí a gente entra na parte das injustiças, porque todas essas pessoas vinham fora de área de jogos, só que como eu estava vindo de agência, eu pedi um salário muito mais baixo do que eu podia ter pedido, e os caras que entraram junto comigo, pediram salários muitos mais altos, porque um deles veio do Itaú e o outro veio do Accenture. Aí quando eu descobri o salário deles, eu fiquei muito brava e aí eu comecei a reclamar na empresa, porque na empresa eu fundei o comitê de inclusão e diversidade, a gente fez uma cartilha ensinando várias coisas, a gente fez treinamento de diversidade com todas as pessoas da empresa, eram quase duzentas, e a gente realmente, com o comitê, falou com todo mundo. Só que aí eu comecei a notar que existiam discrepâncias salariais, eu comecei a notar que existiam algumas pessoas que eram talvez um pouco machistas, que demitiam muito mais mulheres e não contratavam. Inclusive, eu acabei provando isso estatisticamente ao longo dos meus dois anos de empresa, porque eu tinha uma planilha de controle de todo mundo que entrava e saía, e quem eram os chefes e quanto tempo as pessoas tinham ficado. Talvez eu tenha sido demitida por causa disso? Talvez, mas essa planilha eles nunca nem viram, talvez se algum dia alguém ver esse vídeo, descubram, mas. Eu ficava muito: “Eu tenho certeza que essa pessoa é machista”. E eu ficava olhando os dados e falava: “Tá vendo!”. Como eu era a pessoa do comitê, as pessoas vinham até mim, para contar as coisas que aconteciam, eu lembro muito claramente de um dia que eu voltei de férias e uma menina veio sentar comigo chorando, me contar que ela estava sendo assediada. E aí eu escalei isso, tipo, peguei a diretora de RH e sentei para conversar, eu, ela e a menina, e aí basicamente o cara saiu de férias e a menina saiu da empresa, não porque ela foi demitida nem nada do gênero, mas ela não conseguia mais trabalhar com eles, a empresa não queria desligar ele, porque ele era uma pessoa importante. A princípio mudaram ela de time, só que isso realmente não resolve a coisa, sabe? Ela ainda cruzava com ele nos corredores o tempo inteiro. É uma coisa que me deixava assim, muito brava! Aí, tanto que eu fui chamada pela diretora de RH e pelo meu chefe para ter uma conversinha na qual eu tenho certeza que eu fui ameaçada, apesar do meu chefe falar: “Não, não foi uma ameaça”. Que ela virou pra mim e falou: “Não, nós não estaríamos tendo essa conversa se você não fosse quem você é”. Que aí eu vou dar um backtracking na história, eu faço trabalho voluntário há muito tempo, eu comecei a fazer trabalho voluntário, na realidade com onze anos, que eu ensinava tecnologia para pessoas mais velhas. Então ensinava idosos a mexer no computador mesmo, a usar Word, navegar na internet e pesquisar o google, aí depois eu fui ensinar inglês para mulheres no Paraisópolis. Eu fiz isso durante três anos em um projeto que se chama Voice Inglês Para Elas, aí eu ia todo domingo lá dar aula. É muito legal que, inclusive tem uma menina que entrou em jogos depois dela se formar em inglês com a gente, ela ficou lá, acho que foi dois anos e meio, porque a gente oferece cinco semestres de níveis diferentes de inglês para o pessoal. E aí depois disso, quando eu já tinha acabado de entrar em jogos, na realidade eu participei de uma game jam, é como se fosse um hackathon, é um evento para as pessoas criarem jogos durante um curto período de tempo, que normalmente é no final de semana, de sexta a domingo à noite. Eu participei desse evento que se chamava Women Game Jam, que era uma game jam só para mulheres, que estava sendo organizada por uma menina que se chama Nayara Brito, inclusive eu a recrutei, ela trabalha comigo hoje em dia. E aí eu criei um joguinho que se chamava Coming Out Simulator, que era tipo um simulador de saída do armário, porque o tema, esses eventos eles têm temas, e o tema era lose to win, perder para ganhar. Então o meu jogo era sobre você perder os seus medos e os seus preconceitos, para você conseguir ganhar e assumir a sua identidade. Eu fritei, fiquei assim, três dias sem dormir, trabalhando compulsivamente. É o jogo que eu tenho mais orgulho de ter feito, apesar de já ser um jogo de cinco anos atrás. A gente até traduziu ele, ele está em espanhol, inglês e português. E ela me viu trabalhando naquele evento, tipo ela falou: “Meu, eu quero que você venha organizar com a gente. Aí eu falei: “Tudo bem, mas eu acho que isso é maior que o Brasil”. E aí ela falou: “Tá, mas se você quiser internacionalizar o problema é seu”. Eu falei: “Tá bom”. E aí eu comecei a ir atrás de pessoas, atrás de conversar com mais mulheres e conhecer gente, aí eu ganhei… organizei a primeira edição, eu ganhei uma bolsa da Microsoft para ir para os Estados Unidos, para a GDC, que é Game Developers Conference, eu fui em 2019. E aí lá eu achei mulheres de vários outros países que tinham interesse em fazer o evento, porque esse evento se chamava Microsoft Woman Game - Game changers, que eram tipo, mulheres que estavam tentando mudar o cenário da indústria. Aí eu conheci gente da Argentina lá, conheci gente do Peru e aí quando a gente foi organizar o evento nesse ano, o evento já cresceu para tipo, 250 mulheres em cinco países. Aí eu continuei organizando o evento por mais três anos, eu saí agora, vai fazer um ano e meio. Esse ano tem a edição de cinco anos, eu inclusive fui chamada para gravar o keynote e ser uma das palestrantes. E o evento, quando eu saí, já tinha participantes em 43 países e mais de 1500 mulheres. E uma coisa que eu acho muito legal é que ao longo aí desses quatro anos anteriores, por conta na realidade dessa minha participação no evento, eu fui chamada também pelo Facebook, foi quando o Facebook estava com um programa que era Women Game também, que eles entrevistaram algumas mulheres do Brasil, eu fui uma das primeiras cinco mulheres a serem entrevistadas. Então eu acabei meio que virando uma pessoa importante no cenário de jogos brasileiros e por isso que a diretora do RH virou para mim e falou: “Se você não fosse quem é, nós não estaríamos tendo essa conversa”. Só que aí, corta a cena, um tempo depois eu também tive uma… isso é uma coisa muito curiosa, essa questão que eu falei, que eu não gosto de injustiça, no dia que eu fui demitida, eu briguei com o meu chefe em uma reunião, no nível de levantar da mesa para berrar com ele, porque uma colega minha tinha passado um feedback para o chefe dela, o chefe dela passou para o meu, e ele deveria descer para a equipe de games designer, só que o que ele fez? Pegou, falou que ela estava errada, falou o nome dela, falou que não fazia o menor sentido o que ela estava falando e que a gente estava certo e tinha que continuar fazendo tudo igual. Eu peguei e falei: “Olha, você não vai continuar fazendo isso e falando mal de alguém que não está nem aqui para se defender, porque isso é um absurdo”. Porque era basicamente eu, um monte de homem na sala e ele falando mal da minha amiga, e eu fiquei muito brava! Eu fui demitida neste mesmo dia (risos). Mas é porque a empresa teve uma cisão e aí basicamente o que aconteceu foi os sócios escolheram quem eles queriam que ficassem e tinham as pessoas que ninguém queria, eu era uma das pessoas que ninguém queria. Aí depois eu descobri que o RH me chamava de laranja podre, porque eu contaminava a mentalidade dos outros contra a empresa.
(37:54) P1 - Você era o Canadá da empresa.
R - Eu era o Canadá da empresa, sim. Mas eu fiz grandes amigos lá, tem várias pessoas que eu falo até hoje.
(38:04) P1 - E porque você começou a se voluntariar tão cedo?
R - Porque assim, eu acho que o colégio que eu fiz sempre teve isso, sempre deu essa oportunidade. O Santa eu acho que sim, é um colégio de elite, eu sei que é um colégio caro pra caramba e que é uma bolha, mas ao mesmo tempo é um colégio que eu sinto que tenta criar a gente para sermos seres humanos da sociedade e pensadores críticos. Então o colégio dá essas oportunidades para a gente fazer trabalhos voluntários, desde da quinta série. Então esse trabalho que eu fazia de ensinar idosos, foi pelo colégio. O inglês, eu conheci a menina que começou esse curso de inglês em uma viagem no chile, a menina uma brasileira, de São Paulo, que tinha namorado um menino que eu conhecia do meu colégio, assim, bizarro. E a gente virou amigas na viagem, aí ela me chamou para participar com ela. Mas eu sempre tive noção dos privilégios que eu tive e eu sempre quis devolver para a sociedade alguma coisa, porque um, eu sofri pra caralho em vários aspectos da minha vida, mas em outro ponto também, eu sempre quis, sempre tive assim, esse objetivo de tornar o mundo um lugar melhor que o mundo que eu vivi. Então sempre foi uma coisa pra mim de tipo, devolver, eu não faço esperando nada em troca ou querendo ter mais aparência mediática, ou ser chamada para entrevistas, só realmente uma coisa que eu acredito em fazer e eu não me importo de investir energia nisso, porque é isso, sabe? A Woman Game Jam, por exemplo, aumentou em 15% o número de mulheres na indústria ao longo dos quatro anos que aconteceram, até agora. Então tipo, a gente está conquistando um pouco de espaço, aos poucos, sabe? Mas eu realmente tenho esperança, porque eu acho que eu realmente não acredito que uma pessoa consegue mudar o mundo, mas eu acredito que uma pessoa consegue inspirar outras pessoas a mudarem o mundo, porque eu tenho inclusive algumas pessoas, colegas que trabalham comigo hoje que falaram: “Meu, só vim para essa empresa porque você estava aí, porque eu acompanho a sua carreira faz tempo, eu te admiro e eu queria trabalhar com você”. Eu assim, a minha autoestima não acredita muito nisso (risos), porque é a síndrome do impostor, mas eu entendo que eu me coloco às vezes em situações que não são comuns para mulheres estarem, quanto mais mulheres lésbicas, porque o mercado da tecnologia é um mercado que ele é bem fechado, e o mercado de jogos é mais fechado ainda, se a gente for parar para pensar na quantidade de homem hétero, cis, branco que tem, assim.
(40:23) P1 - Eu ia até te perguntar, tem bastante pessoas Queer, Lgbtqiapn+?
R - Queer, sim. Mas, por exemplo, se a gente for olhar para pessoas negras, por exemplo, menos de 5%, é muito pouca gente, muito pouca gente. Mulher também, a indústria tem uma média de uns 30%, só que você vai olhar é todo mundo do corpo administrativo e no RH, sabe? Não é realmente no desenvolvimento. Então isso é uma coisa que a gente vem tentando mudar, até a empresa que eu trabalho hoje, a gente tem números bem diferentes também, a gente é quase 50% de mulheres, mais da metade da empresa se identifica como Lgbtqia+, a gente tem 25% de pessoas trans, tem mais de 10% de negros, tipo, porque a Rogue, ela realmente, assim, eu propositalmente veto homens heteros, cis, brancos.
(41:13) P1 - E essa ideia do comitê, por que surgiu?
R - Do comitê de diversidade?
(41:18) P1 - É.
R - Porque desde que eu entrei na empresa, eu falei: “Meu, eu acho que tem homem demais nesse lugar” (risos). Assim, não é que eu sou misândrica, é só porque quando a gente olha para a sociedade, a gente está aí meio a meio no mundo, precisa dos dois para funcionar, e quando eu olhava para indústria eu via que não era uma representatividade real no desenvolvimento, quanto no jogo. Eu trabalhava em uma empresa de jogos mobile e hoje em dia mulheres são mais de 55% das jogadoras mobile, e por que tinha menos de 20% de mulheres fazendo jogos? Para mim isso não fazia sentido, e tipo, diminuía as chances das pessoas terem representatividade real naquilo. Então eu falei: “Quero fundar isso aqui, quero ensinar para as pessoas as coisas, ensinar o que é etarismo, racismo, sexismo, machismo, até preconceito estético”. Existem várias formas que a gente não para pra pensar que são preconceitos, mas a gente carrega dentro da gente infinitos vieses, porque eu estava falando isso, tipo culpa, é um conceito cristão, culpa é um viés que a gente carrega também.
(42:33) P1 - Você foi demitida, né?
R - Eu fui na cisão da empresa. Nossa, eu nunca chorei tanto na minha vida, porque eu realmente acreditava que a minha competência me brindava de eu ser escolhida em um corte, porque querendo ou não, o jogo que eu trabalhava era o que dava mais resultados financeiros, tipo, as coisas, as alterações que eu fiz no jogo foram as que tiveram maiores impactos em métricas, em dinheiro real para a empresa. Aí depois eu descobri que o dinheiro às vezes não vale tanto quanto a gente acha que ele vale. Aí eu até pensei em sair de jogos na realidade, porque alguém se deu ao trabalho de me queimar na Alemanha, eu estava em um processo seletivo na Alemanha, na quarta etapa, quando vieram para mim e perguntaram: “É verdade que você está falando mal publicamente da empresa?”. Aí eu falei: “Não, nunca! Eu já falei na mesa do bar, mas publicamente não. Inclusive sempre agradeço muito pela oportunidade de ter entrado nessa indústria, por terem me dado essa chance, mesmo eu sendo de outra área e por ter aprendido e tido toda chance que eu tive aqui. Publicamente eu nunca falei mal”. Nunca mais eu recebi uma notícia dessa empresa, alguém foi assim, até a Alemanha para me queimar. Porque essa é uma outra coisa da indústria de jogos, que ela é meio pequena, ainda mais fora do Brasil, assim, não são seis graus de conexão para você conhecer os game devs brasileiros, são tipo dois, se você não conhece diretamente, você conhece alguém que conhece. Então aconteceu isso e eu falei: “Meu, acho que… “. Aí eu fui trabalhar no Zé Delivery, aí eu fiquei seis meses trabalhando lá, aí minha ética me pegou de novo, porque eu tinha que fazer um projeto de gamificação, para fazer um programa de loyalty, de lealdade, para as pessoas voltarem e comprarem cada vez mais, só que aí eu falava: “Meu Deus, a gente já está em uma pandemia, as pessoas já estão bebendo mais, eu estou criando um programa para incentivar elas a beberam mais, estou criando alcoólatras. Eu quero criar alcoólatras? Não sei”. E assim, o Zé é incrível, tá? Nunca tive um salário tão bom, nunca tive tantos benefícios, tipo, qualidade de vida, o equilíbrio de trabalho, a qualidade de vida era excelente, todo mundo que eu trabalhei era incrível! Eu não saí por conta de ninguém da empresa, só realmente: “Quero voltar a trabalhar com jogos”. E aí essa minha amiga, Ely, que ela tinha feito uma Game Jam que eu participei no Sesc, me falou: “Ah, estou com uma vaga para produção aberta aqui no jogo, você não quer vir ser entrevistada? Ver se você gosta?”. Aí eu fui, fiz uma entrevista, aí eu acabei entrando na Rogue, Rogue Snail, que é onde eu estou agora, em novembro de 2020, que foi o primeiro ano de pandemia, acho que foi em 2020, né? Isso. Então novembro de 2020. Aí eu estou lá desde então.
(45:13) P1 - E aquele último lá que você foi demitida, você falou que você é competente, então porque você foi demitida? Você sabe? Assim, você sente alguma coisa?
R - Ah, com certeza porque eu causava demais, porque eu não ficava quieta e eu reclamava de… não que eu reclamava, mas… não, eu acho que a gente pode falar que é uma reclamação, mas eu falava para o RH: “Então, isso aqui está errado, existe divergência salarial”. Inclusive uma das ações do comitê foi rodar um senso, só que o senso a gente do comitê não teve acesso às respostas, só o RH teve. E aí provou-se, muito provavelmente, tudo que eu estava falando foi provado numericamente, porque a gente perguntava desde perguntas básicas, tipo do Ibge, até para entender, por exemplo, mulheres que, sei lá, são donas de casa também, ou que tem filhos, ou quanto tempo elas gastam no transporte, qual é o salário delas, qual é a área, para calcular várias proporcionalidades. Mas eu, não é que eu acho que eu reclamava, mas eu trazia à tona muitas questões que eram sensíveis. Acho que era principalmente sobre isso.
(46:22) P1 - E esse lugar atual que você… como é que é? Rogue?
R - Rogue Snail.
(46:26) P1 - Rogue Snail. Como é que é lá?
R - É uma empresa 100% remota. A gente, quando o Venturelli que é o dono, fundou ela em 2014, ele já fundou remota, porque ele acredita muito que diversidade geográfica traz diversidade de pessoas. A gente acredita que você não precisa estar em um grande centro comercial para poder trabalhar com tecnologia, se você quiser você pode ver em Pindamonhangaba ou você pode estar em uma prainha pequena ali, em Bombinhas em Santa Catarina e você pode ficar assim, você só precisa de uma boa conexão com a internet e o lugar que você está não diz nada sobre a sua competência. Então foi fundada assim desde o começo. A gente tem alguns preceitos que estão um pouco atípicos no capitalismo, por exemplo, eu sou o segundo cargo em liderança na empresa, meu salário não está nem entre os top dez, porque a gente remunera as pessoas de acordo com a necessidade, então pessoas que têm filhos recebem mais, pessoas que tem que pagar o plano de saúde de alguém, por exemplo, da família, recebem mais, ou que pagam uma faculdade de um irmão, porque os pais já faleceram, também, ou pessoas trans, a gente dá dinheiro para fazer tratamento hormonal ou para poder comprar binder, comprar packer, então a gente adapta o salário à necessidade das pessoas. Só que isso acaba trazendo algumas complicações, porque a gente não tem um crescimento de carreira meritocrático, e esse é um viés também muito difícil de quebrar, porque às vezes as pessoas que estão lá com a gente há quatro anos, sentem que elas estão estagnadas, porque elas não tiveram promoções de cargos ou de salário. A gente sempre aumenta o salário, porque por exemplo, o piso da empresa é 8.500 reais hoje, uma pessoa que é um assistente entra ganhando 8.500 reais. Só que é isso, é uma coisa que é complicada das pessoas entenderem, porque hoje em dia a maior parte dos lugares que você for entrar como júnior, você não vai entrar ganhando esse salário, esse salário é bem fora da realidade. Só que aí é muito difícil condicionar o pensamento das pessoas a entender que é uma outra ótica de relação de trabalho e dinheiro. Porque é isso, tem gente que ganha mais e tem gente que ganha menos e não é necessariamente por responsabilidade, ou competência, ou cargo, ou tempo de casa, é condição de vida. Então é uma coisa que eu sei que é um pouco atípica. Aí a gente também faz jogos que… eu nunca tive três anos em uma empresa, na realidade é a primeira vez na minha vida, porque eu gosto muito dos jogos, eu gosto muito das pessoas… eu na realidade, levei da Pepsi para lá, o Murilo, o Arthur, a Maity, o Aky, depois eu levei a Nay, eu fui levando vários amigos que eram do meu emprego antigo, porque eu falei: “Gente, vem trabalhar aqui que é muito mais da hora, aí eu fui levando a galera. E os jogos, por exemplo, tem um que é sobre a Guerra de Canudos, que a gente quer contar para as pessoas como é esse evento histórico, genocídio na realidade, que aconteceu. Aí tem esse outro jogo que a gente está fazendo, que está até em beta hoje, que é o Relic Hunters Legend, que ele está sendo desenvolvido há cinco anos já, um jogo multiplayer online, que também é um jogo super grande, assim, que tem personagens trans, tem personagem negros, todo mundo no jogo é vegano, porque as pessoas sofreram uma antro… os animais sofreram uma antropomorfização, então existem humanos, mas também existem burros falantes e pandas falantes, então ninguém come carne, porque você podia estar meio que comendo o seu amigo. Então é um ambiente vegano na lore do jogo e você está matando um bando de patos fascistas, porque os patos fascistas querem que você esqueça a sua história, então eles estão roubando a memória das pessoas e você vai viajando no tempo e pegando relíquias e recuperando parte das memórias, para não deixar os erros da história se repetirem. Então é um jogo contra o fascismo, basicamente, só que batendo em patos, uns patos de oclinhos escuros. É muito divertido!
(50:25) P1 - Aí que legal!
R - Aí eu gosto muito da galera, gosto muito do jogo, gosto muito da filosofia da empresa, então por isso que eu estou há tanto tempo lá também.
(50:34) P1 - E falando em jogos, você cresceu jogando alguma coisa?
R - Joguei muito Zelda, todos eles, assim, eu acho que eu joguei (risos). Eu estou até com… cadê o meu escudo? Estou com o meu escudinho. Eu fiz esse escudo para uma festa da FAU - USP, é o escudo de (reru?), acho que é o meu jogo preferido (ui, desculpa! O microfone). Eu até agora, na realidade, estou jogando Tears of the Kingdom, estava jogando Breath of the Wild, esse acho que é o jogo que eu mais joguei. Também joguei muito jogo de tabuleiro, Carcassonne é o meu jogo de tabuleiro preferido. Assim, eu jogava desde aqueles jogos de detetive, Jogo da Vida, Banco Imobiliário, Wear, comecei a jogar assim desde então. Eu tenho uma particularidade muito curiosa sobre mim, que eu sou meio idosa de espírito, eu jogo muito buraco e tranca, então o que eu mais fiz na pandemia gente, foi jogar buraco. Eu jogava buraco nas sextas- feira, em um site que se chama Buracon, eu me juntava com as minhas amigas, a gente abria os discord e ficava três horas, das 22h à uma hora da manhã jogando buraco. E a gente ficava ali jogando, porque não podia sair, então a gente fazia rolê de velho no PC (risos) e ficava jogando cartas online.
(51:46) P1 - Que legal! E qual a importância do Zelda na sua vida?
R - Eu acho que a coisa mais importante para mim foi que foi um jogo que me ajudou a construir uma relação com o meu irmão, porque no Majora's Mask tinham algumas máscaras que eu não conseguia pegar e eu tinha que falar: “Neto, me ajuda”. Porque senão eu não conseguia. Então eu acho que foi um jogo que ajudou a aproximar a gente um pouco, porque a gente não era muito próximo.
(52:16) P1 - E você falou que com onze anos você começou a ensinar velhinhos a tecnologia. A tecnologia sempre esteve presente na sua vida? Ou apareceu em algum momento?
R - Também por conta do meu irmão. Eu montei o meu primeiro computador com onze anos, então tipo, de realmente pegar uma DDR, pegar uma wordboard, pegar o processador, passar pasta térmica, comprar coolers, entender. Era uma coisa que ele gostava muito de fazer, então eu para me aproximar dele também eu estava ali de gaiato tentando entender. E foi assim que eu comecei a me aproximar da tecnologia, porque o meu irmão gostava muito. E ele é meio revoltado com isso até hoje, que eu era mais nova, que ganhava as coisas antes, sabe? Porque ele precisava esperar para ganhar um discman, ele ganhou o discman com quinze e eu lá com onze com o meu discman, então ele ficava bravíssimo com isso, mas, infelizmente, o mais velho às vezes sofre com isso mesmo. Mas aí foi nessa época que eu comecei a me interessar por coisa de tecnologia.
(53:16) P1 - E pensando em toda sua carreira, todos os seus trabalhos, tem alguns momentos que foram extremamente importantes, marcantes para você?
R - Acho que alguns, assim, passado presente, né. Tem dois principais, tem a demissão da minha amiga, que eu acho que eu nunca vou conseguir esquecer, que eu acho que foi a minha primeira demissão, que eu demiti a Eli, que foi a mulher que me contratou para estar na Rogue hoje em dia. Porque teoricamente, o meu chefe devia ter feito isso, mas ele ia fazer isso de uma forma que eu não achava justo, então eu pulei em cima da granada e eu acabei fazendo isso no lugar dele, só que eu machuquei muito ela, ela não fala mais comigo, a gente era amiga há mais de cinco anos, então eu acho que profissionalmente, esse foi o momento mais difícil para mim. E foi o momento em que eu acho que eu abri mão um pouco do meu lado sindicalista e aprendi a dançar mais a música do cooperativismo e a entender como a gente às vezes tem que colocar a empresa acima do indivíduo, quando o indivíduo está machucando o coletivo. Era uma coisa que eu tinha muita dificuldade de ver, sabe? Para mim eram sempre os funcionários contra a empresa, só que aí eu passei a ocupar um cargo dentro da empresa, em que eu era a empresa e eu tinha que pensar em como manter a empresa funcionando e todas as outras pessoas lá dentro bem. Então eu tive que passar a pensar no coletivo, e ter uma visão mais holística das coisas, e conseguir olhar para… querendo ou não, para a coisa corporativa e entender como eu fazia para aquilo continuar funcionando, para eu conseguir continuar dando suporte para as outras pessoas que também faziam parte. Então eu acho que foi um termo poente da minha vida isso, porque foi um momento que eu tive que aprender a fazer isso, porque senão eu ia quebrar psicologicamente, inclusive chorei muito por causa disso, tive pesadelo, enfim. Mas hoje em dia eu estou mais ok. E também no ano passado, em 2022, essas duas coisas são de 2022 na realidade, isso foi de agosto, essa demissão e a outra coisa foi que eu ganhei uma outra bolsa, no caso, para ir para essa mesma conferência que eu estava comentando antes, para GDC, para a Game Developers Conference, que eu fui palestrar lá. Eu fui a primeira brasileira a ser chamada para palestrar lá e eu fui falar sobre os impactos da women game jam na América Latina. Aí foi muito legal, porque eu conheci várias das meninas que organizavam o evento, pela primeira vez ao vivo, porque a gente trabalhava juntas já tinha alguns anos, fazendo reunião online, se encontrando, trocando ideias, mas tinham algumas que eu nunca tinha conhecido em carne e osso. E aí também gente, eu sou uma manteiga derretida., chorei horrores. Aí depois chorei de novo para dar tchau para todo mundo. Mas foi muito gostoso, assim, poder estar lá com elas e conhecer elas ao vivo, tipo, essas mulheres que eu considero tão fodas e pessoas assim, que eu tenho um carinho enorme! São mulheres incríveis, assim, na área dentro dos seus respectivos países.
(56:16) P1 - E como é que é a sua rotina de trabalho?
R - Reunião (risos). Na realidade eu tenho entrado um pouquinho mais tarde hoje em dia no trabalho, tenho entrado, acho que umas 10h30, assim, porque eu acabo preferindo ficar até mais tarde, porque como eu estou em uma posição que eu centralizo muita informação, as pessoas me buscam muito, o tempo inteiro e aí quando eu preciso trabalhar mesmo, eu não consigo me concentrar, porque tem gente me perguntando coisas a cada cinco minutos. Tipo, eu voltei de férias, eu tinha mais de 99 mensagens no meu slack, eu voltei já faz três semanas, eu não consigo baixar de cinquenta, eu abaixo e sobe de novo, eu abaixo e sobe de novo, porque eu não consigo dar conta de falar e responder tudo que eu preciso, assim, acompanhar tudo. Porque antes eu tinha o costume de literalmente… porque eu tenho leitura dinâmica, então eu lia literalmente tudo que era conversado em todos os canais da empresa. E dessa forma, sabe Sherlock Holmes? Ele tem mind map, eu tenho mind map também. Só que o meu mind map não é que eu lembre de tudo, mas eu lembro onde eu guardei tudo e eu anoto compulsivamente, tipo, eu tenho mais de 120 páginas de atas de reunião e a gente ainda está em julho, então todas as minhas reuniões estão anotadas. Aí eu consigo falar: “Não, a gente falou sobre isso em março do ano passado”. Aí eu abro o meu documento de março, acho a reunião que eu estou procurando, leio o que eu tinha anotado sobre aquela reunião. Então eu lembro das coisas e aí quando eu vou lendo, eu vou guardando, tipo, eu cato as coisas muito mais visualmente e redigindo, então é por isso que eu sempre consegui fazer essas conexões e ajudar as pessoas a se conectarem e conversarem, porque muito da minha rotina é conectar as pessoas que precisam estar conversando e ajudar elas a falarem o mesmo idioma para chegar no mesmo resultado. Então eu realmente passo o dia em reunião, ou estou falando com os meus investidores, ou estou falando com os meus produtores, ou estou falando com algum desenvolvedor, ou estou montando uma apresentação para uma reunião, porque muitas das minhas reuniões também eu que acabo puxando-as. Então eu estou o tempo inteiro, tipo… eu hoje em dia não sei mais trabalhar com o meu monitor só, inclusive, eu acho isso muito estranho, porque eu preciso estar… eu acabo multitasking o tempo inteiro para conseguir fazer as coisas. Aí eu estou tipo, anotando a reunião em uma tela, conversando com as pessoas e o Slack aberto em um cantinho, senão eu não dou conta, inclusive o Covid me ferrou nesse aspecto.
(58:35) P1 - Como é que foi para você a época da pandemia?
R - Bom, eu fui demitida na realidade, duas semanas antes do lockdown e aí lá no Zé Delivery eu já fiquei 100% remoto, depois para a Rogue quando eu fui também é 100% remoto. Foi um pouco estranho ficar presa com os meus pais e o meu irmão em casa durante mais de um ano, porque não é o meu cenário de vida ideal, é quase um pesadelo, porque eu sempre fui uma pessoa muito com rodinha no pé, que saía assim, de segunda a sexta, quase. Então para mim foi um pouco estranho, até foi um dos motivos para eu entrar mais ainda no trabalho voluntário, porque o trabalho sempre foi muito respeitado pela minha família. Então eu trabalhava de dia e voluntário à noite, eu ficava quase no PC às vezes das 10h da manhã à meia noite, assim ninguém me enchia o saco. Então isso acabou fazendo com que eu ficasse em uma exposição maior ainda à tela. Mas aí depois, que eu estava contando que eu peguei Covid, no meu aniversário de trinta anos, que as coisas já estavam abrindo de novo, foi agora em 2022, aí eu fui para balada, peguei Covid, foi tranquilo até, eu fiquei só com um pouco de dor de garganta, dor no corpo. Só que por umas duas ou três semanas, eu me senti meio burra, porque eu estava muito mais lenta, eu tinha dificuldade de guardar as coisas, informações, eu não conseguia fazer multitasking que é uma coisa que eu faço normalmente, eu tinha que prestar mais atenção para realmente conseguir guardar as informações, eu estava me sentindo como se tivesse uma nuvem na minha cabeça, eu estava meio fogue, embaçado. Aí a segunda vez foi um pouco mais sério, na realidade foi agora em dezembro de 2022 também, foi um pouco mais de seis meses depois. Só que eu não estava no Brasil, eu estava fazendo uma viagem de carro de quatro meses pela América Latina, então eu já estava no meu segundo mês de viagem, eu estava na Bolívia, eu estava viajando e trabalhando ao mesmo tempo, né. Eu mudava de cidade a cada três dias, estava trampando o tempo inteiro. E aí eu comecei a me sentir muito mal quando eu cheguei em La Paz, depois de ter feito Salar do Uyuni, aí eu fui piorando, piorando, eu comecei a ter piriri, aí eu comprei um oxímetro, fiz um teste de Covid, deu positivo, a minha oxigenação chegou a bater 84%, eu ficava com teto preto, tipo, eu não conseguia tomar banho sem parar, escovar os dentes, eu tinha que sentar na privada, passar uma toalha no cabelo, sentava na privada, lavar louça em duas etapas, esvaziar a máquina de lavar; três etapas, primeira etapa tirar a roupa, segunda etapa até a metade, terceira o fundo da máquina, porque se não abaixava a pressão. Tudo estava sendo muito difícil, até comer, eu não conseguia dar garfada, porque eu ficava sem ar comendo, então foi assim, bem, bem ruim. Eu acabei voltando para o Brasil no meio dessa viagem, eu viajei só 60 dias, eu cheguei aqui dia 31 de dezembro, mas eu perdi oito quilos nesses dois meses da viagem, eu cheguei a pesar 63 quilos, eu fiquei anêmica também, depois na realidade. Quando eu voltei para o Brasil, eu cheguei a desmaiar e bater a cabeça, porque o Covid ele realmente drenou completamente todas as forças e todos os meus músculos, eu fiquei realmente muito magra e muito fraca, então foi bem mais difícil. Aí eu acabei entrando direto no trabalho depois, tipo, voltei em 31 de dezembro, dia 02 eu já estava trabalhando, dia 03, agora não lembro. Aí chegou no final do mês eu ‘burnoutei’, porque eu voltei trabalhando muito intensamente e não estava bem de saúde. Aí eu acabei ficando um mês afastada do trabalho para tentar colocar a vida um pouco mais em ordem. Agora eu já estou bem melhor, mas foi bem ruim, assim, esse segundo Covid que eu peguei, eu falei: “Não, se eu tivesse no Brasil, eu com certeza teria sido internada”. Porque a falta de ar é um negócio muito louco.
(1:02:17) P1 - E como é que foi ter Covid em outro país?
R - Assustador, porque uma coisa que eu descobri da Bolívia depois, é que a Bolívia, ela parece uma grande favela ao céu aberto, e eu descobri que é porque existe uma lei governamental que você não precisa pagar Iptu sobre a sua casa se ela não está acabada, então as pessoas não fazem o acabamento da casa, para não ter que pagar imposto. Então é por isso que boa parte das casas lá são com tijolos expostos, não tem acabamento final, não tem uma demão de tinta. Isso de alguma forma assusta, porque você olha e fala: “Meu, como será que é o médico aqui? Como será que é a saúde aqui?”. Eu não sabia dizer, eu estava com o seguro de viagem, mas ao mesmo tempo eu não sabia muito bem como acionar isso. Eu até cheguei a fazer exame, fui no médico, tudo, mas eu fiquei preocupada e não quis ir para o hospital, porque eu fiquei com medo de pegar alguma outra coisa pior no hospital. E é isso, eu estava a muitos quilômetros de distância da minha casa, então foi um pouco assustador. Eu estava com uma amiga minha, a gente estava viajando juntas, a gente voltou dirigindo de lá para cá também, foram 3.200 quilômetros na volta e a gente fez em sete dias, cruzamos de La Paz até São Paulo.
(1:03:33) P1 - E porque vocês fizeram essa viagem?
R - Eu gosto muito de viajar, na realidade meu dinheiro que eu guardo, gasto o que preciso para pagar as contas, metade é para velhice e metade é para viagem. Porque o Santa, que nem eu estava falando, incentiva a gente desde muito pequenas… a gente foi na quinta série… na quarta série para o Bananal; na quinta para Santos; na sexta para a Ilha do Cardoso; sétima para Minas Gerais e cidades históricas; oitava para o Pantanal; no primeiro [ano] eu fui para Ilha Grande e no segundo ano eu fui para uma comunidade quilombola no Vale do Ribeiro, fazer trabalho voluntário. O colégio sempre incentivou isso na gente, os meus pais também gostam muito de viajar, então a gente sempre viajou muito aqui no Brasil, tipo, a gente já foi de carro até Brasília, fazer chapada dos Veadeiros, já descemos de carro até Porto Alegre, a gente foi fazendo toda a Costa, visitamos o cânion de Itaimbezinho, voltamos depois por dentro do Brasil para subir ele, para fazer Porto Alegre, Santa Catarina, Paraná. E a gente sempre viajou bastante, então eu sempre peguei esse gosto deles e desde que eu pude, eu comecei a viajar. Meus pais às vezes tinham um pouco de medo, porque já com vinte anos eu decidi que eu queria mochilar na Europa, então eu fui passar um mês, de mochila mesmo, viajando de trem e avião low-cost. Passei 28 dias, depois voltei. Eu gosto muito de _____, eu já fui também para o Atacama, já fui para Machu Picchu e eu queria conhecer mais da América Latina, dos nossos irmãos, porque querendo ou não, o Brasil é o único país que não fala espanhol da América Latina. E eu percebi o quanto fazia falta eu não falar espanhol no trabalho, na women game jam, porque a galera se obrigava a falar em inglês por minha conta, porque eu não conseguia acompanhar a velocidade do espanhol deles, só que todos os outros países das reuniões eram da América Latina, então a galera do México, da Colômbia, do Peru, do Chile e da Argentina, todo mundo fala espanhol, só eu que não. Então foi quando eu resolvi que eu queria aprender a falar espanhol, então a viagem me ajudou, porque eu tenho facilidade com idiomas, a pegar e colocar o meu espanhol pelo menos do intermediário para avançado, que antes ele era muito básico, que eu só tinha feito sei lá, seis meses de aula há oito anos atrás. Eu estou com uma ofensiva de um ano quase no Duolingo, estudando espanhol todo santo dia e eu tenho assistido muita série também, em espanhol, com legenda em espanhol para me ajudar a assimilar as palavras. Aí a viagem meio que casou de juntar essas coisas, eu tinha o Uyuni que eu não queria… que eu queria conhecer, que eu ainda não tinha tido oportunidade, o Salar ali na Bolívia e eu queria subir alguns vulcões também. Eu tinha subido um vulcão em 2016 e foi uma experiência assim, eu nunca tinha me sentido tão pequena na minha vida, assim de… que era 5.450 metros de altitude, era muito baixa a oxigenação e eu cheguei a achar que eu não ia conseguir na realidade, mas aí quando eu cheguei, eu olhei para baixo e eu vi assim, no chão marcado o magma de quando tinha sido a última erupção do vulcão e a fumacinha saindo de dentro da terra, é um negócio muito maluco. Eu falei: “Meu, a natureza é muito grande, né. E a gente é tão ínfimo, nós somos tipo uma formiguinha assim, realmente em relação ao tamanho do mundo, quanto mais do universo”. E aí eu tenho essa brisa de querer subir outros vulcões. Eu ia subir três nessa viagem, o primeiro era o Uyuni, só que aí estava nevando no vulcão, e estava perigoso e a gente não subiu. Aí o segundo ia ser no Peru em Arequipa, só que aí a gente não foi pra lá, porque na realidade estava tendo uma guerra civil ali no Peru, enfim, teve algumas pessoas até que morreram, agora no final do ano lá. E o terceiro ia ser no Chile, ali perto do Aconcágua, aí como a gente voltou antes acabou não acontecendo, mas eu ainda quero fazer isso e ainda esse ano. Eu tenho essa meta de conhecer todos os continentes e viajar o máximo que eu puder, porque eu gosto muito, eu sou realmente a pessoa que enche o saco dos outros no Albergue, sabe? Eu gosto de ficar em Albergue, que se eu vejo que tem alguém tomando café, eu vou sentar na mesa da pessoa de propósito para falar: Oi, de onde você é?”. E puxar ideia, trocar ideia, conversar. Já conheci uma bombeira da Inglaterra assim, já conheci uma menina que era professora e escaladora da Alemanha, conheci uma outra cineasta em um albergue em Nova York, que me levou para ir passear dentro da Columbia, porque estava tendo um evento de cinema para mulheres lá, aí eu falei: “Ah, eu não tenho nada para fazer, posso ir com você?” Ela falou: “Pode”. Aí a gente foi. Então eu gosto muito de viajar com espaço para eu poder fazer o que eu quiser, e conhecer pessoas e interagir.
(1:07:52) P1 - Esse vulcão é interessante, assim, como é que você subiu o vulcão?
R - No Atacama tem vários passeios, assim, que você pode fazer, tem o Lascar e o Licancabur que são dois vulcões que são mais ou menos na fronteira entre o Chile e a Bolívia e aí quando você está lá, você pode pegar um tour para fazer a subida desse vulcão, aí eu fui. Eu estava viajando com duas amigas minhas também, do colégio, uma delas mora no meu prédio inclusive, sete andares abaixo de mim, foi com ela que eu fui para a Europa depois também, fazer um mochilão. E aí a gente falou: “Ah, vamos”. A gente falou: “Bora!”. Aí a gente planejou a viagem para ir em todos os passeios aumentando um pouquinho a altitude, para a gente ir se aclimatando, o nosso número de glóbulos vermelhos para carregar o oxigênio e ajudar a gente no final da viagem, porque na altitude é muito mais difícil de respirar, então. Mas aí foi meio que um vacilo assim, que a gente se propôs a fazer, eu gostei muito de decidi que eu quero e eu tenho a meta de subir pelo menos três para bater o meu pai, porque o meu pai subiu dois, o meu pai subiu o Vesúvio e subiu um outro que agora eu não lembro qual é, mas eu falei: “Não, eu vou fazer mais que você”. (risos)
(1:09:00) P1 - E quando você entrou nessa área, assim, sua família te apoiou?
R - Eles gostaram mais de eu trabalhar com tecnologia do que com publicidade, porque a tecnologia paga mais, mas eles nunca entenderam o movimento que eu fiz de sair da Ambev para ir para uma empresa com o movimento com 25 pessoas indies. Porque eu saí de uma empresa com quase cinquenta mil funcionários, internacional, super estruturada, com décimo terceiro, décimo quarto, para ir para uma empresa de 25 pessoas. Hoje em dia a gente é quase sessenta, na Rogue, a empresa mais do que dobrou de tamanho desde que eu entrei, mas ainda assim era um movimento arriscado de carreira, né. Mas, porque a família inteira… o meu pai é engenheiro, minha mãe é arquiteta, meu irmão é economista, todo mundo tem profissões bastante conservadoras, eu fui a primeira que falou: “Não, cansei. Vou fazer coisas mais criativas”.
(1:09:49) P1 - E como é essa área de jogos assim para mulheres?
R - Um pouco difícil, porque a gente é questionado constantemente sobre ser gamer de verdade, então é uma coisa que é tipo: “Ah, mas você conhece tal jogo? Você conhece tal coisa? Você já fez isso? Quantas horas você tem de Dota?”. Tipo, eu não acho que nada disso realmente importa pra uma pessoa ser gamer ou não, inclusive eu considero que uma pessoa que passa cinco horas jogando no celular é tão gamer quanto uma pessoa que passa cinco horas jogando no console, a questão é acessibilidade para você conseguir ter acesso a esse tipo de entretenimento. Por isso que eu tenho uma visão um pouco diferente do que a maior parte das pessoas da indústria tem, que eu acho que mobile é um lugar melhor pra se trabalhar do que console, porque eu vejo console como muito mais exclusivo. Eu entendo que tem produtos melhores e coisas mais fortes, só que para atingir maiores pessoas e fazer coisas que impactam mais pessoas, no celular você chega mais longe, porque todo mundo tem um celular na mão, quando não se tem dois celulares, as pessoas que tem o do trabalho e o pessoal, sabe? Então eu acho que mobile tem muito mais força, e até se você olha economicamente, hoje em dia a indústria mobile já é tipo, uns 60% do que gera de dinheiro dentro dos jogos no total. Então o celular tá disparando na frente.
(1:11:04) P1 - E você acha que mudou muita coisa nessa perspectiva de mulheres nessa área?
R - Tá mudando, acho que minha mãe me ajudou nisso também. Mas eu acho que tem essa questão de que tipo, as mulheres estão brigando mais por isso, tem também a questão mercadológica de que é bonito se vender como uma empresa diversa e isso acaba também abrindo mais oportunidades e também porque eu acho que as pessoas estão percebendo que isso é uma coisa que se pode trabalhar com… porque eu acho que antigamente, uns dez anos atrás, não existia tanta visibilidade de que isso era uma possibilidade de trabalho, e que se podia pagar as contas, os boletos iam ser quitados. Então eu acho que isso tem ajudado também, e meninas têm entrado mais em contato com jogos desde mais novas, então acho que está mudando aos poucos.
(1:11:58) P1 - E essa diversidade que você falou que as empresas estão buscando? É um movimento sincero?
R - De algumas eu acho que sim, mas eu não diria que de todos. Eu acho que algumas são realmente: “Eu só quero botar ali o selinho de diversidade da Bragames e falar que eu tenho uma porcentagem mínima de pessoas deste tipo”. Por assim dizer.
(01:12:21) P1 - E desde que você começou a trabalhar com isso, você sentiu que a área teve alguma mudança?
R - A gente está entrando em uma recessão na realidade agora, eu acho que ela é coletiva, pós-pandemia assim, porque querendo ou não, o entretenimento é onde as pessoas mais cortam, não é um bem necessário para sobrevivência. Então a gente, nos últimos, quase um ano, a gente tem visto layoffs massivas assim, empresas grandes demitindo oitocentas pessoas, 300 pessoas, mesmo empresas aqui, demitindo cinquenta pessoas de uma vez, em uma empresa de duzentas pessoas. Então está sendo um pouco mais difícil, porque a fonte do dinheiro está secando, então está rodando um pouco menos de investimento, então a área está brigando, está ficando um pouco mais difícil. E eu não sei o que realmente a entrada da inteligência artificial vai fazer com o mercado, porque existe um posicionamento muito divergente dentro da própria comunidade de jogos, de quanto que isso é uma coisa que é legal, e eu digo do ponto de vista ético mesmo, do quanto que é ilegal, porque muitas dessas bases de dados, elas são construídas com imagens que não tem o direito de uso, você não sabe se sua arte foi usada pra fazer parte daquele database, então você não sabe quais são as referências que estão sendo usadas. Então para os artistas em especial, é uma coisa que é muito sensível e que é muito difícil, inclusive porque tem coisas básicas que vão estar sendo criadas por uma inteligência artificial e não por uma pessoa, então tem muitos empregos que vão ser retirados. Então tem uma coisa que eu acho que é bem delicada, é que a gente vai ver uma mudança estrutural na sociedade, que eu ainda não tenho certeza ainda de qual é o impacto, mas vai ter, mas eu acho que a gente vai ver uma outra mudança mercadológica nos próximos anos em relação a isso.
(01:14:06) P1 - Você tinha comentado também, mas mais especificamente, existe muita desigualdade de gênero?
R - Bastante, ainda mais em posição de liderança. Porque quando você acaba, tipo, algumas empresas até tem números mais equilibrados de homens e mulheres, mas aí você vai ver, por exemplo, mulheres estão especialmente no RH, na parte administrativa e talvez são artistas. Aí você vai olhar programadores, é tipo, é uma equipe de trinta programadores e uma mulher, assim, é umas coisas gritantemente diferentes, até game designer também é uma profissão que não tem muitas mulheres, então ainda existe bastante desigualdade de gênero dentro da indústria, ainda mais em cargos mais técnicos.
(01:14:47) P1 - E ao seu ver assim, como é o mercado de jogos independentes no Brasil?
R - Eu acho que a gente tem muito espaço pra crescer ainda, porque a gente tem muito pouco investimento nisso ainda, que é o que eu estava te falando, os investimentos públicos nisso, não conseguem pagar um desenvolvimento de um jogo do começo ao fim, te conseguem pagar talvez pra você fazer um protótipo e aí você tem que conseguir investimento, só que esse investimento para o tanto de dinheiro dependendo que você vai precisar, você não consegue no Brasil. E aí a gente começa a botar mais barreiras, porque aí a pessoa tem que saber falar inglês por exemplo, porque o mundo dos jogos é inteiro negociado em inglês. Então tem muito conhecimento que está atrás dessa barreira linguística. Isso também dificulta a questão que eu estava falando, de ter pouquíssimos negros, querendo ou não, no Brasil a penetração do inglês é muito baixa, ainda mais do inglês fluente, e dependendo do que você for fazer, ou do que você quiser aprender com programação, ou tipo, se você quiser assistir uma videoaula, vai tá em inglês. Então isso vai tornando o conhecimento cada vez mais difícil de ser acessado, então eu fico mais preocupada com isso. Eu esqueci o começo da pergunta, perdi o foco indo.
(01:15:57) P1 - Até esqueci, espera aí, deixa eu lembrar…
R - Jogos independentes, é verdade. Então eu acho que a gente tem um pouco essa barreira, mas eu acho que a gente está melhorando bastante, porque é isso, a gente tem… porque a gente é mão de obra barata, verdade seja dita, o cara pode pagar, sei lá, 2000 dólares para alguém, que vai ser aqui dez mil reais, que é um salário excelente, enquanto ele não poderia pagar esses mesmos dois mil dólares para um desenvolvedor na Europa ou nos Estado Unidos, então os caras contratam aqui para fazer coisa para fora. Então isso é uma coisa que a gente tem visto bastante, assim, work for higher aqui do Brasil. Eu tenho vários amigos hoje em dia, inclusive, que trabalham remotamente daqui e fazem trabalho para fora, porque recebem… não recebem bem se estivessem fora, mas aqui por conta do valor da nossa moeda, acaba sendo mais dinheiro. Então eu acho que a gente ainda precisa ficar um pouco mais protecionista dos nossos jogos, dos nossos cérebros e conseguir fazer o capital girar aqui dentro mesmo, sabe? E não depender só de investimento externo.
(01:17:00) P1 - E existiria alguma diferença se fosse uma empresa grande assim, uma corporação?
R - Sim, porque as empresas grandes já geram receita, elas pagam o seu próprio investimento e conseguem trabalhar dentro do que elas quiserem. Então quando você vai olhar pra uma empresa que é pequena, que tá nascendo, que tá em um primeiro produto, ela não tem caixa pra se bancar, quando você olha pra uma empresa grande, ela já tem alguns jogos no portfólio, já tem uma receita que está girando, então ela gera o próprio combustível para continuar fazendo a rodinha do capitalismo dela girar. Então acaba ficando um pouco divergente nesse aspecto, porque a que mais precisa de dinheiro, mais tem dificuldade de chegar até esse dinheiro e muitas vezes acaba quebrando, não consegue pôr o produto no mercado de fato, e a que menos precisa de dinheiro, porque teria mais facilidade para conseguir esse dinheiro, é a que já tem dinheiro. É a música do “bom xibom xibom bom bom”, que o de cima sobe e o de baixo desce.
(01:17:59) P1 - E você já se deparou com muitas empresas de indie no Brasil?
R - Bastante assim, eu conheço na realidade, donos de algumas delas, tem pessoas que eu troco muita figurinha, a gente brinca que são see level problems, são aqueles problemas de diretoria que é difícil de conversar com as pessoas, porque não é necessariamente todo mundo consegue entender, porque vem um pouco desse desprendimento de ter a visão corporativa e não a visão mais sindical e humana, então eu converso muito com eles, com esses meus amigos. E tem muito evento de jogo também, eles acabaram dando uma parada, tinha o spin aqui em São Paulo que deu uma diminuída, mas recentemente teve ali no Sesc 24 de Maio, o Firmeza Fest que também expôs jogos de diversas pessoas. Então tem vários eventos que a galera se reúne, tem o Brasil Game Show no Rio, tem um polo tecnológico gigantesco ali em Recife também, que tem vários eventos também. Então existe bastante empresa indie, mas é isso, ainda não tem tanta visibilidade eu diria, acho que é um ecossistema que está bem organizado e estruturado.
(01:19:05) P1 - E você consegue dizer qual a importância de ter mais mulheres nessa área?
R - Acho que principalmente é uma questão de representatividade para que os jogos sejam criados seguindo preceitos que fazem sentido para quem está realmente jogando, por exemplo, se você está jogando um Match Craft da vida, tipo um Candy Crush, você não precisa ter uma mina peituda desenhada na parte do lado da tela, tipo, com a joinha vermelha, o personagem pode ser qualquer coisa, pode ser um cachorro simpático, na realidade um gatinho que talvez fizesse ainda mais… tipo, brincando com a bolinha. Porque querendo ou não, ainda… está melhorando, mas é isso, você pega um jogo, tipo, sei lá, um Final Fantasy da vida, ou a própria Lara Croft que teve design da roupa, antes a Lara Croft estava andando no meio da floresta de shortinho e top, quem vai pra floresta de shortinho e top? Você pode ser picado por uma cobra, por uma aranha, ser arranhado por uma planta venenosa, não, você vai para a floresta com botas, com calças e roupa fechada para você se proteger das ameaças. Só que quando você para pra pensar quem fazia o design de figurino disso, eram homens, então o figurino que acabava sendo criado sexualizava as mulheres. Então a partir do momento em que a gente começa a ter um pouco mais de mulheres, a gente começa a ter um pouco mais de espaço para discussão, para fazer esses designs de personagens, para criar histórias que são mais inclusivas e mais abrangentes, e que não são sempre focadas nas mesmas coisas. Então eu acho que principalmente por essa diversidade de background e trazer mais contextos, trazer mais histórias, mais narrativas e deixar as pessoas serem mais elas mesmas, assim, não precisarem estar sempre encaixadas dentro de um mesmo padrãozinho.
(01:20:45) P1 - E como você vê o futuro dessa área?
R - Uma boa pergunta. Eu acho que a gente no Brasil ainda vai crescer muito, porque eu ainda tenho esperança de que muita gente que saiu daqui, volte pra cá, por conta da cultura nacional mesmo. Então que tragam o conhecimento que ganharam lá fora pra cá, sabe? E eu acho que tem muitas empresas grandes que também estão abrindo sedes aqui e isso também tem ajudado a dar uma fomentada na indústria, a gente tem vários jogadores de jogos competitivos profissionais, tem equipes brasileiras que são muito boas. Então eu acho que é uma indústria que assim, ela não vai parar de crescer, porque é o que eu estava falando, principalmente de celular, todo mundo tá com celular na mão, todo mundo tem 5 minutos livres no celular quando está no banheiro, então…, mas é verdade gente. A gente inclusive, na Pepsi tinha um jogo que era o Toilette Time, que era um mini game de privada, porque a gente sabia que ele ia ser jogado na privada. Então tem muito espaço, é isso, eu acho que pra mim o mais legal do jogo, é que para mim o jogo ele é… a mídia na minha opinião, perdoem-me pessoas do AV, a mídia é o audiovisual mais rica, porque ela junta quase todas as artes, ela tem som de design, tem arte, e tipo, (per se?) que as pessoas chamam de arte na parte estética visual, a gente tem roteiro e narrativa, a gente tem até coisa, sei lá, a gente chama de environmental warfare, que é tipo, environmental structure, que você, com o ambiente, constrói narrativas de acordo com elementos que você vai tirando e pondo dentro do cenário de acordo com cada parte do jogo que você está. Então é toda uma ambiência, toda uma coisa que tipo, precisa de muitas áreas e muitas mãos e competências diferentes para construir esse pedaço de entretenimento. Então eu acho… pra mim é uma mídia muito fantástica, assim, e eu acho que jogo pode ser usado também, aí pensando em gamificação pra ensinar, para contar para as pessoas sobre várias coisas que elas não teriam acesso antes ou fazer as coisas de uma forma mais lúdica para tornar interessante o aprendizado. Então eu acho que existem inúmeras oportunidades de coisas que a gente ainda pode usar, estratégias de jogos ou mecanismos para contar novas narrativas e ensinar coisas para as pessoas. Eu acho que é um campo meio infinito, assim.
(01:23:05) P1 - A gente já está encaminhando para o final. E aí, atualmente assim, além do seu trabalho, tem alguma coisa que você gosta de fazer, algum hobby?
R - Bom, eu estou jogando Zelda, eu estou assistindo Jujutsu de novo. Eu assisto uns animes de vez em quando, porque eu acho que as animações de Jujutsu são muito bonitas e Jujutsu não tem tanto fã service quanto Demon Slayer que também tem boas animações, mas é fã service, eu não gosto. Fã Service é basicamente quando botam um monte de gente com peitão e bundão, e enfim, não acho que seja necessário para você ver efeitos visuais bonitos. Eu saio muito com meus amigos também pra jogar jogos de tabuleiro. Um rolê que eu faço muito é fumar maconha, mas eu não sei se a gente deixa essa parte na entrevista ou tira (risos), eu acho que me ajuda a funcionar em uma velocidade mais normal e ficar relaxada, porque o trabalho tem muita pressão e muito estresse. Então na realidade é uma coisa que eu faço há catorze anos, então é quase um hobby mesmo, assim, eu não tenho plantas, mas eu tenho amigos que plantam e eu acompanho o crescimento das plantinhas. Eu cuido das minhas plantas, eu virei mãe de planta, quando eu estou estressada eu compro planta, então a minha casa está com dezessete plantas já, eu vou ficando tensa, eu vou na Cobasi e volto com uma planta nova para casa, aí eu vou tipo, botando os vasinhos pela casa assim, que aí eu penso: “Bom, pelo menos eu não estou conseguindo cuidar de mim direito, mas as plantas, olha como elas tão bonitas”. Minha amiga até me perguntou: “Nossa, Re. Suas plantas são de verdade ou são falsas?”. Eu falei “É tudo de verdade”. Ela falou: “Estão bonitas, né?”. Eu falei: “Valeu!”. Mas eu não ando tendo assim tanto tempo para hobbies ultimamente, porque eu estou muito focada nas coisas do trabalho mesmo, em conseguir fazer a empresa ficar bem e pagar conta de sessenta pessoas.
(01:24:58) P1 - Quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R1- Essa pergunta também é difícil. Nossa! Saber que eu vou pagar meus boletos no final do mês é importante, mas eu acho que perspectiva de poder viajar, perspectiva de acreditar que mundo vai virar um lugar melhor em algum instante. Porque muitas vezes quando eu abro o jornal eu só fico triste, assim, sei lá, ontem eu abri o jornal aí eu vi: “Olha, o Governo Bolsonaro já foi provado que desviou dois bilhões”. Aí eu falei: “Meu Deus, por que eu vi isso? Podia não ter visto isso. Eu já não gostava, agora gosto menos ainda”. Então às vezes eu acabo me alienando um pouco para não ficar tão frustrada com as coisas da vida real, porque sei lá, guerra na Ucrânia, a gente está nessa guerra faz um ano e três meses, ninguém fala sobre o fato de que tem usinas que não estão sendo cuidadas há um ano e que se der uma merda pode tipo, vulcanizar a Europa, sabe-se lá pra onde os europeus vão, talvez pra cá. Mas sei lá, eu tenho esperança ainda de que… eu queria que as pessoas fossem mais amorosas umas com as outras, e se ouvissem mais, e tivessem conversas ativas e não passassem a vida inteira correndo, sabe? Mas eu acho que, não sei, talvez o mais importante pra mim seja criar conexões, entra na minha questão de gostar de viajar e conhecer novas culturas, conversar com as pessoas e saber quem elas são de verdade, porque eu acho que no final das contas o que a gente leva da vida é o que a gente criou, sabe? A gente não leva dinheiro, a gente não leva nada, a gente leva as nossas relações, as pessoas com as quais a gente convive e os momentos felizes e também tristes que a gente vive. Então eu acho que o mais importante talvez seja isso mesmo.
(01:26:39) P1 - E quais seus maiores sonhos?
R - Conhecer o mundo inteiro com certeza está dentro disso. Eu não sei ainda se eu quero ou não ser mãe, tenho muitas dúvidas, eu sei que eu não quero gestar, talvez eu adote, mas é, era 35, aí veio a pandemia, aí virou 37, aí eu estou pensando que talvez fique tarde, porque eu quero viajar muito, e viajar é caro, e viajar com criança é impossível, fico nessas dúvidas. Não é que é impossível, mas é mais caro. Mas eu acho que conseguir impactar o mundo ainda, de alguma outra forma mais significativa e saber que eu estou ajudando mais mulheres a conseguirem alcançar o sonho delas, porque eu acho que, não sei como eu tenho a coragem que eu tenho, só sei que eu tenho. Eu acho que essa curiosidade também, eu quero nunca deixar de ser curiosa e virar uma pessoa que é acomodada na vida, porque eu acho que isso torna a vida entediante, frustrante, pra mim é muito importante estar sempre conhecendo coisas novas, isso não é estudar, sabe? É viver novas experiências, que se bem que eu faço experiências antropológicas, eu sei lá, às vezes uma amiga que eu conheço fala, sei lá: “Você quer ir viajar comigo e com umas amigas pra um sítio?”. “Bora!". Não conheço ninguém, só conheço uma pessoa, mas eu vou, ou “Você quer ir nesse karaokê que vai ter umas pessoas do meu trabalho?”. “Bora!”. E aí eu vou também, sabe? Que eu acho que é isso, a vida tem muitos momentos também em que a gente… não é que eu digo “sim” sempre, tem horas que eu só quero o meu sofazinho, mas eu tento viver a vida o máximo que eu posso.
(01:28:09) P1 - E qual você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - Não sei de fato, esse vídeo, mas eu gosto de acreditar que, sei lá, eu gostaria de pensar que as pessoas que lembrem de mim no futuro, vão lembrar de mim como sendo uma boa pessoa e uma pessoa que nunca tentou causar caos, por mais que eu cause um pouco, mas o meu caos é para tentar atingir a paz. Mas eu acho que talvez, não sei, não sei se é uma referência tipo, tanto como mulher, como uma figura Lgbt numa posição de liderança, mas tipo, de mostrar para as pessoas que, por mais que sei lá, dá umas merdas na vida, mas a vida é melhor? É tipo, eu não acredito em meritocracia, eu acho que, enfim, os privilégios estão aí pra provar isso, mas eu acho que a gente consegue às vezes tomar decisões que podem impactar nosso caminho e eu gosto de pensar que, sei lá, eu já dei muito conselho pra muita gente e pensar que eu estou sempre de porta aberta para conversar com quem quiser. Então acho que gostaria de ser lembrada dessa forma, sabe? Alguém que ajudou as pessoas também a conquistarem os próprios sonhos.
(01:29:27) P1 - Tem alguma coisa que eu não perguntei, mas você gostaria de acrescentar?
R - Deixe-me pensar, não sei, é que a gente já falou de tanta coisa. Provavelmente tem, mas eu não estou lembrando, então é isso.
(01:29:45) P1 - Tudo bem. E por fim, como foi contar um pouco da sua história hoje pra a gente?
R - Eu estava um pouco tensa, não vou mentir, porque eu estava pensando no que eu ia falar, o que eu não ia falar, porque tem coisa que a gente faz na vida, que a gente fala: “É melhor essa parte não ficar sendo gravada pra posteridade”. E tem coisa que a gente pode falar. Eu também fiquei um pouco tensa, porque provavelmente a minha família vá assistir, eu não sei o que eles vão achar do que eu estava falando, porque querendo ou não, família tem um impacto significativo na nossa vida, e eu sei que meus pais sempre fizeram tudo de um lugar de amor e de carinho e de proteção, mas para mim teve muitas coisas que foram muito difíceis, mas que ao mesmo tempo também me fizeram ser quem eu sou hoje, se ser uma pessoa que briga pelo que quer e que vai atrás das coisas, tipo, eu brinco que o meu super poder é resolver problemas de formas criativas, então eu vejo problemas, eu resolvo eles, até uma privada quebrada que eu já arrumei em uma festa de uma amiga, com uma rolha, fita, um saquinho e fita… aquela fita preta, eu esqueci o nome… isolante, fita isolante, eu consegui arrumar uma privada com isso. Então eu vejo problemas e eu falo, sei lá: “Tá beleza! Vamos arrumá-lo e resolvê-lo”. Eu acho muito, vem da inteligência coletiva também, sabe? De conversar com as pessoas, então… eu não sei, perdi o fio da meada de novo. Mas eu acho que estava muito… eu gostei de contar, fiquei feliz de ter sido chamada, às vezes eu me pergunto como eu, Renata com trinta anos vim parar aqui, mas aí depois eu penso: “Tá, talvez eu tenha trabalhado bastante e faça sentido eu ter vindo parar aqui”. Mas é um pouco uma briga interna ainda a questão da síndrome do impostor, porque eu acho que eu não me vejo pela mesma ótica que muitas pessoas me vêem, eu acho que eu ainda tenho muito espaço para melhorias, tem muitas coisas que eu preciso conquistar, que eu preciso ser melhor na vida, tipo, como ser humano também e profissionalmente, porque tem coisas que eu ainda não consigo fazer da forma que eu acho que seriam as mais certas, mas estamos aí tentando.
(1:31:45) P1 - Renata, muito obrigada! Foi incrível, adorei a sua história!
R - Obrigada pelo convite.
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