Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 Whirlpool
Depoimento de Márcia Cristina Magalhães Monteiro
Entrevistada por Eliete Pereira
São Bernardo, 10 de abril de 2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV005_ Márcia Cristina Magalhães Monteiro
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Bom dia, Márcia.
R – Bom dia, Eliete.
P/1 – Qual o seu nome completo, o local e a data de nascimento?
R – Meu nome é Márcia Cristina Magalhães Monteiro. Nasci em Belém do Pará, em 1964, no dia dois de setembro.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava Antonio Seabra Monteiro e a minha mãe Genoveva Magalhães Monteiro.
P/1 – Como eram seus pais?
R – Meus pais eram velhos (risos). Eles me adotaram, meu pai já tinha 56 anos de idade e minha mãe, 54. Então a diferença de idade era muito grande, mas todo o amor que eu poderia receber deles eu recebi.
P/1 – E o que eles faziam, Márcia?
R – A minha mãe era doméstica e o meu pai era tesoureiro numa empresa de aviação paraense.
P/1 – Lá em Belém do Pará?
R – Em Belém do Pará.
P/1 – E você teve irmãos?
R – Sim, eu tenho três irmãos. Um se chama João, que é o meu irmão que tem 77 anos, a minha irmã Mercedes, que tem 79 anos, e a minha irmã Graça que tem 64 anos.
P/1 – Então era o João...
R – João, Mercedes e Graça.
P/1 – E você era a caçula.
R – Eu era a caçula.
P/1 – E como foi a infância em Belém?
R – Muito boa, foi uma infância muito boa. Eu brinquei bastante, morava num bairro bastante bucólico em Belém do Pará. Tinha amiguinhos. Isso até uns cinco anos de idade. Depois disso eu precisei morar com a minha irmã por motivo de saúde da minha mãe e eu morei em prédio. Aí já foi um pouco mais difícil pra mim, que já era acostumada a morar em casa, foi bem dificultoso, eu senti bastante.
P/1 – Você sentiu. Você foi morar com a Graça?
R – Com a Graça.
P/1 – E ela era casada?
R – Ela era casada. Logo em seguida ela ficou grávida do meu sobrinho Marcelo. E foi aí que melhorou porque eu tinha um brinquedo, digamos assim, pra cuidar. Era uma criança a mais na casa e daí foi que deu uma melhorada.
P/1 – E do que você brincava?
R – Eu gostava de brincar de Banco Imobiliário, de Boa noite Cinderela (risos), que imaginava que era um programa do tempo do Silvio Santos. Então, a gente bolava um programa, com aquilo que você ganhava, que você era sorteado e tal. Mas logo em seguida meu cunhado comprou um sítio. Aí sim, todos finais de semana nós íamos pro sítio, foi que eu tive mais contato, eu sempre tive a necessidade de contato com a natureza.
P/1 – Você tinha quantos anos na época?
R – Eu tinha dez pra 12 anos de idade.
P/1 – E seus pais também estavam em Belém?
R – Quando meu pai morreu eu tinha um ano e meio, eu já não tinha mais o meu pai. Foi por esse motivo que eu fui morar com a minha irmã, a minha mãe ficou muito debilitada com a morte do meu pai, meu pai morreu de repente com um ataque cardíaco. E ela não teve mais condições emocionais de estar comigo. Foi por isso que eu dei um tempo assim, minha irmã disse: “Não, é melhor”, foi quando eu comecei a me entender como gente, aí a minha irmã achou melhor levar para morar com ela.
P/1 – Certo. A sua mãe ficou morando sozinha?
R – A minha mãe ficou morando sozinha, mas era bem grudada na casa da minha irmã mais velha, ela não era desamparada, mas preferia morar sozinha.
P/1 – E lá no sítio você teve contatos, quais eram as brincadeiras?
R – Piscina, nadar no igarapé, andar de barco, subir em árvore, brincar de bola, eu gostava muito disso. E aí meu sobrinho já foi crescendo, ele foi me acompanhando, ele era minha companhia principal e eu brincava bastante. Pescava, eu adoro pescar, pescava muito lá.
P/1 – E a escola, Márcia?
R – A escola, frequentei, sempre. Um dos motivos de eu ter ido morar com a minha irmã foi justamente esse, eu comecei a ir mal na escola, quase repeti de ano. E eu tive um problema nesse interim entre oito e dez anos de idade, eu tava viciando em jogo. Porque a minha mãe não tinha aquela atenção necessária comigo e eu comecei a jogar baralho. Onde eu morava era quase que uma periferia, então tinha acesso a jogos, os vizinhos jogavam, me chamavam e eu comecei a gostar. E aí eu comecei a me desinteressar pelos estudos.
P/1 – E você gostava de ficar lá jogando o dia inteiro?
R – Jogando o dia inteiro, só saía de lá pra ir pra aula, saía correndo, então eu comecei a ir mal. Não cheguei a repetir de ano, mas quase repeti. Foi aí que minha irmã me levou, ela disse que aquele meio não era para mim. E a minha mãe não tinha condições. Minha mãe ficou muito deprimida. E foi isso. E aí eu comecei a estudar, foi, me formei no primeiro ano, entrei pro handebol no segundo ano, entrei pra seleção paraense.
P/1 – Você gostava muito de esportes.
R – De esportes. Foi o que eu falei. Como eu passei a ser uma criança quase sozinha, eu me infiltrei no esporte lá na escola. E foi aí que eu entrei pro handebol e fui pra seleção paraense, viajei e tudo mudou. Mas continuei sempre estudando. Estudei até os 18 anos, me formei no segundo grau, foi quando eu fiz um curso técnico em contabilidade e com 20 anos eu vim embora pra São Paulo.
P/1 – E por que você veio?
R – Eu vim embora pra São Paulo porque a minha mãe tinha uma super proteção comigo. Apesar desse problema que ela tinha, ela não deixava eu viver a minha vida. Ela não saía da casa da minha irmã, sempre queria cuidar de mim, era aquela proteção. Era muita proteção, porque ela transferiu toda a carência dela pra mim, que como eu falei, desde criança, quando meu pai morreu, ela transferiu toda a carência dela pra mim. Isso me sufocava, não fazia eu crescer como pessoa, eu sentia que isso me atrapalhava. E um belo dia eu disse: “Eu vou embora”, eu já trabalhava.
P/1 – Você trabalhava com o quê?
R – Com o escritório.
P/1 – Foi seu primeiro emprego?
R – Meu primeiro emprego, com 18 anos. Eu comecei a trabalhar numa empresa de água, Belágua, que era distribuidora de água e eu disse assim, vou pedir as contas e vou viver minha vida em São Paulo. Ela não gostou, lógico.
P/1 – Mas como surgiu a ideia de São Paulo?
R – Ir embora.
P/1 – Você queria...
R – Porque São Paulo é o sonho de todo mundo que é do Norte e Nordeste. São Paulo é a terra das oportunidades. Eu achei que eu ia ter minha oportunidade aqui. O estudo seria melhor, o trabalho seria melhor, eu conseguiria mais rápido a minha independência. Eu vim pra cá com 20 anos, prestei vestibular pra PUC, passei, só que eu não consegui concluir o curso porque era muito caro pra mim.
P/1 – Qual era o curso?
R – De Serviço Social.
P/1 – Por que você escolheu Serviço Social?
R – Porque eu queria trabalhar com gente. Mas era muito caro, minha mãe não tinha condições de pagar, minhas irmãs, e eu não tinha ninguém aqui em São Paulo.
P/1 – Que ano que era isso?
R – Eu vim pra cá em 87, em 90.
P/1 – Em 90. E voltando um pouquinho, Márcia. Quando você chegou em São Paulo a primeira vez?
R – A primeira vez foi um vexame. Eu vim de ônibus. Desci na estação Tietê. Dei sinal pro metrô (risos) pra ele parar pra mim. Eu não sabia absolutamente nada. Eu tinha uma amiga só aqui, que morava em São Paulo.
P/1 – Então antes de você escolher São Paulo você já tinha uma referência.
R – Já tinha uma referência. Vir sozinha, sozinha de tudo não dá, mas eu não tinha família, nada, só ela. “Márcia, você vem, você fica um pouco na minha casa”.
P/1 – E onde ela morava?
R – Na Serra da Cantareira. Lá em cima, lá na serra mesmo, mil e 600 pés de altura. Primeira vez pra ir pra lá: “Meu Deus, pra onde eu estou indo?”. Belém é uma cidade plana, lá é planície, aqui é planalto, tem altos e baixos, tem montanha e tudo o mais. E fui pra lá. Fiquei 15 dias lá me sentindo a pior das pessoas porque era tudo muito grande, era tudo muito longe, era tudo muito estranho pra mim. Eu saí de uma cidade com um milhão e 600 mil habitantes, vim pra uma cidade que já tinha 16 milhões na época, então assim, foi uma mudança muito radical pra mim. Eu disse: “Eu quero ir embora, não quero mais ficar aqui nessa cidade”. Demorava duas horas pra chegar num lugar, muito perdida mesmo. E ela não podia ficar comigo o tempo inteiro, ela tinha a vida dela.
P/1 – Sua amiga fazia o quê?
R – Ela trabalhava também. Ela é artesã, então ela trabalhava em feira, fazia exposição em feira e tudo o mais. Minha mãe mandando uma carta por dia para eu voltar. Aí começou juntar a fome com a vontade de comer. Minha mãe querendo que eu voltasse e eu achando a cidade estranha. Mas consegui um emprego.
P/1 – De quê?
R – De assistente de sindicato. Era um nome imenso do sindicato que até hoje eu não decorei, mas era dos hidráulicos de São Paulo. Eu comecei a trabalhar, fui lá e consegui a vaga pra trabalhar com um velhinho de 76 anos, seu Orestes.
P/1 – Você conseguiu essa vaga como? Você viu pelo jornal?
R – Pelo jornal. Eu saí de lá da Serra da Cantareira e fui morar numa república ali na Doutor Seng, atrás do Macksoud Plaza. Fui pra uma área central pra ficar mais perto da cidade. Foi que eu consegui esse emprego, só que eu ganhava muito pouco, dava só pra pagar a vaga que eu ficava lá. E eu não sabia cozinhar, não sabia fazer nada, porque a minha mãe fazia tudo pra mim. Passei dois meses fazendo miojo com ovo cozido que era a única coisa que eu sabia fazer. E foi daí que veio a coisa de aprender a cozinhar, de me virar. Depois de dois meses eu consegui um bom emprego. Eu trabalhei dois meses nesse sindicato e depois eu consegui entrar na AEG-Telefunken, como assistente fiscal, isso no ano de 93. Foi aí que eu consegui pagar uma faculdade, consegui sair da república, fui dividir o apartamento só com três pessoas porque eu dividia com oito. E eu fui melhorando. Fui concluindo meus estudos com muita dificuldade também porque eu tinha que pagar a faculdade, eu fiz na Fecap, Administração. Era o que dava pra pagar naquela época, da PUC não dava porque hoje seria tipo dois mil e poucos reais a mensalidade, é muito cara a PUC. E lá eu pagava como se fosse 400 reais, então era uma diferença.
P/1 – E o curso de Administração foi porque você já trabalhava na área.
R – Isso! Já trabalhava na área. Entrei na Telefunken como analista fiscal e falei, vou me especializar na área que eu to trabalhando. Mas foi pela necessidade do momento. Depois eu entrei no Laboratórios Roche, trabalhei na Yopa Gelato e fui me especializando. Aí comecei a me especializar em automação industrial.
P/1 – Isso foi onde, na Roche?
R – Não, depois que eu saí da Roche. Até a Roche eu fui como analista fiscal, sempre na área fiscal. E depois, quando eu não gostava, não me sentia mais feliz trabalhando com papelada, com números, todo mês a mesma coisa.
P/1 – Você já tinha terminado o curso?
R – Já tinha terminado o curso. Aí eu disse: “Quer saber? Eu vou em busca de um outro horizonte”. Aí surgiu uma oportunidade pra trabalhar no escritório de tecnologia de um amigo meu. Ele disse: “Márcia, eu to precisando de alguém que trabalhe na área de automação, é trabalhar com Ifi, com coletor de dados, pra você oferecer pro cliente. A gente monta os projetos, oferece pro cliente se ele quer automatizar a empresa dele”. Eu falei: “Interessante, acho que é legal isso, te força a pensar.”. E foi aí que eu fiz cursos. Eu fiz curso de Tecnologia nessa área de Automação e trabalhei a vida inteira com isso, até o ano retrasado.
P/1 – A gente vai fazer uma pausa nessa sua trajetória profissional pra pensar a Márcia jovem que chega em São Paulo.
R – A Márcia jovem que chega em São Paulo.
P/1 – Além do trabalho e do estudo, o que mais você fazia? O que você descobriu na cidade?
R – Eu descobri que eu comecei a me apaixonar pela cultura da cidade. São Paulo oferecia uma vida cultural bastante fácil, abrangente, teatros de graça, exposições. E comecei a fazer amigos, fiz bastante amigos. Comecei no Sesc Consolação, depois fui pro Sesc Vila Mariana, ampliou meu rol de amigos.
P/1 – Fazendo o quê?
R – Jogando. Jogando futebol de salão.
P/1 – Por que futebol de salão? Porque antes você jogava handebol.
R – Handebol. Porque não tinha handebol, aí fui pro gol, que era o que mais ou menos mexia com as mãos. Eu já estava acostumada a tomar bolada, como eu falei (risos). Aí eu fui, não tinha medo de bolada porque handebol a gente não pode ter medo de tomar bolada. Eu fui ampliando meu círculo de amizades, me dedicando ao esporte e a minha vida profissional trabalhando, jogando, sempre conciliava o trabalho com prazer, com lazer. E sempre fui muito em cinema, assistir Mostra de Cinema, filmes europeus que eu curto bastante. Isso abriu um leque pra mim, me ajudou. São Paulo fez com que eu descobrisse, fez com que eu gostasse cada vez mais. Hoje eu amo São Paulo, muito mesmo. Eu não consigo mais me ver fora daqui. Eu amo minha cidade, não perco minhas raízes, mas eu gosto muito daqui porque aqui oferece muita coisa. Então, a minha juventude foi assim, graças a Deus eu sempre procurei me relacionar com pessoas do bem porque fui convidada até pra fazer programa, fui convidada pra ser traficante (risos). A gente vem sozinha e acham que você está ali perdida. Porque eu faço amizade até com poste na rua, então as pessoas pensavam que... E graças a Deus eu nunca me envolvi com isso porque a minha mãe e a minha irmã sempre me diziam que isso fazia mal, que se eu entrasse nessa vida eu não saía mais.
P/1 – E sempre enviando cartas.
R – Sempre enviando cartas. Minha mãe enviava, em um mês eu recebi 30 cartas, era um carta por dia. Até que minha irmã falou: “Mamãe, eu não aguento mais, a mãe dorme com a foto, põe embaixo do travesseiro e chora toda noite” “Mas eu não vou voltar, eu não posso, eu tenho que seguir minha vida. Eu tenho que aprender a ser sozinha assim, a ser independente.
P/1 – E os amores?
R – E os amores? Então, a Bete é a minha companheira. Eu nunca me relacionei, nunca tive uma relação hetero, mas eu sempre soube muito separar as coisas, eu sempre me relacionei com mulheres fantásticas, que me ajudaram muito. Tive relacionamentos longos de cinco, seis anos.
P/1 – E como você descobriu essa Márcia que não se enquadra? Se descobriu em São Paulo?
R – Não, em Belém. Eu já tinha tido uma relação homoafetiva com uma mulher durante cinco anos.
P/1 – E qual era o nome dela?
R – Dorimar.
P/1 – Dorimar.
R – Eu a conheci com 16 anos e só quando eu vim embora pra São Paulo que nós terminamos.
P/1 – Foi difícil terminar?
R – Pra mim foi difícil sair de Belém, mas eu precisei porque ela era uma pessoa muito possessiva. E tinha a minha mãe também que me sufocava. Foi quando eu precisei respirar. Aí eu dei um fim em tudo e eu vim justamente pra isso. Eu falo que eu vim pra São Paulo pra me libertar das emoções das pessoas que dependiam emocionalmente de mim. E eu não dependia emocionalmente delas porque isso fazia mal pra mim. Então foi isso. E minha vida é muito bem resolvida. Graças a Deus eu nunca tive problema com isso porque eu sempre joguei muito aberto, muito limpo. E também é o modo como você se relaciona e o que você se coloca diante das pessoas. Eu percebo isso, eu não dou muita liberdade, eu sou meio fechada nesse ponto assim, eu não falo da minha vida. No trabalho eu sou Márcia, a profissional, não interessa a vida que eu tenho fora dela. Mas as pessoas vão me conhecendo e eu vou trazendo pra dentro de casa, então elas vão percebendo naturalmente isso. Eu não preciso chegar pra alguém: “Olha, eu sou”, não preciso. E uma das coisas que eu fiquei muito, muito feliz com o Consulado foi eu não precisar falar e eles me receberem. Porque numa entrevista como essa a Louise disse assim: “Márcia, quem mora com você?” “Moro eu, a Bete” “A Bete é sua companheira?”. Eu disse: “É”, pra ela foi natural. Eu achei muito bacana, isso não me agrediu em nenhum momento, eu não senti nenhum tipo de preconceito, nada. Eu conheço pessoas que têm muitos problemas com isso, mas eu nunca tive. Posso ter orgulho, eu tenho orgulho de ser quem eu sou.
P/1 – E Márcia, você falou que teve relacionamentos longos...
R – Sim.
P/1 – E quando você terminou lá com a sua namorada lá em Belém, quando você veio pra cá, você rompeu também com os laços familiares no sentido de sair do Pará, buscar um sonho. Quando você chegou aqui como foi também se reconstruir em São Paulo?
R – É como eu falei, pessoas amigas. Eu sempre dei muita sorte de conhecer pessoas do bem. E que me orientavam. Com a minha primeira namorada de São Paulo, a mãe dela me adorava, então todo final de semana eu ia pra lá. Eu tinha uma vida familiar, a mãe dela sabia dela e respeitava muito isso. Japoneses. A Cristina Matsubara. E a família dela toda japonesa, daqueles bem ortodoxos que a gente fala, de falar japonês em casa. E a mãe dela me adorava, gostava muito, até hoje nós temos amizade, a dona Lúcia. Então ela sempre fazia suco de laranja, (imita sotaque japonês) “Márcia Monteiro gosta de suco de laranja?”. E eu tive sorte porque a Cristina era uma grande executiva da IBM, ela me orientou em muita coisa. Depois dela veio a Cíntia, que é uma empresária, tudo da mesma idade, mesma faixa etária. Trabalhei junto com a Cíntia. Foram essas pessoas que me ajudaram. Agora essa na minha vida no começo aqui em São Paulo.
P/1 – Depois que você ficou lá na república, lá no centro, você foi morar onde?
R – Fui morar na Rua Leôncio de Carvalho. Um apartamento pra dividir com mais três pessoas, duas em cada quarto. Estava precisando, a moça sublocava o apartamento de dois dormitórios, era muito caro lá e ela alugou para mais duas moças, ela e mais outra moça. E aí melhorou bastante. Imagina, eu dormia num apartamento, um quarto do tamanho dessa sala com oito meninas, beliche, triliche, quadriliche, só faltava beijar o teto pra dormir (risos), não podia cozinhar lá dentro, só podia fazer miojo com ovo cozido que a dona da casa não deixava. Os dois meses ali foram bem difíceis, meu Deus do céu, só chegava lá pra dormir. E final de semana eu adorava porque a Cristina me levava pra casa dela, então eu ficava...
P/1 – Aí você tomava o suco de laranja.
R – Tomava suco de laranja, comia comida japonesa que eu adoro. E foi isso.
P/1 – E a sua família? Ela chegou a te visitar depois?
R – Sim. Bem depois. Porque eu sempre vou pra lá. Minhas férias, a oportunidade que eu tenho, eu sempre vou pra lá. Minha irmã não pode vir porque ela é muito velhinha? Minha outra irmã também, ela tá com problema de saúde. E ela também não podia sair de lá de Belém pra vir pra cá, é muito cara a passagem de lá pra cá. E aqui, quem ia ficar com ela? Eu trabalhando, ela ia ficar sozinha o dia inteiro. Então eu prefiro ir pra lá, mas o laço com a minha família é muito forte. A gente conversa bastante pelo Face, minhas sobrinhas, de vez em quando elas vêm pra cá, a gente sai.
P/1 – E voltando agora pra parte profissional, Márcia. Você foi lá trabalhar na empresa com seu amigo nessa parte de automação. Você falou que ficou até recentemente?
R – Isso, mas já não foi só com ele. Eu fui saindo. Esse é um mercado muito bom porque é uma mão de obra difícil o mercado de automação industrial, principalmente na parte de coletores, então eu tinha essa experiência. E no mercado todo mundo se conhece, então é aquele jogo que eles fazem: “Se a gente te der tanto você vai trabalhar comigo?” “O dobro eu vou. Não vou sair daqui de onde eu to, não” “Vamos lá, a gente conversa”. E sempre... Então, eu passei por umas três empresas assim. E sempre uma melhor que a outra. A última que eu trabalhei é aqui no Jabaquara, na Spencer Tecnologia. E foi assim, como eu falei, eu trabalhava, eu era mercenária, eu me sentia uma mercenária porque eu trabalhava por dinheiro, não trabalhava porque eu gostava. Não, eu vou fazer isso porque eu vou ganhar dinheiro. Mexer com máquina mesmo, não mexia com pessoas.
P/1 – Você tinha alguns sonhos relacionados até a ter uma renda maior?
R – Ah tinha sim!
P/1 – E quais eram os sonhos?
R – Era de ter um restaurante. Porque como eu falei pra você, eu não sabia cozinhar, só sabia fazer miojo, então, eu fui aprendendo a cozinhar. Aprendendo, aprendendo e descobri esse talento em mim. Eu cozinhava pros amigos, eles iam na minha casa: “Ah, vou fazer um estrogonofe” “Vou fazer uma lasanha”, e eu fazia com muito prazer isso. E sempre diziam: “Márcia, por que você não abre um restaurante? Você cozinha tão bem”, eu inventava coisas. Então meu sonho era esse, eu vou realizar esse sonho. Pensava, imaginava, sabe? Restaurante rústico, um bistrô. E era esse. Então eu dizia: “Um dia eu vou trabalhar com o que eu gosto”. Era bem isso que eu pensava. E foi quando eu descobri os orgânicos.
P/1 – E como você descobriu os orgânicos?
R – Foi indo ao Parque da Água Branca. Um belo domingo fui lá com uma companheira minha, ela também curtia essas coisas, era mais natureba e disse: “Ah, vamos lá conhecer”. Fui e me encantei, achei muito bacana, aí comecei a participar de palestras pra entender mais do assunto. Me filiei à AAO, que é a Associação de Alimentos Orgânicos e eu participava de todas as palestras deles, seminários. Comecei a me inteirar e ver que aquilo era realmente um caminho para uma vida saudável. E comecei também a cozinhar com eles, a fazer comidas porque não é só o alimento cru, você tinha que colocar aquilo na alimentação das pessoas como comida.
P/1 – Isso na Associação?
R – Na Associação eu peguei informações só.
P/1 – Só informações. Mas cozinhar com quem? Você falou ‘cozinhar com eles’.
R – Foi com a minha companheira, eu comecei a levar pra dentro de casa.
P/1 – Ah, pros seus amigos.
R – Exatamente. “Olha, hoje eu vou fazer uma lasanha de abobrinha orgânica” “Hoje eu vou fazer uma de berinjela”, inventava sempre alguma coisa, uma salada de rúcula orgânica, um tomate orgânico. E muitos amigos meus começaram a ser adeptos dos orgânicos justamente por isso, eles começaram a diferenciar o paladar. Você pode ver, tem diferença. E você sente mais o gosto, é mais gostoso, é mais puro. E saudável. Então foi que eu comecei a me especializar. E foi quando eu entrei no Senac, eu fiz um caso de gastrônoma no Senac.
P/1 – De quanto tempo esse curso?
R – Olha, foi um curso básico, tá? Durou quatro meses. Então foi assim, três meses foi de teoria e o último mês foi na prática mesmo, de fazer. Mas era um curso básico. E foi que eu aprendi muito lá, ter as técnicas de como fazer. Porque foi voltado mesmo pra alimentação vegetariana, voltado pra esse tipo de alimentação.
P/1 – Mas você é vegetariana?
R – Olha, eu sou quase (risos). Eu tento ser, eu juro que eu tento ser 100%, mas eu to quase (risos). Quem sabe na próxima encarnação eu vire vegetariana (risos). Eu gosto muito de peixe, eu não consigo viver sem o peixe, sem o camarão, sem um franguinho. Carne eu dispenso, não tenho necessidade de carne vermelha, mas carne branca ainda não consigo.
P/1 – Mas você começou a pensar em ser vegetariana depois que você começou a ter contato ali com os orgânicos, com a feirinha da Água Branca?
R – Isso. Com a feirinha da Água Branca. E levava as pessoas que são. Porque o que eu percebi, Eliete, é que não tinha mercado que fornecesse pra essas pessoas. Alimentação orgânica, tipo um almoço, uma lasanha, um estrogonofe, porque eu também faço carne de soja. E elas diziam: “Márcia, puxa vida, não tem quem forneça”. E quem fornecia era muito caro. E aí eu descobri um balcão que vende orgânicos no Ceagesp, se você compra de quantidade sai muito mais barato e você pode repassar isso pro produto, seu produto acaba não saindo tão caro. Aí eu comecei. E trabalhando, trabalhando. Tinha que ganhar dinheiro, com isso ainda não dava pra ganhar dinheiro, não dava para eu parar, não dava pra nada. E foi até que no ano retrasado, eu morava em São Paulo, no bairro da Saúde, eu conheci a Bete. Eu já tava cheia de São Paulo, não aguentava mais aquele trânsito. O trânsito me irritava profundamente. Tudo eu precisava de carro. Eu disse: “Olha, quer saber? Acho que tá na hora de trabalhar com o que eu gosto. Minha idade tá chegando, puxa vida, eu vou fazer 49 anos”, na época eu tinha 47 pra 48. “Eu to chegando aos 50, meio século de existência e vou trabalhar sempre com o que eu não gosto? Não vou fazer minha realização pessoal que é trabalhar com alimentos?”. E foi que eu entrei num acordo com a empresa, aí disse assim: “Vou comprar um apartamento”, eu tinha umas economias. Eu me livrando do aluguel já é o suficiente porque aí eu posso, me viro de outro jeito. O importante é que você não tem aluguel pra pagar. E foi o que eu fiz. Comprei um apartamento, guardei umas economias.
P/1 – Que é esse apartamento.
R – Que é esse apartamento aqui. E aí eu vim pra cá, pra São Bernardo. Gostei muito da cidade, adoro isso aqui. Foi quando eu abri uma quitanda orgânica, chamada Sabor Autêntico. Só que não deu certo.
P/1 – E como era essa quitanda?
R – Eu aluguei uma salinha no bairro Assunção, na Rua Nilo Peçanha. Primeiro eu aluguei pra fazer uma coisa delivery, fiz um site, pedi pra desenvolverem um site do Sabor Autêntico, e as pessoas fazerem pedido pelo site e eu entregar na casa das pessoas.
P/1 – O que você oferecia no Sabor Autêntico?
R – Frutas, verduras, geleias. Porque aí eu fechei com vários fornecedores de alimentos orgânicos. Arroz, feijão, tudo.
P/1 – Era direto com o produtor.
R – Eu tinha 400 itens. Direto com o produtor ou distribuidor, mas bem com o produtor mesmo na questão dos alimentos e das verduras. Eu comecei nesse trabalho, a Bete junto comigo, mas não fluía porque a gente não tinha o conhecimento de pessoas, que nem todo mundo: “Ah, orgânico é caro. Vou comprar no convencional que é mais barato”. Eram poucos pedidos e não atendia aquela meta que a gente tava querendo.
P/1 – Pra dar sustentabilidade ao negócio.
R – Exatamente. A Bete tem muita amizade, ela conhece bastante gente aqui em São Bernardo, ela nasceu e se criou aqui. E ela é muito envolvida com política, então ela conhece muito a Ana do Carmo, Orlando Morando. Ela trabalhou com o Tião Macalé, não sei quem aí.
P/1 – O que a Bete faz?
R – A Bete é formada em comércio exterior e trabalha no Poupatempo, no Detran. Daqui a pouco, por sinal, ela tá saindo porque ela tem que trabalhar uma hora. E aí ela disse assim: “Vamos lá com a Ana do Carmo”. Surgiu a ideia de colocar uma feira orgânica em São Bernardo, que não tinha, uma feirinha. E a Ana do Carmo estava para lançar a Frente Parlamentar Orgânica. Ela tava querendo mesmo se envolver com esses orgânicos, com os produtores, os agricultores de orgânicos pra jogar aqui em São Bernardo isso, já tem muita gente que planta, só que não tem comércio. Não tinha, agora já tá tendo. E aí, fomos lá com ela. E através disso foi que nós começamos a Rede, que foi um curso que teve no CTR, que é a Central de Trabalho e Renda. Tava tendo um curso de Mulheres Empreendedoras na parte de alimentos.
P/1 – Quem é que tava dando esse curso?
R – A Renata. Não sei se você conhece, da SB Sol. E aí, ah, vamos lá. Porque pra gente fazer parte da rede tinha que ter esse curso. “Ah, vamos entrar Bete, vamos fazer, o que é que rola”. E aí começou a falar de Economia Solidária. “O que é isso, meu Deus? A gente vai fazer as coisas e sair dando por aí?” Esse é o primeiro pensamento que vem (risos). E aí não, foi aí que a gente começou a conhecer, se envolver, eu gostei, vi que a característica da Economia Solidária é uma distribuição de renda justa, é de ajudar principalmente o projeto do Consulado que é ligado com a SBSol, é de ajudar as mulheres empreendedoras que estão fora do mercado de trabalho, que têm os seus talentos pra colocar no mercado. E foi aí que eu comecei. Eu entrei, gostei, a Bete passou no Poupatempo e disse: “Olha Márcia, a gente precisa garantir um fixo. Porque as economias vão acabar e a gente não tá tendo de onde tirar”. Eu falei: “Então tá, você trabalha e eu vou trabalhar desse lado aqui porque eu vejo futuro nisso”. Eu entrei, Eliete, acreditando no projeto. Foi quando eu conheci o Consulado. E aí o Consulado me apresentou a Cia de Mulheres. Através desse curso porque a Louise estava lá. A Louise queria que eu fosse um grupo, Sabor Autêntico, porque já tinha o Cia de Mulheres. Aí eu disse: “Mas um grupo de uma pessoa só não existe. Não é melhor, Louise eu ir pra lá e levar o meu conhecimento?”. Ela disse: “Puxa, é uma boa ideia. Porque elas lá nem sabem o que é orgânico”. E não sabiam realmente. Então era aquele alimento convencional, era coxinha, bolinha de queijo, bolo. E eu já cheguei lá levando receitas orgânicas. “Vamos fazer um bolo de cenoura orgânico? Vamos fazer um bolo de laranja?”. Foi quando surgiu o primeiro seminário da Frente Parlamentar Orgânica e contrataram a gente.
P/1 – Quando que foi isso?
R – Foi em março do ano passado, 2013. Foi quando surgiu esse seminário e a Ana do Carmo pediu lá pros assessores dela entrarem em contato com alguém que fornecesse a alimentação orgânica. Então fui eu, Cia de Mulheres, foi o Planeta Natureza, que fica do outro lado da represa, que tem plantações. Eles levaram os pães deles. Eu tinha amizade com eles e falei: “Vamos lá participar desse seminário. Então vocês levem os pães de vocês, a gente vai oferecer um café da manhã. Eu levo meus patês de berinjela, os antepastos, os sucos naturais, frutas”. Fizemos um belíssimo café da manhã, todo mundo adorou. Bolo orgânico de mandioca, uma delícia, foi muito bom. A partir daí foi o salto, que Cia de Mulheres começou a ter destaque no mercado como fornecedor de alimentos saudáveis, mudou completamente.
P/1 – E vocês forneciam pra quem?
R – Pra Metodista, pra eventos corporativos do Celso Daniel, da Cátedra Celso Daniel. Pra SB Sol dos eventos que têm. Pra prefeitura agora nós vamos começar a fornecer e pra clientes em geral, que nos conhecem e encomendam nossos produtos.
P/1 – Então vocês oferecem uma espécie de coffee?
R – Exatamente. É o coffee. Tanto pra café da manhã, quanto pra coquetel à noite.
P/1 – Aí já é um buffet.
R – Aí já é um buffezinho mais sofisticado.
P/1 – E Márcia, você disse que conheceu a Louise nesse evento. E vocês fizeram algum tipo de curso, vocês foram assessorados de que forma pelo Consulado da Mulher?
R – Poxa vida. O Cia de Mulheres já era assessorado, ele já existia há dois anos. Eu fui apenas mais uma integrante lá. E aí a minha célula, que eu falo, era de orgânicos, que é pra desenvolver receitas orgânicas pra oferecer pro mercado. Essa é a minha função lá, praticamente.
P/1 – E você se integrou a uma célula que já existia. A partir da sua perspectiva que vinha já tentando um empreendimento de orgânico, como você analisa o seu crescimento? Já começou aí a crescer essa rede de fornecedores. Mas tem outros elementos, até de cursos, algo que você tenha agregado aquilo que você já sabia?
R – Sim. Tudo o que aparece em relação a orgânicos eu me interesso. Mas na parte do Consulado é mais cursos de empreendedorismo mesmo, de Plano de Negócios, de como você dirige o seu negócio. Agora, a parte de conhecimento de orgânicos é por minha conta, eu corro atrás. Leio muito na internet, leio muitos livros, procuro estar sempre indo nas hortas me inteirar desse assunto. Eu falo que como crescimento eu tive um crescimento pessoal muito grande. Pra mim emocionalmente, mudou muito a minha vida, mas muito mesmo. Que eu falo que eu trabalhei até dois anos atrás por dinheiro e hoje eu trabalho por amor. Porque o amor que eu tenho nesse trabalho, pra mim vai me trazer uma recompensa, eu não penso no dinheiro, se ele vai me trazer. Dinheiro todo mundo precisa, mas eu sei que eu trabalhando com essa dedicação que eu tenho, que o grupo está se empenhando, que tá aceitando as minhas ideias e o mercado está aceitando, isso vai trazer o retorno financeiro pra gente. Eu entrei com essa filosofia. Eu tive até alguns atritos diante do grupo com isso porque: “Ah imagina, orgânico não vai dar certo, orgânico é caro. Orgânico não vai trazer dinheiro”. Pelo contrário, é o que tá hoje dando sustentação pro grupo, é o que tá fazendo o grupo ser reconhecido. Então hoje elas reconhecem que foi realmente uma boa pedida ter entrado com os orgânicos. E eu me sinto muito, muito, muito feliz, realizada. Financeiramente, pra mim, ainda não tenho retorno, mas incrível, isso não está me preocupando, não é uma coisa que me tira o sono. Não. Eu me preparei pra isso, pra recomeçar, porque pra mim foi um recomeço mesmo, esqueci tudo o que eu vivi da vida profissional, não tenho mais a ver com aquilo, pra mim é uma vida nova, meu primeiro emprego. E eu estou conquistando isso a passos pequenos, mas estou conquistando. Todo dia eu conquisto alguma coisa.
P/1 – E você observa, já num ponto de vista macro, Márcia, de que há uma sensibilidade hoje para orgânico? Existe mercado pra orgânico no Brasil?
R – Muito. Muito. A gente tá sem pernas pra atingir o mercado. Tem mil ideias que se pode colocar. A próxima é fornecer até pra Copa, pras Olimpíadas, entrar em contato com hotéis, se eles vão comprar nossos produtos. Nós vamos entrar com registro agora dos produtos, dos pastéis orgânicos integrais, pra gente ter acesso a esse mercado. Eu já to pensando nesse. E na prefeitura são 600 funcionários que nós vamos ter que atender. Desses 600, 70% querem alimentação saudável. Foi feita uma pesquisa na qual 70% é adepta de alimentação saudável, que eles não têm acesso. É muito difícil comer aquela comida feita de qualquer jeito que tem na redondeza. Então agora eles vão ter lá dentro pra eles. Com isso nós já vamos fornecer as comidinhas.
P/1 – O que vocês vão oferecer? Qual o cardápio?
R – Na parte do carrinho vão ser lanches, salgados assados, esfirras vegetarianas, pastéis vegetarianos, sucos - não vai entrar refrigerante porque isso vai contra a filosofia que estamos aplicando. Sucos, lanches naturais, bolos integrais, bolo feito com cenoura orgânica, laranja orgânica, morango. Tem uma infinidade de coisas boas, gostosas, pra se oferecer nesse carrinho. Isso tudo está sendo montado desde agosto, passo a passo, junto com o SB Sol e com o Consulado todo esse projeto. E agora a partir do dia 25 vai entrar em ação.
P/1 – Dia 25 agora?
R – De abril. Até o dia 25 de abril vai entrar em ação.
P/1 – E o que vai entrar em ação? Vocês já vão começar a oferecer isso pra prefeitura.
R – Isso. E a próxima etapa vai ser oferecer comida, já estão desenvolvendo isso na cozinha, vendo o que a gente pode já estar oferecendo. Tem uns três, quatro cardápios que a gente vai oferecer pra que eles comam rápido na hora do almoço, esquentar no microondas, mas uma comida saudável. Isso também vai ampliar.
P/1 – E vocês já têm uma carta de fornecedores? Da região, daqui?
R – Sim, de orgânicos. Já tem, eu já pego direto com os produtores orgânicos de São Bernardo do Campo.
P/1 – Então já tem uma rede.
R – Já. Exatamente. É essa a intenção, de criar essa rede. Eu tenho umas fotos bem bonitas assim. A primeira vez que eu fui pegar os orgânicos da rede, fiz uma cesta bonita, coloquei os pastéis feitos com esses vegetais. E as mulheres que estão por detrás disso, tem um jornal com a fotinho delas e tal. E é uma alegria, uma satisfação em saber que o nosso é o único grupo que começou com essa ideia. E os outros grupos já estão começando a pensar. Em São Paulo, eles não podem vir até aqui e lá eles não têm um acesso fácil. É conhecimento porque você tem que se embrenhar mesmo e saber onde você vai buscar o orgânico. E o que eles estão fazendo? Eles estão pegando dos nossos pra levar pra Berrini. Toda terça-feira eu levo uma demanda pra Berrini, que é um público mais sofisticado, é um prédio super chique lá na Berrini e estão consumindo muito, estão adorando.
P/1 – É o mesmo do Whirlpool que tem ali a cafeteria?
R – Exatamente, é lá!
P/1 – Vocês também estão oferecendo então.
R – Estamos oferecendo lá. O dia que você for lá você vai comer um salgado nosso de lá. E está indo pra Anchieta também, pra Lanchonete Solidária de lá. Porque está sendo tão bem aceito que a Louise fez assim: “Gente, vamos pegar delas”. A gente entrou num acordo de preços pra elas saírem ganhando e a gente também. Então estamos fornecendo. E aí vai vir muita coisa ainda. Até pro Poliesportivo nós vamos levar agora no dia 27, nós estamos escaladas pra trabalhar na lanchonete do Poli, na final da liga de vôlei feminino e masculino, na Superliga de Vôlei. Nós vamos trabalhar e o que nós vamos levar? Lanche natural, esfirra assada, pastel assado. Porque da outra vez que nós fomos dia 14 de março, se tivesse pedra com sal tinha vendido. Nós fomos pra atender 600 pessoas e tinha mil e poucas pessoas lá. Era um evento pra mil e 500 pessoas, só que não era todo mundo que ia consumir, então vamos levar pra 600? Mas vendeu muito, o pessoal adorou: “Nossa, nunca pensei que na lanchonete, a gente só encontra coisas...”
P/1 – Nada saudável.
R – Nada saudável, feito de qualquer jeito. Os atletas lá, pessoal da seleção brasileira foi lá também com a gente, tirou foto. Eu fico muito satisfeita.
P/1 – Márcia, e quantas mulheres estão trabalhando lá na Companhia de Mulheres?
R – Atualmente nós somos em seis mulheres.
P/1 – Vocês estão dando conta?
R – O bicho tá pegando pra gente.
P/1 – Vocês estão contratando?
R – Nós estamos contratando, chamando...
P/1 – Chamando outras parceiras.
R – Isso. Parceiras pra rede. Primeiro a gente faz um teste, explica como funciona a Economia Solidária, que você recebe aquilo que você trabalha e com as demandas que aparecem. Não é uma empresa capitalista que todo mês tem aquele garantido, a empresa indo mal ou bem você vai receber. Não. O nosso a gente vai receber por aquilo que acontece. Ficamos o mês de janeiro sem receber, o mês de fevereiro, mas nós já somos... Por quê? Nós plantamos. Nós estamos investindo, investindo, vamos acreditar. E agora vai começar a nascer. E é bom que todas que estão lá estão acreditando nisso. Eu procuro sempre dizer: “Não desistam, agora vai vir o melhor. Estamos roendo o osso, mas daqui a pouco vai vir um filezinho de peixe pra gente” (risos).
P/1 – E Márcia, quais são os desafios desse empreendimento? O desafio agora de trabalhar numa outra perspectiva que não empreendedorismo solitário, mas um empreendedorismo em rede. Quais são os desafios que aparecem?
R – Desafio é ser reconhecida no município e no Estado de São Paulo como fornecedora de alimentação saudável e ter o respaldo do público, ter a resposta do público pra isso. Porque nós estamos trabalhando pra isso. A gente quer crescer diante dessa filosofia, da alimentação com qualidade e com saúde.
P/1 – Saudável.
R – Exatamente. Então o nosso desafio é esse, chegar até o final do ano com um bom salário, um salário digno. Não vai ser um salário milionário, mas um salário digno que todas fiquem felizes, que trabalhem mesmo por amor, e sabendo que trabalhando por amor elas vão ter essa recompensa. Recompensa financeira vai vir, que todo mundo precisa, são mulheres que realmente precisam. São aposentadas, mulheres que têm maridos inválidos em casa e que precisam, não têm uma renda, não têm de onde tirar, só ali do grupo.
P/1 – Agora, nesse contexto vocês estão já com um plano de negócios?
R – Sim, sim. Na verdade nós estamos colocando ele em prática agora. Porque até então, antes não tinha nada. Comecei a levar isso agora pra lá. Porque acho que a visão administrativa me ajudou muito e elas não tinham essa visão. Não fizeram faculdade, elas têm o talento delas para produzir, têm o conhecimento da comida, de cozinhar, de saber fazer. Mas administrativamente não, sempre foram mulheres que ficaram em casa cuidando do marido, cuidando da casa, dos filhos. E isso foi levado pra lá. Então eu, junto com o Ailton, a gente está colocando ordem na casa. O Ailton é o que trabalha na Padre Léo, parceiro nosso, que é onde nós estamos incubadas. É ele que está ajudando a gente, que dá uma assessoria nessa parte administrativa porque não tem mais braça, ele tem mais cabeça pra ficar pensando nessa parte administrativa porque eu quero me dedicar à comida mesmo. Eu to passando assim e a gente tá se organizando.
P/1 – E Márcia, como você vê o papel do Consulado da Mulher no empreendimento?
R – Fundamental. Fundamental. O Consulado, nossa, eu não saberia viver sem elas. Elas são... O Consulado é muito bacana com a gente. Dá todo o apoio. O último presente nosso agora foi um forno turbo no valor de três mil e 600 reais que elas colocaram lá na nossa cozinha porque a nossa demanda aumentou muito. Então: “Louise, aumentou a demanda e a gente não tem forno pra trabalhar, pra atender” “Pera aí, Márcia”. Em um mês resolveram e colocaram um forno lá pra gente. Estão mudando toda a estrutura, vão mudar o layout. Uniforme, aceitaram a ideia de uniforme porque: “Aquele negócio de avental, vamos mudar, colocar uma coisa mais alegre. Esse negócio de preto não... “ Pra trabalhar com alimentação tem que ser coisa alegre. Aí já estão mudando uniforme, vão colocar camiseta colorida, um aventalzinho com três bolsos coloridinho também pra se apresentar já na prefeitura. Então assim, o Consulado dá muito, mas muuuito apoio pra gente. Muuuuito. Tudo a gente conta com elas. Na questão técnica de manipulação de alimentos. Essa semana, terça-feira, fizemos um curso na Termomecânica. Foram todas do grupo fazer um curso de manipulação de alimentos, fizemos aula de laboratório, ver o que é bactéria, o que é não sei o quê, se não lava direito uma alface, o que pode ir nessa alface. É a preocupação também com isso. A gente não tem o que falar, é só agradecer o Consulado, só agradecendo.
P/1 – E hoje a rotina de vocês lá no Companhia de Mulheres qual é? Você acorda de manhã, vai, fica o dia inteiro? Me descreve essa rotina.
R – A gente já faz uma programação diária. Sempre no final do dia nós sentamos: “O que nós vamos fazer amanhã?”, a gente já põe: “Karen vai fazer isso, Márcia vai fazer aquilo. Terezinha, Suzana, a Sílvia”. Já tá lá o cronograma nos quadradinhos, com tudo detalhado. Até o final da tarde tem que estar cumprida aquela tarefa. Eu fico mais na rua, eu faço mais trabalho de rua, vou visitar cliente, vou atrás de demandas. E dou uma coordenação lá dentro. O tempo que eu estou lá dentro eu começo a desenvolver receitas. Então é essa a minha vida, eu durmo e acordo pensando no grupo, é bem isso.
P/1 – O tempo todo.
R – O tempo todo.
P/1 – Márcia, você tava comentando sobre a rotina da Companhia de Mulheres, como é o seu dia e do grupo.
R – Correto. Então, é feita uma programação diária. No final da tarde a gente se reúne e vê qual vai ser a função de cada uma no dia seguinte pra organização, não ficar uma trombando na outra. Lá abrimos um quadro, deixamos exposto em um certo local da parede e todo dia vai alguém lá e ver o que tem que fazer. Karen tem que fazer goiabinha, Márcia tem que ir no banco, tem que fazer compras. Terezinha vai cuidar dos chocolates, e assim vai. Essa é a organização, da gente ter as demandas sempre todas detalhadas pra ninguém ficar perdido. Ontem entrou uma menina nova, ela já foi, já entrou no ritmo, já colocamos ela pra fazer o curso de manipulação. É uma mocinha que é separada, tem dois filhos pra criar, tem um filho pequeno e ela tava doida atrás de trabalho, precisando trabalhar e disse: “Vamos tentar com ela”. Ela vai fazer uma experiência com a gente pra depois ver se ela vai ser aprovada ou não. Porque tem tudo isso. Pra você conhecer alguém, você tem que comer um quilo de sal junto pra saber. No primeiro dia tudo é lindo e maravilhoso, com a convivência... E isso é muito importante pra gente porque nós conhecemos umas às outras, cada uma sabe do temperamento uma da outra. Já sabe quando uma tá triste, tá com problema, então a gente procura deixar ela de lado. Tem a Terezinha que é espoleta, brincalhona. Ela foi uma pessoa muito legal que nós colocamos pra trabalhar junto com a gente, deu um up. Porque eu não tenho tempo pra ficar lá na cozinha e a mulherada era meio calada. Então ela brinca, ela tira o pessoal do sério, mas no bom sentido. E é isso, a nossa rotina é essa. Inclusive hoje estava: “Márcia entrevista com o Museu da Pessoa” (risos). E foi isso.
P/1 – E vocês têm reunião com a rede como um todo, aqui de São Paulo?
R – São raras. Raras assim, acontece uma vez a cada três meses. Porque não dá pra reunir todo mundo, tem que ser um dia específico. Mas a gente se reúne nós, mulheres do grupo Cia. de Mulheres, uma vez por semana pra aparar as arestas, ver se precisa alguma coisa, colocar alguma coisa em prática, alguma coisa nova, algum problema se está acontecendo. Tem a Mariela da Padre Léo que é uma excelente pessoa, ela trabalha muito com emoções de mulheres. Ela trabalha com mulheres que foram violentadas, mulheres que sofrem violência doméstica da região, então ela conhece muito de relações humanas. E a gente senta com ela e ela dá um bom respaldo pra gente, um apoio muito bom. É italiana ela. Bacana ela.
P/1 – Márcia, agora eu quero só voltar um pouquinho com você. Tem a foto ali do Sabor Autêntico, que foi um empreendimento seu. Comentar um pouquinho sobre a experiência desse seu empreendimento. Você falou lá da sua experiência que você começou. E que parece que não deu certo. Você teve que fechar?
R – O Sabor Autêntico, sim.
P/1 – Você ficou quanto tempo com o negócio?
R – Seis meses. Fiquei, deu pra perceber que não dava. Pra seguir sozinha não dava.
P/1 – Aí o que você fez?
R – Aí foi que nós começamos a ir pra eventos. Tudo quanto era evento que tinha eu tava participando. Fui no aniversário de São Caetano, fui na feirinha gastronômica. Nós trabalhamos dois meses seguidos na quermesse de São Bernardo, da Igreja São João Batista, fomos sobrevivendo com eventos assim. Quando eu entrei no grupo ainda estava trabalhando em alguns eventos. Quarta e quinta tinha feira no Poliesportivo e no bairro Rudge Ramos.
P/1 – Aqui em São Bernardo?
R – Isso. É uma feira fixa, uma feira livre que tem lá. Então, montava a barraca lá, conseguimos uma licença e tudo. Só que não deu mais pra conciliar quando eu entrei pro grupo. Ele foi e disse assim: “Nossa Márcia, você largar esse ponto? É bom, é uma licença difícil de conseguir e tudo o mais”. E a Bete não trabalhava mais comigo, ela já estava no Poupatempo. Eu disse: “Não, mas eu preciso ir trabalhar com o grupo, eu tenho essa necessidade. Eu prefiro trabalhar numa cozinha. Porque montar barraca, desmontar barraca, você não cria nenhum vínculo a não ser com cliente, não to levando meu conhecimento pra lugar nenhum, só aqui, o cliente vem aqui, compra e vai embora”. Aí foi que eu dei baixa na minha licença e me dediquei só ao grupo. Mas eu fiquei mais um mês só.
P/1 – Fazendo os dois.
R – É, fazendo os dois.
P/1 – E hoje você tá na cozinha fazendo essa parte de...
R – De orgânicos, focado nisso, meu foco é esse.
P/1 – E hoje o que é importante pra você, Márcia?
R – Hoje o que é importante pra mim é que o grupo cresça (risos). Que esse meu sonho e o sonho dessas mulheres que estão comigo se tornem realidade, porque nós estamos juntas. Que nossos sonhos se tornem realidade, a gente trabalha muito isso. Nós estamos aqui realizando um sonho, temos que agarrar essa oportunidade, que é esse respaldo, esse apoio que o Consulado dá pra gente, não encontra por aí. É difícil. Quando eu falo do nosso projeto assim, o pessoal fala: “Nossa, não sabia que existia isso”. Existe, então vamos agarrar com unhas e dentes porque quem tá aqui é um felizardo. Uma pessoa que teve uma sorte de cair num grupo ao qual você não tem patrão, você pode resolver os seus problemas, você não tem ninguém que fica te pressionando. Você trabalha com liberdade, com amor, com dedicação. E você sabe que você tá trabalhando pra você. Você tá trabalhando pra você, é pro seu crescimento isso. Você não está trabalhando em função de uma indústria que só visa lucro, você está se realizando mesmo. Então esse é o meu sonho, é minha inspiração. E o Consulado me inspira muito, então, eu tenho me inspirado muito no Consulado.
P/1 – Bacana. Márcia, o que você sentiu ao contar a sua história pra gente?
R – Emocionante porque eu nunca falei tanto de mim (risos).
P/1 – Sério?
R – É sério. Eu nunca falei tanto assim de mim, desde o começo, da minha saída de Belém. Eu to bem feliz, eu gostei bastante. Eu achei que eu ia ficar mais nervosa, mas fluiu bem, eu achei que fluiu bem.
P/1 – Márcia, em nome do Museu da Pessoa nós agradecemos a sua entrevista e a oportunidade de conhecê-la.
R – Eu que agradeço por essa oportunidade de estar falando desse trabalho, desse projeto. Eu espero que ele corra o mundo. Na verdade, eu gostaria muito de levar isso pra minha cidade, pra Belém, porque lá tem muitas mulheres que precisam de um projeto como esse, que com certeza mudaria a vida de muita gente, como está mudando a minha. Está mudando a minha vida pra muito melhor.
P/1 – Legal Márcia, obrigada!
R – Eu que agradeço.
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